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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O pacto perverso da CUT com a FIESP, para atrasar o Brasil...

Este jornalista acredita que o lulopetismo e sua política comercial esquizofrenica nao tem nada a ver com o atraso, ou o recuo comercial do Brasil no plano das relacoes economicas externas. Ele atribui o problema aos industriais protecionistas do Brasil. Mas se esquece de mencionar que ambas ideologias protecionistas se casam perfeitamente.
Existe um pacto perverso, contra a sociedade brasileira, feita entre a CUT e a FIESP, mesmo se as duas entidades jamais sentaram-se para negociar tal pacto. Ele existe de fato e prescinde de qualquer acordo para existir.
Se trata do mesmo pacto que na Inglaterra pré-Thatcher unia a TUC (a CUT deles, o Trade Union Congress) ao Labour pré-Blair, o partido que ainda rezava pela cartilha marxista de 1919, que prometia nacionalizacoes, estatizacoes, controle do comercio exterior, etc. As mesmas velharias do passado que unem a CUT com a FIESP e impedem o Brasil de avancar.
Esse pacto perverso nao será vencido facilmente, e nem sabemos se será vencido, de fato, algum dia.
Quanto 'a OMC, se enganam aqueles que a veem como uma entidade promotora do livre comércio. Ela é apenas a favor de um mercantilismo bem-administrado.
Como a CUT e a FIESP, aliás. Elas se amam...
Unidos num mesmo combate contra a liberdade dos mercados...
Paulo Roberto de Almeida

Um brasileiro na OMC, para que, afinal?

Por Sergio Leo
Valor Econômico – pág. A2, 04.02.13

Quem se pergunta qual a importância, para o Brasil, de um candidato do país à direção-geral da Organização Mundial do Comércio deveria refletir sobre outra pergunta, mais relevante: qual a importância da OMC para o Brasil? É a resposta para essa indagação que justifica o lançamento do diplomata Roberto Azevedo como candidato ao comando dessa instituição multilateral. É também essa questão que permite situar mais corretamente certas críticas fora de foco à estratégia de negociação comercial adotada nos últimos anos pelo Brasil.
É frequente e equivocada a comparação entre o Brasil e países como Chile e México, os brasileiros atrelados ao Mercosul, com uma rede medíocre de acordos de livre comércio, e os outros dois (com Colômbia, Peru e outros) ligados a uma rede em expansão de acordos de redução de barreiras comerciais. O primeiro equívoco é atribuir a falta de acordos exclusivamente ao governo e à suposta influência do "lulopetismo" na estratégia comercial, como se não fosse o influente setor privado brasileiro um dos maiores opositores, no passado e mais ainda agora, à derrubada de tarifas e barreiras que orienta toda negociação de comércio.
O exemplo mais conhecido do bloqueio do setor privado às negociações comerciais é o acordo com o Conselho de Cooperação do Golfo, clube dos ricos países árabes que chegou a concluir um acordo com o Mercosul, detonado, à última hora, pela pressão da indústria petroquímica brasileira. Sem acordo, os árabes importaram, nos dois últimos anos, mais de US$ 7,6 bilhões anuais do Brasil, cerca de um terço disso em produtos industrializados. Para o lulopetismo, o acordo era querido por motivos políticos e econômicos, ao servir de contraparte ao acordo firmado com Israel e abrir espaço em um vigoroso mercado emergente. O empresariado brasileiro não teve o mesmo ânimo.
Azevedo se apoia na experiência com as manhas de Genebra
Enquanto o Chile sustenta sua economia com exportações sobretudo de produtos primários como cobre e pescado, e o México optou por vincular-se solidamente a segmentos de menor agregação de valor da cadeia produtiva dos EUA, o Brasil tem diferente estrutura industrial e distintos recursos naturais.
Grande produtor de commodities agropecuárias, que somam algo próximo a 30% do total das exportações nacionais, o Brasil tem entre as principais barreiras a suas vendas externas os programas de subsídios agrícolas dos países desenvolvidos e a aplicação discricionária de barreiras técnicas - dois temas de difícil solução fora de negociações multilaterais como a Rodada Doha, da OMC. Em geral, são baixas as barreiras nos principais mercados a exportações de manufaturados - a valorização do real faz mais estrago, nesses casos, do que qualquer benefício com corte de tarifas de importação.
A situação singular do Brasil não deve servir de pretexto para se abandonar o esforço por acordos comerciais, mas justifica a prioridade conferida às negociações abrangentes da OMC. A existência de regras multilaterais de proteção ao livre comércio interessa não só aos produtores como aos consumidores brasileiros. São elas que moderam os apetites protecionistas domésticos, e impõem limites e racionalidade a medidas governamentais voltadas ao fechamento do mercado. Um país de comércio diversificado como o Brasil se beneficia dessas regras, mesmo quando não derrota totalmente o protecionismo, como ficou evidente no caso, vencido pela diplomacia brasileira, contra os subsídios americanos aos produtores locais de algodão.
A candidatura de Roberto Azevedo está nesse contexto: seu discurso e a base da difícil campanha brasileira à direção da OMC se apoiam na necessidade de dar novo fôlego ao sistema multilateral de comércio. Ao defender a própria candidatura para os membros da OMC, em Genebra, na semana passada, Azevedo tentou provar que sua experiência nas negociações - respeitada e elogiada até por adversários em disputas duras, como os EUA - permitirá a ele conduzir pragmaticamente e eficientemente os novos capítulos da novela comercial multilateral.
Não basta entender de comércio e ter experiência internacional, argumentou o diplomata. É preciso conhecer a OMC por dentro, saber a história de cada negociação, evitar a repetição de impasses antigos, saber se uma bronca resulta de problemas reais dos governos ou de idiossincrasias de algum negociador.
Se falasse a brasileiros, Azevedo poderia ter dito que, para tirar o sistema multilateral de comércio do impasse, é preciso não só resgatar jabutis das árvores, mas saber quem e o que os colocou lá em cima. Ele, como nenhum dos outros candidatos, pode fazer isso, por experiência própria com os quelônios aéreos e os arbustos espinhosos do nº 154 da rue de Lausanne, em Genebra, sede da organização.
A disputa pela direção da OMC ocorre às vésperas de uma nova reunião ministerial para salvar a Rodada Doha, e, como deixou claro o atual diretor-geral, Pascal Lamy, no Fórum Econômico de Davos, está se formando um consenso para deixar de lado, pelo menos por enquanto, as grandes ambições de mudanças nas regras de comércio agrícola e concentrar a negociação em um tema menos charmoso, mas importante, a "facilitação de comércio" - remoção de burocracia, obstáculos de infraestrutura e ineficiências no trânsito de mercadorias, especialmente nas alfândegas.
A facilitação comércio trará ao mundo metade dos benefícios que se esperava com a rodada, garantiu Lamy, em Davos. Há controvérsias. O Brasil não quer que Bali seja um ponto final da rodada, e insiste em incluir, pelo menos, temas como regulamentação mais clara para cotas de importação e apoio aos países mais pobres, para atender às novas exigências multilateriais.
Azevedo defende o próprio nome como o mais adequado, com maior experiência, para conduzir essa reunião ministerial, em Bali, de forma a revigorar as regras multilaterais de comércio. Quanto mais fracas essas regras, mais dependente o mundo fica da lei dos mais fortes. O brasileiro não exagera ao falar da própria capacidade. A dúvida é se seus potenciais eleitores estão, de fato, interessados nesse projeto.
Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras
E-mail: sergio.leo@valor.com.br

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Memorias de um economista centenario - Alexandre Schwartsman

Enfim, não precisaria esperar tanto tempo para saber quais países vão dar certo, e quais vão dar errado. Mesmo sem ter vivido cem anos, sem ter bola de cristal ou poderes adivinhatórios, eu sei prever algumas coisas muito simples.
O ciclo de juros baixos dos países avançados vai terminar, e eles vão ter de aumentar os juros em algum momento; aí eu prevejo - vejam como eu sou "experto" - calotes em série no Brasil e aumento geral da inadimplência, retração dos investimentos em carteira, eventual fuga de capitais, enfim, desvalorização e quebra de alguns "ispertos". 
Também sei prever que a Argentina, pela "enésima" vez -- mas esta previsão é ainda mais fácil -- vai ter uma crise cambial, fuga de capitais, desvalorização, pobreza, manifestações, violência política, enfim, essas coisas que eles já conheceram cinco ou seis vezes nos últimos 70 ou 80 anos.
Também sei prever que os governos vão continuar irresponsáveis, emitindo dinheiro ou fazendo dívida pública, e depois produzindo um pouco de inflação para "honrar seus compromissos", pagando em moeda desvalorizada.
Eu sei prever um monte de coisas, mas obviamente tudo isso é chute, pois eu não tenho as virtudes de economista do articulista abaixo.

Paulo Roberto de Almeida 


Este é o segundo de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.

Memórias de um economista centenário
Por Alexandre Schwartsman
Valor Econômico12.9.2012 – pág. A18

Excerto das memórias do economista Alexandre Schwartsman, postadas no seu centésimo aniversário:
"Mas o principal erro, dentre tantos que cometi, e que são inerentes à profissão do economista, talvez tenha sido não levar a sério algumas de minhas próprias conclusões e, desta forma, não antever os eventos de maior magnitude observados até agora no século XXI, que vi nascer e no qual vivi a maior parte da minha longa existência.
Eu já tinha acompanhado o que ocorrera com a Argentina, país que - assim como a periferia europeia - havia se colocado numa armadilha cambial. Enquanto os capitais fluíam abundantemente tudo corria a favor do país. Havia um desequilíbrio externo, mas o financiamento barato não criava incentivos para sua correção; pelo contrário, a percepção que a poupança externa estaria sempre disponível para países que se engajassem seriamente nas reformas e no controle fiscal gerou despreocupação com respeito ao balanço de pagamentos.
Persistência do crescimento baixo ou negativo abre espaço para a polarização política e para o populismo
No entanto, quando os capitais secaram, originalmente por fatores que pouco (ou nada) tinham a ver com a Argentina, e o país se viu obrigado a fazer um forte ajuste de balanço de pagamentos, o pesadelo do padrão-ouro retornou. Incapaz de desvalorizar sua moeda, tentou promover a depreciação interna, isto é, reduzir preços e salários domésticos para recuperar a competividade perdida.
Como resultado, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que atingira níveis asiáticos nos anos anteriores, foi negativo em 1998, 1999, 2000 e 2001, testando os limites políticos e econômicos da estratégia. A arrecadação caiu e o país passou a enfrentar problemas fiscais. Ao mesmo tempo, aumentou a percepção que a Argentina não conseguiria manter o câmbio fixo, gerando um sério problema: com praticamente toda a dívida pública e privada denominada em dólares, era claro que o abandono do câmbio fixo levaria - como levou - à reestruturação da dívida do governo e à quebra do sistema financeiro.
Crise ressalta necessidade de o Brasil retomar as reformas para viabilizar nova fase de expansão
Isto realimentava o problema à medida que tais temores se refletiam em elevações dos spreads soberanos e, consequentemente, do custo de capital para os setores público e privado, agravado a recessão e os problemas fiscais. De nada adiantaram planos de ajuste fiscal (mais rigorosos do mesmo hoje se dá crédito), ou promessas de ajuda externa (quantas vezes ouvimos o termo "blindaje"?).
Quando a deterioração atingiu um estado crítico, com fuga de capitais e queda acentuada da atividade econômica a Argentina viu-se forçada a desvalorizar a moeda, promover o corralito para estancar a fuga de depósitos e, por conta disso, mergulhou em profunda crise política, preparando o terreno para a volta do tradicional populismo latino-americano.
Os paralelos com a situação da periferia europeia eram mais do que desconfortáveis. Havia uma forma ainda mais extrema de câmbio fixo: a adoção de uma moeda única entre economias estruturalmente muito distintas e que não possuíam mecanismos de ajuste como os encontrados em economias continentais, como Estados Unidos e Brasil.
Os mercados de trabalho não eram integrados, isto é, salários na periferia e centro europeus eram determinados por considerações regionais, com pouquíssima migração de regiões com salários estagnados para regiões com salários em crescimento, o que levou à evolução muito distinta do custo do trabalho ajustado à produtividade.
Assim os custos subiram na periferia relativamente ao centro, processo equivalente à apreciação cambial, conduzindo a déficits externos maciços na periferia em contrapartida a superávits não menos relevantes no centro. Novamente isto não foi visto como problema, dada a crença na persistência dos ingressos de capitais por conta da integração financeira.
Contudo, quando sobreveio a crise de 2008-09 e os capitais voltaram ao centro, esta vulnerabilidade foi desnudada. Da mesma forma que na Argentina, a necessidade de redução de preços e salários levou a um forte processo recessivo, que contaminou as finanças governamentais. Adicionalmente as perdas bancárias forçaram os governos a garantirem, explícita ou implicitamente, depósitos, criando um imenso passivo público.
Aí ficaram patentes as duas outras falhas da integração europeia. A ausência de integração fiscal colocou um fardo desproporcional sobre a periferia, em particular nos países que, antes da crise, haviam tido desempenho exemplar de controle de gastos. Tiveram que cortar carne e osso, agravado o clima político e a queda da atividade.
Já a ausência de integração bancária deixou cada país exposto às vicissitudes do seu sistema financeiro, aprofundando a percepção que a conta dos problemas bancários recairia sobre o governo, e levando a prêmios de risco crescentes sobre sua dívida. Por outro lado, com os bancos carregados de títulos públicos, este mesmo aumento dos prêmios piorava sua situação patrimonial, o que não ocorreria (ou ocorreria em escala muito menor) caso a garantia aos bancos fosse supranacional.
Em suma, a crise europeia da primeira década do século foi uma repetição da crise argentina, mas em escala muito ampliada. Ampliada porque envolvia vários países; porque envolvia somas perto das quais o default argentino virava dinheiro de troco; porque ocorria pela primeira vez depois de quase um século em países desenvolvidos; e, finalmente, porque punha em xeque a construção política mais ambiciosa do Ocidente: a unificação europeia.
Hoje, 50 anos depois dos eventos, ainda me lembro do peso deste último elemento. Acreditava que a Europa não permitiria a dissolução do seu ousado projeto político e que, portanto, depois de todas as rodadas necessárias de barganha, os líderes europeus fariam o que seria necessário para manter a União Europeia. Eventualmente os países credores, Alemanha principalmente, acabariam pagando a conta em troca de um controle maior, ou seja, de uma criação de uma Europa federal.
Não contava, porém, com dois fatores perturbadores: a complexa governança europeia, que dava pesos iguais a países de dimensões muito distintas; e a polarização política acentuada pela própria recessão. Num primeiro momento a transição política de situação para oposição na Europa ocorreu dentro do mainstream, mas a persistência do crescimento baixo, ou mesmo negativo, terminou por corroer a credibilidade dos partidos políticos tradicionais.
Populistas como Beppe Grillo na Itália, Alexis Tsipiras (do Syriza), e Geert Wilders na Holanda, trazidos ao poder em meio a mensagens contrárias à austeridade fiscal e, de modo geral, hostis ao projeto de unificação europeia, transformaram o que poderia ser um jogo de cartas marcadas numa disputa real, abrindo inclusive espaço para a eleição de Marine Le Pen e sua Frente Nacional na França, a pá de cal no projeto europeu.
É bem verdade que, antes mesmo da eleição de Le Pen, a incapacidade da cúpula europeia de articular um plano ousado de resgate da periferia já havia forçado a saída da Grécia da moeda única, jogando aquele país numa crise ainda mais aguda que a experimentada entre 2008 e 2012.
Mais que isso, a saída grega (conhecida na época como Greekexit) terminou de vez com os resquícios da crença sobre a inviolabilidade do euro. Nas semanas e meses que se seguiram ao Greekexit, numa imitação agora da crise asiática de 15 anos antes, como dominós foram caindo os países da periferia.
Primeiro Portugal, assolado por problemas semelhantes aos gregos e, como a Grécia, percebido como pequeno demais para afetar o todo. Depois Chipre, Irlanda, Espanha e, finalmente, após uma luta inglória, também a Itália. Num espaço de meses toda a periferia europeia havia abandonado a moeda única, de repente domínio da Alemanha e seus satélites, com a França orbitando algo desajeitadamente entre o euro e o retorno do franco (finalmente decidido pela presidente Le Pen alguns anos mais tarde).
Desnecessário dizer que todos os países que abandonaram o euro pagaram caro (ainda que não se saiba até hoje qual teria sido o custo de permanecer atrelado ao euro). Da mesma forma que na Argentina, no começo do século, a dívida pública se tornou impagável, tendo sido convertida forçosamente nas novas moedas nacionais redivivas.
É verdade que credores domésticos sofreram relativamente pouco no processo (não quero dizer que sofreram pouco, apenas consideravelmente menos do que outras classes de credores). Sim, houve uma redução modesta no valor nominal da dívida em vários casos (não todos) e, sim, com as taxas de juros repactuadas e fixas, a aceleração da inflação nos primeiros anos do novo regime acabou por impor um ônus adicional aos poupadores nacionais.
Da mesma forma, o sistema bancário em muitos destes países (também não todos) teve que ser nacionalizado, reconhecendo de direito uma situação de fato, visto que os governos nacionais eram os garantidores últimos da dívida.
Por conta disto tais países passaram por um período recessivo adicional, mas, de forma não surpreendente, dada a experiência argentina, vários retomaram o crescimento em prazos de um a dois anos. É bem verdade que cresciam a partir de níveis muito reduzidos de produto, algo entre 15% e 20% abaixo do seu potencial (talvez até mais se as novas técnicas psicohistóricas de aferição de produto potencial são tão precisas quanto a nova geração de economistas acredita). As melhores estimativas atuais sugerem que, em até quatro anos, a maior parte deles já operava em intervalos próximos ao potencial.
O que talvez não fosse esperado era o custo que a dissolução do euro impôs aos países que nele permaneceram. A começar porque as perdas associadas à reestruturação das dívidas periféricas afetaram fortemente os bancos dos países credores, onde, afinal de contas, acumulavam-se os créditos contra a periferia. Incluem-se, entre estes, os bancos centrais, que, por meio do Target 2, também mantinham enorme exposição à periferia.
As perdas bancárias do centro europeu, somadas à monumental apreciação do euro relativamente às moedas periféricas, tiveram impacto extremamente negativo sobre estas economias.
A locomotiva exportadora alemã em particular foi duramente atingida, visto que suas vantagens em termos de custos foram revertidas pela desvalorização na periferia. Por outro lado, a retração de crédito bancário - por conta das elevadas perdas patrimoniais - afetaram a demanda interna, tanto consumo, quanto investimento. E, completando o quadro, a necessidade do governo alemão recapitalizar os bancos partindo de uma situação de endividamento já delicada, levou a um aumento expressivo do custo de captação do Tesouro alemão.
É verdade que, no primeiro momento, a Alemanha teve um desempenho muito superior ao da periferia, mergulhada ainda na crise pós-desvalorização. Mas, passados alguns anos, o país voltou a ser referido como o homem doente da Europa, levando ao fim do longo reinado democrata-cristão e abrindo espaço para a hegemonia socialdemocrata.
"Ironia" é uma palavra grega e não deixa de ser irônico que a Grécia, uma vez superada a desvalorização e o desastrado governo do Syriza, tenha apresentado durante muitos anos desempenho consideravelmente superior ao alemão.
Mas isto veio depois. No momento da ruptura e nos 18 a 24 meses que se seguiram, o que se observou foi uma queda adicional da atividade europeia que rapidamente se espalhou, ainda que em escala não tão dramática.
Os EUA conseguiram evitar o "despenhadeiro fiscal" que se temia no fim de 2012, embora o presidente Obama, mesmo reeleito, tenha se tornado refém do Congresso de maioria republicana nas duas casas na primeira metade de seu segundo mandato. Cortes de impostos foram prorrogados e os cortes de gastos algo diluídos no tempo, face à resistência republicana à redução das despesas militares.
Apesar disso, os ventos contrários vindos da Europa mantiveram a recuperação morna, levando, na segunda metade do segundo mandato, à recuperação da maioria democrata na Câmara e Senado e ao fim melancólico do Tea Party.
De fato, apenas no final do governo Obama a economia americana voltou a crescer com maior vigor, após o longo processo de ajuste do endividamento excessivo das famílias. A eliminação da Lei Dodd-Frank, substituída por uma versão mais moderna da lei Glass-Steagall, forçou a separação das atividades de bancos de investimento e comercial1, levando a uma expansão mais saudável do crédito. A flexibilidade do mercado de trabalho nos EUA também ajudou e o impulso advindo da exploração de petróleo e gás levou finalmente à recuperação da economia americana após quase oito anos de crise.
Já a China, ainda presa entre o status quo e a necessidade de alterar seu modelo de crescimento em favor do consumo, experimentou anos de baixo crescimento (para os padrões chineses da época), resultado do reduzido dinamismo do comércio internacional e do investimento excessivo nos anos anteriores à dissolução do euro. Apenas a mudança da liderança política no começo dos anos 20 conseguiu superar o impasse, recolocando o gigante asiático novamente em rota de crescimento acelerado, ainda que inferior ao observado no fim do século XX e início do século XXI.
As consequências para o Brasil não foram devastadoras, mas foram certamente negativas. Preços de commodities reverteram a tendência de alta e perderam fôlego privando o país dos ganhos de termos de troca que marcaram a primeira década do século.
A exploração do petróleo da camada pré-sal, tida por muitos como o caminho para a prosperidade, teve resultados bem mais modestos, em parte por conta do fim do superciclo de commodities, em parte pelo insucesso do modelo de exploração, limitado pela capacidade financeira da Petrobras.
O lado positivo desta história foi a necessidade do país retomar o processo de reformas, que eventualmente levou a nova aceleração do crescimento, anos mais tarde, embora em bases mais sólidas.
Enfim, acho importante deixar aqui meu depoimento sobre este período turbulento para as novas gerações, ainda mais agora que renascem as conversas sobre a moeda única latino-americana. Eu me pergunto de que vale ter um Googlechip no córtex e as conexões neurais ligadas ao Coletivo Google se a imensa maioria dos economistas ainda encara a história econômica como um relato tedioso do qual pouco se pode aprender."
1 Obviamente, 45 anos depois o novo Glass-Steagall foi revogado e observamos novamente a formação de imensos conglomerados financeiros, sob alegação da necessidade de fazer frente aos rivais chineses e indianos.
Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil. É professor do Insper e sócio-diretor da Schwartsman & Associados. E-mail: maovisivel.blospot.com e alexandre.schwartsman@ hotmail.com

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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Venezuela no Mercosul (ou Mercosul na Venezuela?): back to the future? - Sergio Leo (Valor)

Curioso: ninguém parece lembrar -- salvo a representante da CNI -- que todo esse exercício já tinha sido conduzido (inutilmente, lembre-se) de 2006 até não se sabe quando (quando os diplomatas e funcionários técnicos se cansaram das tergiversações venezuelanas e simplesmente desistiram). e não deram rigorosamente em nada.
Vão tentar agora um "back to the future" para tentar corrigir o que não foi feito no passado?

Venezuela vacila ao entrar no Mercosul 

Sergio Leo

Valor Econômico, 13/08/2012
 
Enquanto as atenções se voltavam para um factoide criado em torno do presidente paraguaio, Federico Franco, que, em discurso na semana passada, explicitou a tradicional insatisfação do vizinho com os rendimentos de Itaipu, diplomatas e técnicos do governo cuidavam de problema mais relevante: a difícil adaptação da Venezuela para integrar, de fato, o Mercosul. Está em jogo a credibilidade do bloco e a seriedade do novo sócio, que emite sinais contraditórios.
 
Os venezuelanos mostram não ter pressa para conciliar as regras comerciais do país às do bloco do Cone Sul. E o presidente venezuelano, Hugo Chávez, informou à presidente Dilma Rousseff: em campanha eleitoral, evitará definições que possam ser exploradas pela oposição. A oposição, porém, não tem dado muita atenção ao tema, que é mencionado por empresários locais, temerosos da ameaça da competição com brasileiros e argentinos.
 
O Palácio do Planalto abrigou as reticências de Chávez, em troca da garantia de que, passadas as eleições, apressará o ritmo das conversas para a integração da Venezuela.
 
Seria erro de Dilma deixar negociação apenas aos técnicos
 
O governo brasileiro avalia que, se bem-sucedida, a entrada do país tende a favorecer produtos brasileiros em relação a fornecedores tradicionais dos venezuelanos, como a Colômbia. Mas Dilma também não pretende briga com o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que considera aliado nos esforços para integração no continente. Ela fala em estreitar os laços comerciais com a Colômbia, embora não mostre ainda uma estratégia clara para isso.
 
Pelo menos dois grandes empresários ouviram, nos últimos dias, do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que o governo quer "a Colômbia no Mercosul". Não é afirmação a ser tomada ao pé da letra: para ser integrante pleno do Mercosul, com quem já tem acordo como Estado associado, a Colômbia teria de adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco e romper o recém-sancionado acordo de livre comércio com os Estados Unidos, algo inimaginável em Bogotá.
 
O que os assessores de Dilma defendem é um esforço para negociar, com os colombianos, maneiras de reforçar a presença do país no Mercosul, de maneira a reduzir os efeitos negativos, para o vizinho caribenho, da incorporação da Venezuela ao Mercosul - e claro, abrir mercado a produtos brasileiros na Colômbia. Negociações para um acordo automotivo com a Colômbia, paralisadas há anos, poderiam ser reanimadas, por exemplo.
 
Além do esforço com a Venezuela, neste ano, outros países sul-americanos merecerão, no máximo, declarações políticas no que se refere ao Mercosul As negociações para incorporar o novo sócio já darão trabalho suficiente aos técnicos. Entre os problemas de competitividade dos venezuelanos, está a moeda sobrevalorizada, que consultorias locais, como a Ecoanalítica, calculam precisar de desvalorização superior a 100% para compensar os aumentos de custos dos últimos anos.
 
Especula-se na Venezuela que o Mercosul poderá servir de pretexto para sancionar uma desvalorização do bolívar após as eleições, ainda que muito abaixo dos 100%. Com uma inflação de 8,6% de janeiro a julho deste ano (quase 20% no periodo de 12 meses), a esquálida indústria venezuelana faz as dificuldades do setor privado brasileiro parecerem cócegas.
 
Some-se o crônico déficit comercial do país e seria fácil prever que os negociadores venezuelanos mostrariam, como já mostraram, a disposição de adiar ao máximo definições necessárias para a integração comercial da Venezuela ao Mercosul.
 
O governo brasileiro gostaria de começar já a troca de informações para facilitar a convergência entre as tarifas de importação da Venezuela e as do Mercosul, mas os venezuelanos só admitem começar a falar em mudanças de tarifas após concluído o esforço para adaptar as regras de classificação venezuelanas à nomenclatura comum do Mercosul, a NCM, usada na administração e estatísticas do comércio do bloco.
 
Pelo ritmo desejado em Caracas, o Brasil chegaria ao fim de sua presidência temporária do Mercosul, neste semestre, sem grande avanço ou definições na integração venezuelana, a não ser a adoção do sistema de classificação de mercadorias do Mercosul.
 
Hoje, em Montevidéu, negociadores do Mercosul se reúnem para discutir um cronograma das negociações com a Venezuela. Segundo informaram diplomatas brasileiros aos técnicos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na semana passada, o Brasil quer realizar reuniões de cinco dias, mensais, até o fim do ano, para garantir avanços nas conversas para adoção da TEC e de outros compromissos do bloco pelos venezuelanos.
 
"Vamos acompanhar de perto o cumprimento do protocolo de adesão pela Venezuela", comentou a gerente-executiva de negociações internacionais da CNI, Soraya Rosar, que ainda lembra das reuniões de negociação com o país, em 2006, canceladas com frequência pela ausência dos venezuelanos. "A burocracia na Venezuela dificulta até conhecer as tarifas aplicadas", nota ela. A CNI vem atualizando os dados comerciais, para orientar as conversas com a equipe de Chávez e espera que não se repita um problema dos anos anteriores, quando, a cada reunião, eram diferentes os representantes do lado venezuelano.
 
Pela experiência passada, e as ainda existentes resistências venezuelanas, seria um erro de Dilma deixar para os técnicos as negociações com a Venezuela, a menos que ela esteja desinteressada dos resultados comerciais possíveis com o novo sócio do Mercosul.
 
Detalhe curioso: como se sabe, a entrada da Venezuela se deu sem a necessária aprovação do Paraguai, suspenso do bloco, acusado de descumprir os compromissos democráticos do Mercosul. Os parlamentares paraguaios ameaçaram votar - contra - o protocolo de adesão da Venezuela, criando um fato consumado, mas voltaram atrás, na semana passada. Adiaram a votação, num sinal de que não pretendem queimar tão cedo as pontes que conduzem o país de volta ao bloco sul-americano.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

"Conversa de diplomata": para boi dormir? - a proposito do que disse a presidente

Trecho final do artigo do jornalista Sérgio Leo, no Valor Econômico, de 3/01/2012, "Sob Dilma, prevalece diplomacia econômica": 


"Ao contrário do que se imaginava após a eleição, Dilma tem mostrado gosto pelos assuntos internacionais, embora os econômicos sejam seus  preferidos. Na sua leitura matinal de jornais inclui sempre o britânico “Financial Times”. A presidente encantou-se com os detalhes  da formação do governo Obama, que leu numa biografia do colega americano. Leu também os livros sobre Bolívar presenteados pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Detesta, porém, “conversa de diplomata”, segundo define um ministro próximo, querendo dizer, com isso, a linguagem cuidadosa e vaga que algumas vezes é encontrada em relatos do Itamaraty – ainda que a presidente faça questão de prestigiar o Ministério de Relações Exteriores."


Parece que "conversa de diplomata" é uma coisa chata, pouco prática, insossa e irrelevante. Seria verdade?
Paulo Roberto de Almeida 


terça-feira, 5 de abril de 2011

Os conceitos da crise financeira: derretimento e colapso - Georg Zachmann

Sempre se pode aprender algo com a (má) experiência dos outros...

Crises nucleares e financeiras tendem a deixar marcas em sua esteira.
Colapsos e derretimentos

Georg Zachmann
Valor Econômico, 05/04/2011

As metáforas usadas durante a crise financeira de 2008-2009 - terremoto, tsunami, derretimento, cisne negro e colapso - voltaram com força redobrada, mas agora estão sendo reciclados em sentido literal. De fato, a crise financeira e a crise nuclear na usina nuclear em Fukushima, no Japão têm ao menos quatro semelhanças:

1) A metáfora do "cisne negro" sugere que esses acontecimentos refletem dificuldade para avaliar corretamente os riscos em sistemas complexos.

2) As agências regulamentadoras revelaram-se incapazes de prever e evitar a crise.

3) As "consequências adversas", por sua natureza, podem cruzar fronteiras.

4) Os custos incorridos por companhias imprudentes serão parcialmente socializados.

O terremoto de 9,0 graus de magnitude que atingiu o Japão é, evidentemente, um evento absolutamente excepcional - um evento tão raro que sua probabilidade não pode ser bem avaliada com modelos baseados em dados históricos limitados. Eventos com probabilidade muito baixa, mas de alto impacto - os chamados "riscos de cauda" - também estiveram presentes no cerne da crise financeira.

Uma das causas da crise financeira foi o apetite das instituições financeiras por selecionar (e em alguns casos, criar) produtos com retornos acima da média em tempos normais, mas prejuízos excessivos em casos excepcionais. Velhas usinas de energia nuclear em zonas sísmicas têm uma estrutura de "remuneração" similar. Além disso, tanto os modelos de risco financeiro como nuclear parecem não ter avaliado corretamente as correlações entre diferentes riscos.

As instituições financeiras tentaram reduzir os riscos por meio do agrupamento de hipotecas de quitação incerta (subprime), ao passo que o sistema de refrigeração de Fukushima não conseguiu sobreviver - seja com um apagão, um terremoto ou um tsunami. Mas, em ambos os casos, as probabilidades de colapsos eram correlacionadas e sua ocorrência conjunta levou à catástrofe.

Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Co. ampliaram seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem.

A França, por exemplo, permanecerá dependente de sua capacidade de geração nuclear, que continuará a representar a maior parcela de sua eletricidade. A Itália, por outro lado, poderá desejar um ambiente de risco nuclear zero, uma vez que não produz eletricidade a partir da energia nuclear, mas é cercada (num raio de aproximadamente 160 km) por reatores esloveno, suíço, francês e seis usinas de energia nuclear. A relutância francesa em submeter suas instalações nucleares à regulamentação europeia determinada por seus vizinhos céticos quanto à viabilidade do uso da energia nuclear é comparável aos esforços britânicos para impedir uma harmonização europeia das regras do mercado financeiro devido à importância do seu setor financeiro.

Outra semelhança entre a crise atual no Japão e a recente crise financeira é que a falsa avaliação dos riscos deveu-se, em grande parte, à distribuição assimétrica do bem-estar social e ao custo individual necessário para uma amenização mais eficaz dos riscos. Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Company (TEPCO) puderam ampliar seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem. Mas quando a crise estourou, o custo do colapso superou o patrimônio das empresas e, portanto, teve de ser socializado.

Portanto, há uma falha estrutural no tratamento dispensado a atividades privadas complexas que criam riscos de geração de danos sociais de grande monta. Na verdade, isso é bem compreendido - e é a razão pela qual temos entidades regulamentadoras para a maioria desse tipo de sistemas.

Mas, antes da crise nuclear japonesa e da crise financeira, os fiscais foram incapazes de evitar riscos. A Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de Valores Mobiliários dos EUA não exigiu mais capital nem pôs fim às práticas de risco em grandes bancos de investimento. A agência nuclear japonesa não impôs regras de segurança mais rígidas. Por isso, confiar nas baixas probabilidades de colapso, em políticas nacionais, na cautela dos agentes privados e na fiscalização das agências competentes parece ser insuficiente para evitar a catástrofe. Então, o que deveria ser feito?

Assim como no mundo financeiro, assegurar que o originador de um risco pague seu custo parece ser a abordagem mais sensata. Se cada usina nuclear fosse obrigada a segurar-se contra os riscos que impõe à sociedade (dentro e fora de seu país sede), elas arcariam com o verdadeiro custo econômico de suas atividades.

Nesse mundo ideal, o seguro de usinas individuais, permaneceria vinculado a fatores que podem e não podem ser influenciados, como localização em uma área densamente povoada e do grau de aversão da população local a riscos. Além disso, a avaliação de riscos deve estar vinculada a fatores de risco associados a usinas individuais, como localização em uma zona sísmica, contenção secundária, redundâncias de segurança etc. Usinas em áreas densamente povoadas e cumpridoras de normas de segurança mais tolerantes, por exemplo, teriam de arcar com custos de seguro mais altos, o que poderia resultar em uma autosselecionada eliminação das usinas de maior risco.

Mas é improvável a implementação de um regime desse tipo. Primeiro, é praticamente impossível avaliar corretamente perfis de risco de usinas individuais. Em segundo lugar, um regime assim imporia grandes custos a apenas algumas poucas companhias em alguns países. Seus governos se empenhariam fortemente em proteger essas empresas de serem obrigadas a pagar pelos riscos que representam para a sociedade.

Esse desfecho provável é idêntico à iniciativa de criação de um fundo bancário europeu ou mundial para garantir uma cobertura de seguros contra a próxima crise financeira. Em ambos os casos, porém, um seguro perfeito poderia, ainda assim, servir como uma referencial válido para nortear a escolha das políticas a serem implementadas.

Caminhar no sentido desse referencial poderia ser auxiliado por duas medidas: em primeiro lugar, uma desativação gradual das usinas nucleares de eletricidade não de acordo com sua idade, mas com seu perfil de risco, por mais esquematicamente que seja calculado; e, em segundo lugar, a adoção do seguro obrigatório internacional para acidentes nucleares. Sob tal regime, a União Soviética, por exemplo, em 1986, teria sido cobrada pelo pagamento dos custos que o acidente de Chernobyl impôs aos agricultores europeus e a seus sistemas de saúde. Sem dúvida, a implementação dessas melhorias será difícil. Como no setor financeiro, porém, a crise pode ser a mãe das reformas.

Georg Zachmann é pesquisador na Bruegel.