- PORTUGUESE
- The Wall Street Journal, March 12, 2013, 8:40 p.m. ET
Era digital muda conceito de sucesso literário
O livro de suspense pós-apocalíptico "Wool", de Hugh
Howey, já vendeu mais de meio milhão de exemplares e gerou mais de
5.260 comentários no site da Amazon. Howey já recebeu mais de US$ 1
milhão em royalties e vendeu os direitos para o cinema para Ridley
Scott, o diretor do filme "Alien" .
E a Simon & Schuster ainda nem lançou o livro.
Em um negócio raríssimo no setor editorial, a Simon & Schuster
comprou os direitos para a publicação impressa de "Wool" (Lã, em
tradução livre), permitindo que Howey conserve os direitos para o livro
eletrônico. Em 2011, Howey lançou "Wool" por conta própria, como romance
em capítulos, e adotou uma atitude inusitada ao recusar-se a vender os
direitos para a publicação digital. No ano passado, ele rejeitou ofertas
de mais de US$ 1 milhão por parte de diversas editoras, até chegar a um
acordo com a Simon & Schuster, de mais de US$ 500.000, apenas para o
livro impresso.
"Eu já estava ganhando, sozinho, mais de US$ 1 milhão, por isso foi
fácil recusar", diz Howey, de 37 anos, que abandonou a faculdade e
trabalhou como capitão de iate, operário da construção e empregado de
livraria antes de começar a publicar seus próprios livros. "Eu pensei:
'Como vocês vão conseguir vender seis vezes mais do que eu estou
vendendo agora?'"
Josh Ritchie for The Wall Street Journal
Hugh Howey foi de desempregado a
escritor cobiçado por grandes editoras depois de vender capítulos de
seu livro de ficção científica na web por US$ 0,99 cada.
É um sinal da grande mudança no
equilíbrio do poder em favor dos autores, no novo panorama da publicação
digital. No ano passado, os títulos publicados pelos próprios autores
compuseram 25% dos livros mais vendidos pela maior varejista on-line do
mundo, a Amazon. Quatro autores independentes já venderam mais de um
milhão de exemplares para o leitor de livros eletrônicos Kindle, e 23 já
venderam mais de 250.000, segundo a Amazon.
Editoras que antes ignoravam os autores independentes agora tentam
furiosamente seduzi-los. No ano passado, mais de 60 autores
independentes fecharam contratos com editoras tradicionais. Vários
ganharam adiantamentos de mais de US$ 1 milhão. Alguns negociaram
acordos que lhes permitem continuar a vender livros eletrônicos por
conta própria, incluindo autores de livros românticos como Bella Andre e
Colleen Hoover, que já venderam mais de um milhão de exemplares cada.
Os acordos que só cobrem o livro impresso continuam raríssimos.
Poucos editores querem abdicar do segmento que mais cresce na indústria.
Nos EUA, as vendas de livros eletrônicos para adultos, de ficção e
não-ficção, cresceram 36% nos primeiros três trimestres de 2012, em
comparação com o ano anterior. Em contraste, as vendas de livros em
brochura para o mercado de massa encolheram 17% nesse período, e os
livros de capa dura caíram 2,4%, segundo relatório recente da Associação
Americana de Editores.
Os interessados no setor de publicação vão observar atentamente a
experiência de "Wool", agora que as vendas começaram nos Estados Unidos.
A Simon & Schuster lançou ao mesmo tempo uma edição em brochura e
outra em capa dura, competindo diretamente contra a edição digital de
Howey.
"Teríamos preferido possuir todos os direitos, mas vimos que isso não
ia acontecer", diz o diretor geral e editor da Simon & Schuster,
Jonathan Karp. "Foi uma circunstância muito incomum."
"Wool" se tornou um sucesso viral no fim do ano passado, poucos meses
depois que Howey começou a publicar a série em cinco partes na Amazon. O
romance se passa em um futuro pós-apocalíptico, onde alguns milhares de
seres humanos restantes vivem em um silo subterrâneo gigantesco, de 144
andares. Os casais que querem ter um filho precisam entrar num sorteio;
os bilhetes só são distribuídos quando alguém morre. Os cidadãos que
infringem a lei são mandados para fora do silo, onde morrem sufocados no
ar tóxico. Os que são enviados para morrer são obrigados a limpar a
sujeira dos sensores digitais que transmitem imagens granuladas da
paisagem em ruínas para uma tela dentro do silo. As imagens se destinam a
lembrar aos moradores que o mundo fora do silo é mortal; mas alguns
começam a suspeitar que seus líderes estão mentindo sobre o que há lá
fora e de que modo o mundo acabou em ruínas.
"Wool" chegou ao mercado bem quando o setor de entretenimento estava
procurando algum outro sucesso com um conceito distópico bem elaborado,
tal como "Jogos Vorazes", trilogia de Suzanne Collins para jovens
adultos, ou o romance pós-apocalíptico de vampiros "A passagem", de
Justin Cronin.
O formato em série ajudou a criar interesse e expectativa entre
leitores compulsivos, que ficavam desesperados para ler a continuação.
Ao mesmo tempo, o preço de US$ 0,99 facilitava a compra por impulso de
cada capítulo. "Wool" foi o livro que ganhou mais resenhas favoráveis na
Amazon em 2012, com uma classificação média de 4,8 estrelas em um total
de cinco. O romance parece interessar tanto homens como mulheres, e vem
atraindo tanto fãs de ficção científica como o público geral, tal como
aconteceu com "Jogos Vorazes".
Howey já demonstrou ser implacável para negociar e muito habilidoso
no marketing. Ele enviou cópias gratuitas de "Wool" para blogueiros e
autores de resenhas de livros do Goodreads, site de mídia social para
leitores ávidos. Já de início, as resenhas entusiasmadas incentivaram
mais gente a dar uma chance ao livro, e os comentários viraram uma bola
de neve. Hoje "Wool" já tem mais de 12.500 avaliações e cerca de 2.200
resenhas no Goodreads. Howey também incentivou os fãs a produzirem
representações artísticas e ficcionais situadas no universo de "Wool";
seus leitores já criaram capas de livros e escreveram pequenos romances
com suas próprias versões da história. Ele recrutou 30 fãs ardorosos
para serem leitores "beta", que revisam, de graça, as primeiras versões
de seus livros.
A origem
Howey foi criado na zona rural da Carolina do Norte, filho de um
agricultor e de uma professora. Na adolescência, devorava livros
populares de ficção científica e sempre teve uma imaginação fértil. Ele
estudou física e inglês na universidade Charleston College, mas
abandonou os estudos no primeiro ano para viajar de barco pelas Bahamas.
Trabalhou como capitão de iate, carpinteiro e técnico de uma empresa de
áudio e vídeo.
Quatro anos atrás, ele decidiu tentar a vida como escritor. Ele
estava desempregado e tinha uma ideia para um romance sobre um jovem
piloto de espaçonave que viaja pela galáxia em busca do pai
desaparecido. Ele vendeu o livro, "Molly Fyde and the Parsona Rescue", a
uma pequena editora do Estado americano de Indiana por menos de US$
1.000. As vendas foram escassas, mas ele continuou tentando. Depois de
arranjar um emprego em uma livraria universitária, continuou escrevendo
em todas as suas horas livres, de dia ou de noite.
"Wool" começou como um conto, que Howey escreveu rapidamente, em três
semanas. Em julho de 2011 ele o colocou à venda na Amazon por US$ 0,99.
Dentro de três meses a história já tinha vendido 1.000 cópias. Howey
ficou abismado.
Os leitores imploraram por uma continuação, e em novembro Howey
lançou a segunda parte. Nesse mês ele vendeu mais de 3.000 cópias. No
mês seguinte lançou mais duas partes e vendeu cerca de 10.000 cópias no
total. Em janeiro, lançou o capítulo final, por US$ 2,99, e publicou as
cinco partes em um só volume, por US$ 5,99. Nesse mês ele vendeu, em
conjunto, 23.000 cópias de todas as edições. "Wool" disparou na lista de
best-sellers de ficção científica na Amazon. Howey largou o emprego.
Os agentes literários começaram a cortejá-lo. A maioria queria vender
os direitos para as versões impressa e digital pelo lance mais alto.
Howey não se interessou. Uma agente, Kristin Nelson, disse que ele não
deveria ceder os direitos digitais, mas que ela poderia ajudá-lo a
vender os direitos para outros países e para cinema e TV. Ele assinou
com ela em janeiro do ano passado, e eles já venderam a série para 24
países. Os direitos para publicação em português foram adquiridos pela
editora Intrínseca e o livro deve ser lançado no Brasil em junho.
Nelson também enviou "Wool" para editoras americanas, e recebeu
algumas ofertas de menos de US$ 500.000. Howey recusou. Através da
plataforma de autopublicação da Amazon, ele já estava recebendo 70% dos
direitos autorais, que lhe davam uns US$ 40.000 por mês. A maioria das
editoras oferecem ao autor 10% a 15% do preço de venda de um livro
digital.
Nessa época Howey começou a vender versões de seus livros para os leitores eletrônicos Nook e Kobo, da
Barnes & Noble,
BKS -1.00%
e também pela loja iTunes da Apple. Um agente da United Talent Agency
começou a oferecer os direitos de filmagem. Três estúdios deram lances
pelo livro. Os direitos acabaram ficando com a 20th Century Fox e a
produtora de Ridley Scott, diretor dos grandes sucessos de ficção
científica "Alien" e "Blade Runner, o Caçador de Andróides", que pagaram
US$ 500.000. O roteirista e diretor independente J. Blakeson está
escrevendo o roteiro.
Com esses acordos no bolso Howey, que nessa
época estava ganhando US$ 120.000 por mês, encontrou-se com cinco
editores em Nova York. Mas apenas uma reunião correu bem, feita com
Karp, o diretor da Simon & Schuster. Howey insistiu em um acordo de
coedição, onde ele ficaria com os direitos para versões digitais e a
Simon & Schuster com os direitos para livros impressos, em brochura e
capa dura. Karp foi evasivo e disse que entraria em contato.
No meio do ano, as vendas digitais de "Wool" dispararam. Howey
continuou a escrever e publicar novos livros por conta própria. Nessa
época, a agente dele recebeu um e-mail de Karp, perguntando se ele ainda
aceitaria um acordo apenas para os livros impressos.
A Simon & Schuster agora precisa transformar esse sucesso digital
(Howey continua vendendo 50.000 versões eletrônicas por mês) em um
grande sucesso de vendas como livro impresso tradicional.
"Muitas coisas que normalmente nós costumamos ensinar aos autores,
Hugh foi esperto o suficiente para fazer sozinho", diz Richard Rhorer,
responsável pelo marketing da Simon & Schuster no exterior.
Howey acaba de voltar de uma turnê pela Europa, onde "Wool"
recentemente chegou às listas de best-sellers. Ele começa a se sentir
mais como um autor estabelecido. "A indústria editorial está mudando tão
rápido que todos nós somos especialistas do mesmo nível", disse.
"Estamos todos tentando desvendá-la."