Discurso de Lula na AGNU, 23/09/2025
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
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Discurso de Lula na AGNU, 23/09/2025
Discurso de Lula na AGNU - Paulo Roberto de Almeida
Discurso de Lula na AGNU
Nenhuma dúvida de que o Itamaraty (se lhe deram essa chance) preparou um bom discurso para Lula nesta terça-feira. No Planalto certamente incluiram mais algumas frases duras contra o unilateralismo agressivo daqueles que se julgam os novos imperadores do mundo.
“Daqueles” inclui mais de um, claro.
O discurso de Lula será bom, mas só estará perfeito se tiver uma, só uma uminha, condenação da guerra de agressão unilateral de Putin contra a Ucrânia.
Tenho muitas dúvidas de que terá a mesma coragem com a qual condena duramente o genocídio de Netanyahu em Gaza. Putin iniciou o seu em 2022 e ainda não ouvimos nenhuma crítica de Lula ao seu amigo russo.
Vai se redimir desta vez?
Minha aposta é que não!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/09/2025
sábado, 23 de setembro de 2023
O fantasma do neoliberalismo no discurso de Lula na AGNU
Lula pode ser um gênio na política, mas é um ignorante crasso na economia, como aliás era o caso de Lênin. Seus assessores em discursos são iguais ou piores do que ele. Uma pena! (PRA)
CIÊNCIA POLÍTICA, ECONOMIA, POLÍTICA
NEOLIBERALISMO, DESIGUALDADE E IGNORÂNCIA.


No discurso que Lula leu na ONU está escrito: “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”.
Há vários problemas nessa narrativa. Começa pelo fato de que nem Lula, nem os assessores que escreveram o discurso, nem todos que aplaudiram a ficção e mesmo alguns que a criticaram são capazes de definir o que significa “neoliberalismo”. O termo virou apenas um espantalho e um palavrão. Entre os que criticaram o trecho há quem veja o neoliberalismo como uma leitura economicista do liberalismo, o que está errado também.
Insisto nesse ponto porque sendo a premissa falsa, as conclusões condicionadas a ela são igualmente falsas.
Prestemos atenção às Socialdemocracias nórdicas, por exemplo. São as principais, as mais bem sucedidas e mais invejadas democracias liberais do mundo. E o são porque passaram por amplas reformas neoliberais nas décadas de 1980 e 1990 e, com isso, conseguiram oferecer à população um modelo sustentável de Estado de Bem-Estar social. Antes das reformas, estavam implodindo.
Sim, é isso mesmo. Todo o processo pode ser visto em detalhes no longo e bem fundamentado estudo de Lars Mjøset, Pesquisador e diretor de pesquisa do The Institute for Social Research de Oslo (1987-1995), diretor da Escola de Estudos de Ciências Sociais da Universidade de Oslo, desde 1995 e professor do Departamento de Sociologia e Geografia Humana da Universidade de Oslo (onde podemos observar também as muitas semelhanças com o que experimentamos no Brasil do Plano Real até o final do primeiro governo Lula).
Por que então pouca gente fala sobre isso? Em parte, por ignorância e, em parte, por oportunismo. O primeiro motivo é autoexplicativo. O segundo se deve ao fato da esquerda ser mais hábil no controle da narrativa e de ser mais fácil prometer o paraíso na terra e culpar adversários ideológicos por jamais conseguir entregar o resultado prometido.
Um exemplo lapidar dessa questão pode ser observado no livro “Neoliberalismo – História e Implicações”, a incensada e equivocada bíblia da esquerda, escrita por David Harvey. Ele até reconhece que diversas Socialdemocracias passaram por reformas neoliberais, mas comete um erro metodológico semelhante ao que comete todo seu grupo ideológico, não sei se pelo primeiro ou pelo segundo motivo acima: sua obra jamais analisa as verdadeiras culpadas pela crise, ou seja, as escolhas econômicas e políticas anteriores, que geraram um perigoso desequilíbrio fiscal e levou aqueles governos ao quase colapso. Foram estas escolhas que terminaram por demandar reformas neoliberais.
O livro também destaca ou reconhece os sólidos resultados positivos resultantes de tais reformas. Seu foco é exclusivamente o momento dos ajustes, dos cortes. Se ampliar o foco para o antes e o depois, suas teses se desmancham no ar imediatamente.
É importante lembrar (ou informar) que o neoliberalismo não defende de forma alguma a ausência do estado, mas sim seu foco em atividades fins que beneficiem diretamente o conjunto da população, como segurança pública, saúde, educação, infraestrutura, politicas de transferência de renda etc. E defende que isso tem que ser feito através do equilíbrio fiscal para que seja sustentável.
Esclarecido esse ponto, fica claro que Lula está errado quando diz que “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.” Não existe esta relação causal. Ela é falsa. Aliás, como bem lembra Marcos Lisboa, a análise de casos concretos em todo o mundo mostra que a redução da desigualdade depende mais da qualidade do que da quantidade do gasto público. É a forma como o governo gasta o dinheiro dos impostos que tem o poder (ou não) de reduzir a desigualdade. Além disso, é importante ter em mente que a redução das desigualdades, com preservação das liberdades individuais, só ocorre em democracias liberais. Ou seja, a redução da desigualdade precisa preservar as liberdades individuais e a própria democracia. Qualquer outro caminho é arbitrário, autocrático.
Pois bem, em seu discurso, Lula cita uma única vez a palavra Liberdade, ao dizer que “É fundamental preservar a liberdade de imprensa”, (o que certamenteprovoca um riso irônico em vários de seus amigos tiranos) mas repete 14 vezes ao todo a palavra Desigualdade, numa espécie de mantra, de oração por um mundo melhor. Mas qual caminho propõe para isso?
Conhecendo a relação preferencial de Lula com tiranias em todo o mundo, acredito importante lembrar um postulado do grande economista e intelectual Milton Friedman, prêmio Nobel em 1976:
“Uma sociedade que coloque a igualdade – no sentido de igualdade de renda – acima da liberdade terminará sem qualquer uma das duas: igualdade ou liberdade. O uso da força para alcançar a igualdade irá destruir a liberdade, e a força, introduzida inicialmente para bons propósitos, acabará nas mãos de pessoas que a usarão para promover seus próprios interesses.”
Analisando a movimentação de Lula e do PT ao longo de sua história, as tentativas de corrosão da democracia saltam aos olhos. E estão inda mais salientes nesse ano de 2023. Não vou repetir aqui cada uma delas. Estão reunidas em artigos que indico abaixo.
Lula e o PT perderam qualquer freio moral. Os juízes amigos no STF os convenceram que são inimputáveis, que estão acima das leis. Estão visivelmente deslumbrados – e isso é sempre perigoso.
Fique atento.
SUGESTÕES DE ARTIGOS COMPLEMENTARES
Basta clicar no título desejado para ler.
Sobre economia e neoliberalismo:
AS SEMELHANÇAS DO PLANO REAL COM OS AJUSTES DAS SOCIALDEMOCRACIAS NÓRDICAS.
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segunda-feira, 18 de setembro de 2023
O que esperar do discurso de Lula na AGNU? - Paulo Roberto de Almeida
O que esperar do discurso de Lula na AGNU?
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Comentários prévios ao primeiro discurso de Lula 3, na AGNU, em seu retorno à diplomacia presidencial
Não cabe esperar nada de muito espetacular desse discurso, o que poderia ter ocorrido, em tom até grandiloquente, se por acaso a abertura dos debates na Assembleia Geral tivesse sido feita nas primeiras semanas do ano, quando do retorno de Lula à presidência, depois de amargar mais de um ano de prisão e de uma campanha dramática no país, nas eleições de 2022, até as ameaças de golpe, antes e já instalado no poder. O que havia de alívio e até de satisfação, em diversos interlocutores estrangeiros, com o retorno de Lula ao poder, se devia em grande medida à deterioração extraordinária da imagem externa do país sob Bolsonaro, como resultado de suas posturas notoriamente autoritárias, de quebra das tradições diplomáticas brasileiras, de destruição sistemática do meio ambiente e de descaso, ou até desprezo, pelos direitos humanos, territórios indígenas, ataques à imprensa e à própria democracia brasileira.
Essa boa acolhida, de princípio, feita a Lula, tanto pelos parceiros ocidentais, quanto, e mais enfaticamente pelos seus aliados do Brics ou do assim chamado Sul Global, começou a se desvanecer com suas declarações a respeito sobretudo da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia. Desde as primeiras semanas, em viagens do próprio e visitas de personalidades estrangeiras, Lula confirmou sua estranha neutralidade objetivamente favorável a Putin, mesmo em seus crimes de guerra contra a Ucrânia, numa suposta alegação de “preocupações russas com sua segurança” (sic). Depois, Lula promoveu duas reuniões em Brasília e em Belém do Pará, respectivamente sobre o retorno da integração sul-americana nos moldes anteriores da Unasul e sobre o desenvolvimento sustentável na Amazônica (compreendendo oito países do continente), nas quais suas teses não foram acolhidas com o sucesso esperado, inclusive no acolhimento da Venezuela como se fosse uma democracia e em relação às metas de desmatamento ou exploração de recursos fósseis na região.
Em seguida vieram as reuniões do G7 em Hiroshima e do Brics em Joanesburgo, que também confirmaram sua postura como defensor informal de Putin, causando, novamente, novas reações negativas da parte das democracias avançadas da OCDE, que todas apoiam a Ucrânia na sua resistência a agressão criminosa da Rússia. Ou seja, Lula deixou de ser o democrata do Terceiro Mundo, defensor dos direitos humanos e de uma ordem mundial baseada em normas multilaterais e no Direito Internacional, para se converter em um aliado de duas grandes autocracias desejosas de constituir um bloco de aliados convergentes com uma visão não ocidental do sistema internacional e interessados na criação de uma ordem alternativa à atualmente existente. Sua entrevista à TV indiana, no quadro do encontro do G20, confirmou essa visão não comprometida com a defesa dos DH, ao questionar inclusive a continuidade do Brasil no Estatuto de Roma e a contestação da ordem de prisão decretada contra Putin.
Cabe registrar que, antes de se dirigir a Nova York, Lula passará por Cuba, tanto para uma visita bilateral a seus amigos da ilha dominada por uma ditadura comunista sexagenária, quanto para participar de uma reunião do G77, na qual ele tentará renovar suas pretensões a líder regional e grande sustentador dos interesses do chamado Sul Global, numa ampla gama de reivindicações, que sempre se baseiam na responsabilidade dos países ricos por todas as agruras que atingem os países pobres, desde os problemas do meio ambiente, da pobreza e da miséria, quanto da reduzida ajuda que os primeiros deveriam prestar a estes últimos.
O discurso de Lula na AGNU de 2023 ainda está sendo ultimado pelo Itamaraty, e depois será ainda revisto pelo assessor presidencial, o ex-chanceler pelos oito anos dos dois primeiros mandatos de Lula, Celso Amorim, considerado por muitos jornalistas como o chanceler real, ou virtual, ao lado de Mauro Vieira, que é uma espécie de titular nominal, sobretudo no que tange os grandes assuntos da agenda mundial e regional. Pode-se arriscar o seguinte, quando ao seu conteúdo: depois de quatro anos de discursos bizarros, nos quais Bolsonaro tratava mais de questões internas do que internacionais – no primeiro ano, em 2019, Bolsonaro disse que havia salvo o Brasil do socialismo –, Lula deverá ler, com o rigor que o Itamaraty sempre imprime a essas ocasiões, uma sucessão de posturas mais frequentes na pauta de interesses do Brasil – desenvolvimento, cooperação, multilateralismo, defesa de objetivos sociais, no sentido da redução da pobreza e desigualdades – e algumas mais ligadas à visão política do PT: a reforma da ordem internacional, a mudança da Carta das Nações Unidas com o ingresso de novos membros permanentes no seu Conselho de Segurança, as reivindicações mais agressivas quanto à responsabilidade dos países ricos no fenômeno do aquecimento global, e também pedidos mais insistentes para que esses países financiem não só os programas de combate ao desmatamento nos grandes países em desenvolvimento como a transferência de tecnologias para a transição energética e até industrialização sustentável.
Lula, provavelmente, se absterá de voltar ao assunto TPI – que já causou muita polêmica dentro e fora do país –, mas continuará oferecendo seus bons préstimos genéricos para contribuir com a cessação de hostilidade e para negociações de paz no conflito da Ucrânia. Ou seja, não será muito diferente daquilo que o Itamaraty e alguns assessores menos adeptos de declarações improvisadas como as que já foram feitos por Lula já vêm se esforçando por imprimir às declarações externa do Brasil, mas não será surpresa se Lula insistir nos seus temas preferenciais, vinculados às questões sociais. Recentemente foi firmado um acordo entre a FAO e o governo brasileiro para a criação de um “Centro Josué de Castro” no Rio de Janeiro, destinado ao combate à fome no plano internacional. Lembre-se que, já em 2003, Lula tento universalizar o seu programa brasileiro de Fome Zero, que não foi implementado por representar duplicação com iniciativas já tomadas pela própria FAO e pelo PNUD, sob a forma de um Programa Mundial de Alimentos.
Não se sabe se haverá algo mais ousado, ou até espetacular, mas o Brasil atual, inclusive por posturas de Lula já não muito bem recebidas por interlocutores tradicionais, não parece reunir as condições ideais para liderar novas iniciativas no plano multilateral, tanto porque o espaço para a cooperação vem sendo sensivelmente reduzido pelos sinais tangíveis de uma nova Guerra Fria, desta vez talvez mais econômica do que geopolítica. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia introduziu realmente uma cunha entre as grandes potências democráticas e seus contendores autocráticos, com expectativas indefinidas por parte desse Sul Global, mais um logotipo sem características precisas do que uma realidade concreta em tornos de congraçamento de interesses claramente expressos. No momento, o que se tem é o velho G7 e uma OCDE de quase quarenta membros (vários ex-socialistas e alguns do antigo Terceiro Mundo) e uma tentativa de bloco contraposto a este, representado de forma mais nítida por um Brics ampliado e mais duas dezenas de candidatos em associar-se a ele (provavelmente visando mais cooperação generosa da China do que uma oposição direta às velhas potências coloniais, das quais também aguardam a ajuda habitual).
Lula ainda tem uma boa imagem em diversos meios, mas a nova Guerra Fria e o conflito na Ucrânia, assim como sua falta de liderança na própria região, podem ser óbices a uma consagração no cenário onusiano. Cabe registrar que o presidente Zelensky também estará presente: Lula vai se encontrar com ele? Provavelmente não, pois que já evitou esse encontro na reunião do G7 de Hiroshima.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4480, 15 setembro 2023, 3 p.