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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Concurso do Itamaraty acusado de irregularidades

 Banca do concurso do Itamaraty anula correção de provas e cria cenário de incertezas  

Contratada com dispensa de licitação desde primeiro ano de governo Bolsonaro, banca IADES volta a incorrer em erro e macula concurso mais tradicional do país

Anulação de correção de provas discursivas, novas correções, mudanças abruptas de classificação, erros de soma de notas e publicações erradas no Diário Oficial da União, essa é a rotina dos candidatos do concurso de admissão à carreira diplomática (CACD) desde novembro 2023, quando a banca examinadora (Instituto americano de desenvolvimento – IADES) decidiu anular as segunda e terceira fases por erro cometido pelo próprio instituto. Nova correção promoveu dança das cadeiras: 3o colocado da primeira correção caiu para 41o da segunda correção, enquanto o 97o subiu para 4o. Parentes de diplomatas são os principais beneficiados.  

A três dias da divulgação do resultado final do concorrido concurso do Itamaraty, candidatos foram surpreendidos pela decisão do IADES de recorrigir as provas, anulando resultado provisório, “devido à constatação de intercorrências relacionadas ao sistema de identificação de candidatos nos espelhos de prova referentes à Segunda e à Terceira Fases”, segundo o próprio órgão. Na realidade, o IADES incorreu em mesmo erro que cometera em 2019, primeiro ano em que realizou o concurso: parte do número de inscrição dos candidatos foi colocado pela banca nas folhas de respostas das provas.  

A nova correção, que deveria sanar o vício de forma, criou nova incerteza quanto à qualidade e isonomia das correções. Mesmo as provas discursivas tendo uma grade padrão de correção, as novas notas apresentaram discrepância significativa em relação às primeiras, levantando questionamentos se houve erros ou corrupção com a primeira ou com a segunda banca corretora.  

Sucessão de erros cria suspeição
Além das alterações substantivas de notas e de classificação, o concurso de 2023 apresentou uma sucessão de equívocos da banca examinadora. Ainda na Segunda Fase, o IADES divulgou um gabarito afirmando que a “declaração de guerra é um ato diplomático legítimo”. Horas depois, alterou o gabarito e o retirou do site.  

Já após a recorreção, o Instituto computou de modo errado a nota dos candidatos, erro que deixou de fora da nova lista de aprovados dois candidatos, os quais pediram administrativamente que o erro fosse desfeito. Para surpresa desses candidatos, a banca, após ter acatado recursos contra a correção e ter aumentado suas notas, decidiu voltar atrás, reduzindo a nota final do candidatos, deixando-os de fora da classificação final. Fica a pergunta: por que não poderiam ser aprovados? 

Enquanto candidatos classificados entre as primeiras notas da primeira correção tiveram suas provas recorrigidas de modo gravoso, outros que estavam mal colocados foram alçados aos primeiros lugares. Familiares de diplomatas saíram da 97a posição para a 4a e da 74a para 26a.  

Além dessas inconsistências, os candidatos queixam-se de falta de transparência. O IADES não divulga quem foram os examinadores nem da primeira nem da segunda correção, ao contrário do que é praxe nos concursos públicos. Tampouco se sabe quantos examinadores corrigem cada prova e se há sistema de auditoria.   

O IADES e a dispensa de licitação   
Em 2019, o Ministério das Relações Exteriores substituiu sem licitação a banca organizadora do concurso de ingresso para o Instituto Rio Branco, substituindo o Cebraspe/UnB, que organizava a prova desde 1993. A escolha foi polêmica e por determinação do então ministro Ernesto Araújo. O IADES tinha pouca experiência e já era alvo de denúncias em 2019 no processo seletivo da PM do Distrito Federal.  

Em 2023, além da repetição do erro que já havia cometido no concurso do Itamaraty, a banca voltou a ser alvo de denúncia. O Ministério Público de Contas do DF, por intermédio do Procurador-Geral Marcos Felipe Pinheiro Lima, ofertou denúncia ao TJDF, questionando irregularidades envolvendo provável violação ao ordenamento jurídico.  

Como funciona o CACD?  
O concurso de admissão à carreira diplomática tem três fases. A primeira é chamada de Teste de Pré-Seleção (TPS), etapa de prova objetivas, em que os candidatos devem julgar as assertivas verdadeiras ou falsas. A segunda fase inclui provas discursivas de inglês e português, enquanto a terceira fase exige que os candidatos realizem provas de história do Brasil, geografia, política internacional, economia, direito internacional, francês e espanhol. 

Mesmo as provas discursivas têm critérios objetivos de correção. A banca examinadora divulga um padrão de reposta com 10 quesitos para cada questão. Na recorreção de 2023, candidatos que haviam gabaritado questões, perderam pontos, enquanto outros que haviam recebido notas medianas passaram a ter a totalidade das notas, o que gerou a dança das cadeiras mencionada.   

Em 2023, o concurso ofereceu 50 vagas: 37 na ampla concorrência, 10 para cotas para pessoas negras e 3 para pessoas com deficiência. O concurso atesta a aprovação de 100 candidatos, mas somente são convidados a tomar posse aqueles que preencheram as 50 primeiras vagas, conforme descrito acima.  

Os candidatos autodeclarados negros são submetidos à avaliação de uma banca de heteroidentificação. Nesse ano, dois candidatos não foram considerados negros nesse procedimento, em razão de não apresentarem fenótipo visível de pessoa negra, mas um deles, por ter sido aprovado com nota suficiente para ampla concorrência, não foi eliminado e poderá tomar posse como diplomata.  

 Solução salomônica 
Parte dos candidatos aprovados defende convocação dos 100 aprovados no CACD 2023, para colocar fim às eventuais injustiças da recorreção e por razões de economia orçamentária.  

Existem 158 cargos vagos de terceiro secretário conforme da Secretaria de Gestão Administrativa (SGAD) do Ministério das Relações Exteriores, e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos já autorizou novo concurso para o Itamaraty a ser realizado em 2024.  

A decisão de convocação de todos os aprovados no CACD 2023 significaria economia de R$1.500.000,00.

sábado, 14 de setembro de 2019

A preparação de um diplomata brasileiro - Deutsch Welle

BRASIL

Como é a preparação de diplomatas no Brasil?

Em meio à expectativa de que Bolsonaro nomeie filho como embaixador, milhares de brasileiros disputam vagas no curso para diplomatas do Instituto Rio Branco. Conhecimentos exigidos vão de idiomas a economia e história.
    
Eduardo Bolsonaro com boné que ganhou de apoiadores de Trump em Washington
Eduardo Bolsonaro com boné que ganhou de apoiadores de Trump em Washington
Em meio à expectativa de que a polêmica indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para o cargo de embaixador do Brasil em Washington seja oficializada, cerca de 6.400 pessoas prestaram no último domingo (08/09) a prova da primeira fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) de 2019, a concorrida seleção para o Curso de Formação de Diplomatas do Instituto Rio Branco.
anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que pretende indicar o filho Eduardo para o posto diplomático, feito em julho, levantou dúvidas sobre quem pode ocupar tal cargo e se não seria necessário que esse titular tenha passado pelo rigoroso curso do Instituto Rio Branco.
Formado em Direito, Eduardo Bolsonaro foi escrivão da Polícia Federal e, desde 2015, é deputado federal pelo estado de São Paulo, tendo sido reeleito para um segundo mandato com votação recorde de 1,8 milhão de votos. Ele não cursou o Instituto Rio Branco, e sua única experiência política com assuntos externos brasileiros foi na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, na qual foi suplente na legislatura passada e que preside desde março.
Consultoria Legislativa do Senado classificou a indicação para o posto em Washington de nepotismo, e críticos consideram o currículo de Eduardo inadequado para o cargo de embaixador – chefe de uma embaixada e a principal autoridade brasileira no país em que está.
Acontece que, diferentemente de outras funções que um diplomata pode desempenhar, a de embaixador pode ser ocupada por alguém que pertença ou não ao corpo diplomático formado pelo Instituto Rio Branco. Cabe ao presidente da República indicar embaixadores, e qualquer cidadão pode ser nomeado. 
"O preenchimento do cargo de embaixador pode ser político, cabendo ao presidente a indicação, e ao Senado, a aprovação", explica Pedro Feliú Ribeiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Apesar de legal, são poucos os casos de indicações políticas à uma embaixada nas últimas décadas, ressalta Ribeiro, e aspirantes ao cargo continuam brigando por uma vaga no Instituto Rio Branco.
A seleção do CACD é considerada uma das mais difíceis e com a maior quantidade de conteúdo exigido entre os concursos públicos do país. "A média de tempo de estudos até ser aprovado no concurso é de três a seis anos, podendo chegar a sete ou oito tentativas. É uma preparação de longo curso", afirma o historiador Rodrigo Goyena Soares, professor de História de um dos principais cursos preparatórios para o concurso.
"A rigorosa seleção da prova é um dos fatores que garante o excelente quadro de profissionais que possui o Itamaraty. O CACD seleciona candidatos multidisciplinares e poliglotas", diz.
Com duração de três ou quatro semestres, o curso para diplomatas do Instituto Rio Branco é oferecido desde 1946. Em 2019, a concorrência bateu recorde: são 320 candidatos por vaga. No ano passado, eram 203. O aumento da concorrência é uma das consequências de uma redução no número de vagas: enquanto em 2017 foram oferecidas 30 vagas, em 2018 foram 26, e, neste ano, são 20.
"Compreensão da realidade de modo complexo"
Quando se formou em Direito, David Beltrão sonhava em ser diplomata. Em 2011, se mudou de Recife para São Paulo para fazer os cursinhos preparatórios para o CACD. Parou de trabalhar para se dedicar integralmente ao concurso e estudava dez horas por dia, todos os dias.
"O CACD exige compreensão da atualidade no Brasil e no mundo, assim como todo o conhecimento histórico do século 18 até os dias de hoje. A quantidade de informação sobre História do Brasil é absurda e a prova de inglês é uma das mais difíceis", diz.
A primeira de duas fases da prova conta com 73 questões objetivas de Português, Inglês, História do Brasil e Mundial, Política Internacional, Geografia, Economia, Direito e Direito Internacional Público. A segunda fase cobra as mesmas disciplinas, mas de forma discursiva, além dos idiomas francês e espanhol. Soares afirma que o grau de exigência do exame supera os níveis de graduação e pós-graduação.
"Em português, exige-se um grau de controle linguístico que beira o conhecimento de um Evanildo Bechara ou de um Celso Cunha, nossos principais gramáticos. Na língua inglesa, pede-se conhecimento nativo: o candidato aprovado poderia escrever um artigo na revista The Economist, por exemplo", explica o professor.
Em 2015, após cinco anos estudando para o Instituto Rio Branco, David decidiu voltar para Recife e seguir carreira acadêmica. "Desisti da carreira de diplomata porque o número de vagas diminuiu ao longo dos anos, e eu não podia mais me manter em São Paulo financeiramente." Atualmente, David é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco.
Apesar da desistência, o pernambucano não se arrepende de ter estudado para o CACD. "A prova oferece aos candidatos a compreensão da realidade de modo complexo. É um conteúdo fantástico e me ajudou muito na vida acadêmica", conta. 
"Uma das diplomacias mais respeitadas no mundo"   
A professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Ana Flávia Barros-Platiau afirma que o Brasil tem "uma das diplomacias mais respeitadas no mundo, fruto de uma formação intensiva e rigorosa ministrada pelo Instituto Rio Branco há mais de 70 anos".
Além da fluência em pelo menos três idiomas, o treinamento de um diplomata envolve conhecimento de relações internacionais, história, política, direito internacional, comércio, economia e funcionamento da cooperação internacional.
"Do mesmo modo, o profissional deve estar a par dos grandes temas da agenda internacional, como direitos humanos, meio ambiente, mudança do clima, sociedade da informação, requisitos sanitários e fitossanitários que afetam as exportações agrícolas e pecuárias, propriedade intelectual, questões de proteção de brasileiros no exterior etc.", completa Barros-Platiau.
O indicado deve estar apto a negociar assuntos de diversas áreas de interesse do Brasil junto ao governo do país em que reside. "Por isso, o embaixador tem de ser capaz de cultivar fontes no governo e junto à sociedade do país em que está", aponta a professora da UnB.
"Também deve ter bons contatos no Brasil, tanto com o governo quanto com a sociedade civil, além de ser capaz de compreender adequadamente os diferentes temas em jogo do interesse nacional."
A importância do posto em Washington
Segundo o coordenador do Laboratório de História Global e das Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da USP, Felipe Pereira Loureiro, das 139 embaixadas do Brasil no exterior, a mais importante é a de Washington. 
"Embaixadores brasileiros em Washington tiveram papel central nos rumos da história nacional", explica o professor.
A criação da primeira siderúrgica brasileira, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por exemplo, foi viabilizada por meio de acordos entre o embaixador Carlos Martins Pereira e Souza e empréstimos do governo dos EUA, em 1946.
"Outros exemplos de embaixadores brasileiros em Washington de destaque incluem os que atuaram entre os anos 80 e meados da década de 90", aponta Loureiro. "Esses embaixadores tiveram um papel fundamental para o processo de renegociação da nossa dívida externa junto a bancos privados americanos, culminando na adesão do Brasil às diretrizes que viabilizariam o processo de contenção da inflação no país, por meio da implementação do Plano Real, em 1994."
Para o professor da USP, a história demonstra que além de ter bons contatos na política dos EUA, um embaixador em Washington precisa ter "sólido conhecimento sobre a sociedade americana e significativa capilaridade junto a setores sociais, econômicos e culturais do país".
Para que a indicação de Eduardo seja oficializada, o presidente Bolsonaro precisa enviar o nome do filho para o Senado, que vai decidir se o aprova ou não para o cargo de embaixador nos EUA. Em meados de agosto, o presidente chegou a admitir a possibilidade de rever a indicação do filho, para logo depois afirmar que não iria recuar.
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