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terça-feira, 5 de abril de 2011

Os conceitos da crise financeira: derretimento e colapso - Georg Zachmann

Sempre se pode aprender algo com a (má) experiência dos outros...

Crises nucleares e financeiras tendem a deixar marcas em sua esteira.
Colapsos e derretimentos

Georg Zachmann
Valor Econômico, 05/04/2011

As metáforas usadas durante a crise financeira de 2008-2009 - terremoto, tsunami, derretimento, cisne negro e colapso - voltaram com força redobrada, mas agora estão sendo reciclados em sentido literal. De fato, a crise financeira e a crise nuclear na usina nuclear em Fukushima, no Japão têm ao menos quatro semelhanças:

1) A metáfora do "cisne negro" sugere que esses acontecimentos refletem dificuldade para avaliar corretamente os riscos em sistemas complexos.

2) As agências regulamentadoras revelaram-se incapazes de prever e evitar a crise.

3) As "consequências adversas", por sua natureza, podem cruzar fronteiras.

4) Os custos incorridos por companhias imprudentes serão parcialmente socializados.

O terremoto de 9,0 graus de magnitude que atingiu o Japão é, evidentemente, um evento absolutamente excepcional - um evento tão raro que sua probabilidade não pode ser bem avaliada com modelos baseados em dados históricos limitados. Eventos com probabilidade muito baixa, mas de alto impacto - os chamados "riscos de cauda" - também estiveram presentes no cerne da crise financeira.

Uma das causas da crise financeira foi o apetite das instituições financeiras por selecionar (e em alguns casos, criar) produtos com retornos acima da média em tempos normais, mas prejuízos excessivos em casos excepcionais. Velhas usinas de energia nuclear em zonas sísmicas têm uma estrutura de "remuneração" similar. Além disso, tanto os modelos de risco financeiro como nuclear parecem não ter avaliado corretamente as correlações entre diferentes riscos.

As instituições financeiras tentaram reduzir os riscos por meio do agrupamento de hipotecas de quitação incerta (subprime), ao passo que o sistema de refrigeração de Fukushima não conseguiu sobreviver - seja com um apagão, um terremoto ou um tsunami. Mas, em ambos os casos, as probabilidades de colapsos eram correlacionadas e sua ocorrência conjunta levou à catástrofe.

Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Co. ampliaram seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem.

A França, por exemplo, permanecerá dependente de sua capacidade de geração nuclear, que continuará a representar a maior parcela de sua eletricidade. A Itália, por outro lado, poderá desejar um ambiente de risco nuclear zero, uma vez que não produz eletricidade a partir da energia nuclear, mas é cercada (num raio de aproximadamente 160 km) por reatores esloveno, suíço, francês e seis usinas de energia nuclear. A relutância francesa em submeter suas instalações nucleares à regulamentação europeia determinada por seus vizinhos céticos quanto à viabilidade do uso da energia nuclear é comparável aos esforços britânicos para impedir uma harmonização europeia das regras do mercado financeiro devido à importância do seu setor financeiro.

Outra semelhança entre a crise atual no Japão e a recente crise financeira é que a falsa avaliação dos riscos deveu-se, em grande parte, à distribuição assimétrica do bem-estar social e ao custo individual necessário para uma amenização mais eficaz dos riscos. Tanto o Lehman Brothers quanto a Tokyo Electric Power Company (TEPCO) puderam ampliar seus lucros enquanto o risco que estavam dispostos a aceitar não se materializou. Seus administradores certamente se beneficiaram enquanto tudo corria bem. Mas quando a crise estourou, o custo do colapso superou o patrimônio das empresas e, portanto, teve de ser socializado.

Portanto, há uma falha estrutural no tratamento dispensado a atividades privadas complexas que criam riscos de geração de danos sociais de grande monta. Na verdade, isso é bem compreendido - e é a razão pela qual temos entidades regulamentadoras para a maioria desse tipo de sistemas.

Mas, antes da crise nuclear japonesa e da crise financeira, os fiscais foram incapazes de evitar riscos. A Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de Valores Mobiliários dos EUA não exigiu mais capital nem pôs fim às práticas de risco em grandes bancos de investimento. A agência nuclear japonesa não impôs regras de segurança mais rígidas. Por isso, confiar nas baixas probabilidades de colapso, em políticas nacionais, na cautela dos agentes privados e na fiscalização das agências competentes parece ser insuficiente para evitar a catástrofe. Então, o que deveria ser feito?

Assim como no mundo financeiro, assegurar que o originador de um risco pague seu custo parece ser a abordagem mais sensata. Se cada usina nuclear fosse obrigada a segurar-se contra os riscos que impõe à sociedade (dentro e fora de seu país sede), elas arcariam com o verdadeiro custo econômico de suas atividades.

Nesse mundo ideal, o seguro de usinas individuais, permaneceria vinculado a fatores que podem e não podem ser influenciados, como localização em uma área densamente povoada e do grau de aversão da população local a riscos. Além disso, a avaliação de riscos deve estar vinculada a fatores de risco associados a usinas individuais, como localização em uma zona sísmica, contenção secundária, redundâncias de segurança etc. Usinas em áreas densamente povoadas e cumpridoras de normas de segurança mais tolerantes, por exemplo, teriam de arcar com custos de seguro mais altos, o que poderia resultar em uma autosselecionada eliminação das usinas de maior risco.

Mas é improvável a implementação de um regime desse tipo. Primeiro, é praticamente impossível avaliar corretamente perfis de risco de usinas individuais. Em segundo lugar, um regime assim imporia grandes custos a apenas algumas poucas companhias em alguns países. Seus governos se empenhariam fortemente em proteger essas empresas de serem obrigadas a pagar pelos riscos que representam para a sociedade.

Esse desfecho provável é idêntico à iniciativa de criação de um fundo bancário europeu ou mundial para garantir uma cobertura de seguros contra a próxima crise financeira. Em ambos os casos, porém, um seguro perfeito poderia, ainda assim, servir como uma referencial válido para nortear a escolha das políticas a serem implementadas.

Caminhar no sentido desse referencial poderia ser auxiliado por duas medidas: em primeiro lugar, uma desativação gradual das usinas nucleares de eletricidade não de acordo com sua idade, mas com seu perfil de risco, por mais esquematicamente que seja calculado; e, em segundo lugar, a adoção do seguro obrigatório internacional para acidentes nucleares. Sob tal regime, a União Soviética, por exemplo, em 1986, teria sido cobrada pelo pagamento dos custos que o acidente de Chernobyl impôs aos agricultores europeus e a seus sistemas de saúde. Sem dúvida, a implementação dessas melhorias será difícil. Como no setor financeiro, porém, a crise pode ser a mãe das reformas.

Georg Zachmann é pesquisador na Bruegel.

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