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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Balanço geral ao final de 2014: algumas estatísticas - Paulo Roberto de Almeida


Balanço geral ao final de 2014: algumas estatísticas:
Contabilidade elementar de um ano produtivo

Paulo Roberto de Almeida


Todo final de ano, assim como os começos de um novo ano, na verdade as grandes etapas cronológicas e de calendário civil que balizam as nossas vidas, servem invariavelmente para fazer algum balanço quantitativo, se possível qualitativo também, do período encerrado, com alguma contabilidade rudimentar e alguma avaliação do que foi feito. Os mais precavidos, ou organizados – o que não é exatamente o caso deste que aqui escreve – também aproveitam para fazer para algum planejamento para o período mais à frente, que pode ser um ano mais, ou vários, até uma década inteira, dependendo dos horizontes que podem ser descortinados para cada um, em função de seus objetivos de vida, de suas prioridades, ou até de seus compromissos já assumidos, ou de simples necessidades corriqueiras.
Não é diferente comigo, a despeito do fato que tenho feito, regularmente, um simples registro contábil dos trabalhos produzidos, bem como daqueles publicados, duas listas separadas, e regularmente revistas e corrigidas, que mantenho desde o dia, aí no começo dos anos 1980, em que percebi que eu estava me perdendo na pletora de cópias em papel (alguns até no velho carbono, ou em xerox descoloridas) que mantinha de meus antigos trabalhos (os que se salvaram das muitas mudanças de residência desde a juventude), e da dispersão de vários outros, em formatos diversos, nos lugares mais impossíveis. Comecei então a organizar esses trabalhos em ordem cronológica, desde o mais antigo recuperado (que não era, obviamente, o mais antigo produzido) até o mais recente salvo da desordem anterior; coloquei-os em pastas, que eram os antigos classificadores de escritório, com os dois tradicionais furos à esquerda, embora eles fossem de tamanhos diversos, papeis enegrecidos por máquinas de escrever manual, até o modelo mais recente de que dispunha então: uma IBM elétrica, de esferas, que comprei especificamente para redigir a tese de doutorado, junto com uma copiadora pessoal, ambos me custando, na Suíça, o equivalente de um carro usado, pelo menos.
Na verdade, comecei a fazer o registro, e a guarda dos papeis, depois de terminada a tese de doutorado, dois alentados volumes, em francês, sobre a revolução burguesa no Brasil – já em transição de uma explicação tipicamente marxista, ou “florestânica”, do processo, para uma interpretação mais eclética do fenômeno – e já de volta ao Brasil, depois de um primeiro período como diplomata no exterior, entre a Suíça e a Iugoslávia (com dezenas de viagens por toda a Europa, e uma reflexão profunda sobre regimes econômicos e sistemas políticos, justamente, numa fase de socialismo terminal). Ao dar início, ou ao retomar, uma carreira acadêmica antes iniciada mas interrompida por razões profissionais e familiares, decidi, portanto, colocar em ordem os papeis sobreviventes, e começar a anotar sistematicamente tudo o que eu escrevia (de definitivo, ou seja, trabalhos terminados) e tudo o que era publicado (até então pouca coisa, inclusive algumas com nom de plume, dado o regime militar). As duas listas foram continuadas invariavelmente em todas as circunstâncias, geralmente em bases anuais, embora no começo, e retrospectivamente, juntando vários anos, o que tem sido feito com algum cuidado nos últimos 30 anos.
Todas essas listas encontram-se à disposição dos poucos curiosos em meu site, onde existem, justamente, duas seções em destaque, uma dedicada aos originais, outra aos publicados. Nem todas as listas foram atualizadas – pois ocorreram correções ulteriores – mas elas registram com absoluta fidelidade e transparência o que tenho produzido como esforço intelectual, para fins profissionais (dispensando os expedientes oficiais, obviamente), para finalidades acadêmicas, ou de simples divertimento pessoal. Ao longo do período, melhorias tecnológicas foram sendo introduzidas, a mais relevante sendo a passagem da máquina de escrever, condenada ao produto único, ao computador, esse monstro obediente que veio incrementar a produtividade e até algumas más práticas, como pode ser o recurso exagerado ao Lavoisier (para quem não sabe, trata-se daquele sábio francês do Iluminismo e da Revolução, que disse uma vez algo do tipo “na vida, nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma”).
O computador entrou na minha vida no ano tardio de 1987 –  os chamados PCs já existiam desde o início da década, mas na época eles eram absurdamente caros, e no Brasil o dobro, sempre o dobro, talvez até o triplo, como vocês podem imaginar – e só quando eu já tinha um salário razoável no exterior, e ainda assim foi caro. Lembro-me até hoje do meu primeiro, e único, MacIntosh Plus, sem disco rígido, tudo cabendo num pequeno floppy disk de 720kb: sistema operacional, programa de redação, e todos os arquivos. Muita coisa não cabia, obviamente, assim que a minha segunda aquisição da era da informática foi um disco rígido externa, na época fabricado na Irlanda, e não no México, o que chamou a minha atenção para esse pequeno país europeu que ainda era um dos mais pobres da então Comunidade Econômica Europeia. Logo passei a um Mac SE, com disco rígido interno (mas ainda limitado) e os mesmos floppy disks de arquivo e transferência de dados. A internet ainda não tinha vigência, ou pelo menos não existia comercialmente, o que veio a ocorrer no início dos anos 1990, quando me associei à Compuserve, um dos primeiros serviços nessa área, mas ainda dependentes de lentíssimos modens utilizando a linha telefônica discada. Que atraso magnífico, que progressos fantásticos!
A opção pelo sistema da Apple, excludente e exclusivamente proprietário, sempre teve um custo adicional, em relação aos horríveis PCs, da linha MS-DOS, então disponíveis amplamente, a um custo mais baixo; esse custo se traduzia não apenas pelo preço superior de comercialização dos Macs, mas também pela quase ausência de comunicação direta com o mundo dos PCs, então como agora dominantes no mundo profissional. A decisão da Apple de nunca licenciar sua tecnologia para terceiros fabricantes impunha esse custo adicional à sua clientela fiel, que se dispunha a pagar em torno de um terço a mais para dispor de uma tecnologia superior. No universo pré-Windows – que sempre foi uma cópia mal feita do Mac-OS, um Rwuindows, como dizíamos – éramos obrigados a ter filtros especiais para transpor determinados arquivos preparados no Mac para a plataforma MS-DOS, bem mais atrasada e limitada.
Depois, a grande briga entre Apple e Microsoft amainou – os processos recíprocos por infração à propriedade intelectual descontinuados – e o diálogo se estabeleceu perfeitamente, sem que exista, atualmente, qualquer dificuldade de transposição de arquivos, muito embora os programas e as plataformas ainda continuem incompatíveis em grande medida (com exceção, atualmente, das ferramentas via web, que usam praticamente a mesma linguagem). E por que digo tudo isso? Porque, no início de minha “vida informática” eu era a trabalhar em ambiente hostil, no trabalho e especialmente no Brasil, onde os Macs eram raríssimos, obrigados os usuários a se manter em contato quase que numa verdadeira confraria de iniciados.
Mas eu me desvio do tema principal deste texto, que é apenas dedicado ao balanço deste ano que se encerra, não a uma história completa de minha proliferação produtiva, reconhecidamente exagerada, sob diversos critérios. Pois bem, o que podemos sumarizar a partir das estatísticas disponíveis? Vamos dividir este balanço segundo as grandes seções correntemente usadas nos registros: originais, publicados e trabalhos variados em plataformas específicas (como podem ser meus blogs e os de terceiros). Comecei o ano de 2014 pelo trabalho de número 2.551, terminando por este de n. 2.740, o que perfaz, portanto, 189 trabalhos completos (e eu só dou um número quando o trabalho é considerado finalizado, deixando os incompletos em diversas pastas de working files). Alguns desses 189 trabalhos representam mera assemblagem de textos anteriores, o que significaria diminuir ligeiramente o volume total, mas também seria válido considerar algumas dezenas de outros que ficaram incompletos no decurso do ano, a despeito de acumularem um número indefinido de páginas produzidas.
Considerando, portanto, esses 189 trabalhos, eles totalizaram 2.641 páginas, com alguma repetição no ano, como afirmado acima, como resultado da recuperação de trabalhos de anos anteriores, e por incorporação de artigos já escritos anteriormente em um volume maior (é o caso dos livros), mas que de toda forma implicaram em revisão de cada um deles, página por página, linha por linha, e a introdução de correções e novos acréscimos e modificações em diversas partes. Tal volume representa a redação, ou trabalho equivalente, de 220 páginas por mês, ou cerca de 7,3 páginas por dia, o que representa esforço considerável, para todos os efeitos. Mesmo se descontarmos todas as “repetições” (ou recuperações), ainda assim teríamos aproximadamente cinco páginas diárias de redação, o que também representa algum esforço de pesquisa e de reflexão.
Em termos de dimensão dos trabalhos produzidos existe grande disparidade entre eles, já que a média aparente representaria quase 14 páginas por trabalho. Mas aqui seria preciso novamente considerar que a maior parte dos trabalhos permanece na casa de um único dígito, mas os livros distorcem o número de páginas para cima. De fato, se formos computar apenas o total de páginas dos livros produzidos, do qual já descontei pelo menos a metade considerando a “recuperação” com breve revisão, o número pode representar algo em torno de 1.600 páginas, não integradas de forma completa naquela contagem acima. Desses livros, apenas um se destinou a editora comercial, sendo quatro outros elaborados em formato digital e disponibilizados via Kindle ou na plataforma Academia.edu, livremente, portanto. Haveria também de considerar os capítulos de livros escritos, em total de três, tendo sido apenas um publicado no ano (em inglês e em edição Kindle), outros dois reservados para 2015.
Não estou computando todos os pareceres que ofereci a revistas da minha área, alguns deles representando certo volume de observações tópicas e considerações gerais que poderiam facilmente agregar mais duas dezenas de páginas. Tampouco computo aqui as dezenas, provavelmente centenas de comentários iniciais a postagens de materiais diversos no meu blog Diplomatizzando, o considero impossível de ser agora estimado quanto ao equivalente em número de páginas, dado o efêmero da produção. Alguns desses comentários iniciais acabaram representando certo esforço analítico e, talvez, originalidade, e acabaram sendo recuperados ex-post para a série “oficial”, mas os que entram nesse caso foram muito poucos, menos de uma dezena, dentre as centenas, milhares de postagens com alguma “introdução” de minha parte. Apenas para se ter uma ideia desse volume de comentários iniciais, registre-se que o blog conheceu em 2014 mais de 3.125 postagens (digo “mais de” porque o ano ainda não terminou e é bem provável que eu continue postando até o calendário virar automaticamente).
Quanto à contabilidade de trabalhos publicados, ela é mais simples já que necessariamente menos numerosa. Se meus registros não falham – eles falham, por vezes, já que alguns trabalhos são publicados à minha “revelia”, sem que eu saiba exatamente quando; daí a existência de alguns números-bis na lista de publicados – eu comecei o ano com o trabalho n. 1.119 e termino com o de n. 1.158, sendo, portanto, de 39 o número total de trabalhos públicos, dos quais um livro por editora comercial, um dotado de ISBN no Kindle (em inglês, em conjunto com meu amigo brasilianista Ted Goertzel), e mais quatro outros no Kindle, apenas coletando trabalhos anteriores, que andavam dispersos ou já não estavam disponíveis. A maior parte dos publicados o foi em revistas, impressas ou digitais, dos quais vários com pareceres incógnitos. Uma consulta à lista de publicados (que estou atualizando, mas é possível que eu só receba no decorrer de 2015 alguns periódicos que são datados de 2014) revela a diversidade de veículos e a gama de assuntos abordados, o que corresponde ao que efetivamente leio, anoto e acaba servindo como reflexão e matéria prima para novos trabalhos.
Quanto ao blog Diplomatizzando, especificamente, que não foi feito para registrar ou divulgar produção – senão episodicamente – ele se situa, como já dito diversas vezes, no quadro de diversos outros blogs anteriores, criados e interrompidos por clara incompetência deste blogueiro inepto. Em todo caso, ele é uma ferramenta a mais de disseminação de materiais interessantes que acabam cruzando meu itinerário de leituras cotidianos – um vasto mundo, feito de todos os tipos de informações diárias, boletins especializados, estudos de instituições, e muito do recebo em minha caixa postal, que são processadas, geralmente comentadas, ou “introduzidas”, e postadas nesse espaço que acaba sendo uma espécie de arquivo ou repositório de material útil, para referência em caso de necessidade (esperando que as ferramentas de indexação não falhem na hora de alguma busca). Meu acesso às estatísticas do blog – assim como às do site pessoal – é muito errático e precário: de vez em quando me lembro de consultar os dados disponíveis, não tanto para me vangloriar quanto aos números, e mais para ver o que andam buscando como informação e trabalhos meus, para algum trabalho na base do “copy and paste” (tampouco me dou o trabalho de verificar o que andam copiando por aí, o que seria de toda forma inútil). Em todo caso, talvez pudesse referir alguns números, mas não tenho nenhuma base comparativa para aferir sua validade, nem pessoal, própria, como o que eu “tinha” anteriormente, nem com outros blogs.
O que eu me lembro, uma vez que ofereci um dos meus livros gratuitamente, é que em janeiro de 2012, eu tinha alcançado 500 “seguidores”, mas não me perguntem o que isso significa, ou se todos eles acessam ou recebem minhas postagens a cada vez: simplesmente não sei e não me importo muito com isso. Atualmente, ou seja, quase dois anos depois, o número de seguidores registrado numa das janelas do blog é de 797, ou seja, quase 60% a mais (tampouco sei se existe alguma sobreposição com o Google+).
No momento em que escrevo, o total de visualizações de página no blog Diplomatizzando é de 3.168.368, mas tampouco sei distinguir entre os acessos e visitas legítimas – ou seja, de pessoas direcionadas exatamente ao que buscavam – e aquelas “intrusões” dos instrumentos de busca ou até dos serviços de informações de potências poderosas, para ser redundante, buscando sabe-se lá o que neste modesto veículo. Exatamente um ano atrás, em 30/12/2013, o número de visualizações totais marcava exatamente 1.948.037 (o blog existe com este título desde junho de 2006).
Existem lições, ou pelo menos alguma lição, a tirar deste pequeno relatório sobre a produção anual? Certamente, não sei se para os leitores, mas obviamente para mim: a de que eu devo deixar de me dispersar em dezenas de pequenos trabalhos sem maior profundidade – e sobretudo com os divertissements do blog e do Facebook, quando muito besteirol vem junto com uma ou outra coisa válida – e concentrar-me nas pesquisas mais sérias que devem integrar meu segundo volume sobre a história da diplomacia econômica no Brasil, desta vez cobrindo o período 1889-1944 (terminando, portanto, em Bretton Woods, por razões mais do que evidentes). Este é o programa para 2015, e vou ter de demonstrar disciplina e foco no alvo central para tentar terminar aquilo que já deveria ter feito há pelo menos oito ou dez anos.
Com isto encerro esta avaliação, e desejo a todos um ano tão produtivo quanto eu espero manter igualmente. Meus bons votos para o ano que começa em poucas horas.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2740, 30 dezembro 2014

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Balanço de um ano feliz: viagem, estudos, novos projetos - Paulo Roberto de Almeida


Balanço de um ano feliz: viagem, estudos, novos projetos

Paulo Roberto de Almeida
Último trabalho de 2012

Este é meu último texto de 2012, escrito na madrugada do dia 31, quando ainda tenho diversas tarefas a cumprir durante o dia, antes de terminar o ano. Pretendo tecer aqui algumas considerações sobre, respectivamente, o que foi feito, isto é, o que eu consegui fazer durante o ano que hoje se encerra, o que faltou fazer – e foi muita coisa, a julgar pela minha pasta, que deixo de herança para o ano que inicia amanhã – e o que pretendo fazer em 2013, se por acaso as musas da inteligência, da arte da reflexão e da escrita (existem estas, por acaso?; digo especificamente) forem generosas comigo, e me permitirem uma produtividade igual ou maior do que nos anos precedentes.
Talvez eu devesse começar pelo que eu deixei de fazer, uma vez que o resto do texto será dedicado a um balanço de 2012, com uma contabilidade “escritural” e alguma avaliação de tipo qualitativo. Eu havia prometido escrever um texto sobre as relações Brasil-Bélgica, para um livro coletivo, até o final do ano, e não consegui fazer, em função dos preparativos da próxima mudança para os Estados Unidos, onde devo começar a trabalhar no Consulado em Hartford, escolhido em virtude de sua posição estratégica entre grandes universidades americanas. Claro, deixei de cumprir também várias outras tarefas, auto-assumidas na maior parte dos casos, outras encomendadas no ambiente acadêmico em que me movimento, paralelamente ao trabalho oficial na diplomacia, outras ainda surgidas por acaso, de um impulso do momento, ou de uma inconsequência intelectual, provavelmente de uma incontinência da escrita, um desses males que cultivo, não impunemente, junto com essa outra loucura dos livros e da leitura, já chamada de “gentle madness” por algum outro viciado dessa área.
Talvez eu devesse caracterizar minhas atividades essenciais, as que sempre me acompanharam em minha vida adulta, ou talvez mesmo antes, desde a mais precoce adolescência, como integradas por estas quatro práticas: ler, refletir, escrever e divulgar. Ler, sempre o fiz, desde que aprendi a técnica numa infância que classifico como tardia: apenas aos sete anos de idade, e isto porque minha casa não exibia nenhum material de leitura, sendo meus pais alfabetizados apenas parcialmente, já que não conseguiram terminar sequer o curso primário. Refletir, também o fiz, embora talvez de maneira não sistemática, provavelmente ajudado pela circunstância de que escolhi ter poucos amigos, não jogar futebol ou me juntar aos outros bandos de garotos e adolescentes do bairro, preferindo ficar na biblioteca ou lendo os livros que trazia quase todos os dias para casa, para continuar a leitura a contra luz, deitado na cama, um dos poucos lugares tranquilos numa casa pequena demais para todos os membros da família. Escrever, também comecei a escrever desde que dominei a técnica, mas infelizmente não guardei esses registros das primeiras composições escolares; e o que tinha acumulado como notas, resenhas e trabalhos escolares até os dezoito ou vinte anos de idade, ficaram para trás e se perderam, na mudança voluntária para a Europa em 1970. Divulgar foi mais raro, embora me recorde de uma primeira resenha de livro – de Erich Fromm, um alemão refugiado do nazismo nos Estados Unidos – que ficou para trás, num desses jornais impressos a mimeógrafo do diretório acadêmico do curso colegial; os escritos do ginasial, onde também participei de boletins escolares, se perderam todos, com uma única exceção (que um dia divulgarei, mas é perfeitamente inocente). Desde então, consegui divulgar, e até publicar, com maior intensidade, talvez até devendo passar para a auto-publicação, com todos os recursos atualmente disponíveis para tanto.
Retornando agora ao que deixei de fazer, a principal delas, a que está em meus working files desde 2001, pelo menos, é o segundo volume da história da diplomacia econômica no Brasil, que me comprometi a elaborar em três partes desde a concepção original do projeto, ainda na primeira metade dos anos 1990. Talvez eu consiga terminar o projeto, incluindo um terceiro volume para o período posterior a 1945, em meados da presente década, mas isto à condição que retome o trabalho no segundo semestre de 2013, depois de terminar o seminário sobre o pensamento brasileiro em política internacional, que me comprometi a fazer para a Fundação Alexandre de Gusmão. Tem também uma lista inteira de trabalhos ou livros inacabados, que tentarei avançar de modo paralelo aos encargos já inscritos para o primeiro semestre (e que compreendem a finalização de um livro coletivo sobre o Mercosul e diversos outros trabalhos anotados na agenda de trabalho imediata. Mas deixo a lista para lá, pois arriscaria ser incompleta além de aborrecida (e alguns deles estarão também na lista deixada para 2014).
Passando agora o que consegui fazer, talvez alguma contabilidade elementar ajudaria na avaliação quantitativa, pelo menos. Comecei o ano pelo trabalho n. 2.349 e estou terminando por este aqui, que leva o nº 2.457; são, portanto, 108 trabalhos completos, sem que eu dê agora o trabalho de contar o volume de páginas escritas (farei uma contabilidade detalhada nos primeiros dias de 2013). Em todo caso, essa mais de uma centena de trabalhos no ano representa exatamente nove trabalhos por mês, ou um trabalho a cada três dias (não contabilizadas aqui vários outros trabalhos incompletos, ou em curso de redação, e notas para futuros trabalhos). Com base na contagem das páginas escritas, poderei calcular quantas páginas por dia, ou por mês, e qual a média de páginas por trabalho, sendo de se esperar uma enorme variação entre eles. Falarei sobre os mais importantes mais tarde, sendo apenas de se destacar o livro sobre integração regional que preparei para a Editora Saraiva e que deve ser publicado no início de 2013. Outros virão, certamente, e ainda no decorrer de 2013, pelo menos assim espero.
Deixando de lado o balanço quantitativo, quero apenas referir-me ao título deste último trabalho do ano: foi, sim, um ano feliz, que comecei com uma viagem pessoal de estudos e termina agora pelo que sempre gostei de fazer: elaborando novos projetos de trabalhos acadêmicos, o que combina inteiramente com o meu lado mais intelectual do que propriamente executivo. Passei, no primeiro semestre, quase seis meses em Paris, para aulas no Institut de Hautes Études de l’Amérique Latina – e viajando intensamente pela Europa – e estou no limiar de nova viagem, desta vez a trabalho, mas que pretendo combinar igualmente ao meu hobby habitual (bem mais que distração, uma verdadeira segunda natureza, dada a intensidade da dedicação voluntária a essas lides acadêmicas).
Se eu fizer uma pesquisa por conceitos na lista dos trabalhos de 2012, a palavra livro é, provavelmente, a que aparecerá com mais frequência, inclusive pelas muitas mini-resenhas que preparo para a seção “Prata da Casa” do Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros, selecionando os livros de meus colegas de carreira que mais merecem registro para a atenção dos demais colegas. Se eu pudesse, eu me dedicaria à arte da resenha com maior intensidade, inclusive num gênero que não é muito comum nesse tipo de empreendimento: a resenha de velhos livros, talvez com mais de século e meio de publicação, pois é especialmente gratificante visitar novamente as grandes obras do passado para ver em que medida elas conservam o frescor da reflexão, a pertinência do argumento, a relevância da problemática abordada e sua importância para os dias que correm. Esta pequena arte se combina também a outro projeto meu, este permanente, pois se trata de percorrer os clássicos, revisitados e reescritos numa nova abordagem. Já fiz isso para Marx, Tocqueville, Maquiavel, um pouco para o Sun Tzu, e pretendo continuar praticando esse pequeno crime do “anacronismo” voluntário sempre que a ocasião e o tempo me propiciarem essa distração (ou divertissement, como chamo este jogo). A mesma palavra francesa eu emprego, aliás, para a minha atividade de blogueiro anarco-libertário, um simples entretenimento que me serve para diversos fins, entre eles o de registro, ou de memória, mas também para chamar a atenção dos meus seguidores para os muitos materiais interessantes que recebo ou que “pesco” todos os dias na vasta rede de informação e análise que nos submerge, literalmente, em ondas contínuas, incessantes, e cada vez mais intensas.
O blog é um divertimento, mas também uma maneira prática de não deixar passar uma infinidade de textos relevantes que de outra forma se perderiam no tsunami de informações com as quais entramos em contato de uma forma ou de outra durante uma única jornada de 24 horas (hélas, insuficientes para tudo o que gostaria de ler e escrever). O site, por isso mesmo, anda um pouco abandonado, por absoluta falta de tempo, mas também por que fazem vários anos que pretendo reformulá-lo totalmente, e ainda não encontrei (também não procurei) uma alma generosa e atenta que sente comigo para que planejamos juntos o site genial, visualmente bonito e funcionalmente operacional e prático, que vai me dar pouco trabalho para alimentar continuamente, com trabalhos antigos, recentes e futuros. Talvez possa fazê-lo nos EUA, contratando algum garoto adolescente, desses capazes de fazer qualquer coisa numa máquina infernal.
Sim, preciso prestar homenagem a este meu modesto, pequeno, mas altamente eficiente MacBook Air, que me permitiu exibir uma produtividade razoável, ao lado do iPad e do iPhone que o complementam de modo prático e na mobilidade inevitável de uma vida bastante agitada (feita de pouco sono, muita leitura e alguma escrita). Ao concluir este meu último trabalho do ano – que será devidamente complementado em duas ou três semanas por uma avaliação qualitativa desses escritos – só posso esperar, em 2013, um pouco de ordem e concentração no que é essencial, evitando a enorme dispersão de interesses e afazeres que costuma caracterizar este espírito inquieto que aqui escreve.
Evitei, por isto mesmo, pronunciar-me sobre a situação do país – tanto por que minhas opiniões são bastante conhecidas pelas pequenas notas que sempre introduzem minhas postagens de caráter econômico ou político – e resolvi falar apenas do que me atrai, me prende, me consome, como um vício insanável: a leitura, a reflexão, a escrita e, quando possível, a publicação desses meus rabiscos desordenados, uma coleção razoável de trabalhos que devem preencher várias estantes, quando impressos e alinhados nas prateleiras de minha biblioteca particular.
Uma última nota de tristeza: por absoluta impossibilidade material, estou sendo obrigado a me separar de meus muitos livros – confesso não ter ideia do volume total, uma vez que já estão divididos em dois locais – que representariam talvez metade de minha mudança (estou exagerando, claro); vou levar comigo apenas os essenciais à continuidade dos trabalho de curto prazo, deixando aqui todos os americanos, pois eu os encontrarei facilmente em qualquer boa biblioteca universitária americana. Sinto ter de me separar desses altamente charmosos objetos de meu prazer intelectual (vários mal cuidados, é verdade), mas é provável que acumule algumas novas centenas de exemplares na minha nova estada no exterior (livrarias americanas de grande porte são irresistíveis, assim como as pequenas livrarias de bairro, ou até os sebos e garage sales ocasionais. Prometo (mas não acredito nisso) classificar minha pequena biblioteca que me acompanhará, o que deve ser o início de um trabalho de catalogação que se estenderá ao Brasil em meu retorno (que não tenho ideia de quando será). Provavelmente não vou fazer nada disso, a não ser listagens de livros para as próximas doações (o que não consegui fazer agora).
Termino este texto já no alvorecer, tendo ainda de acordar cedo para “liquidar” alguns assuntos urgentes que não podem esperar o novo ano. Voltarei, prometo, em algum momento de janeiro de 2013, já com alguma coisa mais séria e mais compatível com a vocação deste escriba. Já fiz minhas previsões imprevisíveis para 2013 (busquem no blog), e tenho quase certeza que nenhuma delas se materializará no curso do ano (et pour cause). Agora tenho apenas de fazer minhas próprias previsões previsíveis, e vigiar meu ânimo dispersivo para tentar fazer pelo menos metade da lista ideal que tenho anotado em meu Moleskine de bolso (que aliás aposento agora, para logo iniciar dois outros, de viagem).
Bom ano a todos os que me leem, cobrem-me os trabalhos planejados e as leituras prometidas, e que cada um tenha o máximo de felicidade naquilo que estima ser a sua atividade essencial. As minhas são quatro, como já disse, e repito aqui em conclusão: ler, refletir, escrever e divulgar. Vale!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2457: 31 dezembro 2012, 5 p.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Balanços de Final de Ano: um exercício interminável - Paulo Roberto de Almeida


Balanços de Final de Ano: um exercício interminável

Paulo Roberto de Almeida

Pretendo, neste que deve ser o último trabalho do ano de 2011, tecer, em primeiro lugar, algumas considerações sobre o que consegui realizar no ano que agora se conclui; alinhar, em seguida e ainda que brevemente – pois a lista é muito longa – os trabalhos que tencionava fazer em seu decurso – e que podem representar alguma frustração ou sentimento de carência em vista do que deveria ter feito; por fim, relacionar alguns dos trabalhos que pretenderia empreender (e de preferência terminar) ao longo de 2012.
Começo, no entanto, corrigindo de imediato o subtítulo deste trabalho: nenhum exercício acadêmico – desses a que me obrigo voluntariamente desde que me conheço como pessoa razoavelmente dedicada aos estudos, à reflexão e à escrita – é propriamente interminável, mesmo um simples balanço como este aqui. Uma avaliação deste tipo termina quando já não temos mais o que listar como realizações, ou quando já não temos mais capacidade de pensar, de formular esquemas tentativos e de realizar projetos que nos aparecem como relevantes. Não creio que o sentimento de finalização pertença ao “universo” que eu frequento, sequer no domínio do imaginário: estou sempre pensando em fazer três ou quatro trabalhos ao mesmo tempo, lendo três ou quatro livros ao mesmo tempo, e planejando iniciar outros, na fila, tão pronto possível. (Já calculei, aliás, que necessitaria, por cima, de mais ou menos 150 anos adicionais para começar e terminar de ler tudo o que tenho em mente, à vista, tudo o que está disponível nas bibliotecas.)
Desse meu modesto ponto de vista, tenho sido particularmente feliz em meus empreendimentos de caráter acadêmico, os quais, aliás, realizo à margem de qualquer obrigação propriamente acadêmica, alheio a qualquer finalidade prática e à margem de qualquer atividade profissional em que possa estar funcionalmente engajado. Balanços de final de ano podem até ser “termináveis”, no sentido em que nos atemos, simbolicamente, a um calendário gregoriano que regula outras atividades sociais – a própria vida acadêmica no Brasil, o orçamento fiscal, a declaração de imposto de renda, etc. –, mas é claro que o fluxo da produção intelectual – se ele é verdadeiramente livre, como no meu caso – não conhece interrupções, nem sofre de restrições mentais ou meros impedimentos materiais: podemos até estar limitados ao ciclo circadiano das horas, mas eu costumo mesmo trabalhar fora do alcance da luz do dia, na calada da noite, e isto por semanas a fio e independentemente das estações do ano, das condições e do local de trabalho.
No que se refere especificamente a balanços restritos ao ano calendário, é claro que estamos pensando naquilo que conseguimos realizar ao longo do ano – e que pode constituir motivo de justo orgulho para nós, no caso para mim – (sem esquecer as bobagens que cometemos) e já projetando as maravilhas que faremos no ano que logo começa. Acho que sou assim, embora seja mais crítico do que o normal em relação ao que já fiz – e estou sempre tentando encontrar erros e omissões nos trabalhos recém terminados, ainda mais quando acabam de ser publicados – sempre sou irremediavelmente otimista quanto ao que vou conseguir fazer no futuro imediato, projetando mais trabalhos do que é humanamente possível terminar em prazos razoáveis.
Enfim, e para terminar esta já longa introdução, sou um pouquinho exigente (comigo mesmo, e com os outros também) e um tantinho perfeccionista no que se refere à forma e ao conteúdo dos meus trabalhos, o que às vezes representa motivos de angústia, para mim e para meus editores, já que estou sempre querendo corrigir, completar, ampliar trabalhos entregues, deixá-los atualizados até o último minuto da conferência e dos eventos correntes. Mania doentia, talvez, mas que me mantém permanentemente ligado às fontes de informação – elas são milhares hoje em dia, com essas maquinetas tipo iPad, iPhone, laptops, sempre conectados – e às últimas análises dos especialistas mais reconhecidos em cada área (e elas são muitas, também). Não sei se conseguirei me livrar dessa “obsessão”, mas se for como a mania dos livros, trata-se de uma loucura talvez sadia (a gentle madness, como já a chamou um desses maníacos por livros e leituras).

O que fiz de útil, ao longo de 2012?
No plano estritamente contábil, alguns números talvez sirvam para impressionar os incautos, os improdutivos ou preguiçosos: comecei o ano pelo trabalho número 2.234 e consegui alcançar o número 2.348, o que perfaz, portanto, numa perspectiva puramente quantitativa, um total de 114 trabalhos, ou seja, 9,5 trabalhos por mês, ou um trabalho a cada 3 dias, aproximadamente. Esse tipo de contabilidade não leva em conta, porém, as dimensões de cada trabalho, e elas são as mais variadas possíveis. Existem tanto os esquemas ou comentários de uma ou duas páginas, como livros inteiros, com quase 400 páginas (embora elaborados parcialmente ao longo de vários meses, ou como resultado de revisão de trabalhos anteriores). O total de páginas escritas elevou-se a 1.397, ou seja, quase 1.400 páginas, das quais talvez se devesse amputar 400 páginas, aproximadamente, que correspondem ao livro Relações Internacionais e Política Externa do Brasil (LTC), já que grande parte do seu conteúdo foi sendo elaborada parcialmente ao longo dos meses precedentes, e muitas vezes já foi contabilizada previamente em algum momento. Em qualquer hipótese, 1.000 páginas redigidas representam 83 páginas por mês (mais de 116 na alternativa maximalista), ou quase três páginas por dia, contando sábados, domingos e feriados. Uau!: eu deveria receber por página, não sob a forma de salário mensal...
Isto quer dizer que estou o tempo todo escrevendo, rabiscando, completando coisas que tinha deixado parado por certo tempo. Sim, e isto é importante esclarecer: quando eu me refiro à contabilidade dos trabalhos, estou mencionando apenas os trabalhos completos, ou seja, aqueles nos quais coloquei um ponto final, numerei e incluí na lista de trabalhos originais – tem uma outra, apenas dos publicados, cronologicamente, também – e não a tudo o que eu escrevi, rabisquei, esquematizei, mas não completei. Impossível calcular o número de páginas, pois existem textos incompletos em dezenas de pastas identificadas apenas pelo nome genérico de algum trabalho que pretendo completar algum dia (às vezes isso pode demorar anos, na melhor das hipóteses, meses). Em outros termos, o volume de papel sujo – maneira de dizer – é, portanto, muito maior, e daria para completar uma volta à terra, se alinhadas as páginas uma a uma, para repetir um slogan velho e sem graça (enfim, quem souber essa medida, pode multiplicar meu número de páginas pelos centímetros do formato A4, e ver até onde eu “voaria”). Enfim, para terminar com esta contabilidade maluca, caberia dizer que cada trabalho tem, em média, 9 páginas, mas a variação entre eles é muito grande.
Por fim, apenas para completar essas estatísticas chatas, tampouco estou considerando tudo o que escrevi, como posts, introdução a postagens de trabalhos de terceiros e comentários meus, diretamente num dos meus blogs de trabalho e de divertimento, sem mencionar correspondência eletrônica, centenas de mensagens, algumas das quais representando algum tipo de elaboração intelectual. Ufa!. Chega! Mas, não sem antes tecer algumas breves considerações sobre os trabalhos produzidos, no plano agora mais qualitativo do que quantitativo.
Percorrendo agora a lista de trabalhos completados e assinados – será que tem algum clandestino?, ou esquecido? – constato o seguinte. A produção mais significativa foi, obviamente, o livro mencionado anteriormente, que deveria ser uma simples terceira edição de minha primeira obra de relações internacionais, mas que terminou sendo um livro inteiramente revisto e reformulado, com cerca de um terço de aproveitamento de ensaios anteriores (mas todos revistos e atualizados), e muita coisa nova, que foi sendo elaborada ao longo dos meses precedentes, sob a forma de artigos, palestras, aulas, reflexões isoladas sobre obras alheias e temas do momento.
 Mas antes de completar esse livro, que só teve versão definitiva no segundo semestre, comecei o ano com um trabalho em Francês sobre a historiografia econômica brasileira (ainda não publicado na França, ao que eu saiba), depois feito também em versão revista em Português; continuei (depois de vários pequenos trabalhos de caráter mais conjuntural, ou de oportunidade) com uma análise de nossa patética oposição política (publicado na mesma revista em que figurou um muito discutido ensaio de FHC sobre a mesma oposição, no qual ele tinha uma fatídica frase sobre o “povão”). Também continuei a escrever sobre os antiglobalizadores inconsequentes, a despeito de já ter fechado um livro sobre esses malucos no ano anterior (mas publicado também em 2011).
Dois dos trabalhos mais importantes que fiz em 2011, representando considerável esforço analítico e alguma pesquisa quanto aos dados e argumentos a serem desenvolvidos, foram sobre o Mercosul, o primeiro uma reconsideração há muito tempo refletida sobre se o Mercosul poderia ser reversível (ou modificável, de alguma forma), o segundo um amplo painel histórico sobre seu desenvolvimento, que renderam, ambos, pequenos “filhotes” sob a forma de pequenas notas parciais organizadas em torno de suas distintas partes. No momento em que escrevo este balanço, estou tentando, justamente, terminar um terceiro trabalho sobre o Mercosul, de caráter prospectivo, que no entanto será terminado apenas nos primeiros dias de 2012.
Também continuei minha série de “clássicos revisitados” – na qual já figuram um Manifesto Comunista, Maquiavel e Tocqueville atualizados para o Brasil e algumas outras pequenas imitações – elaborando um “Sun Tzu para diplomatas” (atenção, não é a “arte da guerra” para diplomatas), bem como várias peças de minha série de “minitratados”, sempre com motivos mais para a comédia do que para o drama (embora devesse considerar esse aspecto, também, algum dia); em todo caso, elaborei considerações mais ou menos bem humoradas sobre a imaginação, a reencarnação, as improbabilidades, os desencontros, os reencontros, as corporações de ofícios, o inusitado, as inutilidades burocráticas e, finalmente, sobre as dedicatórias; ficou faltando um minitratado sobre a subserviência e um outro sobre as consequências involuntárias, já pensados, ou parcialmente escritos, mas ainda não terminados. Como sempre aceito sugestões quanto a novos temas de minitratados, tanto quanto para novas “falácias acadêmicas”, de cuja série só compus um único exemplar em 2011, sobre o modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil (certamente por falta de tempo, pois justificativas para examinar o manancial de falácias que emerge de nossas universidades não faltam, ao contrário).
Elaborei diversos trabalhos sobre a política externa brasileira, sobre as políticas públicas em geral (vários deles diretamente no blog, depois ampliados de maneira mais reflexiva) e alguns capítulos de livros (ainda não publicados). Sim, também terminei um outro livro, de introdução ao tema da integração regional, que me deu bastante prazer ao selecionar os temas que desenvolvi, embora também uma grande angústia, já que o livro tem perfil paradidático e foi limitado em suas dimensões, o que me obrigou a ser sintético e um tanto quanto elementar em certas discussões. Deve ser publicado em 2012, espero.
Coloquei-me no lugar de certos personagens políticos, escrevendo discursos inusitados, e que eles jamais pronunciarão – mas bem que deveriam, pois o mundo, as pessoas, e o Brasil, seriam melhores e mais felizes se eles se pautassem pela minha “ajuda”. Comecei a psicografar as “memórias” do Barão do Rio Branco, o que me lembra que preciso terminar um trabalho mais sério sobre sua diplomacia econômica, para um grande seminário que ocorrerá em 2012, no quadro das comemorações oficiais dos cem anos de sua morte, ocorrida em fevereiro de 1912.
Também comentei diversos eventos correntes e fatos da atualidade – como, por exemplo, o impacto dos wikileaks para as relações internacionais – e atendi a inúmeros convites para comentar problemas correntes. Dei entrevistas, fiz pequenas e grandes resenhas de livros (inclusive para revistas estrangeiras) e apresentei livros e fiz prefácios; também dei parecer sobre artigos submetidos (recusando vários), sobre teses e ajudei em alguns projetos (oralmente e por escrito; mas isso não conta, salvo um ou outro exemplo).


Inúmeras coisas, a começar pelo segundo volume de minha projetada trilogia sobre a diplomacia econômica brasileira, que deve cobrir o período da República Velha e da era Vargas (1889-1945), em função do qual já coletei muito material, mas ainda não encontrei lazer, tempo e disposição para sentar e escrever (inclusive porque sou dispersivo, aceito muitos convites, e acabo me distraindo com bobagens infantis); espero poder avançar um pouco nesse empreendimento verdadeiramente ambicioso, em 2011. Também não avancei nada na confecção de um “dicionário” de diplomacia brasileira, o que pode parecer uma tarefa por demais grandiosa para um homem só, mas não para mim. Em todo caso, também preciso terminar um “dicionário de disparates diplomáticos”, que já está praticamente pronto há vários anos, bastando apenas começar a revisar e atualizar alguns verbetes, e acrescentar mais algumas doses de humor...
Tinha planejado terminar um trabalho já começado sobre propostas programáticas para o movimento de oposição ao poder atual no Brasil, um outro sobre políticas do Estado brasileiro que são, objetivamente, contra os interesses do Brasil, além de algumas falácias e mais algumas peças para a série dos minitratados já referidos. Newsletter e think tanks estão sempre me pedindo artigos dirigidos ou de livre temática, o que acaba me distraindo dos trabalhos mais sérios, nos quais deveria me concentrar. Deixei de fazer dezenas de outras coisas, mas não me lembro agora: talvez devesse fazer uma terceira lista de trabalhos, uma de textos iniciados, mas ainda não terminados (o que me facultaria agora listar tudo o que deixei de fazer). Também deixei de ler dezenas de livros, que ficam se acumulando em todos os cantos da casa, esperando que algum dia, de 48 horas e nenhum sono, se apresente com uma agenda aberta, totalmente livre e descansada, ao longo do qual (dos quais, seria melhor) eu poderia fazer tudo isso que eu deixei de fazer e que pode estar me causando alguma “síndrome do trabalho inconcluso”.

O que eu pretenderia fazer, em 2012?
Uau! A lista é grande, começando por tudo aquilo que está sumariamente descrito acima e que deixei de fazer em 2011. Mas, não sei a quantas andará minha produtividade na escrita, talvez menos intensa, já que de certa forma ambulante, pelo menos no primeiro semestre. Como estou assumindo o posto de professor convidado do Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine, da Universidade de Paris-3 (Sorbonne), no segundo semestre do ano acadêmico que começou em setembro último (portanto, de janeiro a maio de 2012), vou ter de dedicar algum tempo à preparação, em Francês, de dois cursos (já esquematizados), em nível de mestrado, sobre política externa brasileira e as relações econômicas internacionais do Brasil. Também pretendo viajar bastante, pela França e pela Europa, enquanto estiver residindo em Paris, o que promete diminuir mais um pouco a produtividade na elaboração de trabalhos de maior fôlego (ou necessitando pesquisa documental e elaboração discursiva mais sofisticada).
Em todo caso, preciso fazer dois trabalhos de qualidade no primeiro semestre: o que se destina a “comemorar” a morte do Barão, e um grande ensaio sobre o estado da arte em matéria de explicações sobre o (não) desenvolvimento da América Latina, para um colóquio que se realizará no IHEAL, em maio (e do qual sou o conferencista principal). Serão dois grandes desafios, que pretendo empreender dentro em breve. Existem também outros congressos e seminários acadêmicos de que pretendo participar, e que também exigem a apresentação de trabalhos escritos, e certamente receberei convites para artigos de revistas, resenhas de livros, capítulos de obras coletivas e uma confusão de outras coisas que vão pingando ao longo do ano, ao sabor dos intercâmbios diretos ou por internet, o que promete acelerar-se tremendamente. Não tenho ilusão, assim, de que conseguirei “limpar” as centenas e centenas de mensagens não lidas de minha caixa de entrada, justamente porque a maioria são boletins e material de referência, que vou guardando (ou deixando ali depositado) “para ler um dia” que nunca chega, claro).

Será que um dia eu vou dar conta de tudo o que eu gostaria de fazer, de ler, de produzir intelectualmente, sem continuar a arranhar a superfície das coisas, como muitas vezes faço, ao atender demandas sempre mais intensas? Provavelmente não, mas em algum momento vou ter de parar de escrever tanto para ler mais... O diabo é que quanto mais leio, mais me dá vontade de escrever, já que meus escritos sempre são alguma forma de síntese crítica, e criativa, de leituras feitas, comparadas, resumidas e discutidas.
Quando é que vou ter tempo para não fazer nada, ficar deitado na rede (à sombra, obviamente), cochilando, acordando para tomar algum refresco saudável, consultando as notícias no iPad, respondendo mensagens no mesmo instrumento, ouvindo alguma música no iPod ou no iPhone, pegando distraidamente algum romance histórico ao alcance da mão, enfim, fazendo um monte de coisa ao mesmo tempo, e por isso mesmo sem ter tempo para não fazer nada? Acho que esse dia, esse tempo nunca vai chegar, e por isso mesmo eu me consolo registrando esses balanços feitos de muita contabilidade, alguma frustração por “deveres” não feitos, e muitas promessas e projetos para os tempos que ainda veem pela frente. Nada melhor, de fato, do que ocupar o seu tempo com várias coisas ao mesmo tempo.
Dizem que o ócio é o pai de todos os vícios. Olhando por esse prisma, eu sou uma pessoa de muitas virtudes. Oxalá...

Brasília, 31 dezembro 2011, 8 p.; 2348.