5 coisas que
aprendi dando aula numa universidade pública brasileira
Paulo Roberto de Almeida
Em uma vida erraticamente
nômade, ao longo de quase 40 anos de carreira diplomática (metade da qual
passada no exterior), e de atividades acadêmicas bastante diversificadas, desenvolvidas
ao longo de um período ainda maior em universidades públicas e privadas, do
Brasil e do exterior, mesmo se de forma intermitente, aprendi algumas coisas,
boas e más, que cabe reportar agora aos leitores com vistas a cumprir um duplo
objetivo: de um lado, uma pequena instrução em direção das almas cândidas (ou
seja, todos aqueles alheios ao universo mental e material das instituições de
ensino superior), de outro, um exercício de avaliação das IPES – as
instituições públicas de ensino superior, basicamente federais e estaduais –,
que não ignoram as críticas que, contra elas, pretendo dirigir (com a melhor
das intenções).
Nos últimos treze anos tenho
sido professor de um centro universitário privado, o que não me eximiu de continuar
a conviver, e de aprofundar o meu conhecimento do funcionamento (precário, cabe
dizer desde logo) das IPES, uma vez que sou convidado regularmente a participar
de bancas (de mestrado, de doutorado e de seleção de novos professores), de
seminários, de colóquios e mesas redondas, a proferir palestras, a emitir
pareceres a artigos apresentados a periódicos, sem esquecer as dezenas de
conferências e congressos (de relações internacionais, de história econômica,
de estudos de defesa, ou quaisquer outros temas afins) vinculados a associações
de que faço parte ou que me estendem convites para integrar mesas. Mas já fui
professor convidado ou temporário de IPES, em alguns estados, e posso dizer,
assim, que conheço as “entranhas do monstro”, como diria o patriota cubano José
Marti a propósito do imperialismo.
Quando digo “monstro”
não é com qualquer atitude depreciativa ou agressiva, embora algumas IPES
mereçam, provavelmente, esse sentido negativo, pelo que tenho registrado como
bizarrices e idiossincrasias em várias delas. Quero dizer que as IPES cresceram
razoavelmente desde quando o sistema de ensino superior público foi
reorganizado, logo no início do regime militar, para dar conta da enorme
pressão da classe média em prol dessa poderosa alavanca de ascensão social
rigorosamente colocada a serviço dos estratos mais privilegiados da sociedade,
com alguma abertura aos egressos das classes populares. Ao crescer, não
desmesuradamente, elas passaram a absorver uma fração significativa dos
orçamentos públicos do setor educacional, em total desproporção com a cobertura
correspondente dos estratos etários suscetíveis de serem acolhidos pelo ensino
público nos dois primeiros níveis. Elas são “monstros” porque são responsáveis
por uma apropriação de recursos mais do que inversa, na verdade aberrantemente
desigual, em relação ao recrutamento operado nas faixas etárias que
corresponderiam às respectivas taxas de matrícula (aquilo que os americanos
chamam de “enrollment rate”).
Numa palavra, as IPES “coletam” da sociedade quase dez vezes mais por aluno
universitário (e o que gravita em volta) do que o que é alocado aos estudantes
dos níveis precedentes do ensino público. Ou seja, existe uma pirâmide de
gastos totalmente invertida com respeito ao número de beneficiários,
estreitamente ridícula na sua base minúscula e extremamente generosa com o
punhado de jovens entre 18 e 24 anos que frequentam as IPES.
A injustiça social e as
bases empíricas da desigualdade de oportunidades já nascem desse fato simplório
(?!), mas não é disso que pretendo falar, pois suponho que esse tipo de
escândalo seja razoavelmente conhecido da comunidade universitária, pública ou
privada, que vive, gravita e sobrevive nesse universo de iniquidades
educacionais tipicamente jabuticabal. Minha intenção é a de chamar a atenção
para algumas de peculiaridades das IPES, por imaginar que a maior parte do
público não universitário não tenha delas um conhecimento suficiente, e que
continua a considerar que elas são parte importante, necessária e
indispensável, do processo brasileiro de desenvolvimento, quando elas podem, na
verdade, estar contribuindo para dificultar esse processo, ao consagrar um rol
de bizarrices do qual cumpre dar cabo.
De minha experiência
como professor de algumas delas – não preciso dizer quais – retirei certas
constatações, que passo agora a expor e desenvolver.
1) A
oferta universitária pública não corresponde necessariamente à demanda
Uma regra básica de
qualquer provimento de bens – públicos ou privados, não importa muito aqui
distinguir um ou outro – é a de que essa oferta deve atender a uma necessidade
percebida, real, pré-existente, por parte da “clientela” consumidora desses
bens e serviços; a educação é um serviço de natureza especializada que atende a
uma demanda real existente na sociedade, qual seja, a formação e capacitação de
mão-de-obra, para fins úteis, públicos ou privados. Em princípio, as IPES
deveriam ser objeto de debate legislativo, de ordenamento de recursos
apropriados por parte de órgãos de governo (planejamento, educação, saúde,
trabalho, etc.) e de contínua avaliação da adequação desse provimento às
necessidades sempre cambiantes de uma economia dinâmica, aberta à concorrência
e competição entre sistemas públicos e privados (pois assim reza a
Constituição).
Não é segredo para
ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente “privadas”, isto é, eles
são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A,
B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que
se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da
benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do
grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa
confirmação plena do velho adágio da “torre de marfim”. Não se trata exatamente
de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria
transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e
ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC-Sesu, asseguram uma
confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em
respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência
eventual de soro financeiro.
Nessa estrutura
relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de
pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa
clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães
do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial,
independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os
avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento,
Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional
(isto é, toda a sociedade) e, sobretudo, os alunos não possuem nenhum poder na
definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação
dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, no
acompanhamento do desempenho dos alunos, enfim, no desenvolvimento do
aprendizado, na empregabilidade futura da “clientela”, que fica entregue à sua
própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário
autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos
resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente
desimportante de todo o processo.
O Brasil vive,
supostamente, em regime capitalista – cum
grano salis, ou com toneladas de sal – mas as IPES estão num ambiente
pré-medieval, numa certa anomia organizacional que permite a qualquer
escolástica gótica sobreviver em meio a ventos e marés, sem qualquer punição de
mercado, que é o critério básico sob o qual vivem todos os capitalistas
ofertantes de bens e serviços para uma clientela ciosa de boa qualidade a
preços razoáveis. Na universidade, esses critérios são irrelevantes, pois
aquele elemento do cálculo racional, a relação entre insumo e produto, a linha
de montagem e o produto final, tudo isso não tem a menor importância, inclusive
para o que, ou para quem, serve o “produto” das forjas acadêmicas. Não que a
universidade pública, as IPES necessitem funcionar segundo os princípios e
requerimentos do capitalismo de mercado – parece uma redundância, mas é que
existe o capitalismo de Estado, e o Brasil sabe disso –, ainda que as privadas
sejam em grande medida obrigadas a isso. Mas essa coisa da “tirania dos
consumidores” – que segundo Mises condiciona as economias de mercado – não se
aplica ao universo metafísico das IPES, que pairam no espaço sideral sem
precisar se reabastecer na Terra (ou apenas em poucos movimentos rápidos).
Isso pode mudar algum
dia? Dificilmente. Só se as universidades públicas forem obrigadas a trabalhar
em regime de “market-like arrangements”, ou seja, se elas apenas receberem um
subsídio básico do Estado – ou seja, de todos nós – e tiverem de suprir todas
as demais necessidades atendendo a uma clientela exigente, de “consumidores” ciosos
das mensalidade que terão de consentir pagar – uma vez terminada a ficção
constitucional de que “o ensino é direito do cidadão e dever do Estado” –,
clientes que só consentirão alimentar o “mensalão” universitário se tiverem
certeza de que aquela gororoba que lhes é servida em sala de aula serve para
alguma coisa no mundo real.
2) Ausência
de qualquer vínculo entre orçamentos e resultados
Não basta apontar a já
citada desigualdade orçamentária, monstruosa, entre os três níveis de ensino; é
preciso referir o aumento contínuo dos orçamentos universitários em total
desproporção à sua contribuição para o desenvolvimento educacional de quem paga
os salários de professores e funcionários das IPES, inclusive daqueles que não
são, nunca serão, beneficiários da prebenda universitária. Sem qualquer
consulta documental ou acesso a dados específicos, é possível afirmar, sem medo
de errar, que as IPES – se computadas em seus gastos totais – gastam a maior
parte de suas dotações com pessoal e encargos associados a isso. Pode até não
aparecer na planilha das próprias instituições, uma vez que professores e
funcionários – estáveis como seria de se esperar – recebem diretamente do governo
federal (ou estaduais, conforme o caso), o que não torna menos verdadeira a
total dissociação entre esses gastos ou despesas e a produção que as IPES
deveriam retribuir à sociedade pelos salários garantidos, independentemente do
retorno que a sociedade estaria no direito de exigir. Os próprios acadêmicos
não veem qualquer relação entre seus salários, ou vencimentos, e os impostos
pagos pela sociedade.
Esses acadêmicos,
sobretudo os da área de humanidades, devem achar que a sociedade não tem nada a
lhes cobrar, cabendo-lhe apenas sustentar os “produtores de ciência”. Nessa
concepção, eles estão, ou estariam, fazendo um grande favor pelo simples fato
de existirem, como acadêmicos descompromissados com qualquer aspecto material,
em especial aqueles ligados ao mercado, sempre visto com desconfiança nesses
meios. A sociedade deveria ser-lhes grata apenas por constituir um espaço livre
de qualquer contaminação mercantil.
Independentemente do fomento à pesquisa, dos fundos
setoriais e de todas as demandas por financiamento público às suas atividades,
as IPES possuem, entranhado em seu DNA, um estatismo secular e renitente, o que
seria compreensível em vista o papel cumprido no passado em favor do
desenvolvimento nacional via Estado, se essa característica não tivesse, hoje,
efeitos nefastos sobre o crescimento econômico. Vários estudos empíricos já
demonstraram a existência de uma correlação negativa, direta e linear, entre os
níveis de gastos governamentais e a taxa de crescimento econômico. As
evidências são tão gritantes que o tema não merece maiores desenvolvimentos a
não ser uma remissão à bibliografia pertinente (remeto a uma simples consulta
aos trabalhos de James Gwartney, nos relatórios anuais do Economic Freedom of the World). Bastaria agregar que as IPES também
têm falhado em demonstrar – com poucas exceções em alguns departamentos de economia
– que o Estado brasileiro converteu-se, de antigo promotor, em atual obstrutor,
de fato, do processo de desenvolvimento, aspecto geralmente negligenciado na
maior parte dos estudos acadêmicos.
3) Produtividade
é um conceito exótico, um ser estranho na galáxia universitária
Que as IPES sejam
contumazes e notórias campeãs em improdutividade acadêmica tampouco deveria
constituir um segredo para os que ousam se aproximar das estatísticas relativas
à produção registrada sob a forma de patentes ou outros títulos de propriedade.
Existem poucos reflexos de sua “produção” no mundo real. Depois de terem se
beneficiado – e supostamente beneficiado a sociedade – com a construção de um
sistema universitário relativamente completo, e aparentemente eficiente, com a
formação de recursos humanos de melhor qualidade que aqueles previamente
existentes, as IPES deram início a um processo de introversão autocentrada, o
que as levou a se isolarem da sociedade e a desenvolver comportamentos
entrópicos e autistas que, ao fim e ao cabo, redundaram numa quase completa
desconexão em relação ao mundo real, em especial com o universo daqueles que
lhes fornecem os recursos de sua subsistência, os únicos produtores de riqueza
na sociedade, que são os empresários e trabalhadores. Mesmo professores de
economia não sentem necessidade de estudar microeconomia na prática, ou seja,
frequentando empresas e visitando unidades produtoras: para que, se tudo já se
encontra apresentado, de forma limpa e clara, nos manuais universitários?
Existe, por certo, um “produtivismo”
aparente, que são as pontuações requeridas para a classificação dos cursos e
para a aferição da “produção” dos acadêmicos, tal como presentes nos
formulários e plataformas administrados pela Capes ou CNPq. Mas esse
“quantitativismo” primário é seguidamente criticado pelos acadêmicos, que não
admitem terem de apresentar números para suas doutas elucubrações. Produtividade
– que aliás só aparece na Constituição de 1988 para garantir ganhos
correspondentes a determinadas categorias de trabalhadores, sem qualquer
aferição dos resultados reais – é algo que não deveria se aplicar a esse mundo
impoluto; pareceria até uma ofensa aos acadêmicos cobrar-lhes resultados
efetivos segundo alguma definição prévia de metas e objetivos. A produtividade
– junto com a qualidade do ensino público – é o problema básico do Brasil,
agora e pelas décadas seguintes, mas não parece haver consciência dessa
tragédia entre acadêmicos, ou na sociedade em geral.
4) As sinecuras
acadêmicas são mais importantes do que os alunos
O papel primordial da universidade sempre foi o da
formação de mestres e pesquisadores, algo que no Brasil teve início tardiamente
pela formação de quadros de elite para o Estado, sem que tivessem sido
desenvolvidas as atividades formadoras básicas nos dois ciclos precedentes.
Quando a universidade se instalou, ela o fez de forma superestrutural, cuidando
basicamente do terceiro ciclo, sem olhar para os dois ciclos anteriores. O
descomprometimento com os dois ciclos iniciais de estudo ainda continua a marcar
a atitude geral da academia em relação ao problema educacional brasileiro, em
que pese a atuação de alguns dos seus mestres renomados e atuantes nos diversos
processos de reforma do ensino básico. A universidade brasileira deveria voltar
bem mais os olhos para a realidade educacional brasileira como um todo.
Quer seja no que se refere à formação de quadros para
os ciclos precedentes, quer seja no retorno à sociedade de suas atividades de
pesquisa, financiadas com recursos da sociedade, a universidade brasileira tem
deixado a desejar ao longo de sua existência consolidada. Embora a maior parte
dos cursos “científicos” e “tecnológicos” isolados – que depois vieram a
integrar a universidade – tenha se constituído tendo em vista o provimento de
soluções e respostas práticas aos problemas colocados pelo mundo da agricultura
e da indústria, a atenção prioritária da universidade esteve mais concentrada
na própria universidade, não necessariamente numa agenda percebida de problemas
nacionais básicos. Como é também o caso da burocracia pública, as IPES servem
prioritariamente para servir a si mesmas.
Pode-se argumentar que formação de professores nunca
foi pensada como sendo a função básica da universidade brasileira, mas caberia
aí reconhecer um desvio de origem, não um plano de trabalho que possua
legitimidade social. O viés superestrutural fica mais uma vez evidente. Quanto
à pesquisa, parece evidente, igualmente, seu alheamento do setor produtivo, ao
lado de outros comportamentos ainda mais nefastos, como uma persistente cultura
anti-patentes e uma renitente, embora decrescente, postura antimercado. Os
cursos de humanidades representam, obviamente, o padrão típico desse tipo de
comportamento, ao qual, contudo, não estão isentos mesmo as áreas vinculadas
aos estudos tecnológicos e de hard
sciences.
O problema vai muito
além do que já tinha constatado, desde 1985, Edmundo Campos Coelho, em seu
aclamado (e pouco lido) livro A sinecura
acadêmica: a ética universitária em
questão (São Paulo: Vértice, 1985), já que atingindo bem mais do que bancas
de seleção de professores, cargos comissionados, apoios financeiros e prebendas
institucionais de modo geral. Ele transformou-se num problema sine cura, alcançando o próprio núcleo
do sistema de produção acadêmica, ou seja, sua própria substância, que é a
capacidade de produzir obras originais, em linguagem acessível a um público
mais vasto, mas dentro de rigorosos padrões acadêmicos de qualidade.
5) Reitores
não são gestores, mas amigos da corporação “isonômica”
A despeito de certos progressos, a universidade
pública continua resistindo à meritocracia, à competição e à eficiência. Ela
concede estabilidade no ponto de entrada, não como retribuição por serviços
prestados ao longo do tempo, aferidos de modo objetivo. Ela premia a dedicação
exclusiva, como esta se fosse o critério definidor da excelência na pesquisa,
ou como se ela fosse de fato exclusiva. Ela tende a coibir a “osmose” com o
setor privado, mas parece fechar os olhos à promiscuidade com grupos
político-partidários ou com movimentos ditos sociais. Ela pretende à autonomia
operacional, mas gostaria de dispor de orçamentos elásticos, cujo
aprovisionamento fosse assegurado de maneira automática pelos poderes públicos.
Ela aspira à eficiência na gestão, mas insiste em escolher os seus próprios
dirigentes, numa espécie de conluio “democratista” que conspira contra a
própria ideia de eficiência e de administração por resultados. Ela diz
privilegiar o mérito e a competência individual, mas acaba deslizando para um
socialismo de guilda, quando não resvalando num corporativismo exacerbado, que
funciona em circuito fechado.
Tudo isso aparece, de uma forma mais do que
exacerbada, na “eleição”, e depois na “escolha”, dos seus respectivos
“reitores”, que não deveriam merecer esse nome, pois regem pouca coisa,
preferindo seguir, por um lado, o que recomenda o Conselho Universitário –
totalmente fechado sobre si mesmo – e, por outro, o que “mandam as ruas”, no
caso, os sindicatos de professores e funcionários. Algumas IPES chegaram inclusive
a conceder o direito de voto igualitário a professores, alunos e funcionários,
uma espécie de assembleísmo que é o contrário da própria noção de democracia,
se aplicada a uma instituição não igualitária como dever ser a universidade.
Com todos os desvios acumulados ao longo dos anos, a
universidade pública tornou-se parte do problema do desenvolvimento nacional,
sem necessariamente apresentar-se como parte da solução desse problema. O
problema básico do país não se situa tanto na universidade pública, e sim no
ciclo universal de ensino, mas ela não tem feito o suficiente para diagnosticar
esse problema e encaminhá-lo de forma satisfatória. Ela poderia dizer, por
exemplo, que o sistema nacional de ensino requer um pouco menos de pedagogos no
MEC e mais administradores nas escolas, gestores sensatos, dotados de ideias
simples como boa gestão dos recursos públicos e a fixação de metas precisas,
para atingir resultados escolares satisfatórios.
Os reitores das IPES, aliás, deveriam ser basicamente
administradores não vinculados aos clãs e seitas da própria universidade, preferencialmente
recrutado por meio de anúncios de jornal – por exemplo, na Economist – só podendo ser escolhidos se apresentarem um plano de
metas a ser cumprido em dois anos, podendo ser renovado se tiverem sucesso. O
Conselho Universitário não pode ser uma ação entre companheiros, e sim
integrado por membros da comunidade, sobretudo por homens de negócios, em
paridade com os professores (se não em maior número). As dotações públicas
deveriam atender ao seu funcionamento essencial, cabendo o financiamento de
projetos ser objeto de prospecção feita junto à comunidade local, ou a
quaisquer empresas interessadas, de qualquer nacionalidade e área de trabalho.
Professores reitores acabam se tornando reféns dos colegas ou de grupos de
interesse, e o resultado é geralmente o investimento nos meios, não nos fins.
As melhores universidades do país, mesmo aquelas que dispõem de recursos
pré-alocados – como cotas em determinados impostos ou taxas, por exemplo –
acabam inapelavelmente descambando para a inadimplência e a falência.
Back to basics: para
evitar o afundamento completo da educação brasileira
A educação brasileira vem sendo “afundada” devido a
uma combinação involuntária de fatores perversos que ultrapassam a capacidade
da universidade de corrigi-los, mas aos quais ela não deveria estar alheia, uma
vez que a degradação do ensino básico e do secundário vem se refletindo cada
vez mais na mediocrização da graduação universitária, com possível contaminação
dos cursos de pós. Quando a universidade não se posiciona claramente contra
suas próprias deformações, evidentes neste ensaio perfunctório, ela contribui
para a deterioração geral dos padrões de ensino e pesquisa. Ao não reagir
claramente contra regimes de cotas, contra a politização demagógica de suas
estruturas de funcionamento, a universidade sanciona a tendência declinante da
educação pré-graduada e com isso compromete a qualidade dos seus próprios
cursos. Nunca é tarde para que a universidade retifique algumas tendências ao
autismo acadêmico e participe de modo mais afirmado dos diagnósticos e soluções
aos mais graves problemas brasileiros de desenvolvimento. Ela já o fez no
passado, pelo menos de modo parcial, e pode certamente voltar a dar sua
contribuição na presente fase de impasses e de lento estrangulamento do
processo de crescimento econômico. Esperemos que ela o faça, para o seu próprio
bem...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de outubro de 2017