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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 2 de agosto de 2014

Como pensam os soi-disant progressistas: observacoes pontuais - Paulo Roberto de Almeida

Recebo, de um desses sites progressistas que edita uma revista idem, uma mensagem sobre mudança de locais, de uma casa velha, para outra casa velha, presumivelmente gratuitamente, pois sempre se encontram almas generosas para sustentar a chama da mudança radical e renovadora.
Enfim, uma simples mudança do tipo o mundo gira e a Lusitana roda (como dizia a velha publicidade de uma companhia de mudanças que não deve existir mais).
Mas, aproveitando a deixa da sinceridade e transparência, aproveito algumas expressões típicas dos companheiros, para mais uma vez constatar como pensa essa gente.

1) "Enfrenta, como toda a cidade, a especulação imobiliária – mas há resistência, da qual agora faremos parte, nós e o casarão."
PRA: Esse pessoal tem uma frase pronta, quando imóveis são derrubados, ou vendidos, para dar lugar a novos empreendimentos, geralmente comerciais, com preços de mercado bem acima daqueles anteriormente praticados no local: "especulação imobiliária".
Dito assim parece que chegam aqueles capitalistas perversos, fazendo pressão sobre os moradores, ou proprietários, e forçando-os a sair do local, para expulsar a gente pobre dali, e só deixar espaço para a elite branca, e rica.
Não lhes vem à cabeça que os "pobres", ou simples moradores ou proprietários, podem ter interesse em vender o terreno ou a casa, pelo seu valor de mercado, que é baixo, mas certamente será mais alto quando se trata de um empreendimento capitalista, para poder comprar algo melhor em outro lugar, mais moderno, etc. Inevitavelmente o que surgir ali será diferente, com uso comercial, e portanto com um valor de mercado mais alto. Pode dar certo, como pode não dar, dependendo do ambiente, da clientela, etc. Ou seja, envolve risco, e isso é especulação, dos dois lados.
Por que não deixar que essas transações se façam pelo mercado, com total liberdade entre as partes?
Por que o Estado, ou alguém, precisaria interferir numa operação especulativa para os dois lados?
Enfim, os companheiros acima vão resistir, e talvez até descubram, maravilhados, que outros prédios à volta serão transformados em empreendimentos comerciais, que o ambiente vai melhorar, que o seu próprio casarão vai se valorizar, enfim, que a vida segue adiante, e sempre fica melhor, pois assim é a natureza humana. Só pessoas muito cegas, e imobilistas (conservadoras, portanto), querem que tudo fique sempre tudo igual, sem especulação, sem risco, sem transformação, sem nada, parado...

2)"... numa época muito contraditória,..." 
 PRA: Nunca encontrei chavão tão perfeito, e tão contraditório. Tudo é contraditório, a vida é contraditória. O mundo sempre está em crise, ó céus, ó vida, rien n'est simple, como diria o Sempé...

3) :...em que se combinam o declínio da velha democracia,..."
 PRA: Esta é a frase mais calhorda que eu encontro nesses textos dos bolivarianos, neobolcheviques, totalitários e outros dessa laia. A velha democracia é essa que temos: representativa, via partidos, parlamento, leis, Constituição, etc. Eles querem uma outra: com movimentos populares, conselhos, participação poupular nas agências públicas, sovietes, enfim, essas coisas que eles podem controlar, gramscianamente, no começo, de maneira stalinista depois. Acho melhor ficar na velha democracia, sem adjetivos, nem popular, nem burguesa, só democracia. Tá bom assim?

4) "... o risco de retrocessos civilizatórios muito graves..." 
PRA: Claro: como o socialismo fez chabu, o capitalismo se expande, mesmo na China companheira e na África tão explorada, a coisa está grave. O capitalismo, como todos sabem, é um retrocesso civilizatório enorme, com esses iPhones, iPads, Facebooks, enfim, essas coisas que os companheiros usam mas no maior desprezo pelas multinacionais ou pelos simples empreendimentos de estudantes que os criaram. Bom mesmo era o socialismo, com os seus coturnos, os seus gulags, aquele repolho todo, as bandeiras vermelhas, os discursos de quatro horas ao sol, um único jornal para limpar o rabo, enfim, essas maravilhas avançadas do socialismo...


5) "... e a esperança do pós-capitalismo,..." 
 PRA: Nunca morre: os companheiros sempre vão esperar a próxima crise do capitalismo para ver se daquela vez, finalmente, o pessoalzinho miúdo se convence de que o capitalismo não dá mesmo. Quando será que os historiadores gramscianos vão descobrir que já vivemos em pós-capitalismo? Aliás, onde estão aqueles velhos capitalistas donos de fábricas? Agora só aparecerem esses garotos que ameaçam mudar nossas vidas com suas invenções absolutamente sem esperança, sem esperança que tudo fique igual ao que sempre foi, sempre nos obrigando a grudar na mais recente novidade, como os companheiros, por exemplo, que já aderiam aos blogs, aos twitters, ao FB, enfim, essas coisas que só o socialismo, ou o pós-capitalismo são capazes de inventar...

6) "...é uma aventura que envolve risco..."
PRA: Eu desejo muita sorte aos companheiros, para que eles não corram muitos riscos no novo casarão, e sejam felizes. Ah, não esqueçam de se conectar online para nos avisar quando vão estar funcionando sem riscos na nova morada..

Sejam felizes...
Paulo Roberto de Almeida

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Os amigos que os companheiros nunca esquecem: os construtores companheiros...

Trata-se de uma mútua afetividade, pode-se dizer.
Ou uma mão lava a outra, como se diz mais vulgarmente.
A gente lhe arruma uns trocados, e você nos dá uns trocados de volta, tudo bem?
Os amigos bilionários a gente nunca esquece, inclusive porque eles nunca esquecem da gente...
Estão sempre querendo ajudar...
Pois é, Dona Marisa...

Mata Pires, da OAS, vira bilionário graças às obras da Copa

Empreiteira do empresário foi a maior vencedora das licitações para as obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, diz Forbes

Wkimedia Commons
Arena das Dunas, em Natal
Arena das Dunas: estádio foi apenas uma das obras da Copa vencidas pela OAS
São Paulo – César Mata Pires, 65 anos, fundador e presidente executivo da empreiteira OAS, é um dos brasileiros a entrar pela primeira vez na lista de bilionários do mundo da revista Forbes.
Segundo a revista, o empreiteiro é dono de uma fortuna de 1,55 bilhão de dólares, graças, principalmente, à empresa que fundou e de que possui 90%.
Além dos serviços que presta no setor petroquímico e de energia e das concessões que possui sobre estradas, a revista atribui o aumento da fortuna do novo bilionário às obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
A empreiteira foi uma das maiores vencedoras das licitações para obras dos eventos, que incluíram o consórcio para a construção das arenas Fonte Nova, em Salvador, e das Dunas, em Natal. Ambas foram construídas sem recursos públicos, mas a empreiteira ganha com a administração dos locais e a exploração das marcas.
Sua empresa inclusive foi lembrada nos protestos do ano passado contra os eventos, onde apareceram cartazes com os dizeres "o dinheiro para educação foi todo para a OAS".
A revista Bloomberg, que também investiga e descobre novos bilionários pelo mundo, porém, já o havia classificado como bilionário em julho do ano passado.
Segundo a publicação, a porcentagem da empreiteira de que é dono é avaliada em 3,6 bilhões de dólares, e sua fortuna pessoal chega a 4,7 bilhões de dólares.
Família e conexões
Em 1976, César se uniu ao antigo colega da Odebrecht Durval Olivieri, onde trabalhou no início da carreira, para criar a Olivieri, Araújo e Suarez Engenheiros Associados – Araújo é o nome de solteira da mãe de César. 
Na mesma época, Mata Pires conheceu o então governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, que o apresentou à sua filha. César casou-se com Tereza Magalhães alguns anos depois. Há indícios de que a empreiteira tenha sido beneficiada pelo sogro durante seu tempo no governo baiano e no senado durante a ditadura.
A sigla inclusive gerou alguns trocadilhos, como “Obras Arranjadas pelo Sogro” e “Obrigado, Amigo Sogro”. Em entrevista à revista IstoÉ, em 1999, o político negou as acusações: “nada tenho com a OAS, a não ser o fato de que o presidente da empresa é casado com a minha filha", disse.
Ao morrer, em 2007, ACM deixou uma herança de 500 milhões de reais. A disputa entre Tereza e seus outros dois irmãos rachou a família até que, em maio do ano passado, ela e seu marido abriram mão dos direitos pelo dinheiro.
Hoje, 49% dos contratos da OAS são construções para o governo e incluem as obras do Minha Casa Minha Vida.
Mata Pires também é filho de um poderoso criador de gado da Bahia, mas sua fortuna veio mesmo foi de sua empreiteira. Seja com 1 bilhão ou com 4 bilhões de dólares, o bilionário agora faz parte, oficialmente, do grupo das pessoas mais ricas do mundo.

domingo, 20 de outubro de 2013

Os companheiros que se pretendem mais inteligentes que os companheiros: Renato Janine Ribeiro visto por Olavo de Carvalho

Na história universal do marxismo-leninismo, ou do comunismo do século 20, existe a conhecida figura do "companheiro de viagem" -- fellow-traveller, em inglês, ou compagnon de route, em francês -- que é geralmente aquele acadêmico que não pertence aos quadros do partido mas que atua em conformidade essencial com os objetivos do partido, geralmente no plano das ideias, da cultura, da influência sobre a opinião pública, formando estudantes e disseminando a palavra do partido sem dizer que o está fazendo.
Existem dezenas de milhares deles em todas as partes, alguns atuando de maneira deliberada, consciente (até por instrução do partido: "melhor você não ser formalmente inscrito no partido, pois sendo 'independente' sua palavra tem mais credibilidade"), outros fazendo o mesmo serviço ingenuamente, acreditando na mensagem, ou até atuando de má-fé, como muitos o fazem, para combater o capitalismo, a burguesia, o Estado opresso, o imperialismo, a exploração do homem pelo homem e outras maravilhas do gênero.
O Brasil tem milhares deles, geralmente nos cursos de humanidades dessas coisas que passam por faculdades, alguns mais perigosos do que outros, pois conseguem passar a imagem de que são mais independentes, e mais "inteligentes" do que esses companheiros rústicos que não leem, não sabem escrever e mal sabem falar.
O articulista abaixo, bem conhecido para ser apresentado, desmantela um artigo de um desses companheiros de viagem, não se sabe se realmente ingênuo, ou se um "gênio do mal"...
Paulo Roberto de Almeida

O ovo do maluco
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 3 de outubro de 2013 

Recentemente um estudante, todo assustado, foi contar ao prof. Renato Janine Ribeiro que um colega de classe, marxista de impecável formação uspiana e quase militante, dera de ler os meus escritos e – oh, horror! – começara a me dar razão. Na intenção piedosa de trazer de volta ao rebanho a ovelha desgarrada, o rapaz passou-lhe um velho artigo do próprio Janine, mas não adiantou.

Nem vejo como poderia ter adiantado. Esse artigo é um exemplo perfeito da inépcia acadêmica ante a qual o ex-futuro-militante, decepcionado, resolvera procurar algum ensinamento mais substantivo nos escritos deste abominável reacionário.

Décadas de esforço coletivo no sentido de isentar Lênin das culpas de Stálin só deram como resultado provar que o pior do estalinismo já estava contido em germe nas propostas de Lênin, o qual teve apenas a amabilidade de morrer de sífilis antes de poder realizá-las. Diante de tamanho desastre historiográfico, algumas almas devotas passaram ao Plano B: limpar Marx das culpas de Lênin. O prof. Janine é uma dessas belas almas, e o artigo mencionado é a prova da sua devoção.

Segundo ele, os líderes comunistas, a começar por Lênin, não entenderam Marx e por isso criaram um Estado-monstro, repressor e opressor. “Marx não defende o Estado máximo... O que ele defende é o Estado nenhum. A supressão do Estado é um princípio fundamental para ele, que aí se aproxima dos anarquistas.”

O estudante assustado dissera ao seu colega que para conhecer Marx é preciso ler Marx, não o que o Olavo de Carvalho diz a respeito. Muito justo. Mas não parece que o próprio Janine tenha tentado compreender Marx lendo Marx, e sim inventando-o. Se lesse pelo menos o Manifesto Comunista, encontraria lá o seguinte parágrafo:

"O proletariado servir-se-á da sua dominação política para arrancar progressivamente todo o capital da burguesia, para centralizar todos os meios de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado.”

Qualquer semelhança entre isso e o anarquismo é mero delírio de interpretação. O proletariado organizado, isto é, o Partido, não é uma alternativa ao Estado: ele é o próprio Estado. E Marx não concebe a autodissolução do Estado como substituição dele por alguma outra coisa, à maneira anarquista, e sim como uma auto-superação dialética, uma Aufhebung hegeliana ou, como diria Mao, um “salto qualitativo” -- o processo pelo qual uma coisa muda de forma sem mudar de substância: quando o Estado houver dominado toda a sociedade, ele automaticamente cessará de existir como entidade distinta, pois será idêntico à sociedade mesma. A extinção do Estado coincide com a apoteose da dominação estatal, que, por onipresença, desaparece.

Há tempos escrevi que esse projeto é uma curiosa inversão da regra biológica de que quando o coelho come alface não é o coelho que vira alface, mas a alface que vira coelho. Se o Estado engole a sociedade, não é o Estado que desaparece: é a sociedade. A “autodissolução do Estado”, tal como Marx a concebia, é um exemplo típico da inversão revolucionária de sujeito e objeto.

O prof. Janine fica todo feliz ao pensar que o Estado comunista só socializará os meios de produção, sem tocar na pequena propriedade particular. Mas ele não pode querer isso e a “extinção do Estado” ao mesmo tempo: se resta alguma fronteira entre propriedade particular e propriedade pública, a diferença entre Estado e sociedade permanece intacta. Marx entendia que nenhum comunismo seria possível sem mudar até mesmo a natureza humana. Que “pequena propriedade” pode ficar fora disso?

Janine também se derrete ao pensar que Marx queria estatizar a economia sem controlar a conduta dos cidadãos, a vida privada. É ideia de criança. Como reeducar as pessoas para a economia comunista sem mudar seus hábitos diários,  sentimentos, suas reações pessoais, sua vida familiar? E como mudar tudo isso sem intromissão estatal nesses domínios? Marx chamaria isso de idealismo burguês.

A simples presunção de definir o pensamento de Marx por um ideal abstrato, separado da práxis que o incorpora e que não pode realizá-lo sem transformá-lo no seu contrário, é antimarxista no mais alto grau. Janine, em matéria de marxismo, não passou do pré-primário.

No cérebro dele, o divórcio burguês entre o ideal e o real, que arrancava de Marx gargalhadas de sarcasmo, chega ao cúmulo de proclamar:  “Não fossem a 1.ª Guerra Mundial e a queda do czarismo, o socialismo marxista poderia estar associado hoje a uma opção democrática.”

Não é lindo? Se não acontecesse o que aconteceu, não teria acontecido. A culpa de tudo é da maldita História: ela não é mais o reino da práxis onde o marxismo se realiza por meio das contradições: é a perversa destruidora do ideal marxista. Que comédia!
“Não podemos deixar Marx refém do comunismo histórico”, diz ele, propondo um “Marx sem Lênin”. O comunismo é, de fato, o único movimento que quer ter o privilégio de ser ao mesmo tempo uma força histórica organizada e unificada, capaz de ação planejada e contínua ao longo das épocas, e uma coleção de “pensadores” isolados e inconexos, sem nenhuma responsabilidade de conjunto.

É óbvio que, como qualquer outra corrente político-ideológica, ele pode ser estudado sob esses dois ângulos. Mas imaginar que eles existam separadamente como entidades substantivas e, pior ainda, que só o segundo deles seja dotado de realidade, é confundir a  ratio cognoscendi com a ratio essendi, é tomar o método pelo objeto, a visão pela coisa vista, como um maluco que desenhasse um ovo e depois fritasse o desenho para comê-lo. Esse maluco existe: chama-se Renato Janine Ribeiro.

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