Curioso: ninguém parece lembrar -- salvo a representante da CNI -- que todo esse exercício já tinha sido conduzido (inutilmente, lembre-se) de 2006 até não se sabe quando (quando os diplomatas e funcionários técnicos se cansaram das tergiversações venezuelanas e simplesmente desistiram). e não deram rigorosamente em nada.
Vão tentar agora um "back to the future" para tentar corrigir o que não foi feito no passado?
Sergio Leo
Valor Econômico, 13/08/2012
Enquanto
as atenções se voltavam para um factoide criado em torno do presidente
paraguaio, Federico Franco, que, em discurso na semana passada,
explicitou a tradicional
insatisfação do vizinho com os rendimentos de Itaipu, diplomatas e
técnicos do governo cuidavam de problema mais relevante: a difícil
adaptação da Venezuela para integrar, de fato, o Mercosul. Está em jogo a
credibilidade do bloco e a seriedade do novo sócio,
que emite sinais contraditórios.
Os
venezuelanos mostram não ter pressa para conciliar as regras comerciais
do país às do bloco do Cone Sul. E o presidente venezuelano, Hugo
Chávez, informou à presidente
Dilma Rousseff:
em campanha eleitoral, evitará definições que possam ser exploradas
pela oposição. A oposição, porém, não tem dado muita atenção ao tema,
que é mencionado
por empresários locais, temerosos da ameaça da competição com
brasileiros e argentinos.
O
Palácio do Planalto abrigou as reticências de Chávez, em troca da
garantia de que, passadas as eleições, apressará o ritmo das conversas
para a integração da Venezuela.
Seria erro de
Dilma deixar negociação apenas aos técnicos
O
governo brasileiro avalia que, se bem-sucedida, a entrada do país tende
a favorecer produtos brasileiros em relação a fornecedores tradicionais
dos venezuelanos, como
a Colômbia. Mas Dilma
também não pretende briga com o presidente colombiano, Juan Manuel
Santos, que considera aliado nos esforços para integração no continente.
Ela fala em estreitar os laços comerciais com a
Colômbia, embora não mostre ainda uma estratégia clara para isso.
Pelo
menos dois grandes empresários ouviram, nos últimos dias, do ministro
do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que o governo quer "a Colômbia no
Mercosul". Não é afirmação
a ser tomada ao pé da letra: para ser integrante pleno do Mercosul, com
quem já tem acordo como Estado associado, a Colômbia teria de adotar a
Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco e romper o recém-sancionado acordo
de livre comércio com os Estados Unidos, algo
inimaginável em Bogotá.
O que os assessores de
Dilma defendem é um
esforço para negociar, com os colombianos, maneiras de reforçar a
presença do país no Mercosul, de maneira a reduzir os efeitos negativos,
para o vizinho caribenho, da incorporação da Venezuela
ao Mercosul - e claro, abrir mercado a produtos brasileiros na
Colômbia. Negociações para um acordo automotivo com a Colômbia,
paralisadas há anos, poderiam ser reanimadas, por exemplo.
Além
do esforço com a Venezuela, neste ano, outros países sul-americanos
merecerão, no máximo, declarações políticas no que se refere ao Mercosul
As negociações para
incorporar o novo sócio já darão trabalho suficiente aos técnicos.
Entre os problemas de competitividade dos venezuelanos, está a moeda
sobrevalorizada, que consultorias locais, como a Ecoanalítica, calculam
precisar de desvalorização superior a 100% para
compensar os aumentos de custos dos últimos anos.
Especula-se
na Venezuela que o Mercosul poderá servir de pretexto para sancionar
uma desvalorização do bolívar após as eleições, ainda que muito abaixo
dos 100%. Com
uma inflação de 8,6% de janeiro a julho deste ano (quase 20% no periodo
de 12 meses), a esquálida indústria venezuelana faz as dificuldades do
setor privado brasileiro parecerem cócegas.
Some-se
o crônico déficit comercial do país e seria fácil prever que os
negociadores venezuelanos mostrariam, como já mostraram, a disposição de
adiar ao máximo definições
necessárias para a integração comercial da Venezuela ao Mercosul.
O
governo brasileiro gostaria de começar já a troca de informações para
facilitar a convergência entre as tarifas de importação da Venezuela e
as do Mercosul, mas os
venezuelanos só admitem começar a falar em mudanças de tarifas após
concluído o esforço para adaptar as regras de classificação venezuelanas
à nomenclatura comum do Mercosul, a NCM, usada na administração e
estatísticas do comércio do bloco.
Pelo
ritmo desejado em Caracas, o Brasil chegaria ao fim de sua presidência
temporária do Mercosul, neste semestre, sem grande avanço ou definições
na integração venezuelana,
a não ser a adoção do sistema de classificação de mercadorias do
Mercosul.
Hoje,
em Montevidéu, negociadores do Mercosul se reúnem para discutir um
cronograma das negociações com a Venezuela. Segundo informaram
diplomatas brasileiros aos técnicos
da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na semana passada, o
Brasil quer realizar reuniões de cinco dias, mensais, até o fim do ano,
para garantir avanços nas conversas para adoção da TEC e de outros
compromissos do bloco pelos venezuelanos.
"Vamos
acompanhar de perto o cumprimento do protocolo de adesão pela
Venezuela", comentou a gerente-executiva de negociações internacionais
da CNI, Soraya Rosar, que
ainda lembra das reuniões de negociação com o país, em 2006, canceladas
com frequência pela ausência dos venezuelanos. "A burocracia na
Venezuela dificulta até conhecer as tarifas aplicadas", nota ela. A CNI
vem atualizando os dados comerciais, para orientar
as conversas com a equipe de Chávez e espera que não se repita um
problema dos anos anteriores, quando, a cada reunião, eram diferentes os
representantes do lado venezuelano.
Pela experiência passada, e as ainda existentes resistências venezuelanas, seria um erro de
Dilma deixar para os
técnicos as negociações com a Venezuela, a menos que ela esteja
desinteressada dos resultados comerciais possíveis com o novo sócio do
Mercosul.
Detalhe
curioso: como se sabe, a entrada da Venezuela se deu sem a necessária
aprovação do Paraguai, suspenso do bloco, acusado de descumprir os
compromissos democráticos
do Mercosul. Os parlamentares paraguaios ameaçaram votar - contra - o
protocolo de adesão da Venezuela, criando um fato consumado, mas
voltaram atrás, na semana passada. Adiaram a votação, num sinal de que
não pretendem queimar tão cedo as pontes que conduzem
o país de volta ao bloco sul-americano.