A concordar com o secretário da Educação do RJ, um estado falido, literalmente arrasado por anos e anos de incúria, má gestão e roubalheira generalizada, a reforma do ensino médio nunca será realizada. Também acho.
Mas parece que políticos e sociedade não vão se comover por isso. Preferem ignorar o problema, e continuar lutando apenas por aumentos de salários.
O Brasil não corre o risco de dar certo...
Paulo Roberto de Almeida
Reforma do ensino médio demanda outra reforma
Sem o equacionamento financeiro propostas podem não levar ao resultado esperado
Wagner Victer*
O Estado de São Paulo, Opinião, 10 Outubro 2016 | 05h00
Os recentes resultados divulgados do Ideb trouxeram de volta ao debate da sociedade as graves dificuldades enfrentadas na aprendizagem dos jovens brasileiros. Os resultados negativos reforçam a percepção de que o atual currículo do ensino médio é ultrapassado e merece profunda reforma. Um dos maiores desafios do Brasil é aumentar a atratividade das aulas, dando mais dinamismo ao processo ensino-aprendizagem, estimulando o protagonismo juvenil e reconhecendo as diferenças individuais e geográficas dos alunos, alinhados com a ampliação dos programas da formação inicial e continuada dos professores.
Como consequência desse cenário, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 746/2016, que se junta ao Projeto de Lei 6.840/2013, que já tramitava no Congresso, que propõe alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tendo como pilar a instituição de jornada em tempo integral no ensino médio e a reorganização do currículo por áreas de conhecimento.
Entre os maiores interessados nessas mudanças estão as Secretarias de Estado de Educação, responsáveis pela maioria dos alunos desse segmento de ensino. Esses avanços, no entanto, criam um dilema: por um lado, a MP traz sugestões importantes que realmente trarão melhoria ao ensino médio; por outro, até em função da crise econômica, não há no cenário atual como dar sustentabilidade financeira a essas importantes reformas. O projeto, por exemplo, estabelece jornada escolar de pelo menos sete horas diárias e determina que ao menos 50% das matrículas em 50% das escolas estejam em horário integral em um prazo de dez anos. O prazo para a implantação universal nas redes seria de 20 anos.
Além disso, e nada mais coerente para a solidez dessa iniciativa, que é louvável e desejada, a MP prevê a possibilidade de opção formativa ao estudante no último ano, podendo este seguir a ênfase em “linguagens”, “matemática”, “ciências da natureza”, “ciências humanas” e “formação profissional”. Para poder acompanhar as melhorias implantadas no ensino integral diurno, as turmas noturnas teriam um ano a mais, passando a quatro. Tais medidas envolverão, na maioria das escolas, um rearranjo em salas de aulas disponíveis, o que nem sempre é possível sem fazer grandes adaptações e, consequentemente, diversas obras.
Os planos são os melhores possíveis, mas nosso desafio também é matemático. Para dar um exemplo, o Estado do Rio de Janeiro tem atualmente cerca de 446 mil alunos no ensino médio público, 42 mil em horário integral. Alcançar 50% das matrículas em horário integral em dez anos significará o equivalente à necessidade de implantação de mais de uma centena de novas unidades escolares, considerando os importantes reflexos na folha de pagamento e nos recursos de merenda e manutenção. Com as metas estabelecidas pela MP, pelos cálculos preliminares o Estado do Rio de janeiro teria de construir 19 unidades escolares anualmente nos próximos 20 anos. Nos valores de hoje, ao fim da implantação e sem considerar o investimento nas novas escolas, o aumento estimado de gastos poderia chegar a R$ 1,5 bilhão ao ano, com reflexos atuariais futuros e permanentes na previdência estadual.
Os debates sobre o financiamento da educação também nos remetem ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e à compreensão equivocada de que os recursos direcionados a todos os Estados são procedentes de tributos federais. Diferentemente do que entende o senso comum, o Fundeb na maioria dos Estados não recebe recursos federais. O Fundeb destinado ao Rio de Janeiro, por exemplo, é financiado basicamente pelo ICMS do Estado. Essa transferência estadual é a principal fonte de receita dos municípios fluminenses para as políticas de educação infantil e do ensino fundamental. No ano passado, os recursos da arrecadação de ICMS repassados ao fundo que não foram revertidos diretamente à rede estadual chegaram a cerca de R$ 3 bilhões.
Somada a essas dificuldades, a importante e necessária ampliação da oferta de vagas nas creches públicas causa outro reflexo que não pode ser desconsiderado: aumenta-se o denominador de alunos e entes que compartilham os mesmos recursos do Fundeb sem que haja a alteração no numerador desta equação. Ou seja, cada vez mais cidadãos e administradores dos Estados e municípios disputam as mesmas verbas. O tema torna-se ainda mais crítico e controvertido se se adiciona a ele o debate em torno da eventual desvinculação das receitas voltadas para a educação prevista na PEC 241/2016, em discussão no Congresso Nacional, que prevê limitar o crescimento dos gastos públicos inclusive por segmentos, isso sem falar na redução dos repasses previstos pelo salário-educação, que tem caído vertiginosamente em razão do desemprego e da desaceleração econômica. Portanto, mesmo com as necessárias melhorias na gestão dos recursos por todos os entes federativos, se não tivermos a revisão e a apresentação de novas fontes de financiamento, o futuro da educação pode ser mais sombrio do que o presente.
Assim como o ensino médio, o desenho do financiamento da educação pública – tão bem-sucedido na universalização do ensino fundamental após a Constituição de 1988 – precisa ser reformado. Para que a vitória daqueles que almejam uma educação de qualidade para os jovens brasileiros não se torne mais uma lei classificada como letra morta, é fundamental que a aprovação da MP traga consigo também os caminhos para pôr esse projeto verdadeiramente de pé e que uma questão fundamental se responda: haverá um novo imposto ou fonte com recursos significativos e permanente destinada a financiar fundo reservado para esse fim? Essa pergunta não pode ficar sem resposta, já que as propostas sem o equacionamento financeiro podem não levar ao importante resultado esperado por todos.
*Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro