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domingo, 18 de dezembro de 2022

Destroçando marcos institucionais - Editorial Estadão

 Destroçando marcos institucionais 

Editorial Estadão, 18/12/2022

Nas últimas semanas, com a conivência do quase ex-governo e do governo que acaba de ser eleito, o Legislativo tem aprovado mudanças extemporâneas em leis que se tornaram relevantes marcos institucionais na história do País. 

A Câmara, por exemplo, aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir aos Estados que descumpram um dos pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O pretexto para a aprovação da manobra – viabilizar o pagamento do piso nacional da enfermagem – caiu como luva para uma demanda defendida há muito tempo.

Segundo os Estados, o cumprimento dessa nova obrigação levaria à violação do dispositivo da LRF que limita os gastos com pessoal a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Quem ultrapassa essa marca pode ter de arcar com a suspensão dos repasses de fundos constitucionais. Com a flexibilização, os Estados poderão excluir a totalidade de gastos com a enfermagem desse cálculo, abrindo espaço no orçamento para reajustes salariais de outras categorias de servidores – eis o verdadeiro motivo da mudança. Não se trata de uma alteração trivial e, por isso mesmo, deveria ter sido discutida com mais tempo, a partir de dados concretos e considerando a situação de cada Estado e município, bem como o quadro funcional e as necessidades de cada ente federativo.

Não por acaso, a mudança ocorreu na mesma semana em que os deputados modificaram, de uma só vez, a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras. A exemplo da LRF, os deputados não mexeram em meros detalhes, mas nas regras para nomeação de diretores e conselheiros, fundamentos que contribuíram para fortalecer a governança das empresas e a regulação dos serviços públicos. A escolha do ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para a presidência do BNDES foi o pretexto para uma alteração que o mundo político já almejava publicamente desde o início deste ano.

Demandas para ampliar o limite prudencial de gastos com pessoal da LRF não são nenhuma novidade. Governadores e prefeitos até têm certa razão quando argumentam que a rigidez da lei só se aplica a Estados e municípios, enquanto a União já não cumpre os dispositivos referentes ao resultado primário há 10 anos. Propostas para alterar a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras só não são tão antigas quanto porque as legislações são mais recentes. O fato de que essas mudanças foram aprovadas neste momento, por ampla maioria e em fim de legislatura, evidencia as consequências da falta de liderança do Executivo perante um Congresso cada vez mais fortalecido. Era responsabilidade do governo ter trabalhado para barrá-las – e, ao contrário, não se viu nenhum esforço nesse sentido.

Circunstâncias que se tornaram praxe no governo Bolsonaro se acentuaram depois que ele perdeu a disputa eleitoral. No limbo presidencial em que o País se encontra – enquanto Jair Bolsonaro não governa nem deixa o cargo e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não o assumiu nem desce do palanque –, retrocessos institucionais deixaram de ser um risco potencial para se converter em realidade, alguns deles dependendo apenas do aval dos senadores para entrar em vigor.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras foram debatidas por anos antes de serem aprovadas, assim como as legislações que criaram um arcabouço para setores como saneamento, energia e gás, entre outras. Não foi letargia legislativa, mas o tempo necessário para acomodar os diversos interesses da sociedade na construção do consenso possível, o oposto do que o Legislativo tem feito nos últimos dias deste ano.

Não é por acaso que são chamadas de marcos. Cada uma delas delimitou uma divisão temporal muito clara na direção da modernização do Estado, entre o que vigorava antes e o que passou a valer depois. Foram aprovadas por uma razão: regras estáveis e perenes são imprescindíveis para atrair investimentos, gerar empregos e estimular o crescimento. Normas modificadas em minutos, ao contrário, reforçam a dinâmica perversa que tem marcado o comportamento geral.