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domingo, 13 de abril de 2014

Petrobras: ainda o escandalo Padadena (mas a questao parece ser outra) - Percival Puggina

Um artigo do conhecido polemista gaúcho sobre o mais escabroso caso de malversação de fundos de uma companhia estatal de que se tem notícia na história do Brasil.
Mas, como já disse diversas vezes, o problema não é com esta refinaria, se não seria com qualquer outra refinaria. O problema é a operação em si, como já sugeri várias vezes...
Paulo Roberto de Almeida

A lebre que mia
Percival Puggina
13/04/2014


A compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, tanto na transação em si, quanto no que aconteceu após se tornar de conhecimento público, é dos atos mais constrangedores de nossa história administrativa. Nem encomendando se conseguiria produzir semelhante sucessão de ações e reações que primam pela falta de decoro e pela hipocrisia. Atenção, jornalismo nacional! Hora de acordar, rapaziada! O rolo é conhecido desde 2012! É difícil entender as razões pelas quais a pauta dormiu nas gavetas durante todo o ano de 2013.

            Seja como for, o melhor ficou para o fim. Aconteceu no Congresso Nacional, com a disputa entre governo e oposição sobre a proposta de criar CPI para investigar a operação. Como a medida se revelou inevitável, o PT partiu para o contra-ataque, e quis investigar, também, o metrô de São Paulo e o porto de Suape em Pernambuco. Foi uma antecipada confissão. Foi reconhecimento pelo réu de que comprometedoras digitais estavam na cena do crime. O que espera a sociedade de um partido político que respeite a própria imagem diante de fato com tal magnitude? Que participe das investigações, que controle o trabalho da oposição, que busque a verdade e, naturalmente, que evite maiores explorações políticas dos fatos apurados. Em vez disso, o PT quis tumultuar, embrulhar e inviabilizar a CPI, acrescentando-lhe outros objetivos que, supostamente, poderiam causar dano ao seus principais opositores na corrida presidencial em curso: PSDB e PSB. Tudo num grande esforço para "blindar a Petrobras". A Petrobras? Me poupem.

            A Constituição Federal não deixa margem para interpretações quando afirma que as CPIs devem tratar "de fato determinado" e não de fatos indeterminados. Se o PT tem conhecimento de determinados fatos a merecer investigação no metrô de São Paulo e no porto de Suape, envolvendo recursos federais, por que não pediu oportunamente as respectivas CPIs? Por que fazê-lo como contraponto à CPI sobre a refinaria de Pasadena?  Ao agirem como estão agindo no caso, o PT e seus associados no Congresso Nacional tornam inequívoco perante a opinião pública que, de fato, houve rolo no negócio. Caso contrário, fosse a operação sábia e proba, economicamente interessante, como chegaram a afirmar alguns agentes partidários na frente de batalha das redes sociais, nada melhor do que uma CPI para comprová-lo e retocar a imagem da presidente. Afinal, ela foi vendida a seu eleitorado como gestora competente. Mas autorizou a Petrobras a pagar mais de um bilhão de dólares por uma lebre que mia.

            Todo esse imbróglio serve para mostrar o quanto é maléfica a confusão que fazemos no Brasil entre Estado, governo e administração pública, como se fosse tudo a mesma coisa. Não contentes, embrulhamos o pacote para presente e entregamos a um partido político. Só pode dar nisso! Que raios tem um partido político a fazer na Petrobras? E não só aí, mas também no Banco do Brasil, no BNDES, em dezenas de estatais e em todo o aparelho administrativo federal, ocupando dezenas de milhares de postos que deveriam ser providos por servidores de carreira com a formação adequada?

_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Petrobras: o que fazer com ela - Leandro Roque (Mises Brasil)

Na verdade, eu teria uma outra questão a mencionar, antes mesmo de considerar se houve mau negócio, má gestão, imprevisão, má sorte, infelicidade, ou qualquer outra explicação legítima, benévola, complacente, piedosa: será que a intenção, desde o início, não era essa mesma?
Ou seja, se estava buscando alguma operação de grande porte, para permitir outros negócios, bem mais "criativos", digamos assim.
Por que, se fosse apenas uma operação infeliz, existe tal movimentação do governo, do PT, para que NÃO se investigue esse assunto mediante uma CPI?
Essas são as minhas perguntas.
Acho que as considerações do colega Leandro Roque são válidas, mas como se diz vulgarmente, o buraco é mais embaixo e não tem muito a ver com uma contabilidade estrito senso, e sim com outra contabilidade, que não conhecemos e talvez nunca venhamos a conhecer de verdade.
Mafiosos não costumam trair os seus...
Paulo Roberto de Almeida

O que fazer com a Petrobras?
por 
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, segunda-feira, 7 de abril de 2014

 

dilma-petrobras-pasadena.jpgOs últimos relatos detalhando todas as lambanças e maracutaias que ocorreram dentro da Petrobras não devem surpreender aquelas pessoas que realmente entendem que, em uma empresa que tem como maior acionista o Tesouro nacional, a rede de incentivos funciona de maneira um tanto distinta.  Em última instância, eventuais maus negócios e seus subsequentes prejuízos ou descapitalizações serão prontamente cobertos pela viúva — ou seja, por nós, pagadores de impostos, ainda que de modos rocambolescos e indiretos.
O imbróglio mais famoso do momento é o da compra da refinaria de Pasedena, no Texas, em 2006.  A Petrobras pagou US$ 360 milhões por 50% da refinaria (US$ 190 milhões pelos papéis e US$ 170 milhões pelo petróleo que estava em Pasadena). O valor é muito superior ao que havia sido pago apenas um ano antes pela Astra Oil, da Bélgica, por 100% da refinaria: US$ 42,5 milhões.
Mas a coisa piora: um desentendimento ocorrido em 2008 entre a Petrobras e a Astra Oil acionou uma cláusula contratual (no jargão técnico conhecida como Put Option) que obrigou a estatal brasileira a comprar toda a fatia que pertencia à empresa belga.  E, como se não bastasse, havia também uma segunda cláusula contratual, conhecida como Marlim.  A Put Option estipulava que, em caso de desavença entre os sócios, a outra parte seria obrigada a adquirir o restante das ações. Já a Marlim garantia à sócia da Petrobras, a belga Astra Oil, um lucro de 6,9% ao ano.
Consequentemente, a aquisição da refinaria de Pasadena acabou custando US$ 1,18 bilhão à estatal, um valor mais de 27 vezes maior do que aquele que a Astra teve de desembolsar.
Quem presidia o Conselho de Administração da estatal e que deu aval a toda essa operação, ignorando a possibilidade de acionamento dessas cláusulas contratuais, era Dilma Rousseff.
Outra figura que ficou famosa é o ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que foi apontado como um dos responsáveis por elaborar o resumo técnico da operação de 2006, e que não teria informado ao conselho de administração da estatal (presidido por Dilma) sobre a existência das cláusulas Put Option e Marlim.
No entanto, apesar de ele ter participado diretamente da compra da refinaria de Pasadena, ele foi preso por um motivo não-relacionado a essa negociação: ele foi acusado de participar em um esquema de lavagem de dinheiro e de fazer intermediação em vendas irregulares de glicerina de uso industrial.  Essa operação ficou popularmente conhecida como "Operação Lava-Jato"
Mas tudo isso é apenas a ponta do iceberg.  Há muito mais. 
Há indícios de que a empresa holandesa SBM Offshore, que fornece plataformas marítimas flutuantes, pagou propina a funcionários graúdos da Petrobras para que estes escolhessem a empresa holandesa como fornecedora — a qual, por sua vez, cobraria preços muito maiores pelos produtos fornecidos.  Isso ocorreu entre os anos de 2005 e 2012.
Há denúncias de que plataformas estariam sendo lançadas ao mar sem equipamentos primordiais de segurança.
Há indícios de superfaturamento na construção de refinarias.
Há o fato de que a Petrobras perdoou um calote da Venezuela, abrindo mão de penalidades que exigiriam da Venezuela o pagamento de uma dívida contraída pelo Brasil para as obras na refinaria Abreu Lima, em PE.  O acordo feito entre Lula e Hugo Chávez deixou o Brasil com a missão de garantir, sozinho, investimentos de US$ 20 bi.
Há o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, Comperj, que foi orçado em US$ 6,5 bilhões e que, até o momento, já custou mais de US$ 13,5 bilhões.
E, para coroar, descobriu-se recentemente que, nos últimos três anos, a Petrobras fechou R$ 90 bilhões em contratos sem fazer licitação, o que equivale a mais de 28% de tudo o que a estatal gastou entre 2011 e 2013.  Segundo a reportagem, as "modalidades normalmente adotadas pela administração pública, como concorrência e tomada de preços, representam menos de 1% dos contratos da Petrobras.  Em 71% dos casos, a forma de controle é mais branda, como carta-convite."
A Petrobras dispensa licitação até para a contratação de mão-de-obra terceirizada.
E por que se preocuparia com isso?  Boa parte do dinheiro que for mal gasto será reposto por nós.
Solução
Os problemas de um setor petrolífero nas mãos do estado são óbvios demais: ele gera muito dinheiro para políticos, burocratas, sindicatos e demais apaniguados.  Isso é tentador.  A teoria diz que toda e qualquer gerência governamental sobre uma atividade econômica sempre estará subordinada a ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais desvios de verba.  No setor petrolífero, Venezuela, Nigéria e todos os países do Oriente Médio comprovam essa teoria.
Um setor ser gerido pelo governo significa apenas que ele opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Um empreendimento estatal não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.  O interesse do consumidor é a última variável a ser considerada.

No setor petrolífero brasileiro, o dinheiro é retirado do subsolo e despejado no buraco sem fundo da burocracia, da corrupção, dos privilégios e das mamatas.  Todos os governos estaduais e todos os políticos do país querem uma fatia deste dinheiro para subsidiar suas burocracias e programas estatais preferidos.  Consequentemente, em todos os setores em que esse dinheiro é gasto, ele é desperdiçado.  Como é economicamente impossível o governo produzir algo de real valor, ele na prática apenas consome os ativos e a riqueza do país.
Caso o setor petrolífero estivesse sob o controle de empresas privadas, todo o dinheiro retirado do subsolo seria de propriedade destas empresas e de seus acionistas.  Sim, haveria impostos sobre esse dinheiro.  Mas a maior parte dele ainda iria para mãos privadas.  É assim nos EUA e em vários países da Europa.  Tal arranjo mantém o dinheiro longe das mãos do governo e dos demais parasitas, e garante que a produção e a distribuição sempre ocorrerão estritamente de acordo com interesses de mercado, e não de acordo com conveniências políticas.
Sendo assim, qual a maneira efetiva de se desestatizar o setor petrolífero do Brasil?  Legalizando a concorrência.  Para isso, bastaria o estado se retirar do setor petrolífero, deixando a Petrobras à sorte de seus próprios funcionários, que agora não contariam com nenhum monopólio, nenhuma proteção e nenhuma subvenção.  O estado não venderia nada para ninguém.  Apenas sairia de cena, aboliria a ANP e nada faria para impedir a chegada concorrência estrangeira.  
A Petrobras é do povo?  Então, nada mais coerente do que colocar este mantra em prática: após a retirada do governo do setor petrolífero, cada brasileiro receberia uma ação da Petrobras que estava em posse do governo.  E só.  Ato contínuo, cada brasileiro decidirá o que fazer com esta ação.  Se quiser vendê-la, que fique à vontade.  Se quiser mantê-la, boa sorte.  Se quiser comprar ações das outras empresas petrolíferas que agora estarão livres para vir operar aqui, sem os onerosos fardos da regulamentação da ANP, que o faça.  Se a maioria dos acionistas brasileiros quiser vender suas ações para investidores estrangeiros, quem irá questionar a divina voz do povo?  Se o povo é sábio o bastante para votar, então certamente também é sábio o bastante para gerenciar as ações da Petrobras. 
O objetivo supremo é fazer com que o dinheiro do petróleo vá para as mãos do povo, e não para o bolso de políticos e burocratas.  É assim que acontece em outros países, principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais barata que a nossa.
Conclusão
É claro que isso nunca será feito.  Isso significaria capitalismo genuíno.  Significaria cidadãos privados participando ativamente da riqueza gerada pela indústria petrolífera, e se beneficiando dela — algo proibido em arranjos socialistas como o que vigora no Brasil. 
Sem o estado participando ativamente do setor petrolífero, não mais seria possível ocorrer as manipulações, as indicações políticas e os jogos de favorecimento a companheiros no alto comando da Petrobras. 
Mas nenhum governo de nenhum partido fará esse tipo de reforma.  Imaginar que políticos irão voluntariamente abrir mão dos privilégios gerados pela Petrobras é tão lógico quanto imaginar que cupins irão voluntariamente abdicar da madeira. 
O governo é naturalmente formado por insaciáveis praticantes da espoliação pública.  Tais pessoas não apenas querem utilizar o dinheiro do petróleo para financiar seus próprios projetos eleitoreiros, como também querem ter o governo subsidiando esses seus buracos sem fundo.  Só nos resta aguentar.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Petrobras: sobre a sua defesa e contra os que a roubam...

Por uma vez, talvez a única em minha atividade pública, concordo, pelo menos em intenção, com o magalomaníaco do "nunca antes":

Lula diz que Petrobrás precisa ser defendida com 'unhas e dentes'


Mas, para que fique bem claro: a Petrobrás precisa realmente ser defendida, mas seria contra os bandidos que a assaltaram nos últimos anos.
Ou não é verdade que ela tinha uma capitalização de 340 bilhões de dólares, e que esse valor diminuiu para menos de 120 bilhões NO PERÍODO em que os companheiros estiveram na sua direção?
Por que o megalomaníaco não comenta esse dado, e diga por que, e contra quem a Petrobrás precisa ser defendida?
Paulo Roberto de Almeida

O Mensalao da Petrobras e a podridao dos companheiros

Tenho verdadeiro asco a tratar de certos assuntos, a exemplo de todas essas patifarias e ladroagens de alto coturno que veem sendo praticadas pelos companheiros no poder. Entendo que esse tipo de coisa nojenta deveria ficar restrita às páginas policiais, ou aos boletins eletrônicos da Cosa Nostra, à qual parecem pertencer todos esses personagens, que conspurcam este espaço, normalmente dedicado a assuntos mais elevados, e voltado para pessoas honestas.
Só o faço, entretanto por um dever moral e por um desencargo de consciência: entendo que todo cidadão consciente tem a obrigação de denunciar ao maior número esses exemplos de podridão na chamada nova classe, a Nomenklatura criminosa que usa o poder para corromper e para se enriquecer. Eles precisam ser expulsos do poder, pois estão destruindo qualquer conceito de nação. Repito: tenho nojo!
Paulo Roberto de Almeida

PetrobrasA marca da ruína vai ficar

 
Transformada em braço do partido, instrumento de política econômica e foco de corrupção, a Petrobras resistirá à gestão petista, mas vai demorar para recuperar a excelência
Mais que um retrato a óleo do Brasil, a Petrobras sempre foi o orgulho de todos os brasileiros. Não apenas mais um daqueles símbolos ufanistas sonoros e coloridos, de aves que por aqui gorjeiam e verdes inigualáveis, mas como ponta de lança do progresso, exemplo de meritocracia, laboratório de alta tecnologia, carreira dos sonhos dos jovens mais brilhantes e indutora do crescimento econômico. Há onze anos essa complexa e bilionária estrutura funciona sob o comando do PT, partido no governo, que detém o controle executivo e gerencial da empresa. Nem o mais ardoroso militante petista pode, em sã consciência, afirmar que a Petrobras está em melhores condições agora do que antes de 2002. Não há lente ideológica capaz de produzir hoje uma imagem animadora da Petrobras.
O consenso dos analistas da indústria petrolífera é que a Petrobras está soçobrando sob a bateria de abusos de que vem sendo vítima. É consenso também que o potencial da Petrobras é tão grande que, deixada em paz pelo governo, em pouco tempo retomará a trajetória que fez dela, no auge, uma das empresas petroleiras mais valiosas do mundo. Mas abusaram do aparelhamento político da Petrobras, transformando-a em uma fonte de escândalos de corrupção. A Petrobras foi feita de ferramenta para tentar corrigir erros absurdos de política econômica, sendo obrigada a amargar prejuízos bilionários para segurar os preços do diesel e da gasolina nas bombas e, assim, mascarar a inflação. O resultado é desastroso para a empresa e para o Brasil. Se não tivesse sido submetida a esse sacrifício, teria cumprido seu bilionário plano de investimentos, responsável por 1% do PIB brasileiro. As reportagens que se seguem narram histórias relacionadas a essa lenta demolição – que precisa ser estancada logo.
 

O plano era enriquecer 

Robson Bonin
 
O vice-presidente da Câmara, o petista André Vargas, e o doleiro Alberto Youssef, operador da quadrilha que atuava na Petrobras, associaram-se para fraudar contratos no governo – e, juntos, ganhar uma fortuna
 
O deputado federal André Vargas, do Paraná, é uma estrela petista em ascensão. Filho de um torneiro mecânico com uma dona de casa, filiou-se ao partido em 1990, elegeu-se vereador, deputado estadual e agora cumpre seu segundo mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, onde exerce o poderoso cargo de vice-presidente da Casa. Vargas é o típico casca-grossa, sempre pronto a servir aos líderes, aceitando toda sorte de trabalho sujo, desde que alinhado com o projeto de poder do PT. Como secretário nacional de Comunicação do partido, organizou a guerrilha petista na internet especializada em disseminar boatos falsos e difamar adversários. Esse grupo teve atuação destacada na eleição de Dilma Rousseff, em 2010. No Congresso, ele participou da ofensiva destinada a usar a CPI do Cachoeira para fustigar o Ministério Público e criminalizar o trabalho de jornalistas. Vargas é entusiasta do "controle social da mídia", um eufemismo para censura. Foi ele também o autor da molecagem de levantar o punho esquerdo em afronta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que visitava oficialmente o Congresso Nacional. Vargas disse que teve vontade de "dar uma cotovelada" em Barbosa. O desrespeito às normas mais básicas de educação e ao decoro parlamentar visavam a protestar contra a prisão dos criminosos pegos no escândalo do mensalão.
Vargas sonhava em ser presidente da Câmara no ano que vem. Mas a polícia tem planos diferentes para ele. Em sua edição passada, VEJA revelou que ele mantinha estreita relação com o doleiro Alberto Youssef, preso sob a acusação de comandar um esquema de lavagem de dinheiro pelo qual passaram cerca de 10 bilhões de reais, fortuna usada para azeitar as mais variadas modalidades de corrupção, inclusive propinas na Petrobras. Vargas chamava o doleiro de "irmão". Trocavam informações sobre programas do governo nos quais se abriam possibilidades de ganhar dinheiro sujo. Na terça-feira passada, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que Vargas pediu ao doleiro um jatinho para viajar com a família de férias – no que foi prontamente atendido. Pego em flagrante, alegou que pagara parte dos custos da viagem, orçada em 100 000 reais. Não, não pagou. Na sua ética folgazã, ele foi apenas "imprudente" ao pedir um favor ao doleiro preso. Mensagens interceptadas pela Polícia Federal revelam que o deputado André Vargas e o megadoleiro Alberto Youssef eram sócios em diversas operações de roubo de dinheiro público. Vargas passava a Youssef informações de dentro do governo, ajudando o sócio a localizar projetos nos quais eles pudessem enfiar a mão nos cofres públicos.
Vice-presidente da Câmara e "muito influente no partido", como ele mesmo se definiu na semana passada, Vargas era o homem certo no lugar certo para o esquema de corrupção. Foi desse ponto de observação privilegiado na estrutura de poder do PT que Vargas detectou no Ministério da Saúde uma excelente oportunidade de ganho para ele e o seu sócio doleiro, que, entre uma remessa ilegal de dólares e outra, também era, quem suspeitaria dessa vocação, dono de um laboratório farmacêutico. A mente criminosa da dupla planejou a parceria milionária entre o laboratório do doleiro, a Labogen Química Fina e Biotecnologia, e o Ministério da Saúde. Mas havia um problema, mesmo para um sócio "muito influente no partido". Escondida sob o nome imponente, a Labogen não podia propriamente ser chamada de laboratório. Era um negócio de fachada, com uma folha de pagamentos que mal chegava a 30000 reais por mês. Isso seria um impedimento definitivo para empreendedores menos engenhosos – mas não para a dupla petista e doleiro. A saída óbvia seria conseguir se associar a um laboratório de verdade e, assim, dar à fraude uma aparência de legalidade. Afinal, estavam em jogo contratos de fornecimento de remédios para o Ministério da Saúde da ordem de 150 milhões de reais. Uma das mensagens interceptadas pela Polícia Federal flagrou um momento mágico para a dupla: surgira o sócio que daria ares de honestidade ao golpe.
Em 19 de setembro de 2013, Vargas e Youssef conversavam sobre o contrato, ainda em estudo pelo Ministério da Saúde. O deputado relata a Youssef seu encontro com um dos integrantes do esquema, Pedro Argese, da Labogen: "Estamos mais fortes agora. Vi documento com Pedro. Ele estava no voo de volta de Brasília". Argese informou que estava praticamente acertada a parceria com a EMS, gigante farmacêutico especializado em medicamentos genéricos. Vargas mal escondia a euforia: "Bati um longo papo com Pedro, e ele estava com documento de parceria com a EMS". Youssef acrescenta: "Cara, estou trabalhando, fica tranquilo. Acredite em mim. Você vai ver quanto isso vai valer... Tua independência financeira e nossa também, é claro..." Impressionantes a abnegação e a dedicação ao trabalho da dupla, cujas habilidades se completam. Pena que o objetivo de tanta eficiência seja o enriquecimento pessoal pela subtração de dinheiro público que poderia ser usado para tratar pacientes no SUS, melhorar as condições dos sofridos hospitais públicos ou aumentar a oferta de leitos. Em vez disso, Vargas, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, "muito influente no partido", cuida de encher o próprio bolso e o do doleiro preso pela Polícia Federal.
No dia seguinte, 20 de setembro, as mensagens revelam que mesmo uma dupla tão trabalhadora encontra dificuldades. Diz Youssef: "Estou enforcado. Preciso de ajuda para captar... Tô no limite". Vargas fala em um certo João Procópio, que, segundo a PF, também é da Labogen. Youssef responde de maneira cifrada: "Sim. Esteve com ele, marcou alguns lugares, mas não andou. São Bernardo um deles...".
Diante da resposta, o homem "muito influente no partido" diz, resoluto: "Vou atuar". A máquina do governo andou em ritmo de Brasil grande. Naquele mesmo dia, técnicos do Ministério da Saúde foram destacados para certificar a Labogen.
 
- Youssef confirma: "Visita dos técnicos MS às 14h30. Te informo depois como foi".
- Vargas: "Legal".
- O doleiro: "Terminou a visita. Fomos bem. Temos que aguardar o relatório".
- Vargas: "Vamos cobrar. Preciso do retorno sobre a estruturação".
 
Se todos os ministérios funcionassem com tal presteza quando o assunto é de interesse público, o Brasil já estaria no primeiro mundo. Mas tudo indica que, infelizmente, o pessoal só se mexe para valer quando estão em jogo os interesses de gente "muito influente no partido". O resultado de tanta energia canalizada para atender Vargas e o doleiro foi que o grupo logo fechou a primeira Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) no Ministério da Saúde. O responsável pelo processo foi o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Carlos Augusto Gadelha. Logo depois da assinatura – que contou com a presença do então ministro e candidato petista ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha –, o homem da Labogen, Pedro Argese, mandou uma mensagem reproduzindo o que ouvira de Gadelha: "Ele falou: olha. informo a todos que, da minha parte, vamos dar todo apoio possível pra retomada da Labogen". Sabe-se lá que retomada é essa, mas, vindo a promessa de alto funcionário do governo responsável por "insumos estratégicos" e empenhado em "desenvolvimento produtivo", os brasileiros podem dormir tranquilos. Ou não? O "apoio" de Gadelha se materializou em um contrato inicial de 30 milhões de reais para a turma liderada pelo petista e pelo doleiro.
Confrontado com os fatos, André Vargas ainda tentou adiar um pouco seu encontro com a Justiça. Na semana passada, Youssef recebeu a visita de um emissário do deputado que tentava negociar seu silêncio. Vargas até mandou o recado: "Se eu cair, levo gente de cima". Já no Congresso, ele procurou se defender: "Quero deixar bem claro que não participei, não agendei. não soube previamente nem acompanhei desdobramentos de nenhuma reunião no ministério a respeito desse ou de qualquer outro assunto relacionado a negócios da Labogen", disse ele, imaginem, da tribuna da Câmara dos Deputados. Sua falta de apego à liturgia do cargo e aos bons modos é sobejamente conhecida, mas arrogância e mentiras não mudam os fatos. Coube ao próprio ex-ministro Alexandre Padilha desmascarar Vargas. Em nota de sua assessoria. Padilha relatou: "Especificamente sobre o deputado André Vargas, o ministro o escutou sobre o assunto e, como sempre disse a qualquer outro parlamentar, a respeito de qualquer projeto, informou das regras e requisitos técnicos que qualquer projeto deve obedecer". O advogado Antônio Figueiredo Basto, que representa o doleiro, reconhece que Vargas e Youssef são amigos, mas rechaça a acusação da polícia: "Não reconhecemos nenhuma sociedade entre os dois". As investigações da Polícia Federal encontraram indícios de envolvimento de mais gente interessada nos negócios do doleiro. Um deles seria o deputado Vicente Cândido (SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Ele aparece em uma conversa entre Vargas e Youssef: "E daí? Os demais assuntos? Vicente Cândido?", pergunta Vargas. O deputado conta que conheceu Youssef quando o doleiro fazia parte de uma comitiva oficial do governo brasileiro em viagem a Cuba. Em se tratando de pessoas tão "influentes no partido", devotadas à "justiça", aos "insumos estratégicos" e ao "desenvolvimento produtivo", seria altamente suspeito não aparecer Cuba na história.
 
"Ele pediu para olhar e eu olhei"
 
O deputado federal Vicente Cândido, do PT de São Paulo, é um parlamentar que, vez por outra, surge como personagem de uma história confusa. A última delas ocorreu no ano passado, quando ele procurou um conselheiro da Anatei e lhe ofereceu "honorários" em troca de uma mãozinha para aliviar a companhia Oi de multas que totalizavam 10 bilhões de reais. O conselheiro entendeu que era uma tentativa de suborno. Para o parlamentar, tratava-se apenas de um negócio entre advogados. Atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Vicente Cândido é citado em mensagens trocadas entre seu colega de partido e o doleiro.
 
O senhor conhece o doleiro Alberto Youssef?
 
Eu conheço o Youssef de vista. Encontrei com ele em Cuba há uns quatro ou seis anos, mais ou menos. Ele estava querendo fornecer alguma coisa lá para Cuba. Não me lembro se era na área de comunicação ou de correios. Ele foi numa delegação geral de empresários brasileiros, comandada pelo ministro Miguel Jorge, eu acho.
 
Foi a única vez?
 
Depois ele recepcionou um membro do governo cubano lá em São Paulo. Era um ministro da área de compras, eu acho. O Youssef queria vender carne para Cuba, se não me engano.
 
Mas qual era a relação entre vocês?
 
Ele também me pediu que olhasse um processo tributário de uma empresa de comunicação dele. Como sou advogado da área, dei uma analisada, falei que estava bem instruído, bem encaminhado, e ficou nisso.
 
Do que tratava esse processo?
 
Ele disse que tinha um dinheiro para receber nessa empresa, eu dei uma olhada no caso e disse que não tinha o que fazer. Era só aguardar o trâmite normal na Justiça. Eu era deputado, mas olhei esse caso como advogado.
 
Ele era amigo do senhor, então?
 
Não considero que tenho amizade com ele.
 
Mas o senhor costuma olhar processos e dar essa ajuda assim, para qualquer um?
 
Não dei ajuda, não trabalhei no processo, não tem contrato, nada. Ele pediu para olhar e eu olhei. Encontrei com ele nessa missão de empresários em Cuba, a gente ficou três dias juntos, ele viu que eu era deputado, e acabamos conversando. Foi um caso esporádico.
 
O deputado André Vargas levou algum pedido do senhor para ele?
 
Eu nem conhecia o André Vargas nessa época nem sabia que eles eram amigos. Nunca falei com o Youssef sobre o André. Não era amigo dele nessa época.
 
O senhor falou com Youssef no ano passado?
 
Não me lembro de ter encontrado com ele recentemente.
 
O senhor já pediu algum favor a ele?
 
Que eu me lembre, não.
 

Petrobras: O clube dos corruptos

Para fazerem negócios com a Petrobras, empresários precisavam pagar pedágio que variava de 300 000 a 500 000 reais
 
Rodrigo Rangel
 
Na gênese do mensalão, o maior escândalo de corrupção já investigado e julgado da história política do país, funcionários públicos escolhidos a dedo por partidos políticos se posicionavam estrategicamente na máquina federal com uma meta definida: arrecadar recursos entre fornecedores que tinham contratos com o governo. Eram as chamadas "fábricas de dinheiro"", assim definidas por Roberto Jefferson, o delator do esquema. Foi um vídeo gravado no interior de uma filial dessa rede clandestina – no caso, uma diretoria dos Correios – que acendeu o pavio que detonou o escândalo. Na esteira das investigações, a Petrobras chegou a aparecer como um dos nichos de negócio da azeitada engrenagem que alimentava políticos corruptos. Era de esperar que, com a descoberta do mensalão, os saqueadores se sentissem intimidados. Mas não foi o que ocorreu. Com o passar do tempo, a Petrobras, com seus contratos bilionários, virou um alvo preferencial, como se verá a seguir.
Para prestarem serviços ou venderem produtos à estatal, empresas precisavam se associar a um "clube", pagar uma taxa que variava de 300000 a 500000 reais e se comprometer a repassar uma parte do valor dos contratos para um caixa que era dividido entre intermediários do negócio, diretores da estatal e políticos. Um pedaço importante desse verdadeiro mapa do tesouro está fartamente documentado nos autos da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que há três semanas levou para a prisão o doleiro Alberto Youssef e o engenheiro Paulo Roberto Costa, o homem que, de 2003 a 2012, comandou a poderosa diretoria de abastecimento da Petrobras apoiado por uma constelação de políticos de partidos da base governista, como PP, PT e PMDB. Há tempos, empresários com atuação no setor de óleo e gás reclamam, reservadamente, das barreiras a ser vencidas por quem tenta fazer negócios com a maior empresa brasileira. Os relatos sempre envolviam a intermediação de lobistas que, em troca de "comissões", facilitavam o acesso ao cadastro de fornecedores da estatal. A polícia recolheu provas de que o "clube" não só existe mesmo como funciona nos moldes de uma empresa.
O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, dois personagens importantes dessa engrenagem, continuavam presos até a semana passada. Com eles, a polícia apreendeu documentos, planilhas e anotações que mostram como funcionava o esquema de arrecadação e distribuição de propina. O cargo que Paulo Roberto ocupou dava a ele o poder de decidir quando, como e de quem comprar suprimentos, máquinas e serviços. O doleiro Youssef, por sua vez, decidia quem poderia vender. Para isso, as empresas candidatas precisavam pagar um pedágio. Entre os achados da polícia, há uma firma chamada MO Consultoria, que só existe no papel, tem entre seus clientes grandes companhias, faturou 90 milhões de reais nos últimos cinco anos e pertence ao doleiro. O que ela fazia? Os investigadores não têm nenhuma dúvida: servia de fachada para a colheita do pedágio e de uma parte dos lucros do "clube" – e, em outra ponta, repassava esse dinheiro aos seus "clientes" finais.
Na lista dos "contribuintes", por exemplo, aparecem dois consórcios que trabalham nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, um projeto da estatal que começou com custo estimado em 2 bilhões de dólares e já torrou dez vezes mais. Há gigantes do setor de construção civil, como as empreiteiras EIT e Engevix. A campeã de contribuições, porém, é a Sanko-Sider, uma fornecedora de tubos de aço para obras da Petrobras. Ela repassou à MO Consultoria 24 milhões de reais entre 2009 e 2013. A companhia confirma ter feito as transferências e não esconde o fim: pagamento das comissões que o doleiro Youssef cobrava para fechar os negócios. "Nunca foi algo explícito, não posso dizer que fomos achacados, mas era fortemente recomendado contratar essa empresa", disse a VEJA Henrique Ferreira, um dos diretores da Sanko. "Se depois ele acendia charuto com nota de 100, já não era da nossa conta. A gente não faz ideia de para onde esse dinheiro ia", afirma o diretor.
Uma coisa é certa: após ser recolhido pelo doleiro, o dinheiro circulava – e não era para ser queimado em cinzeiros. As investigações da polícia apontam em várias direções, mas todas que apareceram até agora levam a um mesmo perfil de cliente: políticos e partidos. Nos documentos apreendidos com o doleiro, há pedidos de pagamento ao ex-deputado Pedro Corrêa, ex-líder do PP, um dos expoentes do mensalão, atualmente cumprindo pena de prisão. Há também depósitos para assessores de deputados menos expressivos, como Luiz Argolo (BA), que saiu recentemente do PP. Numa troca de mensagens com um interlocutor identificado como LA – os investigadores suspeitam tratar-se do próprio deputado –, Alberto Youssef confirma a transferência de 120 (seriam 120 000 reais) para a conta de um assessor de Argôlo. Em uma mensagem para o doleiro. o tal LA cobra: "Me dá notícia o que vc tem pra depositar hj. Tenho vários compromissos". O deputado Luiz Argôlo não foi encontrado.
Há na relação de beneficiários parentes e até um assessor de ministro. Adarico Negromonte, irmão do deputado Mário Negromonte (PP-BA), ex-ministro das Cidades do governo Dilma e um dos líderes do partido, frequentava semanalmente o escritório de Youssef. Para quê? "Eu ia lá para visitar um amigo", explica Adarico. "Só vi Youssef uma vez na vida", diz Mário Negromonte. Na lista de pagamentos do doleiro há um repasse de 20 000 reais para José YVilde Cabral, assessor especial do ministro Garibaldi Alves, da Previdência. Os documentos mostram que Youssef também funcionava como uma espécie de administrador de caixa eleitoral. Por ele passaram doações de empreiteiras a deputados – entre eles Nelson Meurer (PP-PR) e Aline Corrêa (PP-SP) – e a diretórios do PP e do PMDB, por exemplo. Há pagamentos, ainda, para uma empresa de Brasília cujo sócio é um ex-assessor do PT e por cujas contas transitaram, entre julho de 2011 e fevereiro de 2012, nada menos que 19 milhões de reais. Dinheiro que era sacado na boca do caixa e distribuído em Brasília em envelopes pardos. Dinheiro, portanto, que não era para ser rastreado. Note-se que os políticos e seus assessores que apareceram até agora nas investigações policiais integram os quadros do PP. do PMDB e do PT – não por coincidência o consórcio de partidos que indicou e manteve por nove anos Paulo Roberto Costa no cargo de diretor da Petrobras. O engenheiro, aliás, tinha em casa 1,2 milhão de reais quando foi preso. Com reportagem de Hugo Marques e Adriano Ceolin
 

Ação entre amigos 

Hugo Marques
 
Em depoimento, o mensaleiro Marcos Valério revelou que a Petrobras foi usada para financiar negócios do PT
 
Em 2003, o governo foi alvo de uma chantagem. O empresário Ronan Maria Pinto ameaçou, não se sabe exatamente com que trunfo, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho. e o próprio presidente Lula. O enredo girava em torno do até hoje misterioso assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel. Para guardar os segredos que dizia ter, o empresário exigia 6 milhões de reais em dinheiro. O suborno se consumou da seguinte maneira: acionado para resolver o problema, um amigo do presidente da República contraiu um empréstimo bancário. Simultaneamente, usou sua influência e o poder a ele outorgado para conseguir que uma construtora ligada ao mesmo grupo empresarial do banco ampliasse alguns de seus contratos com a Petrobras, simulando uma prestação de serviços no mesmo valor do empréstimo. Ou seja, a estatal pagou o chantagista de maneira indireta – negócio perfeito, sem deixar vestígios, prejudicial à empresa e, acima de tudo, criminoso.
Os detalhes dessa triangulação estão sendo investigados pelo Ministério Público e foram revelados em depoimento prestado à Procuradoria da República pelo mensaleiro Marcos Valério. Segundo ele, o pecuarista José Carlos Bumlai, o amigo do presidente, executou a operação. Ele articulou pessoalmente com a direção da Petrobras a ampliação de um contrato que a estatal mantinha com a construtora Schahin. Pelo acordo, a Petrobras alugaria equipamentos de prospecção de petróleo da construtora e embutiria no contrato o valor do empréstimo. Dessa forma, os 6 milhões de reais teriam sido repassados da Petrobras para a construtora Schahin e, dela, para o banco Schahin, como compensação da dívida. O negócio foi bom para o PT, que conseguiu contornar um escândalo logo no início do governo Lula; foi bom para o chantagista, que usou o dinheiro para comprar o jornal que investigava o envolvimento de petistas no assassinato do prefeito; e foi bom para o pecuarista, cuja lealdade ao presidente foi recompensada com credenciais que lhe davam acesso irrestrito ao Palácio do Planalto e lhe abriram portas para outros negócios. A Petrobras e seus acionistas arcaram com o prejuízo.
A tramoia, de acordo com Marcos Valério, só foi possível por causa da influência política que o PT mantinha na Petrobras. Além da presidência, o partido controlava três das mais importantes diretorias da estatal – a internacional, a de serviços e a de exploração e produção. Foi exatamente dentro dessa última diretoria que o negócio envolvendo a construtora Schahin e o banco Schahin teria sido planejado. José Carlos Bumlai, o emissário do partido, articulou toda a operação, segundo o mensaleiro, com o ex-diretor Guilherme Estrella, que ocupou o cargo até 2012 por indicação do partido. A Petrobras não quis comentar a denúncia. O grupo Schahin e o pecuarista Bumlai dizem que essa operação não existiu.
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...e a PF as encontrou. O que os papéis de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso, revelam sobre o esquema de corrupção na estatal.
 
Diego Escosteguy e Marcelo Rocha
 
Desde que a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, o ex-executivo mais poderoso da Petrobras, há duas semanas, Brasília não dorme. Dezenas de grandes empresários, entre eles diretores das maiores empreiteiras do país e das gigantes mundiais do comércio de combustíveis, todas com negócios na Petrobras, também não. Paulo Roberto Costa era diretor de Abastecimento da Petrobras entre 2004 e 2012. Era bancado no cargo por um consórcio entre PT, PMDB e PP, com o aval direto do ex-presidente Lula, que o chamava de "Paulinho". Paulo Roberto Costa detém muitos dos segredos da República - aqueles que nascem da união entre o interesse de empresários em ganhar dinheiro público e do interesse de políticos em cedê-lo, mediante aquela taxa conhecida vulgarmente como propina. E se Paulo Roberto fosse descuidado e guardasse provas desses segredos? E se, uma vez descobertas pela PE elas viessem a público? Pois Paulo Roberto guardou. Tentava destruí-las quando a Polícia Federal chegou a sua casa, há duas semanas. Mas não conseguiu se livrar de todas a tempo.
ÉPOCA obteve cópia, com exclusividade, dos principais documentos desse lote. Foram apreendidos nos endereços de Paulo Roberto no Rio de laneiro, onde ele mora. Esses documentos — e outros que faziam parte da denúncia que levou Paulo Roberto à cadeia e ainda não tinham vindo a público -parecem confirmar os piores temores de Brasília. Paulo Roberto e o doleiro Alberto Youssef, também preso pela PF e parceiro dele, acusado de toda sorte de crime financeiro na Operação Lava lato, eram meticulosos. Guardavam registros pormenorizados de suas operações financeiras, sem sequer recorrer a códigos. Era tudo em português claro, embora gramaticalmente sofrível. Anotavam os nomes de lobistas e empresários, quase sempre os associavam a negócios e a valores em dólares, euros e reais. Os registros continham até explicações técnicas e financeiras das operações. Os valores milionários mencionados nos documentos, suspeita a PF - uma suspeita confirmada por três envolvidos ouvidos por ÉPOCA referem-se a propinas pagas pelas empresas, nacionais e estrangeiras, que detinham contratos com a área da Petrobras comandada por Paulo Roberto. Os papéis já analisados pela PF (há muitos outros que ainda serão periciados) sugerem que as maiores empreiteiras do país e as principais vendedoras de combustível do planeta pagavam comissão para fazer negócio com a Petrobras.
Para compreender o esquema, cuja vastidão apenas começa a ser desvendada pela PF, é necessário entender a função desempenhada por cada um dos principais integrantes dele. Como diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto fechava, entre outros, contratos de construção e reforma de refinarias (do interesse das empreiteiras brasileiras) e de importação de combustível (do interesse das multinacionais que vendem derivados de petróleo). Paulo Roberto assinava os contratos, mas devia, em muitos momentos, fidelidade aos três partidos que 0 bancavam no cargo (PT, PP e PMDB). Paulo Roberto garantia a Petrobras; lobistas como Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e Jorge Luz, ligado ao PT e ao PMDB, cujos nomes aparecem nos papéis apreendidos, garantiam as oportunidades de negócio com as grandes fornecedoras da Petrobras - e, suspeita a PF, garantiam também possíveis repasses aos políticos desses partidos. Para a PF, a Youssef cabia cuidar do dinheiro. Segundo envolvidos, essa tarefa também cabia a Humberto Sampaio de Mesquita, conhecido como Beto, genro de Paulo Roberto. Ele o ajudava nos negócios e é sócio de uma empresa que tem contrato de R$ 2,5 milhões com a Petrobras. Eram uma espécie de banco do esquema, ao providenciar empresas de fachada para receber as propinas no Brasil e nos paraísos fiscais, ao gerenciar as contas secretas e a contabilidade e ao pagar no Brasil, quando necessário, a quem de direito.
Essa divisão de tarefas funcionou por muito tempo. E, suspeita a PF, enriqueceu essa turma. Entre os documentos que serviram de base para a prisão de Paulo Roberto, ÉPOCA revela com exclusividade as planilhas com pagamentos de grandes empreiteiras brasileiras à MO Consultoria, uma das empresas de fachada de Youssef. Foram feitos enquanto Paulo Roberto ainda estava no cargo, celebrando ou renegociando contratos com algumas dessas empreiteiras, responsáveis por construir refinarias no Brasil, notadamente a Abreu e Lima, em Pernambuco. Além de pagamentos da Camargo Corrêa e da Sanko, que já vieram a público, as planilhas revelam, de acordo com as suspeitas da PF, transferências milionárias de OAS, Galvão Engenharia e Jaraguá. No total, a PF identificou até o momento cerca de R$ 31 milhões em "pagamento com suspeita de ilicitude". Algumas dessas empreiteiras ganharam grandes contratos nas refinarias enquanto Paulo Roberto era diretor. A Jaraguá, conforme revelou ÉPOCA, foi a maior doadora da campanha dos deputados do PP em 2010.
Em 2012, quando Paulo Roberto foi demitido, tudo mudou. A presidente DilmaRousseff e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, nunca suportaram Paulo Roberto. Segundo interlocutores próximos das duas, ambas enfrentaram dificuldades para apeá-lo do cargo. Para ter uma noção da relevância da Petrobras na política do país, Dilma e Graça não tiveram força suficiente para nomear o sucessor de Paulo Roberto. No lugar dele, por indicação do PMDB, ficou José Carlos Cosenza, número dois de Paulo Roberto e homem de sua confiança. Nesse momento, os documentos apreendidos sugerem que o esquema tenha começado a enfrentar problemas. Tal versão é confirmada por cinco pessoas com conhecimento dessas operações, entre integrantes desse grupo, lobistas e deputados que sustentavam Paulo Roberto.
É sob essa luz que podem ser interpretados alguns dos documentos mais valiosos apreendidos pela PF com Paulo Roberto. Trata-se dos relatórios mensais entregues por "Beto" a Paulo Roberto. Para a PF, "Beto" é Alberto Youssef. Segundo outros envolvidos, "Beto" é Humberto, genro de Paulo Roberto. Os documentos são uma espécie de extrato de conta-corrente preparado por Youssef, que funciona como um "banquinho". Em vez de siglas incompreensíveis e taxas abusivas, aparecem neles não apenas valores atribuídos a depósitos e retiradas das contas, mas também o contexto das operações. Procurado por ÉPOCA, Humberto Mesquita afirmou que estava no trânsito e não poderia falar. "Não tenho nada a ver com isso, amigo", disse.
Os relatórios de 2013 (leia acima) sugerem que "Beto", seja ele o genro ou o doleiro, e Paulo Roberto gradualmente se afastavam. No mesmo momento, Youssef montava uma nova estrutura financeira para Paulo Roberto no exterior, com empresas de fachada offshore. Youssef buscava fechar contas nos paraísos fiscais que recebiam dinheiro de multinacionais. Apesar da saída de Paulo Roberto da Petrobras, contribuições ainda eram pagas - pois alguns dos contratos seguiam valendo. Ao fechar as contas que comandava em nome de Paulo Roberto - e das quais, suspeita a PF, retirava uma comissão -, Youssef montava uma operação independente para Paulo Roberto, com empresas de fachada offshore e outras contas secretas.
Em maio de 2013, segundo o relatório, Youssef ainda comandava quatro contas secretas em conjunto com Paulo Roberto: uma no banco UBS de Luxemburgo; outra no banco Lombard Odier, na Suíça; uma terceira no banco Itaú, não se sabe em que país; e a última no banco RBC, nas Ilhas Cayman. O relatório não é exato sobre o valor acumulado nessas contas. Somando apenas o saldo de algumas delas com os depósitos pagos naquele momento pelas empresas com negócios na Petrobras, chega-se ao total de US$ 3,7 milhões. A conta com maior saldo — US$ 2,42 milhões - está no RBC das Ilhas Cayman. A conta no Itaú referia-se, segundo o relatório, à empreiteira Alusa e tinha saldo de R$ 127.400 em agosto de 2011, quando Paulo Roberto estava na Petrobras. A Alusa firmou contratos de R$ 3,5 bilhões com a Petrobras nos últimos anos. O maior deles, de R$ 1,5 bilhão, foi firmado em 2010. Em 2008, a Alusa fechara um contrato de R$ 966 milhões para fazer obras na Refinaria Abreu e Lima.
Segundo "Beto" afirma nos documentos, a conta no UBS de Luxemburgo fora aberta em nome da empresa de fachada BS Consulting, com o propósito principal de receber dinheiro da GB Maritime, empresa que intermedeia o aluguel de navios para a Petrobras -área de Paulo Roberto. Naquele ano, a conta no UBS recebera US$ 560 mil da GB Maritime - o valor variava mês a mês, diz "Beto" nos documentos, em razão dos dias parados dos navios. "Beto" afirma que já dissera aos "gregos" que, a partir daquele momento, os depósitos na conta do UBS seriam apenas relativos à parte de Paulo Roberto; o que coubesse ainda a ele deveria ser pago em outra conta. Sugere ainda transferir a BS Consulting para o nome de Paulo Roberto. Quem são os gregos? Um é chamado de "Konstantinos". O outro de "Georgeus". A PF suspeita - e executivos da Petrobras corroboram essa suspeita - de que se trata de Georgios Kotronakis, um dos diretores da GB Maritime, que já trabalhou na Petrobras, e do pai dele, o cônsul honorário da Grécia no Brasil há mais de 30 anos, Konstantinos Kotronakis.
Konstantinos afirma que conheceu Paulo Roberto há seis anos, devido aos negócios da Petrobras com armadores gregos. "Inclusive fui muitas vezes à Petrobras tratar de navios, é tudo normal. Tenho de incentivar negócios entre Brasil e Grécia", diz. "O diretor costumava ir a cada dois anos a um evento de armadores de navios na Grécia."
De acordo com os registros de "Beto", a conta no UBS de Luxemburgo também recebia dinheiro da Glencore Trading, uma das maiores vendedoras de derivados de petróleo do mundo. A Petrobras compra muito dela. Naquele mês de maio, o depósito da Glencore, segundo o relatório, foi módico: US$ 9.973,29. "Só houve um negócio realizado", escreveu "Beto". A Petrobras também compra muito do combustível vendido no Brasil da Trafigura, a maior empresa independente de vendas de petróleo e minério do mundo. Ela tem escritório em 58 países e faturou em 2013 o equivalente a US$ 113 bilhões. No ano passado, seu lucro foi de US$ 2,2 bilhões, resultado influenciado pelos bons negócios que mantém no Brasil.
Os volumes atribuídos à Trafigura no relatório são bem maiores. Na posição consolidada em maio, Paulo Roberto tinha um saldo de US$ 446.800 e € 52.800 com a Trafigura. No caso da Trafigura, a conta que aparece está no banco Lombard Odier de Genebra. Segundo as investigações da PR o saldo deve-se sobretudo à compra de combustível da Trafigura. Naquele momento, o relatório diz que a Trafigura ainda tinha de pagar pelo contrato que a Petrobras tinha de aluguel de um terminal de tancagem de combustível em Suape, Pernambuco.
No relatório, "Beto" reclama da Trafigura. "Está inadimplente em 2013", escreveu. "Estou cobrando o Mariano. Disse que resolveu, mas ainda não tive confirmação do banco." Mariano, segundo as investigações, é Mariano Marcondez Ferraz, um brasileiro que ascendeu velozmente na hierarquia da Trafigura ao garantir contratos da empresa na África, sobretudo em Angola. Foi recentemente alçado à diretoria da empresa.
"Beto" não cuidava sozinho das relações com a Trafigura e da conta em Genebra. Aqui, segundo ele, entram o lobista Jorge Luz e seu filho, Bruno Luz - ambos o ajudavam. Jorge Luz é um dos mais antigos lobistas da Petrobras. No governo Lula, construiu boas relações com chefes do PMDB e do PT. No PMDB, é próximo do senador Jader Barbalho e do empresário Álvaro Jucá, irmão do senador Romero Jucá, dono de uma empresa que tem contratos na Petrobras. Também tinha boas relações com o presidente do Senado, Renan Calheiros. No PT, é ligado ao deputado Cândido Vaccarezza, um dos expoentes da ala conhecida como "PMDB do PT", que inclui os deputados André Vargas, José Mentor e Vander Loubet - um grupo que ainda tem influência na Petrobras, por meio de indicações políticas na BR Distribuidora, subsidiária da empresa. O que todos esses políticos têm em comum? O medo de uma CPI da Petrobras. Por isso atuam energicamente para derrubá-la.
A eficiência de Jorge Luz e "Beto" é inquestionável. Meses depois, em setembro de 2013, "Beto" informa, em novo relatório a Paulo Roberto, que a "inadimplência" da Trafigura foi resolvida. De US$ 446.800, o saldo da conta sobe para US$ 800 mil. "Depois de muita insistência e cobrança minha, o Mariano acertou o primeiro semestre de 2013", escreve. "Beto" aconselha Paulo Roberto a manter Bruno Luz, que assume os negócios do pai, como responsável diante da Trafigura. Naquele mês, ele afirma que, de todos os negócios de que eles se desfaziam, faltavam apenas aquelas duas contas - a conta que recebia dinheiro da Trafigura e a conta que recebia dinheiro da GB Maritime. "Se fosse possível resolver este ano (as duas últimas contas) seria bom, pois acabaria esta questão de relatório e, principalmente, não teria mais nada seu comigo", escreve no relatório.
O Range Rover que Youssef comprou para Paulo Roberto deve ser atribuído, de acordo com as investigações, a esse acerto de contas. Não se trata de um presente. Trata-se de dinheiro dele, Paulo Roberto, que tinha saldo no "banquinho" de Youssef. Apesar de liquidar as operações que tinha com Paulo Roberto, Youssef criou para ele, em 21 de abril do ano passado, uma empresa offshore no Panamá: a Sunset Global. Os documentos de constituição da offshore foram encontrados no escritório de Youssef e obtidos por ÉPOCA (leia na página 35). A mulher de Paulo Roberto, Marici da Silva Azevedo Costa, representa o marido na offshore. Com Youssef, a PF também apreendeu um instrumento particular por meio do qual a Sunset Global compra uma bela casa em Mangaratiba, no Rio. A casa custava R$ 3,2 milhões. A PF ainda não sabe se a operação foi feita. Sabe apenas que Youssef pretendia bancá-la, com dinheiro do próprio Paulo Roberto - uma maneira de esquentar os recursos.
Em depoimento à PF, Paulo Roberto nega qualquer irregularidade. Afirmou que conhecia o doleiro Youssef "quando ainda estava em atividade na Petrobras, mas apenas após sua aposentadoria (em abril de 2012) foi procurado por Youssef para prestação de serviço de consultoria no mercado futuro". Paulo Roberto insistiu ter recebido de Youssef o carrão somente por ter "prestado serviços". E Paulo Roberto produziu, durante a consultoria, algum tipo de relatório ou documento para Youssef? Ele respondeu que "a consultoria teria se dado principalmente por meio de reuniões presenciais e debates verbais".
Como acontece em investigações desse tipo, o essencial é seguir o caminho do dinheiro. Nesse caso, seguir o dinheiro recebido e pago por Youssef. No Congresso, Youssef é tido como "banquinho" de vários políticos. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que André Vargas pegou carona num jatinho fretado por Youssef. O deputado se enrolou todo para explicar a relação com ele. Não é o único deputado que goza da amizade de Youssef. Segundo o depoimento de Leonardo Meireles, que trabalhava com Youssef e fez um acordo de delação premiada com a PF, Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro e deputado do PP Mário Negromonte, trabalhava no escritório de Youssef em São Paulo. Outros depoimentos confirmam o bico do irmão do ministro.
Seguindo o caminho do dinheiro de Youssef, a PF e uma possível CPI chegarão não apenas ao passado da Petrobras, mas também ao presente. Em 19 de setembro de 2012, a Investminas, do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos, conhecido como PP, depositou R$ 4,3 milhões na conta da MO Consultoria - empresa de fachada usada pelo doleiro Youssef (leia acima). Por que isso é relevante? ÉPOCA mostrou, na semana passada, como PP, secretário de Assuntos Estratégicos no governo de Fernando Collor de Mello, intermedeia negócios envolvendo a BR Distribuidora. PP defende interesses de Collor e de políticos petistas - como o deputado André Vargas — que indicaram dirigentes para a empresa.
Descobriu-se, também na semana passada, que os tentáculos de PP e de seus sócios se estendem para além da área do petróleo. Em parceria com o governo federal, por meio da elétrica Furnas, empresas ligadas a PP arremataram um leilão para administrar a Usina de Três Irmãos, em São Paulo. A revelação dos sócios do fundo que se juntou a Furnas só ocorreu dias depois da concorrência. No dia do leilão, ninguém sabia quem estava por trás das empresas. O TCU suspendeu a assinatura do contrato atendendo a um pedido do governo paulista. Um dos sócios de PP na empreitada chama-se João Mauro Boschiero, colega de PP no governo Collor e número dois nas empresas de PP.
Todos os caminhos convergem para Youssef. As investigações da PF na Operação Lava Jato revelaram que Boschiero era próximo de Youssef. Boschiero foi flagrado em escutas telefônicas sugerindo que duas pessoas apagassem e-mail, também encaminhado a PP, sobre o laboratório Labogen, que tem Youssef como sócio oculto. "Pedro e Leonardo (além de todos os outros que receberam os e-mails abaixo). Deletem-no urgentemente. As citações que foram feitas derrubam nosso projeto", afirmou. O Labogen, que contava com laranjas de Youssef, estava prestes a firmar um contrato com o Ministério da Saúde para fornecimento de remédios. Boschiero, segundo o advogado de Youssef, é diretor do Labogen.
A Sanko informou que as datas e os valores de contratos não podem ser fornecidos, por questões de confidencialidade. A MO, segundo a Sanko, foi contratada para a execução de trabalhos técnicos, e a GFD para representação comercial. "Não vendemos diretamente à Petrobras nem a empresas estatais, mas a empresas e consórcios privados, que com frequência utilizam os tubos e conexões que lhes são fornecidos para obras da Petrobras." A Sanko não revela o nome de seus clientes. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Alusa Engenharia afirma que jamais fez repasses ou recebeu recursos de Paulo Roberto. "A empresa rechaça qualquer ligação com esse senhor." Afirma, também, não ter relação comercial ou pessoal com Youssef. O grupo GPI, do empresário PP, informou que não se manifestaria até que seus advogados tenham acesso às informações em poder da PF. Galvão Engenharia, Jaraguá, OAS e Trafigura não responderam até o fechamento desta edição. A Petrobras preferiu não se manifestar.
Diante de um esquema dessa magnitude, como alguém em Brasília poderia dormir?
Com Murilo Ramos, Hudson Corrêa e Leandro Loyola