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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Atraso 'made in Brazil' - Editorial do Estadão (2006), citando entrevista minha com Lourival Sant'Anna

 

Minha oposição primordial ao BRIC, e a tudo o que lhe seguiu.
A Biblioteca do Senado Federal é imbatível para certos tipos de material noticioso. Ela preservou um editorial do Estadão de 2006, no qual eu sou referido nominalmente como contrário ao projeto então inicial (fase ministerial) de coalizão do Brasil com os outros três países do BRIC. Transcrevo o que está em sua base de dados:
Título: Atraso 'made in Brazil'
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2006, Notas e Informações, p. A3
Contrastando com a apagada e vil tristeza do noticiário político pós-eleitoral - dominado pelo ramerrame dos conchavos mofinos sobre o tal governo de coalizão e das brigas de praxe pelo controle das duas casas do Congresso, enquanto o presidente Lula confessa que não sabe como "destravar" o crescimento -, uma entrevista publicada ontem neste jornal traz para o primeiro plano os problemas que tirariam o sono das elites políticas brasileiras, não fossem elas o que são.
O entrevistado é o diplomata Paulo Roberto de Almeida, professor de Economia Política Internacional do Centro Universitário de Brasília (Ceub) e membro do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Falando a título pessoal, com cortante clareza e sem receio de chamar as coisas pelos nomes, ele traça um quadro sombrio das possibilidades do País na ordem mundial, em razão das realidades made in Brazil, como diz, para que não se culpe por elas a globalização.
[A entrevista foi por mim concedida ao jornalista Lourival Sant'Anna, do jornal O Estado de São Paulo, no Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 2006 (disponível no blog Diplomatizzando: https://diplomatizzando.blogspot.com/.../o-bric-e...).]
 
Mesmo quando se refere a problemas que já freqüentam o limitado debate público sobre os verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento nacional - no sentido pleno do termo -, o estudioso vai mais longe do que a maioria dos seus pares na identificação de suas conexões e conseqüências. Retomando o enfoque de sua palestra no recente Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, no Rio, ele dissocia o Brasil da China e da Índia, os quais, além da Rússia, formariam o que ficou moda chamar Bric.
O acrônimo designa o bloco dos principais países emergentes. Mas, para Almeida, isso não existe. "Eles não interagem, não atuam de forma coordenada. Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial", esclarece. E, pelo que caracteriza essa forma no caso do Brasil, o professor tirou o B do Bric. Numa visão superficial, o País se distingue da China e da Índia por ser o único dos três que exporta commodities em larga escala, "o que é bom", e como grande fornecedor de energias renováveis, "o que é excelente".
Numa visão aprofundada, porém, o que em última análise afasta o Brasil dessas duas nações, pelo critério crucial do modo de participação na economia globalizada, é a dificuldade aparentemente insuperável de o País viver no tempo presente. A China se inseriu na divisão internacional do trabalho, descartando com uma velocidade espantosa o passado autárquico, e a Índia alimenta a nova economia do conhecimento - a primeira é "um laboratório, um ateliê ou uma fábrica", a segunda, "um escritório de concepção e desenho", sintetiza o pesquisador.
Já o Brasil "é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição, recusa acordo comercial". O resultado inexorável é o crescimento lento. O pior é que não se divisa a proverbial luz no fim do túnel. Exatamente devido ao predomínio dessa arcaica mentalidade de avestruz, o problema nem sequer é a falta de consenso entre a elite sobre a agenda de reformas modernizadoras. Na lúcida avaliação do diplomata, "não há consciência de que a reforma é necessária" - sobretudo na educação.
Já era tempo de alguém familiarizado com o tema dizer em público o que Almeida diz da educação nacional, sem medir palavras. ¿É pior do que possamos imaginar, muito pior do que as estatísticas revelam. Não é só do ponto de vista organizacional e de investimentos, mas no plano mental, de preparação de professores¿, aponta, com precisão cirúrgica. "A situação educacional é pavorosa." Não surpreende, portanto, o despreparo brasileiro, seja para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial, seja para enfrentar as exigências da modernidade.
Esse segundo aspecto é o mais assustador. Fala-se muito da má qualidade do ensino, mas não se fala tudo que se deveria. Sabe-se que cada nível do sistema exporta para o seguinte as suas deficiências. Não se ressalta, porém, que, acumuladas, elas limitam dramaticamente a capacidade de adquirir novos conhecimentos da minoria que já não desistiu no começo do percurso. A deseducação, em suma, contamina por inteiro a esfera produtiva e permeia o cotidiano dos brasileiros.
Por isso, para o diplomata Paulo Roberto de Almeida, o Brasil continuará tendo desenvolvimento lento e inserção na economia mundial limitada ao fornecimento de commodities e fontes renováveis de energia.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Republica Bolivariana do Brasil - Editorial do Estadão

 Mais ou menos o que se fez aqui anteriormente e o que se fez  na Venezuela chavista. PRA

Lula é isso aí

Editorial, O Estado de S. Paulo (13/03/2024)

Sejamos claros, é disso que se trata: o presidente quer obrigar a Petrobras a se dobrar à desbragada demagogia lulopetista, tal como foi feito na Venezuela chavista com a PDVSA

Presidente quer obrigar a Petrobras a se dobrar à desbragada demagogia lulopetista, tal como a Venezuela fez com a PDVSA.

Lula da Silva acha que o problema do Brasil é o mercado – aquele que, em suas palavras, “é um dinossauro voraz, que quer tudo para ele e nada para o povo”. Em entrevista ao SBT, o presidente perguntou se o mercado não tem “pena” de quem dorme na rua ou passa fome. Por isso, disse que a Petrobras não deve apenas “pensar nos acionistas”, mas tem o dever de “pensar em 200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa ou são sócios dessa empresa”.

Ou seja, quando os mais ingênuos imaginavam que o petista fosse aproveitar a oportunidade para apaziguar os ânimos diante da crise deflagrada pela intervenção explícita do governo na distribuição de dividendos extraordinários pela Petrobras, movimento que causou grande apreensão entre os investidores, Lula resolve ser mais Lula que nunca.

Em vez de lamentar a resistência da Petrobras em se autodestruir, Lula poderia resolver a questão facilmente, recomprando as ações da empresa que estão em mãos privadas e fechar seu capital, transformando-a em companhia 100% estatal. Poderia também recomprar a dívida pública e, assim, não depender mais do malvado mercado para financiar o governo.

Como se trata de uma utopia doidivanas que esbarra na realidade das contas públicas, há a alternativa de tomar a dinheirama que a Petrobras investe para melhorar sua produção e usá-la para bancar grandes programas para dar casas a quem mora na rua e comida a quem passa fome. Foi o que a ditadura chavista fez na Venezuela com a PDVSA, que era uma das maiores petroleiras do mundo e que, depauperada pelo populismo dos companheiros Chávez e Maduro, se tornou uma colossal sucata – e hoje quase 80% dos venezuelanos vivem abaixo da linha de pobreza.

Sejamos claros, é disso que se trata: a tentativa de transformar a Petrobras em instrumento a serviço da desbragada demagogia lulopetista, tal como foi feito na Venezuela chavista. Por isso, as ações da Petrobras, que até haviam ensaiado uma recuperação após terem despencado na última sexta-feira, voltaram a cair, pois as novas declarações do presidente confirmam algo que, até então, os investidores apenas intuíam: que Lula nada esqueceu nem aprendeu e que, ao contrário, dobrará a aposta no lulopetismo radical.

A entrevista mostrou que a essência do pensamento lulopetista permanece intocada. Todas as empresas precisam se curvar às vontades do governo, mesmo que essa vontade as coloque à beira da ruína, como no passado recente. E pouco importa se elas já não pertencem integralmente ao Estado, como é o caso da Petrobras.

Mesmo a Vale, que nem sequer conta com participação direta do governo, terá de prestar contas ao chefão se não quiser sofrer retaliações. E, se ainda restavam dúvidas sobre o caráter voluntarista do governo, elas acabaram ontem, quando José Luciano Duarte Penido, membro independente do Conselho de Administração da Vale, renunciou ao cargo denunciando que há “evidente e nefasta influência política” na empresa. “Minha atuação como conselheiro independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante”, afirmou Penido em carta.

O fato de que isso esteja acontecendo a olhos vistos nas duas maiores empresas do País, que não apenas possuem o maior peso na Bolsa de Valores, como sustentam a balança comercial brasileira, revela o mal que faz Lula ao Brasil.

O presidente demonstra estar disposto a degradar o valor das poucas companhias brasileiras capazes de competir no exterior para impor sua visão econômica atrasada, autoritária e, sobretudo, suicida.

Devolvemos a Lula sua pergunta: será que o petista não tem pena das pessoas que passam fome e que dormem na sarjeta das principais cidades do País? Se tem, passou da hora de começar a trabalhar de maneira efetiva para combater a pobreza e assumir sua responsabilidade, e não instrumentalizála como ativo eleitoral. É o que se espera do presidente da República, e não da Petrobras ou qualquer outra empresa brasileira.


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A grande ilusão do Brics e os caminhos erráticos da diplomacia partidária do Brasil - Editorial do Estadão

 O título desta postagem é meu, já sinalizando o que penso do bloquinho que aumentou 120% nesta cúpula na África do Sul.

PRA

Brics “antiocidental” é triunfo diplomático para Pequim e desafio para Brasil

Editorial Estadão, 25/08/2023

A expansão do grupo Brics, anunciada durante a 15ª cúpula dos líderes em Johannesburgo, dá início a um novo capítulo do bloco, que agora passará a incluir o Egito, a Etiópia, o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. A Argentina também foi convidada, mas sua adesão ainda está incerta: Javier Milei, primeiro colocado nas recentes primárias argentinas, promete diminuir os laços diplomáticos com a China, enquanto Patricia Bullrich, cuja coalizão obteve o segundo maior número de votos, deixou claro que se opõe à adesão do país ao Brics. Porém, é possível que qualquer um dos dois, uma vez eleito, adote uma postura mais pragmática para não antagonizar a China, o segundo maior parceiro comercial da Argentina. O convite feito aos seis países representa uma vitória para a China, que há anos vem tentando ampliar o grupo, mas encontrava resistência por parte de Nova Deli e Brasília, que temiam uma perda de influência no bloco. Porém, diante do papel dominante de Pequim no grupo – a economia chinesa é maior do que as de todos os outros membros somadas – era uma questão de tempo até que Xi Jinping alcançasse seus objetivos. De certa forma, é natural que a China, país com ambições globais, queira construir instituições que possam formalizar seu status de superpotência, da mesma forma que as organizações criadas depois da Segunda Guerra Mundial até hoje refletem a distribuição de poder daquela época. A adesão do Irã, da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Egito mostram claramente que a China busca fortalecer sua influência no Oriente Médio, região que considera vital para seus interesses estratégicos. A inclusão de países como a Indonésia, por exemplo, que possui laços amigáveis tanto com os EUA quanto com a China, não teria produzido um impacto significativo para o Brics. Convidar o Irã, porém, traz consequências geopolíticas relevantes, inclusive para o cenário geopolítico sul-americano e a política externa brasileira e argentina. sto porque a inclusão do regime de Teerã, que tem uma postura explicitamente antiocidental que fornece drones para Moscou para apoiar sua invasão à Ucrânia, mudará a forma como analistas ao redor do mundo, mas sobretudo no Ocidente, enxergam o grupo Brics. Até hoje visto, acima de tudo, como um ‘clube dos emergentes’, a inclusão do Irã faz com que o Brics seja visto como uma aliança antiocidental liderada por Pequim e Moscou. Isso deve ficar particularmente evidente no ano que vem, quando o presidente russo presidirá o Brics e organizará a cúpula dos líderes na cidade de Kazan para mostrar que as tentativas ocidentais de isolá-lo fracassaram. A emergência de um Brics mais antiocidental terá implicações significativas para países como o Brasil, a Argentina (e também a Índia e a África do Sul), à medida que tentam posicionar-se como atores neutros ou “não-alinhados” no meio das crescentes tensões entre o Ocidente, por um lado, e o bloco sino-russo do outro. A Índia, vista como um dos principais aliados do Ocidente na Ásia, atualmente busca estabelecer maiores laços militares com a Europa e os Estados Unidos para alcançar essa equidistância entre Pequim e o Ocidente. Da mesma forma, o Brasil e a Argentina devem adaptar-se a um novo contexto geopolítico que torna cada vez mais difícil articular uma posição que seja, em termos gerais, equidistante das duas superpotências. Tal recalibração pode envolver, por exemplo, a adesão argentina e brasileira à OCDE, a fim de compensar a inclinação cada vez mais antiocidental do grupo Brics. Numerosos analistas enxergam a expansão dos Brics como algo de pouca relevância, ignorando que ser país membro envolve um número grande de reuniões anuais intra-Brics, não apenas de presidentes, mas de numerosos ministros, burocracias governamentais, agências reguladoras e organizações da sociedade civil. O impacto imediato de tais encontros pode não ser fácil de quantificar, mas é inegável que o BRICS tornou-se um elemento-chave da identidade da política externa do Brasil. Há poucas dúvidas de que a adesão da Argentina ao Brics, portanto, alteraria as realidades geopolíticas na América do Sul, obrigando os governos dos dois países a ajustarem sua política externa.


quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A China manda no Brics? Parece que sim - Editorial do Estadão

A China mostrou a Lula quem manda no Brics

Editorial O Estado de S. Paulo, 24/08/2023

O Brasil vendeu fiado para a China no sôfrega intenção de fazer os Brics funcionarem como um bloco anti-hegemonia dos Estados Unidos. Em troca da entrada no grupo de países que tornarão o grupo uma ferramenta chinesa para desafiar a ordem americana, o Brasil recebeu a promessa de ver o País mencionado como candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. É a repetição de um erro de quase 20 anos atrás, quando o Brasil ajudou a China a obter a condição de economia de mercado - em troca do tal lugar no Conselho de Segurança. É necessária uma ingenuidade muito grande em matéria de política externa - ou uma visão muito deturpada da realidade dos fatos internacionais - para imaginar que a China vá promover a entrada no Conselho de Segurança dos quatro aspirantes principais: Japão, Alemanha, Índia e Brasil. Japão e Índia são hoje os principais rivais na área imediata de expansão e influência da China, a Ásia. E ambos têm sérias desconfianças em relação ao que Pequim pretende. A China é, sem dúvida, a grande vencedora da queda de braço no Brics, impondo ao Brasil a expansão de um grupo que tornará nossa diplomacia menos efetiva. Para a China, incluir o Irã no grupo faz todo sentido, pois ela está desmontando o que foi a grande influência americana no Oriente Médio (e acaba de mediar um entendimento entre sunitas da Arábia Saudita e xiitas do Irã). Para o Brasil, muito pouco: nossas vantagens comparativas estão em outro campo, o da bioeconomia, transição energética e economia verde, e bem menos no campo da proliferação de tecnologias nucleares. A China surge agora como a condutora de um bloco que já foi chamado de terceiro mundo, países subdesenvolvidos, em desenvolvimento, mercados emergentes. Agora o nome da moda é “Global South”, que segue designando o mesmo fenômeno: seu grande número e interesses divergentes impedem que atuem como um “blocão” coeso, mas dão grande repercussão a quem, como a China, está empenhada na formação de uma heterogênea aliança antiamericana. Onde o Brasil fica nisso não está claro. Depende de acesso à tecnologia, sistema financeiro internacional e mantém laços históricos e culturais com o “mundo ocidental”. Vende e tem grande parte do seu saldo comercial favorável atrelado à China, mas vale a pena lembrar que boa parte da tecnologia e insumos que fizeram da agroindústria brasileira uma superpotência na produção de alimentos está ligada ao Ocidente. Lula pretende alterar uma ordem internacional que, segundo ele, reservou ao Brasil um lugar subalterno como fornecedor de matérias primas. Não foi imposição. Foi escolha. 

https://www.estadao.com.br/politica/william-waack/a-china-mostrou-a-lula-quem-manda-nos-brics/ 

domingo, 13 de agosto de 2023

Putin: uma mistura de Hitler com Stalin - Editorial do Estadão

 E pensar que Lula ainda consegue apoiar um crápula absoluto como Putin é de dar ânsia de vômito. 

Grato a Augusto dd Franco pela transcrição.


“Leia para ter uma ideia de quão tenebrosa pode ser uma ditadura. E aqui no Brasil Filhos de Putin podem ser encontrados entre bolsonaristas e lulopetistas. Sim, em geral os populistas (digam-se de direita ou de esquerda), apoiam o governo de assassinos de Moscou.”

Augusto de Franco


Arquipélago Gulag 2.0

Editorial, O Estado de S. Paulo (13/08/2023)

O suplício de Alexei Navalny escancara a brutalidade – e o nervosismo – crescente de Putin

Se havia dúvida de que Vladimir Putin não hesitará em esmagar qualquer dissidência sob sua máquina de propaganda nem em cometer crimes e usar força letal contra seu próprio povo para perseguir suas ambições, ela foi incinerada pela guerra na Ucrânia. Nada simboliza mais esses horrores que o martírio de Alexei Navalny.

Navalny se notabilizou por publicar materiais sobre corrupção e organizar protestos por meio de sua Fundação Anticorrupção. Após ser envenenado em 2020, violou sua condicional para ser socorrido em Berlim, e em 2021 voltou à Rússia sabendo que seria detido. Um julgamento farsesco o condenou a nove anos por fraude. Agora, foi sentenciado a mais 19 anos por acusações de “extremismo” que em qualquer tribunal independente nem sequer seriam aceitas. Colaboradores relatam que ele está há meses confinado numa solitária. Sua última condenação o enviará a um “regime especial” numa colônia penal onde ficará ainda mais isolado.

Navalny é só a ponta do iceberg. Todas as atividades de sua fundação foram criminalizadas desde 2011. Diversos membros foram ou estão para ser condenados a penas até maiores. Mesmo seus advogados se tornaram alvos. Segundo a Anistia Internacional, até 20 mil russos sofreram represália por protestar contra a guerra. Muitos respondem a “combos” de acusação que aglutinam de infrações administrativas a desinformação e traição. Segundo o grupo Memorial de direitos humanos – dirigido por Oleg Orlov, também julgado por “desacreditar” as Forças Armadas –, o número de casos lembra a era Brejnev, nos anos 60 e 70, mas a brutalidade se assemelha ao “tempo de Stalin”.

Navalny não tem ilusões. “O número não importa”, disse nas redes sociais, através de interlocutores com acesso a seu perfil. “Entendo perfeitamente bem que, como muitos prisioneiros políticos, estou cumprindo uma prisão perpétua – onde a perpetuidade é medida pela duração da minha vida ou da vida deste regime.”

Como ele, outros ativistas estão decididos a ficar na Rússia, mesmo ante a perspectiva certa de imolação. Uma das razões, disse a advogada de direitos humanos Maria Eismont, é que nas cortes russas “você pode dizer abertamente coisas que estão, há muito tempo, proibidas em outros lugares”.

Com sua capacidade de negociação com o Kremlin no nível mais baixo desde a guerra fria, não resta ao Ocidente senão denunciar ostensivamente os crimes de Putin para tentar sensibilizar o povo russo. Mesmo autocratas precisam de uma fachada de legitimidade, e a comunidade internacional, especialmente políticos, diplomatas, ONGs e a imprensa, deveria usar toda oportunidade à mão para marretar a fachada podre de Putin. A escalada da selvageria é já um sinal de desespero.

“Vocês estão sendo forçados a entregar sem luta a sua Rússia a uma gangue de traidores, ladrões e canalhas que tomaram o poder”, disse Navalny a seus compatriotas. O mundo civilizado não deveria poupar esforços para dar voz aos russos dispostos a sacrificar suas vidas para livrar seu país, a Ucrânia e, no limite, todo o planeta das garras dessa gangue.


domingo, 18 de dezembro de 2022

Destroçando marcos institucionais - Editorial Estadão

 Destroçando marcos institucionais 

Editorial Estadão, 18/12/2022

Nas últimas semanas, com a conivência do quase ex-governo e do governo que acaba de ser eleito, o Legislativo tem aprovado mudanças extemporâneas em leis que se tornaram relevantes marcos institucionais na história do País. 

A Câmara, por exemplo, aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir aos Estados que descumpram um dos pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O pretexto para a aprovação da manobra – viabilizar o pagamento do piso nacional da enfermagem – caiu como luva para uma demanda defendida há muito tempo.

Segundo os Estados, o cumprimento dessa nova obrigação levaria à violação do dispositivo da LRF que limita os gastos com pessoal a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Quem ultrapassa essa marca pode ter de arcar com a suspensão dos repasses de fundos constitucionais. Com a flexibilização, os Estados poderão excluir a totalidade de gastos com a enfermagem desse cálculo, abrindo espaço no orçamento para reajustes salariais de outras categorias de servidores – eis o verdadeiro motivo da mudança. Não se trata de uma alteração trivial e, por isso mesmo, deveria ter sido discutida com mais tempo, a partir de dados concretos e considerando a situação de cada Estado e município, bem como o quadro funcional e as necessidades de cada ente federativo.

Não por acaso, a mudança ocorreu na mesma semana em que os deputados modificaram, de uma só vez, a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras. A exemplo da LRF, os deputados não mexeram em meros detalhes, mas nas regras para nomeação de diretores e conselheiros, fundamentos que contribuíram para fortalecer a governança das empresas e a regulação dos serviços públicos. A escolha do ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para a presidência do BNDES foi o pretexto para uma alteração que o mundo político já almejava publicamente desde o início deste ano.

Demandas para ampliar o limite prudencial de gastos com pessoal da LRF não são nenhuma novidade. Governadores e prefeitos até têm certa razão quando argumentam que a rigidez da lei só se aplica a Estados e municípios, enquanto a União já não cumpre os dispositivos referentes ao resultado primário há 10 anos. Propostas para alterar a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras só não são tão antigas quanto porque as legislações são mais recentes. O fato de que essas mudanças foram aprovadas neste momento, por ampla maioria e em fim de legislatura, evidencia as consequências da falta de liderança do Executivo perante um Congresso cada vez mais fortalecido. Era responsabilidade do governo ter trabalhado para barrá-las – e, ao contrário, não se viu nenhum esforço nesse sentido.

Circunstâncias que se tornaram praxe no governo Bolsonaro se acentuaram depois que ele perdeu a disputa eleitoral. No limbo presidencial em que o País se encontra – enquanto Jair Bolsonaro não governa nem deixa o cargo e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não o assumiu nem desce do palanque –, retrocessos institucionais deixaram de ser um risco potencial para se converter em realidade, alguns deles dependendo apenas do aval dos senadores para entrar em vigor.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras foram debatidas por anos antes de serem aprovadas, assim como as legislações que criaram um arcabouço para setores como saneamento, energia e gás, entre outras. Não foi letargia legislativa, mas o tempo necessário para acomodar os diversos interesses da sociedade na construção do consenso possível, o oposto do que o Legislativo tem feito nos últimos dias deste ano.

Não é por acaso que são chamadas de marcos. Cada uma delas delimitou uma divisão temporal muito clara na direção da modernização do Estado, entre o que vigorava antes e o que passou a valer depois. Foram aprovadas por uma razão: regras estáveis e perenes são imprescindíveis para atrair investimentos, gerar empregos e estimular o crescimento. Normas modificadas em minutos, ao contrário, reforçam a dinâmica perversa que tem marcado o comportamento geral.

domingo, 31 de julho de 2022

A armadilha do falso conservadorismo - Editoral Estadão

Roger Scruton, autor de Como Ser um Conservador, poderia assinar este editorial do Estadão. Grato ao embaixador Flavio Perri por te-lo transcrito.

Paulo Roberto de Almeida 


A armadilha do falso conservadorismo

O Estado de S. Paulo, Editorial, 31 de julho de 2022 


No Brasil não há um partido verdadeiramente conservador, mas há cidadãos conservadores genuínos. E estes devem ter coragem de denunciar impostores que falam em seu nome:

Na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, presidente americano de inquestionáveis credenciais conservadoras, a deputada Liz Cheney fez em junho passado uma apaixonada defesa de seu partido, o Republicano, e dos valores conservadores que a agremiação historicamente representa – em especial o respeito às leis e à Constituição. 

“Sou uma republicana conservadora. Acredito profundamente no governo limitado, nos baixos impostos, na defesa nacional. Acredito na família como centro de nossa comunidade e de nossas vidas. Acredito que essas sejam as políticas certas para nossa nação”, discursou Liz Cheney, para, em seguida, referindo-se ao ex-presidente Donald Trump, fazer um grave alerta: “Neste momento, estamos enfrentando uma ameaça interna como jamais tivemos em nossa história. Essa ameaça é um ex-presidente que está tentando destruir os fundamentos de nossa República Constitucional”.

Essa ameaça, enfatizou Liz Cheney, só é possível porque há republicanos que apoiam Trump mesmo diante de seu evidente ataque à democracia americana. “Nenhum partido, nenhuma nação consegue defender uma República Constitucional se aceitar um líder que decidiu deflagrar uma guerra contra o império da lei, contra o processo democrático e contra a transição pacífica de poder”, discursou a deputada republicana.

Em resumo, nessas poucas palavras, Liz Cheney, que integra a comissão parlamentar que está desnudando a tentativa de golpe de Trump depois das eleições em 2020, fez um apaixonado chamamento a seus correligionários conservadores para que caiam em si e deixem de sustentar o discurso anticonservador e reacionário do ex-presidente.

É um chamamento que se deve fazer aqui no Brasil também. 

O presidente Jair Bolsonaro, que faz praça de sua truculência antidemocrática e de seu amor à ditadura militar, chegou ao poder dizendo-se “conservador”, e não poucos genuínos conservadores aceitaram essa impostura em nome da necessidade de impedir que o PT, com seus gritos de guerra contra a propriedade, o capital e o livre mercado, retomasse a Presidência. 

Todavia, se houve quem comprasse de boa-fé a falácia de Bolsonaro em 2018, agora, ao final de seu mandato, já não há mais qualquer dúvida de que o presidente não é liberal nem, muito menos, conservador. Bolsonaro é apenas um oportunista reacionário com evidente inclinação para o autoritarismo.

A fim de evitar que os verdadeiros conservadores caiam novamente na armadilha que o agora incumbente tenta rearmar, é preciso relembrar quais são, de fato, as ideias e os valores que o conservadorismo encerra e por que alguém como Jair Bolsonaro é a sua perfeita negação.

Ser conservador é rejeitar as transformações radicais do Estado e da sociedade, preservando as tradições construídas pela sociedade ao longo do tempo e repelindo as rupturas. Em outras palavras: ser conservador é curvar-se ao império das leis e ao Estado Democrático de Direito, é defender a estabilidade e a independência de instituições democráticas, é rejeitar governantes que incentivam a cizânia e a violência. Ora, isso é tudo o que Jair Bolsonaro, definitivamente, não representa. A desordem que ele instila vai na direção contrária do conservadorismo. Bolsonaro personifica o caos.

Por isso, é preciso que os conservadores brasileiros rejeitem o bolsonarismo como representante de seus valores. É preciso resgatar o verdadeiro conservadorismo, desvinculando-o urgentemente de Bolsonaro, líder desse simulacro mambembe de conservadorismo que, como toda farsa, faz o oposto do que apregoa – em vez de respeito pelas instituições democráticas, golpismo; em vez de reverência às leis e à Constituição, valorização de delinquentes; em vez de ordem, confusão.

Nos Estados Unidos, a deputada Liz Cheney teve coragem de liderar a luta para resgatar o Partido Republicano das garras de Trump. Aqui não temos um partido conservador nos moldes do Republicano, mas certamente há um conservadorismo a ser defendido da razia bolsonarista. Se os conservadores de verdade não querem ser confundidos com Bolsonaro e seu conservadorismo de fancaria, é hora de se manifestarem.


sábado, 9 de janeiro de 2021

O genocida presidencial sustenta o milico incompetente da Saúde - Editorial do Estadão

O presidente, pessoalmente, carrega o peso de várias dezenas de milhares de mortos, dos mais de 200 mil já acumulados. Até quando a sociedade vai aceitar a hecatombe do genocida presidencial, seu ataque às instituições, à mídia?

Paulo Roberto de Almeida

Precisa-se de um ministro da Saúde

Editorial de O Estado de S. Paulo, 9/01/2021

A infeliz declaração de Pazuello, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a clara opção por lavar as mãos diante de uma tragédia.

Em vez de se arvorar em consciência crítica da imprensa brasileira, faria melhor o intendente Eduardo Pazuello se trabalhasse como se espera de um ministro da Saúde no curso de uma crise sanitária que já matou mais de 200 mil de seus concidadãos. Informação correta para nortear a atuação do poder público não falta. A bem da verdade, nunca faltou.

O que anda em falta é coragem ao ministro para atuar de acordo com os dados científicos à disposição do governo para pôr fim a este descalabro que é a condução da pandemia no âmbito federal. O ministro Pazuello prefere ignorar os fatos e adular cegamente o seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, um convicto negacionista da tragédia e sabotador das medidas de contenção ao espalhamento do novo coronavírus. Afinal, como já dissera, “um manda, o outro obedece, é simples assim”. E não têm faltado cabotinos para obedecer.

E não deveria ser assim. Ordens ilegais ou imorais não devem ser cumpridas por quem tem brio, respeito às leis e norte moral bem calibrado. A infeliz declaração do intendente, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a clara opção por lavar as mãos diante de uma tragédia que, em sua visão, tem múltiplos responsáveis, nenhum deles no governo federal.

Num pronunciamento em Brasília no dia 7 passado, no qual manifestou a intenção da pasta de adquirir 100 milhões de doses da vacina Coronavac, do Instituto Butantan, para o Programa Nacional de Imunizações (PNI), o ministro da Saúde responsabilizou os jornalistas pela gravidade da pior emergência sanitária de que as atuais gerações têm notícia. Um ataque absolutamente despropositado à imprensa profissional, mas não incoerente. O governo do qual faz parte é useiro e vezeiro na desqualificação do trabalho dos jornalistas, a começar pelo presidente Bolsonaro.

“Os meios de comunicação, os senhores e as senhoras (referindo-se aos jornalistas presentes no pronunciamento), comuniquem os fatos. Me mostrem quando um brasileiro delegou aos redatores a interpretação dos fatos. Eu não vi. Nós não queremos a interpretação dos senhores, a tendência ideológica ou a bandeira. Quero assistir à notícia e ver o fato que aconteceu. Deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada um de nós”, disse o ministro da Saúde.

Seja como oficial do Exército, seja como ministro de Estado, é inacreditável que o intendente mostre tamanho distanciamento da Constituição. A liberdade de imprensa é plenamente assegurada pela Lei Maior do País, assim como o direito da sociedade de ser informada. Esta obtusa visão do ministro, segundo a qual os fatos não podem ser interpretados pela imprensa profissional, coaduna-se com uma percepção de mundo totalitária, em que não há espaço para contestação às versões que agradam aos poderosos de turno. Não há de ser por outro motivo que o intendente não se dispõe a conceder entrevistas, esquiva-se como pode das perguntas dos jornalistas e até mesmo dos fotógrafos. “Eu não posso levantar um dedo que já apontam uma máquina fotográfica para mim”, disse. Ele pode voltar ao conforto de sua privacidade no momento que quiser. Basta pedir demissão.

O fato é que a calamitosa gestão do intendente no Ministério da Saúde não apenas não ajuda o País a sair da crise, como a aprofunda ao minar esforços dos entes federativos. Mas há quem se preocupe com tal comportamento. Ao deferir uma medida cautelar pedida pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o ministro da Saúde não requisite seringas e agulhas adquiridas pelo governo paulista para sua campanha de vacinação contra a covid-19. “A incúria do governo federal”, disse Lewandowski, “não pode penalizar a diligência da administração do Estado de São Paulo, a qual vem se preparando, de longa data, com o devido zelo para enfrentar a atual crise sanitária.” Cabe lembrar ainda que o Ministério da Saúde também só se dignou a esboçar um plano nacional de vacinação sob ordens da Suprema Corte.

O País não precisa de mais um intendente. Precisa de um ministro da Saúde.


sexta-feira, 15 de maio de 2020

Editoral Estadão: video da fatídica reunião no Planalto

O Brasil precisa saber

Se é verdade que o tal registro não revela nenhuma irregularidade cometida pelo presidente, como Bolsonaro diz e repete, então nada deveria obstar sua publicidade voluntária e imediata

Editorial Estadão, 14/05/2020


É imprescindível que o inteiro teor do vídeo da reunião do presidente Jair Bolsonaro com seu Ministério em 22 de abril seja tornado público. E essa iniciativa deveria partir não de uma ordem judicial, e sim do próprio presidente, certamente o maior interessado no esclarecimento dos fatos; afinal, se é verdade que o tal registro não revela nenhuma irregularidade cometida pelo presidente, como Bolsonaro diz e repete, então nada deveria obstar sua publicidade voluntária e imediata.
“Vocês vão se surpreender quando esse vídeo aparecer”, disse Bolsonaro. A Nação mal pode esperar para ser surpreendida. Por ora, os brasileiros conhecem apenas a versão fornecida por alguns dos espectadores do referido vídeo, exibido para procuradores da República, investigadores da Polícia Federal (PF) e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, autor de denúncias contra o presidente e que citara a tal reunião como evidência de suas acusações. E a versão dessas testemunhas não surpreende ninguém: segundo algumas delas, Bolsonaro deixou claro que queria interferir na chefia da Superintendência da Polícia Federal no Rio para proteger sua família, que, segundo ele, estaria sendo “perseguida” pela PF. Tudo isso permeado por palavrões, gritaria, desrespeito e ameaças de demissão - ou seja, um dia comum na Presidência de Jair Bolsonaro.
Surpreendente, mesmo, seria se o vídeo mostrasse um chefe de governo equilibrado, consciente da função que desempenha e reverente em relação não apenas à liturgia do cargo, mas aos princípios básicos da República que preside - aquela em que ninguém, por mais poderoso que seja, pode se considerar acima da lei. Como até mesmo os camisas pardas que veneram Bolsonaro sabem a esta altura que isso é impossível, o único interesse no vídeo é verificar se o presidente realmente cobrou do então ministro Sérgio Moro que fizesse mudanças na Polícia Federal com o intuito de blindar seus filhos e amigos, enrolados com a Justiça - o que, segundo Moro, o motivou a pedir demissão do Ministério da Justiça.
Enquanto o vídeo não vem à luz na sua integralidade, para que se possa verificar o contexto de cada declaração, será a palavra de Bolsonaro - que nega tudo - contra a das testemunhas, e é ocioso discutir em quem se deve acreditar neste momento. O fato, por ora, é que há grossas suspeitas de que o presidente pode ter cometido delitos em série, e a divulgação do vídeo certamente ajudará a mostrar onde está a verdade.
Até que isso aconteça, é preciso muita prudência. A falta dela quase derrubou um governo, o do presidente Michel Temer, vítima de um escândalo irresponsável criado a partir da interpretação equivocada - maldosa até, pode-se dizer - de um diálogo dele com o empresário Joesley Batista, em 2017. Quando o diálogo afinal se tornou público, percebeu-se que nada havia ali que comprometesse o presidente a ponto de interromper seu mandato.
Espera-se que o procurador-geral da República, Augusto Aras, aja com a responsabilidade que faltou a Rodrigo Janot quando este, na condição de procurador-geral, fez as denúncias contra Michel Temer movido pelo desejo incontido de criminalizar toda a classe política, a começar pelo presidente.
Assim, o procurador Augusto Aras deve se ater exclusivamente às evidências e solicitar quantas diligências forem necessárias para ter um quadro completo. Se as provas forem frágeis, como afirma Bolsonaro, então o caso obviamente não pode seguir. Entretanto, se houver razões para levar adiante as investigações e oferecer uma denúncia contra o presidente, Augusto Aras - indicado para o cargo por Bolsonaro - deve fazê-lo, com a independência que a Constituição garante ao Ministério Público.
Processar e eventualmente cassar um presidente da República não é uma brincadeira inconsequente. É a mais séria das decisões políticas num regime presidencialista, razão pela qual é preciso ter sólidos argumentos para consumá-la. A incivilidade e o despreparo do presidente Bolsonaro, por mais que envergonhem o País, não são motivos para isso. Advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da justiça, coação, falsidade ideológica e crime de responsabilidade são.

sábado, 11 de maio de 2019

Reforma da Previdência: os dados foram lançados pelo ministro Paulo Guedes - Editorial Estadao

A FONACATE, aquele órgão que representa os mandarins do Estado, e que anda falando mentiras para defender os privilégios da categoria, deveria vir desmentir estes dados apresentados pelo ministro da Economia. 
Se sua resistência lograr conquistar um número suficiente de parlamentares para bloquear ou diluir a reforma, o Brasil vai entrar numa trajetória descendente possivelmente catastrófica para o futuro de nossos filhos e netos. A irresponsabilidade não pode triunfar, mas no Brasil tudo é possível.
Paulo Roberto de Almeida

O didatismo do ministro

Paulo Guedes foi bastante didático sobre os riscos que o País 

corre se o Congresso não aprovar a reforma da Previdência

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
10 de maio de 2019 | 03h00

Em audiência na Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta de reforma da Previdência, na quarta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi bastante didático ao expor os riscos que o País corre se o Congresso não aprová-la. Durante cerca de oito horas, Guedes e o secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, tentaram explicar aos parlamentares que o rombo da Previdência, em resumo, “é um buraco fiscal que ameaça engolir o Brasil e precisa ser atacado” – e, caso não haja reforma, ou se a proposta for muito desidratada, há sério risco de não haver dinheiro para o pagamento das aposentadorias num futuro próximo.
Ou seja, daqui em diante, ninguém que tenha ouvido o ministro Guedes pode alegar ignorância a respeito do que está em jogo: votar contra a reforma ou impor mudanças que a tornem branda demais significa votar contra o Brasil. Não à toa, até mesmo o eleitorado do País, naturalmente refratário a mudanças que representem endurecimento das regras para as aposentadorias, já demonstra ter compreendido o imperativo da reforma. 
Uma pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 59% dos brasileiros consideram necessário modificar o sistema das aposentadorias. Além disso, 71% entendem que as regras da Previdência devem ser iguais para todos – e 68% consideram que o conjunto da população é prejudicado sempre que um grupo específico ganha privilégios no sistema previdenciário.
Um dos aspectos mais duros da reforma, o estabelecimento de uma idade mínima, tem o apoio de 72% dos entrevistados, um aumento significativo em relação aos 65% verificados em 2015. No geral, portanto, parece haver uma base sólida na opinião pública sobre a qual é possível construir o consenso em torno da aprovação da reforma no Congresso.
O problema, como mostra essa mesma pesquisa, é o desconhecimento da proposta em si. Entre os entrevistados, apenas 36% dizem conhecer pelo menos os principais pontos do texto encaminhado pelo governo ao Congresso – e destes, 51% se dizem contrários ao que propõe o projeto.
Na Câmara, o ministro Paulo Guedes aludiu ao problema do desconhecimento sobre a proposta de reforma. “Temos esse problema de comunicação”, disse Guedes, salientando que, enquanto a base governista é novata e desmobilizada, “a oposição é aguerrida, sabe bater, criar coisas e se isentar de problemas”. Assim, “até o governo contar a verdade dele, o tempo está passando”, acrescentou o ministro, que fez um apelo aos deputados: “Contamos com a serenidade dos senhores”.
O próprio ministro reconheceu, contudo, que há adversários da reforma da Previdência mesmo dentro do governo. “Acho que tem gente do governo que pode até ficar feliz” se a reforma for desidratada, disse Paulo Guedes, sem citar nomes. Afinal, até mesmo o presidente Jair Bolsonaro já deu declarações sugerindo que a reforma encaminhada por seu próprio governo pode e deve ser abrandada – atitude coerente com uma carreira política marcada por franca hostilidade em relação a qualquer endurecimento das regras das aposentadorias.
Ciente do exército bem organizado de inimigos da reforma, o ministro Paulo Guedes e seu auxiliar Rogério Marinho foram à Câmara munidos de números incontestáveis a respeito do problema previdenciário a ser enfrentado: mostraram aos deputados que os 15% mais ricos acumulam 47% da renda previdenciária; que o número de contribuintes por aposentado caiu de 14, há 40 anos, para 7 hoje, e em breve serão apenas pouco mais de 2; e que os gastos previdenciários, que representam metade dos gastos federais, são sete vezes maiores do que os da educação, quatro vezes os da saúde e três vezes a soma dos gastos de saúde, educação e segurança pública. Ou seja, “o sistema já está condenado à quebra”, disse o ministro Guedes, e isso pode levar o País à bancarrota.
Nenhuma dessas informações é passível de controvérsias. São fatos aritmeticamente sustentados. O ministro Paulo Guedes fez bem em expor serenamente esses números aos senhores deputados, para que compreendam a dimensão do problema. Assim, se escolherem o caminho da oposição irresponsável, eles o farão sabendo perfeitamente o que isso significará para o País.