O presidente, pessoalmente, carrega o peso de várias dezenas de milhares de mortos, dos mais de 200 mil já acumulados. Até quando a sociedade vai aceitar a hecatombe do genocida presidencial, seu ataque às instituições, à mídia?
Paulo Roberto de Almeida
Precisa-se de um ministro da Saúde
Editorial de O Estado de S. Paulo, 9/01/2021
A infeliz declaração de Pazuello, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a clara opção por lavar as mãos diante de uma tragédia.
Em vez de se arvorar em consciência crítica da imprensa brasileira, faria melhor o intendente Eduardo Pazuello se trabalhasse como se espera de um ministro da Saúde no curso de uma crise sanitária que já matou mais de 200 mil de seus concidadãos. Informação correta para nortear a atuação do poder público não falta. A bem da verdade, nunca faltou.
O que anda em falta é coragem ao ministro para atuar de acordo com os dados científicos à disposição do governo para pôr fim a este descalabro que é a condução da pandemia no âmbito federal. O ministro Pazuello prefere ignorar os fatos e adular cegamente o seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, um convicto negacionista da tragédia e sabotador das medidas de contenção ao espalhamento do novo coronavírus. Afinal, como já dissera, “um manda, o outro obedece, é simples assim”. E não têm faltado cabotinos para obedecer.
E não deveria ser assim. Ordens ilegais ou imorais não devem ser cumpridas por quem tem brio, respeito às leis e norte moral bem calibrado. A infeliz declaração do intendente, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a clara opção por lavar as mãos diante de uma tragédia que, em sua visão, tem múltiplos responsáveis, nenhum deles no governo federal.
Num pronunciamento em Brasília no dia 7 passado, no qual manifestou a intenção da pasta de adquirir 100 milhões de doses da vacina Coronavac, do Instituto Butantan, para o Programa Nacional de Imunizações (PNI), o ministro da Saúde responsabilizou os jornalistas pela gravidade da pior emergência sanitária de que as atuais gerações têm notícia. Um ataque absolutamente despropositado à imprensa profissional, mas não incoerente. O governo do qual faz parte é useiro e vezeiro na desqualificação do trabalho dos jornalistas, a começar pelo presidente Bolsonaro.
“Os meios de comunicação, os senhores e as senhoras (referindo-se aos jornalistas presentes no pronunciamento), comuniquem os fatos. Me mostrem quando um brasileiro delegou aos redatores a interpretação dos fatos. Eu não vi. Nós não queremos a interpretação dos senhores, a tendência ideológica ou a bandeira. Quero assistir à notícia e ver o fato que aconteceu. Deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada um de nós”, disse o ministro da Saúde.
Seja como oficial do Exército, seja como ministro de Estado, é inacreditável que o intendente mostre tamanho distanciamento da Constituição. A liberdade de imprensa é plenamente assegurada pela Lei Maior do País, assim como o direito da sociedade de ser informada. Esta obtusa visão do ministro, segundo a qual os fatos não podem ser interpretados pela imprensa profissional, coaduna-se com uma percepção de mundo totalitária, em que não há espaço para contestação às versões que agradam aos poderosos de turno. Não há de ser por outro motivo que o intendente não se dispõe a conceder entrevistas, esquiva-se como pode das perguntas dos jornalistas e até mesmo dos fotógrafos. “Eu não posso levantar um dedo que já apontam uma máquina fotográfica para mim”, disse. Ele pode voltar ao conforto de sua privacidade no momento que quiser. Basta pedir demissão.
O fato é que a calamitosa gestão do intendente no Ministério da Saúde não apenas não ajuda o País a sair da crise, como a aprofunda ao minar esforços dos entes federativos. Mas há quem se preocupe com tal comportamento. Ao deferir uma medida cautelar pedida pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o ministro da Saúde não requisite seringas e agulhas adquiridas pelo governo paulista para sua campanha de vacinação contra a covid-19. “A incúria do governo federal”, disse Lewandowski, “não pode penalizar a diligência da administração do Estado de São Paulo, a qual vem se preparando, de longa data, com o devido zelo para enfrentar a atual crise sanitária.” Cabe lembrar ainda que o Ministério da Saúde também só se dignou a esboçar um plano nacional de vacinação sob ordens da Suprema Corte.
O País não precisa de mais um intendente. Precisa de um ministro da Saúde.
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