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sábado, 17 de abril de 2021

Pandemia, verdade e justiça - Marcos Rolim

 Marcos Rolim escreveu TUDO o que é preciso saber para processar o capitão por “CRIMES CONTRA A HUMANIDADE” (mas creio que será difícil chegar ao TPI, na Haia), ou colocá-lo no foco de uma futura Comissão da Verdade e Justiça, no próprio Brasil.

Paulo Roberto de Almeida


Pandemia, verdade e justiça 

Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição
Por Marcos Rolim / Extra Classe, 16 de abril de 2021 
 
 
 
 


"Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo"

“Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo”

Ilustração: Detalhe de “Memória”, óleo sobre tela de Rene Magritte, Bélgica, 1948

A tragédia em curso no Brasil não tem, ainda, um nome preciso, mas penso que estamos diante de “Crime contra a humanidade”, a figura jurídica com a qual referimos o sacrifício em massa de um grupo determinado como consequência da atuação do Estado.

O artigo 7º do Tribunal Penal Internacional (TPI) elenca as condutas dessa natureza (tortura, escravidão, apartheid, privação arbitrária da liberdade, desaparecimento forçado, etc), inserindo, em seu rol de atrocidades, a seguinte formulação: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Assim, ataque generalizado ou sistemático à população civil com efeitos dessa gravidade, não necessariamente de origem militar, preenche as características do tipo penal.

Descrever um processo que poderá conduzir o Brasil a meio milhão de mortes, talvez mais, já seria algo muito difícil, mas quando analisamos suas circunstâncias, percebemos que esse massacre foi acompanhado por um discurso e por uma política específicos, ambos identificáveis e fartamente documentados.

Desde o início, temos a postura negacionista do presidente da República, que sempre desprezou a gravidade da pandemia, que duvidou dela, que a tratou como “gripezinha” e “fantasia da imprensa”. Na base dessa visão, estava uma estratégia definida à margem do debate público e das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS): permitir a mais ampla circulação do vírus de modo a estimular o contágio e a presumida consequência da imunização coletiva (a chamada “imunidade de rebanho”).

Estudo recente do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas, o qual analisou 3.049 normas editadas pelo governo federal ao longo da pandemia, identificou essa racionalidade de forma incontroversa.

Por conta da sua estratégia, o governo federal, que deveria centralizar as ações de enfrentamento à pandemia e aglutinar todos os agentes públicos em torno de um único desafio, conter a disseminação do vírus e salvar vidas, atuou em sentido contrário, abrindo guerra contra governadores e prefeitos que procuravam assegurar medidas de distanciamento social. Agindo dessa forma, Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição.

Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo. Ele se divertiu diante da notícia de um suicídio de alguém em isolamento; chamou de “maricas” os que procuraram se proteger e de “frescura e mimimi” a ideia de ficar em casa; ele criticou o uso de máscaras, vetou a obrigatoriedade delas e promoveu aglomerações consecutivas. Bolsonaro atacou várias vezes a Coronavac e estimulou a desconfiança pública nas vacinas, chegando ao cúmulo de cogitar que a vacina poderia provocar alterações genéticas e transformar as pessoas em um jacaré.

Gestão catastrófica da pandemia

Mais: Bolsonaro recusou, em agosto do ano passado, a oferta da Pfizer de 70 milhões de doses, afirmando, em dezembro de 2020, que não havia qualquer necessidade de pressa para a vacina. Enquanto desprezava as vacinas, Bolsonaro passou a propagandear a terapia com Hidroxicloroquina e, logo depois, o chamado “tratamento precoce”, iniciativas sabidamente ineficazes no tratamento da covid, mas que produziram, além de efeitos iatrogênicos, como alterações cardíacas e hepatites medicamentosas, uma redução dos cuidados preventivos e nova subestimação da gravidade da doença. Nunca uma conduta geral de um governo restou tão claramente demonstrada.

É impossível saber quando poderemos superar a pandemia. O surgimento de novas cepas do vírus no Brasil poderá fazer com que a covid-19 se torne endêmica no país. Nessa hipótese, levaríamos muitos anos para superar a crise sanitária a um custo humano, econômico e social inimaginável. Independentemente desse desdobramento, a gestão da pandemia no Brasil tem sido de tal forma catastrófica que se tornará imperativo, em futuro próximo, que se forme uma Comissão de Justiça e Verdade a respeito do tema. Uma comissão não apenas para produzir um relato histórico dos crimes eventualmente cometidos, mas capaz também de indiciar os responsáveis por eles, um a um. É preciso, desde já, registrar o que for possível, colher depoimentos, guardar minuciosamente.

O dilaceramento, o desespero, a dor disseminada, o abandono dos mais pobres, as filas de espera em UTIs, a asfixia, a fome, as sequelas, o luto impossível, nada disso é fenômeno natural, desígnio divino ou misterioso destino. O espetáculo de horror que estamos vivendo sempre teve direção, roteiristas, sonoplastas e iluminadores, além de uma plateia adoecida disposta a aplaudir e a repetir slogans nazistas. A conduta de todos esses demônios há de ser lembrada e punida.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Redes sociais e democracia política - Paulo Roberto de Almeida

 Redes sociais e democracia política  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[ObjetivoQuestões para debate onlinefinalidadesubsídios a questões relevantes]

  

Entrevista gravada e reproduzida na plataforma Instagram (24/11/2020; link: https://www.instagram.com/p/CH-cuKQh4mg/).


1- Qual tem sido o impacto do uso das redes sociais sobre a política em um sentido amplo?

PRA: Esse impacto é enorme, descomunal mesmo, em relação às formas anteriores de comunicação política, de conquista de votos, de disputas eleitorais.

Podemos caracterizá-las como uma quarta ou quinta revolução social na missão de conquistar adeptos para suas posições e de galgar assim o poder político. Nas sociedades tradicionais, reinos ou impérios da antiguidade, ou nas sociedades feudais e monarquias absolutas, regimes despóticos em geral, a “propaganda política” é mais bem feita pela força das armas. Nos Estados mais ou menos organizados, passam a existir as coalizões de forças sociais ou personalidades individuais que predominam pela força da palavra e do convencimento, com algum apoio ocasional, ou latente, no poder econômico e militar. A política, a propaganda, o aliciamento de apoiadores são feitos na ágora, na praça pública das cidades-estados da Grécia antiga, no Senado romano, na mobilização dos cortesãos e dos mandarins que sempre circulam em torno do poderoso do momento, até que algum outro se imponha, pacificamente ou pela força. Se trata, portanto, do contato direto dos chefes políticos com súditos ou cidadãos de uma sociedade organizada em estamentos ou classes sociais diferenciadas (sendo os proprietários de terra, os comerciantes, os banqueiros os estratos mais importantes dessas sociedades tradicionais). A comunicação é direta, ou pela via de “cabos eleitorais” primitivos, os assessores dos chefes políticos, dos condottieri.

A primeira revolução social na comunicação política é, evidentemente, a invenção da imprensa, o uso de tipos móveis e dos mecanismos de impressão para reproduzir de forma infinita o que antes era objeto de cópias manuais, trabalhosas, restritas, caras. Ela é concomitante com a expansão da alfabetização e da escolarização, sobretudo nas sociedades protestantes da Europa setentrional, uma vez que a China já estava adiantada nas formas de escrita e disseminação de textos literários e oficiais. A imprensa vai fazer explodir os jornais, os pasquins, os panfletos, os livros, e provocar, pela primeira vez, um amplo debate de ideias, nas ruas e praças, nos cafés, nos parlamentos que se vão instalando com a passagem das monarquias absolutas para regimes constitucionais. Guerras civis e revoluções para a conquista do poder são em grande medida o resultado da disseminação da palavra escrita, e da propaganda política que vem junto. 

Mas é partir da segunda revolução industrial, desde meados do século XIX até o início do XX que se desenvolve uma segunda revolução: as máquinas gráficas movidas a diversas formas de energia, o telégrafo elétrico e depois os cabos submarinos e o telégrafo sem fio, que inaugura a era das grandes tendências políticas organizadas em partidos: liberais, socialistas, anarquistas, conservadores, todos os movimentos se organizam em torno de um jornal, de um periódico, da propaganda ocasional nos debates pré-eleitorais e depois nas tribunas dos parlamentos. O interior recebe as notícias das capitais e se insere igualmente na política, as classes subalternas também se organizam em torno de seus panfletos e jornais. Desde a Revolução francesa, atravessando todas as revoluções democráticas do século XIX, a principal forma de conquista de poder passa a ser a conquista de votos não mais unicamente pelo contato direto, pela arenga pública, mas pela comunicação impressa distribuída aos milhares de exemplares. Grandes jornais e revistas já existem há mais de dois séculos, e continuam ainda a desempenhar um papel relevante na propaganda política. 

A terceira revolução social na comunicação política é a que nasce com a segunda revolução industrial e tem a ver com o telefone e o rádio, este o meio principal, ainda, capaz de alcançar praticamente todos em todos os rincões do país. A televisão virá em seguida e completará essa revolução decisiva na formação das democracias contemporâneas, ao lado dos sempre presentes órgãos da imprensa, independentes ou partidários. Ela ainda é a forma principal de propaganda política nas campanhas eleitorais, mas passou a ceder lugar, desde 20 ou 30 anos, à internet, que serve à comunicação direta entre o candidato e seus eleitores. Até o seu surgimento, os candidatos eram obrigados a mandar imprimir milhares ou milhões de “santinhos” ou mensagens políticas, cartas e panfletos, para distribuição direta nas casas dos eleitores ou envio pelos correios e serviços de entrega. Ela não substituía a arenga direta, os comícios, os palanques, as marchas e visitas dos candidatos nas praças, nos estádios, ou nas casas dos eleitores, nos casos de candidaturas locais. Toneladas de papeis impressos, em preto e branco ou coloridos, jorravam das gráficas a cada dois ou quatro anos, enquanto os candidatos se preparavam para mentir o melhor possível nas rádios e nas redes de televisão. Uma má sorte num debate televisivo jogava o candidato lá atrás nos resultados das urnas.

Tudo isso continuou existindo, mas veio a ser complementado e agora suplantado, talvez diminuído, pela irrupção das redes de comunicação social, que podem ser chamadas de quarta ou mesmo quinta revolução social da comunicação política, pois ela também evoluiu terrivelmente ao longo da última década e meia. O presidente Barack Obama talvez tenha sido o primeiro presidente eleito, e financiado, pelas redes de comunicação social, cuja característica básica, em relação à rádio, jornais e televisão, é a de que elas sejam, na sua essência, descentralizadas. Obama recebeu milhares, milhões de pequenas contribuições individuais de eleitores seduzidos pela novidade, do candidato e das suas formas de comunicação e de mobilização de eleitores. Isso permitiu vencer a força dos grandes lobbies, os financiamentos milionários de grupos de interesse, o apoio de grandes carteis e empresas aos “seus” senadores e deputados, o que tem sido crucial para a expansão da participação democrática nas sociedades abertas da contemporaneidade. 

De 2008 para cá, as ferramentas e mecanismos das redes sociais se estabeleceram como a principal forma de propaganda política à disposição de todos, praticamente, ainda que necessitando igualmente a contratação de especialistas nas novas formas de comunicação social, para o bem e para o mal. O presidente Trump foi provavelmente o primeiro a usar essas formas de comunicação deliberadamente com o objetivo de falsificar, de enganar, de desacreditar seus adversários, de manipular eleitores ingênuos com hábil propaganda mentirosa. É o primeiro arquiteto da máquina de FakeNews que ele nunca cessou de denunciar, e da qual abusou tremendamente para vencer sua adversária em 2016, e que ainda continuou usando em 2020, tendo sido vencido, desta vez, pela pandemia e pela exposição de todas as suas más qualidades e preconceitos. 

Para o bem e para o mal, as redes estão estabelecidas em todas as vertentes e dimensões da competição política, e vão marcar as disputas eleitorais no futuro imediato e nas décadas à frente, mas muitas outras inovações vão surgir nesse mesmo universo.

 

2- O uso das redes sociais tem contribuído para a crescente polarização ideológica, própria do debate político nos últimos anos?

PRA: Sim, e não. Polarização ideológica sempre existiu, em todas as épocas, embora desde a Revolução francesa ela tenha adquirido esse formato divisivo que ainda permanece entre nós, a despeito do surgimento de novas correntes políticas (feminismo, ambientalismo, etc.). Os grupos e partidos políticos costumam ocupar o largo espectro que vai da extrema-esquerda à extrema-direita, sendo mais comuns os partidos centristas, para um ou outro lado. O linguajar político e as propostas de políticas públicas não mudaram muito, desde então. A esquerda é normalmente identificada com as causas dos pobres e dos trabalhadores, propondo distributivismo, socialismo, igualdade e intervenção estatal, em oposição aos interesses dos patrões e dos setores conservadores, que defendem a propriedade, os mercados e o patrimônio, insistindo mais na garantia da lei e da ordem, a pretexto de ficar do lado da liberdade. Essa polarização, que se tornou mais explícita com os movimentos socialistas dos séculos XIX e XX, permanece até hoje, e deve marcar o debate político no futuro previsível, uma vez que as sociedades, mesmo as mais avançadas, ainda são marcadas por diferenças de renda e de bem-estar, dimensões bem mais caracterizadas nas sociedades mais pobres e menos capitalistas. 

O que as redes sociais fazem é levar a polarização ao alcance de todos os cidadãos eleitores conectados de alguma forma às informações que circulam livremente por elas. Mas, muito antes das redes, grupos políticos opostos já se combatiam pela imprensa, nas ruas e nos parlamentos. O que elas trazem é uma capacidade de mobilização maior, sobretudo em termos de protestos sociais, como se viu na Primavera Árabe e em outros países, e geralmente em detrimento de ditadores e dirigentes incompetentes. 

 

3- O uso crescente das redes sociais constitui uma ameaça à Democracia?

PRA: Sim e não, novamente. Elas transmitem ideias, boas e más, informações, verdadeiras ou falsas, consignas, unificadoras ou divisivas. Ou seja, elas constituem um aporte extraordinário à participação democrática dos cidadãos, mas também podem servir, como se viu no seu uso maligno pela nova direita americana, e por Trump especialmente, para provocar erosão da fé cidadã na democracia tradicional, em favor do culto a um salvador da pátria. Isso não depende apenas das redes, pois elas não podem criar sozinhas crises econômicas, conflitos políticos, tensões sociais, desemprego, conflitos maiores, nacionais ou extranacionais. 

A terceira onda da globalização, que justamente fez emergir a força das redes sociais, também provocou certo stress social, ao provocar desemprego nos países da segunda revolução industrial em favor das economias emergentes dinâmicas, geralmente da Ásia. O desemprego, acompanhado da imigração de massas de miseráveis, migrantes econômicos ou refugiados de guerra, provocou reações na Europa e nos Estados Unidos, juntamente com a irrupção do terrorismo islâmico, que acentuou um deslocamento do eleitorado para grupos, movimentos e partidos de direita, nacionalistas, xenófobos, racistas. No meio de tudo isso, é fácil encontrar os adeptos de teorias conspiratórias que fazem um uso perverso das redes sociais de uma forma que os antigos serviços de propaganda dos governos, na época da Guerra Fria, não podiam sequer imaginar. 

Populismo econômico, demagogia política, estavam relativamente em recuo, desde as experiências fascistas do entre guerras, com seu uso intensivo das ferramentas de comunicação social – basicamente rádio, imprensa e um pouco de TV, complementado por filmes e documentários de massa – para mistificar as massas. Os demagogos voltaram a incomodar os partidos tradicionais, como também já tinham feito nos anos 1920 e 30 – que eram basicamente os conservadores e os socialdemocratas – e agora passam a dispor de ferramentas poderosas de manipulação das massas, que não hesitam a usar das formas mais viciosas e viciadas possíveis. Nesse sentido, elas constituem, sim, uma ameaça à democracia, daí essas demandas recentes de combate às FakeNews, de controle dos provedores de acesso, de códigos de conduta para as ferramentas mais conhecidas na atualidade. 

Não se trata de missão simples, uma vez que as FakeNews estão no âmago da propaganda política desde séculos, apenas assumindo formas e suportes diversos. Sociedades abertas são evidentemente mais suscetíveis de sentirem o peso da manipulação política, uma vez que nas ditaduras a solução mais simples é a censura da imprensa e o controle arbitrário dos produtores e disseminadores de informação, com a forte mão do Estado atuando sem freios contra quaisquer dissidentes da verdade oficial. 

 

4- De que modo o uso das redes sociais tem influenciado a política internacional?

PRA: Até a Segunda Guerra Mundial as comunicações internacionais eram muito restritas, por serem caras e limitadas. Com a explosão das comunicações por satélite, desde os anos 1960, a comunicação é instantânea e cada vez mais acessível a empresas de mídia e a todo e qualquer cidadão. As redes sociais, desde a inauguração da internet, no final dos anos 1980 e a sua disseminação universal via celular desde então, mobilização cidadãos identificados com as mesmas causas, co-nacionais ou não, em qualquer canto do planeta, o que criou uma opinião pública suscetível de ser mobilizada para pressionar os governos e, portanto, as diplomacias. Os próprios dirigentes, diplomatas e chefes de Estado, passaram a se comunicar mais facilmente, multiplicando-se, antes da pandemia, os encontros presenciais, as grandes conferências, as viagens e todos os tipos de contatos de cooperação internacional. Um desastre natural, uma guerra, uma carência de abastecimento em qualquer canto da terra podem ser comunicados e serem objeto de administração multilateral em tempos recordes. 

As redes sociais conectam cientistas, pesquisadores, dirigentes políticos e ativistas sociais de modo instantâneo, o que significa que os governos podem ser pressionados a adotar esta ou aquela política em função das novas pressões políticas e sociais que emergem a partir das redes. O presidente Trump, novamente, foi o dirigente que inaugurou a direção do país por essa via, tuitando furiosamente desde a manhã até a noite. É possível que o grande fator de vitória do seu seguidor e admirador no Brasil tenha sido o uso intenso – inclusive de forma desonesta – dessas redes, para construir o mito do homem salvador (no caso, contra a volta da esquerda). Funciona no âmbito doméstico e no ambiente externo igualmente, pois não existem mais diferenças entre as clientelas que é possível atingir por meio das redes: todos estão no mesmo universo, instantaneamente. Mas, assim como esses líderes podem usá-las para disseminar falsas notícias, eles também podem ser desmentidos no mesmo momento, e até fazer parte de campanhas de boicote, como tem ocorrido com Bolsonaro a propósito das queimadas e devastações na Amazônia: ele não mais conseguirá se desvencilhar dessa imagem de destruidor que já adquiriu justamente pelo uso das redes de comunicação social. 

 

5- O uso das redes sociais afetará futuramente as noções tradicionais de esquerda e de direita?

PRA: Não creio, pois as redes são apolíticas e amorais: elas servem a todos os propósitos, intenções e orientações políticas, das mais sensatas às mais hediondas e perversas. Mas, ao trazer novas dimensões sociais, filosóficas, espirituais, ao jogo político tradicional, que era, sim, muito marcado à direita e à esquerda, as redes vão diversificar o mercado de mensagens políticas e de clientelas. Feminismo, ambientalismo, defesa dos direitos dos animais, dos direitos das minorias sexuais e correntes religiosas as mais diversas encontram canais de comunicação que elas talvez não tivessem nas mídias tradicionais (jornais, rádios e redes de TV). A quantidade de ONGs já é incalculável, e seu trabalho é tremendamente facilitado pelas redes, uma vez que elas não possuem os recursos disponíveis nos meios tradicionais pela propaganda comercial paga. 

O impacto na educação também é significativo, o que talvez mude um pouco o universo no qual as políticas nacionais têm se movimentado nos últimos dois séculos e meio, que é ainda, um pouco ou bastante, o da Revolução francesa e suas grandes causas, que eram ainda a da emergência da sociedade industrial. Na economia do conhecimento, dos serviços, da inteligência artificial, talvez essas noções tradicionais de esquerda e direita percam um pouco de sua preeminência nos debates políticos junto ao grande público do futuro. As novas causas são menos de direita e esquerda e mais da saúde do planeta, dos direitos humanos e da democracia, no sentido mais amplo do termo. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3799, 23 de novembro de 2020