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terça-feira, 7 de novembro de 2017

Militar condenado na Lava Jato diz que foi preso por interesse internacional: Angra 3 (FSP)

 Militar condenado na Lava Jato diz que foi preso por interesse internacional
 Folha de S. Paulo, 7/11/2017

 Acusado de receber propina de R$ 4,5 milhões de empreiteiras que tinham obras em Angra 3, o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva ficou preso por dois anos e recebeu uma das maiores condenações da Lava Jato: 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa. Considerado um dos mais importantes cientistas brasileiros e o pai do programa nuclear do país, o almirante Othon, 78, como é conhecido, ficou isolado em uma cela e diz que aprendeu a comer com as mãos. Solto no mês passado, ele pouco sai às ruas e chora com frequência.
Folha - Como o senhor se aproximou da empreiteira Andrade Gutierrez?
Almirante Othon - Em 1994, quando fui para a reserva, a primeira coisa que fiz foi prestar um concurso para o Instituto de Pesquisas Nucleares da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear). Havia duas vagas para pesquisador. Concorri com 16 doutores e tirei primeiro lugar. Mas nós estávamos em 1994, numa fase de muita globalização. E eu não fui chamado. A minha cara é nacionalista. E eu sou mesmo. Como não deu certo, montei uma empresa de consultoria, a Aratec. No início de 2004, um camarada da Andrade Gutierrez, o senhor Marcos Teixeira, apareceu lá. 
E o que ele queria?
Ele disse: "Nós [construtora] temos um contrato de 1982 [para as obras civis da usina nuclear de Angra 3]. Mal começamos a mexer na fundação e ele foi interrompido". Eles achavam que eu poderia ajudar [na retomada das obras], por ter influência militar. Eu disse "não tenho mais, saí [da Marinha] faz tempo". Aí veio a ideia de fazer um estudo para eles. Eu não estava no governo e nem imaginava que ia voltar [Othon foi convidado para presidir a Eletronuclear um ano depois, em 2005].
O Ministério Público Federal considerou que o estudo assinado pelo senhor para a Andrade Gutierrez era simplório e entendeu que ele é fictício.
É um desconhecimento total ou uma vontade de não querer reconhecer [a importância do trabalho]. São anos de pensamento sobre o Brasil. O que ocorreu no país, e sobre o que falava no meu estudo? O consumo de energia cresceu e o estoque de água das hidrelétricas estacionou na década de 80. Antes disso, o Brasil poderia passar por vários anos "secos" porque tinha estoque de água. Mas isso mudou e veio o apagão. O Brasil agora precisa de energia térmica de base. Termelétricas têm que ser [movidas a] carvão ou [energia] nuclear. E nuclear é melhor para nós porque temos reservas [de urânio] correspondentes a 50% do pré-sal. Nós temos que aproveitar o que a natureza nos dá. Ah, se eu tivesse mais [usinas] nucleares. O custo do investimento é maior mas o do combustível é menor [do que o de outras alternativas]. No caso da hidrelétrica, o custo [do combustível, a água] é quase zero. E no caso da nuclear, é pequeno. Se eu tiver a energia nuclear, eu economizo água e não chego nessa situação [de apagão]. A energia nuclear não compete com a hidrelétrica. Ela complementa. Era isso o que o estudo mostrava. 
Depois o senhor foi para o governo e a obra de Angra 3 foi retomada.
Em julho [de 2005], eu soube que tinha uma lista [no governo Lula] para escolher o presidente da Eletronuclear. Eu não queria. Mas aí eu fiz a grande bobagem da minha vida. Fui convidado. Bateu a vaidade e eu aceitei. Em outubro de 2005, assumi o cargo.
E como passou a receber dinheiro da empreiteira?
Tudo o que eu fazia na época [em que prestava consultoria] era na base do sucesso. E coincidiu que fui para o governo e houve a decisão [de retomar Angra 3]. Quem decidiu foi o Conselho Nacional de Política Energética, do qual eu não fazia parte. Como presidente, eu apenas executei as diretrizes. Mas passei a fazer jus [à remuneração] do trabalho [estudo para a Andrade] que eu fiz antes. 
Quanto passou a receber?
Eu cobrei R$ 3 milhões, em valores de dezembro de 2004 [a Polícia Federal diz que o almirante recebeu R$ 4,5 milhões em valores atualizados]. Comecei a receber depois que houve a decisão da retomada das obras. Como era um troço completamente diferente, eles falaram "vamos pagar através de outras empresas". Aí virou outro crime. Se fosse hoje, eu exigiria deles [Andrade] um contrato de confissão de dívida para que me pagassem só depois que eu saísse. Eu não receberia no cargo. Eu tinha direito, foi um trabalho que eu fiz antes. Não era imoral nem ilegal. Apenas com a experiência de hoje eu teria feito diferente.
O Ministério Público Federal e a Justiça consideraram que era propina.
Não era propina, não foi mesmo. Eu achava que tinha direito de receber. Agora, tive o cuidado de não tomar nenhuma decisão [que beneficiasse a empreiteira], não tem nenhum ato de ofício assinado por mim. Tivemos [ele e a Andrade]inclusive um atrito inicial, porque eu exigi que o TCU aprovasse os detalhes do aditivo [para o pagamento do serviço nas obras de Angra 3]. Eles ficaram irritadíssimos. Fui uma decepção para eles. Houve outras divergências, chegaram a parar as obras. Oras, se eu tivesse ligação com eles, isso teria ocorrido? 
Delatores da empresa afirmaram que o senhor, na verdade, cobrava percentual sobre os contratos de Angra 3.
A Andrade já tinha um ressentimento em relação a mim. E delação premiada é um processo muito danado. O cara acha que agrada [os investigadores] e senta a pua. Ele não tem compromisso.
O senhor diz que sua prisão interessa ao sistema internacional. Que evidência tem disso?
Como começou tudo isso? Num depoimento que o presidente de uma empreiteira fazia sobre um contrato com a Petrobras. Ele mencionou que ouviu dizer algo sobre o presidente da Eletronuclear estar de acordo com um cartel. Isso serviu de pretexto para os camaradas vasculharem a minha vida desde garoto. Havia um direcionamento. 
Mas haveria um comando externo nas investigações?
Não comando, mas influência forte, ideológica. Não posso provar mas tenho um sentimento muito forte. Houve interesse internacional.
E por que haveria interesse internacional em sua prisão?
Porque tudo o que eu fiz [na área nuclear] desagradou. Qual o maior noticiário que tem hoje? A Coreia do Norte e suas atividades nucleares. A parte nuclear gera rejeição na comunidade internacional. E o Brasil ser potência nuclear desagrada. Disso eu não tenho a menor dúvida. 
Há setores que acreditam que o Brasil deveria desenvolver a bomba atômica. O país fez bem em abrir mão dela?
Eu acho que fez. O artefato nuclear é arma de destruição de massa e inibidora de concentração de força. Mas, no nosso caso, se tivéssemos a bomba, desbalancearíamos a América Latina, suscitando apreensões. E a última coisa que a gente precisa na América Latina é de um embate.
O país, no entanto, não abriu mão da tecnologia. Se necessário, em quanto tempo faríamos uma bomba?
Em uns quatro meses. Com a tecnologia de enriquecimento que nós usamos, podemos fazer a bomba com o plutônio, como a de Nagasaki, ou com o urânio, que foi a de Hiroshima. Temos os dois porque quem tem urânio enriquecido pode ter o plutônio também. 
Voltando às investigações, o senhor foi acusado de contribuir para a desvalorização da Eletronuclear.
Quando assumi, ela era chamada de vaga-lume. Em poucos anos, passou a figurar entre as centrais de melhor desempenho do mundo. As ações se valorizaram. Como então eu contribuí para desvalorizar as ações? Nada disso foi levado em conta no meu julgamento. O meu passado serviu como agravante. Eu peguei cinco anos de cadeia a mais porque, se eu tinha aquele passado, eu tinha que ter um comportamento [exemplar]. É a primeira vez que antecedente virou agravante. Vida pregressa ilibada virou agravante. Tá lá, escrito [na sentença]. É só ler. Eu li. Me deu uma revolta tão grande... [levanta da mesa, chora].

domingo, 20 de agosto de 2017

A "diplomacia da corrupcao" pode cair pela crise venezuelana - O Antagonista

Um lado menos conhecido do "lulopetismo diplomático": a colaboração com regimes amigos (muy amigos), unidos no Foro de São Paulo, mas sobretudo comprometidos com uma "diplomacia da corrupção", que fez com que uma companhia multinacional megacorruptora, a Odebrecht, se convertesse num "braço financeiro" da organização criminosa que atuou no Brasil entre 2003 e 2016 em suas interfaces externas, sobretudo em íntima conexão com regimes autoritários da África e da América Latina. O BNDES também foi envolvido no mesmo esquema, e algum dia saberemos toda a extensão da imensa rede de corrupção mantida pelos companheiros.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de agosto de 2017

A responsabilidade de Lula no desastre chavista (1)

 
Luísa Ortega fugiu da ditadura de Nicolás Maduro.
Destituída do cargo de procuradora-geral e acusada por Tarek William Saab, aliado do ditador, de ser a “autora intelectual” das mortes das últimas semanas, ela foi da península venezuelana de Paranaguá para a ilha de Aruba, onde pegou um voo privado para Bogotá, na Colômbia.
Além de dois membros de sua equipe, Ortega aterrissou acompanhada de seu marido, o deputado Germán Ferrer, cuja imunidade parlamentar foi retirada pela Assembleia Constituinte chavista, que pediu que ele fosse processado por, supostamente, participar de uma rede de extorsão que exigia dinheiro de delinquentes para evitar o prosseguimento das acusações.
Tudo porque Ortega abriu inquérito para investigar as propinas da Odebrecht na ditadura erguida com apoio de Lula.

A responsabilidade de Lula no desastre chavista (2)

O motivo básico da “perseguição sistemática” a Luisa Ortega e seu pessoal de confiança pela ditadura de Nicolás Maduro são os subornos pagos pela Odebrecht a funcionários do governo venezuelano.
Foi o que a própria Ortega disse em áudio gravado de local desconhecido e divulgado pelo Ministério Público mexicano quando a procuradora-geral destituída pela Assembleia Constituinte chavista estava na ilha de Aruba, no meio de sua fuga para Bogotá.
“E isso os deixa muito preocupados e angustiados porque sabem que temos a informação e o detalhe de todas as operações e os montantes”, diz ela na gravação revelada durante a Cúpula dos Procuradores da América Latina.
“Temos o detalhe de toda a cooperação, os montantes e personagens que enriqueceram, e essa investigação envolve o Sr. Nicolás Maduro e seu entorno”, denunciou Ortega.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Brasil: sistema financeiro protegido pelo poder? - comentarios da UGT

Recebo, da União Geral dos Trabalhadores, uma das muitas centrais sindicais, estas observações sobre uma Medida Provisória que ainda não foi objeto de debates mais detalhados, sobretudo em termos de suas consequências práticas.
Paulo Roberto de Almeida 

UGT Press
Nº 0565 - 4 de julho de 2017

MEDIDA PROVISÓRIA: foi publicada em 8 de junho a medida provisória (MP) 784/17, criando novas regras para a investigação e punição de instituições financeiras que estejam envolvidas em fraudes. Salvo explicações mais detalhadas, omitidas em tudo o que se publicou sobre o assunto, a MP tem como destino certo a proteção dos bancos e das corretoras de valores que, eventualmente, sejam citadas em novas delações ou apareçam em investigações em andamento. Essa “precaução” tem como preocupação central as possíveis delações de Antonio Palocci, Guido Mantega, Adir Assad e Lúcio Bolonha Funaro (estes citados pelo jornal “O Estado de São Paulo”). Em tese também, a MP 784/17 dá mais poderes ao Banco Central (BC) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), podendo alcançar as empresas faltosas com novos patamares de multas. 
PRINCIPAÍS PONTOS DA MP: segundo o mesmo Estadão, as novas regras incluem: multas mais pesadas para as instituições financeiras; a punição para os delitos antigos será de acordo com a legislação anterior (confuso, porque todos os delitos que estão sendo investigados, em tese, foram cometidos no passado, ou seria em relação à época que o fato veio à tona ou ao conhecimento da autoridade?); as empresas ou instituições envolvidas na Lava Jato estão sujeitas à legislação de 1998; estão previstos acordos de leniência; as empresas ou instituições não estarão livres de punições na esfera penal; poderão existir “termos de compromisso” com o BC, especialmente no sentido de se dar um basta às práticas irregulares; poderão existir acordos sigilosos.
ESTRANHEZA: causa estranheza ou espanto que eventuais acordos realizados com base na nova MP possam ser sigilosos entre os bancos e o Banco Central do Brasil. Dizem os repórteres do Estadão (Fabrício de Castro e Fernando Nakagawa): “Além dos novos acordos de leniência para o sistema financeiro, a medida provisória prevê uma solução para que instituições que admitirem ou forem pegas com práticas irregulares continuem operando. O artigo 12 da MP prevê que o BC poderá deixar de instaurar ou mesmo suspender processo administrativo já aberto se “o investigado assinar termo de compromisso”. Num país em que o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central são banqueiros, essa situação não deixa de suscitar dúvidas ou desconfianças. 
CRIMES POSSÍVEIS: entre nós, com a corrupção atingindo todos os poderes e grandes empresas estatais, tendo a participação de senadores e deputados e envolvendo somas gigantescas de recursos, realmente não é possível que o sistema financeiro tenha passado incólume por esse vendaval. É bem possível remessas e movimentações ilegais, feitas sob a proteção dessa ou daquela instituição, como foi o caso do Banco Rural no Mensalão. Matéria de Fábio Serapião (Estadão), afirma: “Todos, na visão dos investigadores, podem contribuir para que a investigação descubra os detalhes de como foi possível a movimentação de bilhões, nos esquemas de corrupção desbaratados, sem que o sistema financeiro nacional apontasse a suspeita de irregularidades”. 
MAU CHEIRO NO AR: uma medida provisória dessa natureza, nesta altura do campeonato, suscita as maiores dúvidas, especialmente olhando a sua origem. A mesma iniciativa foi tentada no governo anterior (Dilma Rousseff), mas não foi à frente. Foi “engavetada”. Além das delações possíveis dos ex-ministros Palocci e Mantega, sabe-se que os operadores Adir Assad e Lúcio Bolonha Funaro foram responsáveis pela movimentação de mais de um bilhão de reais por meio de empresas de fachada. Essa situação é muito séria e coloca no olho do furacão as nossas instituições financeiras. A medida provisória 784/17 deu as caras para aplainar o terreno e proteger as instituições financeiras. Da mesma forma que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi, na prática, rasgada, agora aparecem outras medidas para flexibilizar o papel do BC e CVM. Não nos esqueçamos que, no passado, já houve denúncia de medidas provisórias negociadas sob propina. Enfim, estamos no Brasil.

UNIÃO GERAL DOS TRABALHADORES
PRESIDENTE: RICARDO PATAH 

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Brasil, mega-corrupcao vista por um academico frances - Olivier Dabene

Comparado ao Brasil, mundo é amador em corrupção, diz cientista político francês

Olivier Dabène, da universidade Sciences Po de Paris, diz que 'pilhagem' do país 'dá vertigem' e que crise política deve levar a surgimento de 'grande partido de direita' pela 1ª vez desde retorno à democracia.

8 jun 201706h29

Quando o assunto é desvio de dinheiro público e corrupção, o mundo inteiro é amador se comparado ao que ocorre no Brasil, na opinião do cientista político francês Olivier Dabène, diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris.
Foto: Inap/Univ. Chile
Em entrevista à BBC Brasil, Dabène diz que o mais recente capítulo da crise política no país, deflagrado após as delações de executivos da JBS - e que atingiram o presidente, Michel Temer -, mostram que "os políticos brasileiros não aprendem".
"Eles veem a política como algo que permite o enriquecimento pessoal. Não há uma visão da política como atividade que deva servir aos interesses gerais."
O professor da Sciences Po, que já lecionou na Universidade de Brasília e em outros países da América Latina, identifica no Brasil uma "pilhagem sistemática dos recursos e de estatais", algo que vê como "inacreditável" e digno de "dar vertigem."
Dabène prevê que dessa crise surgirá um "grande partido de direita" para defender os interesses das classes altas, que não se viam representadas desde o retorno à democracia. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Qual é a sua avaliação da crise política no Brasil, após as denúncias recentes envolvendo o presidente Temer?
Olivier Dabène - Temos a impressão de que as revelações de corrupção não irão acabar nunca. As delações premiadas levam a acusações em série. Há um agravamento progressivo porque os elementos se tornam mais precisos e o número de políticos envolvidos é impressionante, e inclui os mais populares, como Lula.
Isso leva a pensar que era praticamente impossível fazer política no país sem recorrer a financiamentos privados ilegais. O modo de funcionamento da vida política brasileira foi exposto e hoje atravessa um momento crítico.
O caso envolvendo o presidente Michel Temer (investigação após delações da JBS) é o cúmulo do cinismo. Temos a impressão de que os políticos brasileiros não aprendem. Eles continuam fazendo a mesma coisa. É uma maneira instintiva de fazer política. É muito difícil mudar o comportamento e as mentalidades.
Joesley e Wesley Batista
Foto: BBCBrasil.com
BBC Brasil - O que explica a dimensão da corrupção no Brasil? 
Dabène - É difícil explicar tamanhos absurdos. Há uma visão da política no Brasil como atividade que permite o enriquecimento pessoal, da mesma forma que outras atividades.
Não há uma visão da política como atividade que deva servir aos interesses gerais. Quando dizem que não há consciência cívica no Brasil, penso que isso não está errado.
A corrupção não é particularidade do Brasil, mas é exagerada no país. Talvez porque o Brasil seja um país grande, rico, com muitos recursos naturais e que por muito tempo foi alvo de exploração fácil. Há comportamentos que se enraizaram na história. Essas pessoas estão comprometendo o crescimento econômico do Brasil e o desenvolvimento futuro.
BBC Brasil - Na França, por exemplo, também há revelação de suspeitas de desvio de dinheiro público, como ocorreu durante a campanha presidencial com o candidato conservador, François Fillon, até então favorito na disputa. 
Dabène - Os franceses são amadores se comparados ao que ocorre no Brasil. O mundo inteiro, aliás. Imagine o que teria sido o crescimento econômico do Brasil nos últimos 30 ou 40 anos se não tivesse havido essa pilhagem sistemática de seus recursos e empresas. Isso dá vertigem. É totalmente inacreditável.
Quando digo que os políticos brasileiros não aprendem, me refiro também ao fato de que não conhecem a história do Brasil. Esse tipo de situação no país hoje é tipicamente o clima de um golpe de Estado.
Não estamos mais, claro, na época de golpes militares, há pouquíssimas chances de que isso ocorra. Mas há todos os elementos para que um militar queira virar a situação.
Cientista político vê deputado Jair Bolsonaro como exemplo de outsider que pode se beneficiar com vácuo de líderes causado por crise política
Foto: EBC
Quando a democracia chega a esse tipo de absurdo, de comportamentos imorais, pode sempre surgir um militar para dizer basta a tudo isso.
As coisas, claro, mudaram. A grande maioria dos militares no Brasil tem um espírito republicano. E hoje as Forças Armadas têm menos necessidade de intervir na política porque há homens políticos, como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com linguagem dura e comportamento autoritário.
BBC Brasil - O senhor diz que para mudar o comportamento dos políticos no Brasil é necessário que haja uma nova geração ou candidatos outsiders .
Dabène - Tenho receio de que a eliminação de uma classe política, como ocorre atualmente com os escândalos de corrupção, resulte em um outsider que queira colocar ordem e seja autoritário. Uma personalidade forte, que não hesitará em agir com dureza.
É um cenário catastrófico para o Brasil que não pode ser descartado. Os brasileiros estão muito descontentes. É uma situação inédita que torna possível o surgimento de um outsider linha-dura ou de pessoas que nunca tenham atuado na política.
O deputado Bolsonaro é preocupante e já se beneficia de certo apoio, segundo pesquisas. Vai sair dessa crise política um grande partido abertamente de direita, que defenderá as classes mais altas. Elas hoje não sentem representadas. Não houve, após a volta da democracia no Brasil, com um grande número de pequenos partidos atualmente, um grande partido de direita clássica, dura. Há um vazio sendo preenchido.
BBC Brasil - O senhor acredita que o presidente Temer conseguirá terminar o mandato ou isso se tornou inviável?
Dabène - Já faz tempo que é inviável. A cada nova revelação, se estende o limite do que é suportável. Mas acho que apenas a eventual decisão do Tribunal Superior Eleitoral de cassar seu mandato o impediria de continuar na Presidência.
O que é fascinante no caso de Temer é que ele um presidente sem nenhuma legitimidade e impopular e, ao mesmo tempo, que lança reformas radicais. É paradoxal. Ele aposta que fará algumas reformas.
 
Presidente Temer durante evento em Brasília
Foto: BBCBrasil.com
BBC Brasil - Mas há pressão popular para que ele renuncie e por eleições diretas. 
Dabène - É difícil medir hoje a força de mobilização nas ruas porque há o fator da mobilização online, nas redes sociais. É diferente do movimento Diretas-Já nos anos 80. A mobilização nas redes sociais não fará o presidente Temer renunciar. Isso é certo. No entanto, se o movimento Diretas-Já com 10 milhões de curtidas na internet se transformar em 10 milhões de pessoas nas ruas de Brasília, será outra coisa.
Tenho certeza de que muitos brasileiros estão descontentes e querem que Temer renuncie. Mas será que isso se resume a curtir páginas Fora Temer ou Diretas-Já nas redes sociais ou pessoas de todo o país irão protestar em Brasília? Ou seja, se o movimento crescer e houver milhões de pessoas nas ruas, pode ser que Temer seja obrigado a renunciar. Não descarto essa possibilidade.
Mas não é fácil fazer com que as pessoas marchem nas ruas, o que me leva a pensar que Temer continuará no cargo, caso seu mandato não seja cassado pela Justiça.
BBC Brasil - Com boa parte do Congresso investigada pela operação Lava Jato, não haveria, no caso de eleição indireta, um problema de legitimidade para designar o eventual novo presidente?
Dabène - Eleições indiretas representariam um problema de legitimidade, claro. Mas seria um presidente de transição até as eleições de 2018. Se for uma personalidade moderada, com um discurso de reconciliação e de paciência, no sentido de respeitar o calendário eleitoral, poderá dar certo.
Acho notável, nestes dois últimos anos no Brasil, o desejo de respeitar a Constituição em meio a toda essa crise. A classe política vai querer respeitar o que diz a Constituição nesse caso.
BBC Brasil - Com a rejeição da classe política tradicional, o senhor acha possível que o Brasil possa eleger um presidente como o da França, Emmanuel Macron, que jamais havia disputado uma eleição e era totalmente desconhecido no país há apenas três anos?
Dabène - Sim. A opinião pública brasileira está tão decepcionada que devemos nos preparar para enormes surpresas. Talvez o próximo presidente do Brasil possa até ser um artista. É possível que os candidatos que disputarão o segundo turno presidencial em 2018 não sejam hoje pessoas conhecidas.

domingo, 14 de maio de 2017

Crimes economicos do lulopetismo na frente externa (Book review) - Paulo Roberto de Almeida

Minha mais recente resenha e mais recente publicação:


Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa

Paulo Roberto de Almeida
 [Resenha de livro; publicação digital]

Fábio Zanini:
Euforia e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5).

A história do Brasil, nos três primeiros lustros do século XXI, precisa ser totalmente reescrita, reelaborada e reinterpretada, à luz dos rumorosos e escabrosos casos de corrupção que vieram à tona a partir de 2014, muito embora um preview já tivesse sido oferecido ao distinto público desde 2005. Com efeito, o escândalo do Mensalão – cujo julgamento estendeu-se por sete longos anos – já tinha sido, de certa forma, uma antecipação, em menor escala, do Petrolão. Este representou, todavia, se não uma apoteose do lulopetismo mafioso, pelo menos um desfile em grande pompa dos grandes campeões da corrupção nacional, com maior sofisticação e desenvoltura na evolução da tropa de malfeitores, com um largo grau de desfaçatez e hipocrisia no enredo e, obviamente, com volumes inacreditavelmente maiores de recursos públicos e privados engajados (ops: extorquidos e desviados) nas operações até aqui registradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Portanto, podemos conceder-lhe nota 9,5 em vários quesitos da evolução, ficando porém atrás de certa cleptocracia eslava em função da improvisação de muitos dos figurantes e do exibicionismo caipira de alguns donos do dinheiro. Mas voltemos à nova versão da história brasileira recente.
Essa reinterpretação se imporá aos futuros historiadores. Daqui para a frente será virtualmente impossível compreender a política brasileira (estrito senso), a política econômica (lato senso), as políticas sociais, a política externa e todas as demais políticas setoriais sem que se incorpore, sem que se admita, sem que se internalize uma simples constatação de base não opinativa, mas puramente factual: entre 2003 e 2016, uma organização criminosa comandou aos destinos do país e orquestrou o mais gigantesco assalto a uma nação soberana de que se tem registro nos anais hemisféricos; exemplos africanos abundam, mas estamos falando aqui das Américas como um todo, o que não é pouco, já que quanto maior o PIB, maiores as possibilidades nessa área, mas cabe ficar claro que, quanto maior o Estado, maiores as chances para os larápios de todos os tipos.
É sintomático, a esse título, que o nome da maior companhia corruptora do hemisfério, e certamente candidata a ser a maior do mundo, figure já na ficha catalográfica deste livro do jornalista Fábio Zanini, que tem o seguinte ordenamento: 1. Brasil – Relações exteriores; 2. Empresas multinacionais – Brasil; 3. Construtora Norberto Odebrecht; 4. Brasil – Política e governo. A inclusão da construtora promíscua  numa página editorial com tal destaque é inteiramente justificada: afinal de contas, a empresa colocou o Brasil na liderança da corrupção nas Américas, no Guinness Book of Records das práticas delitivas mais exemplarmente políticas desde os tempos de Maquiavel e dos Borgia. Não é todo dia que o Brasil atrai a atenção do mundo inteiro, ainda que seja pelos piores motivos possíveis. Finalmente, a gigante americana da energia, Enron, “só” desviou algumas dezenas de bilhões de dólares de seus acionistas, mas o escândalo dos companheiros avança na casa das centenas de bilhões de dólares. Muito possivelmente, as descobertas até aqui constituem a ponta de um gigantesco iceberg, uma vez que envolveram tão somente a Petrobras, embora outros candidatos estejam “ávidos” para aparecer (como um grande banco estatal, por exemplo).
O livro em questão, aliás, tem tudo para ser um sucesso quando a caixa preta do BNDES for finalmente aberta por seus novos dirigentes, ou escancarada pela Polícia Federal, uma vez que, entre 2003 e 2015, o banco financiou quase seiscentos projetos em onze países da África e da América Latina, por um volume total equivalente a mais de US$ 14 bilhões, ou seja, quase R$ 50 bilhões (a maior parte abocanhada pela pouco discreta Odebrecht). Não por acaso, os países visitados por Zanini na preparação desta obra-reportagem integram um arco que poderia ser chamado de cordão de ouro dos grandes negócios heterodoxos (existiria algum outro nome não ofensivo?): Namíbia, Angola, Peru, Moçambique, Guiné Equatorial, ademais de diversos outros igualmente envolvidos nas operações externas do banco. Nem todos os contratos de compra de equipamentos e de serviços brasileiros por esses países implicam necessariamente a corrupção em grande estilo a que se assistiu no Mensalão e agora no Petrolão; mas todos eles implicam em perdas quase certas para o país, dado o generoso financiamento feito pelo banco, com subsídios do Tesouro às linhas de crédito assim abertas, cujos custos precisam ser cobertos pela carga fiscal sempre crescente do Brasil.
Da mesma forma, nem todo o relacionamento diplomático do Brasil com tais países, e vários outros em diversas outras regiões do mundo, está tisnado por fortes doses de corrupção como quase certamente ocorre no caso de algumas ditaduras africanas e nos ditos países “bolivarianos”. Mas o que se assistiu nos últimos anos em matéria de patifarias e de frustrações derivadas da falta de gerenciamento executivo – substituído por aventureiros vinculados aos companheiros – impressiona pelo que o Brasil e o seu povo perderam em recursos “contabilizados” no vermelho (como as imensas perdas da Petrobras, por exemplo), e mais ainda em função do famoso custo-oportunidade, ou seja, o que o Brasil deixou de ganhar pelos maus investimentos, quando não pelos “investimentos” criminosos (do tipo Pasadena e outros). O livro de Zanini não trata de todos os casos, mas a coleção de “causos” relatados vai realmente, como diz o título, da euforia ao fracasso.
Na Namíbia, por exemplo, a Petrobras resolveu “acabar com a brincadeira” em 2013, “uma brincadeira cara que já havia custado ao menos US$ 100 milhões aos contribuintes brasileiros” (p. 71). Os negócios de petróleo na Namíbia foram incluídos “junto de licenças no Benim, Gabão, Nigéria e Tanzânia numa negociação com o banco BTG Pactual, que desembolsou US$ 1,5 bilhão por elas – valor considerado baixo por alguns analistas de mercado, mas defendido pela Petrobras como a melhor opção naquele momento” (p, 71). Como ocorreu provavelmente no caso da famosa refinaria Pasadena – mas numa operação com valores para cima, e não para baixo, como na África – o menos importante, para a Petrobras de seu então presidente e para a então “presidenta” do Conselho de Administração, não eram exatamente a refinaria ou os campos de petróleo quanto as operações financeiras em si, permitindo liberar milhões de dólares, num sentido ou noutro (ou seja, compra ou venda), sem qualquer controle dos órgãos nacionais pois que transacionados em circuitos financeiros do exterior. Isso não figura no livro de Fábio Zanini, mas posso apostar – sem sequer conhecer os meandros dessas negociações envolvendo centenas de milhões de dólares – que os objetivos visados eram bem mais financeiros do que propriamente operacionais.
Essa característica básica dos negócios multinacionais companheiros aparece em segundo plano em praticamente todas as histórias coletadas pelo jornalista, e aqui se trata bem menos de política externa – ainda que ele cite muitos telegramas confidenciais do Itamaraty – e bem mais de operações financeiras externas, nas quais o Ministério das Relações Exteriores tem um papel equivalente ao de Pilatos no Credo: é mencionado mas não tem absolutamente nada a ver com as patifarias a elas subjacentes. O cenário geral do livro é, obviamente, a tal de “projeção externa” do Brasil, que efetivamente cresceu de maneira até desmesurada na era Lula – dezenas de novas embaixadas em países inexpressivos – mas o fulcro real não é tanto a política externa ou as grandes multinacionais brasileiras do subtítulo, quanto os negócios em si, a ponto de podermos afirmar que essa “projeção” é um subproduto, uma espécie de “side effect” da meta real: a realização de negócios bilionários, para a maior gloria (financeira) dos capitalistas e da nova burguesia do capital alheia, os companheiros mafiosos capitaneados pelo chefão inescrupuloso. Este, com suas palestras virtuais, foi o menino-propaganda da gigantesca Odebrecht, ambos dedicados a fazer milhões às custas do Tesouro, e em última instância do povo brasileiro, mas com perdas adicionais também para os povos “atingidos” e despojados pelos miríficos projetos ativamente promovidos pelo maior ladrão da política brasileira, nunca antes visto em nossa história.
O caso da Namíbia, meticulosamente examinado por Fábio Zanini, talvez se aplique como lição geral a partir desse “fracasso do Brasil Grande” propagandeado por Lula, como já tinha ocorrido aliás na era militar, quando os generais alimentavam o sonho do Brasil “grande potência”, e nos levaram à derrocada financeira nos anos 1980:
O espalhafato e a megalomania de empreendedores excêntricos, a promessa de lucro fácil, a falta de planejamento e o tráfico de influência sobrepõem-se, antes da derrocada final, em que os grandes prejudicados são os países receptores, que mais uma vez se veem usados. (p. 72)

Na verdade, os brasileiros – nós, os contribuintes – fomos tão usados quanto os países visados nas caravanas da corrupção lideradas por Lula e pelos dirigentes da Odebrecht e das demais construtoras, companhias que são geneticamente corruptas em quaisquer países e em quaisquer circunstâncias, mas que no Brasil dos companheiros encontraram terreno fértil e a mais perfeita associação delitiva para ampliar os negócios numa extensão nunca antes vista neste ou em qualquer outro país. Nada escapava à sanha delinquencial das companhias e dos companheiros: tudo era motivo para um superfaturamento aqui, um aditivo orçamentário ali, uma comissão paga antes, durante e depois dos contratos, com caixa dois ou sem ele, nos momentos eleitorais ou em qualquer tempo e lugar, nenhuma oportunidade de desvio, de falcatrua, de roubalheira, de extorsão e de pagamentos em cash ou via doleiros e banqueiros cúmplices, tudo isso se praticou em larga escala durante os anos lulopetistas de governos criminosos.
O capítulo sobre Angola está todo resumido em seu início:
No país africano, a Odebrecht, impulsionada pelo dinheiro público brasileiro, ajuda a sustentar uma ditadura que está no poder há quase quatro décadas. (p. 75)

O “quartel general” da multinacional brasileira – que dizem ser a verdadeira embaixada do Brasil em Angola – fica num Business Park cercado, ao lado de um luxuoso shopping, também construído pela companhia. Uma especialista britânica resume também o sentido das “concorrências públicas” feitas pelas autoridades de Angola para alguns grandes projetos de infraestrutura no país: “Em Angola até existem licitações, mas nem sempre para a Odebrecht” (p. 78). Um desses projetos, a usina hidrelétrica de Laúca, sobre o rio Kwanza, saiu caro: US$ 4 bilhões. “E para que essa conta fosse paga, veio uma ajudinha do Brasil” (idem). Lula, já ex-presidente, visitou o país em maio de 2014, e cobrou o seu cachê habitual da Odebrecht: US$ 200 mil. Todos os personagens dessa história, inclusive o marqueteiro João Santana, à exclusão dos angolanos, já foram enquadrados por tráfico de influência.
Cabe, assim, ter consciência de que a Lava Jato é apenas uma pequena parte da gigantesca máquina de corrupção criada pessoalmente por Lula e pelos companheiros do partido neobolchevique (pelos métodos, não pelos objetivos, uma vez que eles não pretendem enterrar o capitalismo, apenas viver à sua sombra e proteção). Ao longo dos diversos casos e capítulos narrados de forma fluente por Zanini é possível fazer essa junção de interesses que tem menos a ver com a política externa brasileira ou com a sua diplomacia profissional – muitas vezes mantida à margem desses negócios obscuros – e mais com a ambição desmedida de capitalistas e burgueses do capital alheio, todos eles promíscuos, incrivelmente corruptos, numa extensão que está sendo recém desvendada pelas delações premiadas de muitos executivos e de alguns apparatchiks menos fieis.
Mas o livro representa também apenas um aspecto menor, o da interface externa, da Grande Destruição perpetrada pelos companheiros nos campos econômico, político e sobretudo moral, no próprio Brasil. A maior recessão da história econômica do país,  causada pela inépcia administrativa e pela imensa teia de corrupção que agora perpassa todas as instâncias do poder público e largos estratos do setor privado, dificilmente será superada antes de o Brasil comemorar melancolicamente seus primeiros dois séculos de vida independente, com uma renda per capita equivalente ao de uma década atrás. No campo da política externa, o lulopetismo diplomático representou uma tremenda perda de credibilidade para o próprio país, uma vez que os companheiros se aliaram a algumas das ditaduras mais execráveis do planeta – questão apenas parcialmente tratada no livro, pelo lado de algumas ditaduras africanas – e aproveitaram dessa “peculiaridade” para fazer lucrativos negócios, em todas as esferas possíveis, sem qualquer restrição mental quanto a direitos humanos e democracia, valores e princípios que figuram em nossa carta constitucional e que aparentemente deveriam guiar nossa diplomacia.
As relações do Brasil com os países ditos bolivarianos e com a ditadura dos irmãos Castro em Cuba não são tratadas, a despeito de elas também envolverem os generosos financiamentos dos bancos estatais brasileiros e operações com algumas grandes empresas estatais e privadas, entre estas inevitavelmente a Odebrecht. Mas o livro menciona, ao final, o triste caso da Guiné Equatorial, cujo ditador, o campeão da longevidade política no continente, se relacionou de maneira exemplar com o chefe da organização criminosa que infelicitou e empobreceu o Brasil, e que também retirou algo do brilho profissional de sua diplomacia. Ao considerar o “interesse estratégico” do Brasil no pequeno país africano, Zanini aponta a contradição nesse relacionamento estimulado pelos companheiros com determinados valores de nossa diplomacia:
O desempenho da Guiné Equatorial na área de direitos e o fato de ser uma ditadura virtualmente de partido único, com um dos presidentes há mais tempo no cargo em todo o planeta, em nenhum momento fizeram parte dessas considerações estratégicas [do governo Lula]. (p. 217)

O livro não tem conclusões ou argumentos finais, o que nos obriga a retornar à sua introdução para registrar a avaliação geral do autor sobre o sentido profundo do regime lulopetista para o Brasil, inclusive em suas conexões externas:
O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior tinha elementos de tráfico de influência ou, pior, foram azeitados pelo pagamento de propina, como revelaram operações de combate à corrupção, sobretudo a Lava Jato. O caixa do PT foi engordado por doações de empresas beneficiadas por esse expansionismo desmedido.
A promiscuidade entre o novo governo brasileiro [de Lula] e novos parceiros estratégicos em países como Angola, Peru e Moçambique, tornou-se clara. Talvez nada simbolize melhor essa nociva simbiose do que o publicitário petista João Santana em países como Venezuela, Angola e República Dominicana, recebendo ilegalmente por campanhas presidenciais via depósitos clandestinos da Odebrecht, a empreiteira símbolo da era Lula. (p. 10-11)

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de maio de 2017