Transformada em braço do partido, instrumento de política econômica e foco de corrupção, a Petrobras resistirá à gestão petista, mas vai demorar para recuperar a excelência
Mais que um retrato a óleo do Brasil, a Petrobras sempre foi o orgulho de todos os brasileiros. Não apenas mais um daqueles símbolos ufanistas sonoros e coloridos, de aves que por aqui gorjeiam e verdes inigualáveis, mas como ponta de lança do progresso, exemplo de meritocracia, laboratório de alta tecnologia, carreira dos sonhos dos jovens mais brilhantes e indutora do crescimento econômico. Há onze anos essa complexa e bilionária estrutura funciona sob o comando do PT, partido no governo, que detém o controle executivo e gerencial da empresa. Nem o mais ardoroso militante petista pode, em sã consciência, afirmar que a Petrobras está em melhores condições agora do que antes de 2002. Não há lente ideológica capaz de produzir hoje uma imagem animadora da Petrobras.
O consenso dos analistas da indústria petrolífera é que a Petrobras está soçobrando sob a bateria de abusos de que vem sendo vítima. É consenso também que o potencial da Petrobras é tão grande que, deixada em paz pelo governo, em pouco tempo retomará a trajetória que fez dela, no auge, uma das empresas petroleiras mais valiosas do mundo. Mas abusaram do aparelhamento político da Petrobras, transformando-a em uma fonte de escândalos de corrupção. A Petrobras foi feita de ferramenta para tentar corrigir erros absurdos de política econômica, sendo obrigada a amargar prejuízos bilionários para segurar os preços do diesel e da gasolina nas bombas e, assim, mascarar a inflação. O resultado é desastroso para a empresa e para o Brasil. Se não tivesse sido submetida a esse sacrifício, teria cumprido seu bilionário plano de investimentos, responsável por 1% do PIB brasileiro. As reportagens que se seguem narram histórias relacionadas a essa lenta demolição – que precisa ser estancada logo.
Robson Bonin
O vice-presidente da Câmara, o petista André Vargas, e o doleiro Alberto Youssef, operador da quadrilha que atuava na Petrobras, associaram-se para fraudar contratos no governo – e, juntos, ganhar uma fortuna
O deputado federal André Vargas, do Paraná, é uma estrela petista em ascensão. Filho de um torneiro mecânico com uma dona de casa, filiou-se ao partido em 1990, elegeu-se vereador, deputado estadual e agora cumpre seu segundo mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, onde exerce o poderoso cargo de vice-presidente da Casa. Vargas é o típico casca-grossa, sempre pronto a servir aos líderes, aceitando toda sorte de trabalho sujo, desde que alinhado com o projeto de poder do PT. Como secretário nacional de Comunicação do partido, organizou a guerrilha petista na internet especializada em disseminar boatos falsos e difamar adversários. Esse grupo teve atuação destacada na eleição de Dilma Rousseff, em 2010. No Congresso, ele participou da ofensiva destinada a usar a CPI do Cachoeira para fustigar o Ministério Público e criminalizar o trabalho de jornalistas. Vargas é entusiasta do "controle social da mídia", um eufemismo para censura. Foi ele também o autor da molecagem de levantar o punho esquerdo em afronta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que visitava oficialmente o Congresso Nacional. Vargas disse que teve vontade de "dar uma cotovelada" em Barbosa. O desrespeito às normas mais básicas de educação e ao decoro parlamentar visavam a protestar contra a prisão dos criminosos pegos no escândalo do mensalão.
Vargas sonhava em ser presidente da Câmara no ano que vem. Mas a polícia tem planos diferentes para ele. Em sua edição passada, VEJA revelou que ele mantinha estreita relação com o doleiro Alberto Youssef, preso sob a acusação de comandar um esquema de lavagem de dinheiro pelo qual passaram cerca de 10 bilhões de reais, fortuna usada para azeitar as mais variadas modalidades de corrupção, inclusive propinas na Petrobras. Vargas chamava o doleiro de "irmão". Trocavam informações sobre programas do governo nos quais se abriam possibilidades de ganhar dinheiro sujo. Na terça-feira passada, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que Vargas pediu ao doleiro um jatinho para viajar com a família de férias – no que foi prontamente atendido. Pego em flagrante, alegou que pagara parte dos custos da viagem, orçada em 100 000 reais. Não, não pagou. Na sua ética folgazã, ele foi apenas "imprudente" ao pedir um favor ao doleiro preso. Mensagens interceptadas pela Polícia Federal revelam que o deputado André Vargas e o megadoleiro Alberto Youssef eram sócios em diversas operações de roubo de dinheiro público. Vargas passava a Youssef informações de dentro do governo, ajudando o sócio a localizar projetos nos quais eles pudessem enfiar a mão nos cofres públicos.
Vice-presidente da Câmara e "muito influente no partido", como ele mesmo se definiu na semana passada, Vargas era o homem certo no lugar certo para o esquema de corrupção. Foi desse ponto de observação privilegiado na estrutura de poder do PT que Vargas detectou no Ministério da Saúde uma excelente oportunidade de ganho para ele e o seu sócio doleiro, que, entre uma remessa ilegal de dólares e outra, também era, quem suspeitaria dessa vocação, dono de um laboratório farmacêutico. A mente criminosa da dupla planejou a parceria milionária entre o laboratório do doleiro, a Labogen Química Fina e Biotecnologia, e o Ministério da Saúde. Mas havia um problema, mesmo para um sócio "muito influente no partido". Escondida sob o nome imponente, a Labogen não podia propriamente ser chamada de laboratório. Era um negócio de fachada, com uma folha de pagamentos que mal chegava a 30000 reais por mês. Isso seria um impedimento definitivo para empreendedores menos engenhosos – mas não para a dupla petista e doleiro. A saída óbvia seria conseguir se associar a um laboratório de verdade e, assim, dar à fraude uma aparência de legalidade. Afinal, estavam em jogo contratos de fornecimento de remédios para o Ministério da Saúde da ordem de 150 milhões de reais. Uma das mensagens interceptadas pela Polícia Federal flagrou um momento mágico para a dupla: surgira o sócio que daria ares de honestidade ao golpe.
Em 19 de setembro de 2013, Vargas e Youssef conversavam sobre o contrato, ainda em estudo pelo Ministério da Saúde. O deputado relata a Youssef seu encontro com um dos integrantes do esquema, Pedro Argese, da Labogen: "Estamos mais fortes agora. Vi documento com Pedro. Ele estava no voo de volta de Brasília". Argese informou que estava praticamente acertada a parceria com a EMS, gigante farmacêutico especializado em medicamentos genéricos. Vargas mal escondia a euforia: "Bati um longo papo com Pedro, e ele estava com documento de parceria com a EMS". Youssef acrescenta: "Cara, estou trabalhando, fica tranquilo. Acredite em mim. Você vai ver quanto isso vai valer... Tua independência financeira e nossa também, é claro..." Impressionantes a abnegação e a dedicação ao trabalho da dupla, cujas habilidades se completam. Pena que o objetivo de tanta eficiência seja o enriquecimento pessoal pela subtração de dinheiro público que poderia ser usado para tratar pacientes no SUS, melhorar as condições dos sofridos hospitais públicos ou aumentar a oferta de leitos. Em vez disso, Vargas, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, "muito influente no partido", cuida de encher o próprio bolso e o do doleiro preso pela Polícia Federal.
No dia seguinte, 20 de setembro, as mensagens revelam que mesmo uma dupla tão trabalhadora encontra dificuldades. Diz Youssef: "Estou enforcado. Preciso de ajuda para captar... Tô no limite". Vargas fala em um certo João Procópio, que, segundo a PF, também é da Labogen. Youssef responde de maneira cifrada: "Sim. Esteve com ele, marcou alguns lugares, mas não andou. São Bernardo um deles...".
Diante da resposta, o homem "muito influente no partido" diz, resoluto: "Vou atuar". A máquina do governo andou em ritmo de Brasil grande. Naquele mesmo dia, técnicos do Ministério da Saúde foram destacados para certificar a Labogen.
- Youssef confirma: "Visita dos técnicos MS às 14h30. Te informo depois como foi".
- Vargas: "Legal".
- O doleiro: "Terminou a visita. Fomos bem. Temos que aguardar o relatório".
- Vargas: "Vamos cobrar. Preciso do retorno sobre a estruturação".
Se todos os ministérios funcionassem com tal presteza quando o assunto é de interesse público, o Brasil já estaria no primeiro mundo. Mas tudo indica que, infelizmente, o pessoal só se mexe para valer quando estão em jogo os interesses de gente "muito influente no partido". O resultado de tanta energia canalizada para atender Vargas e o doleiro foi que o grupo logo fechou a primeira Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) no Ministério da Saúde. O responsável pelo processo foi o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Carlos Augusto Gadelha. Logo depois da assinatura – que contou com a presença do então ministro e candidato petista ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha –, o homem da Labogen, Pedro Argese, mandou uma mensagem reproduzindo o que ouvira de Gadelha: "Ele falou: olha. informo a todos que, da minha parte, vamos dar todo apoio possível pra retomada da Labogen". Sabe-se lá que retomada é essa, mas, vindo a promessa de alto funcionário do governo responsável por "insumos estratégicos" e empenhado em "desenvolvimento produtivo", os brasileiros podem dormir tranquilos. Ou não? O "apoio" de Gadelha se materializou em um contrato inicial de 30 milhões de reais para a turma liderada pelo petista e pelo doleiro.
Confrontado com os fatos, André Vargas ainda tentou adiar um pouco seu encontro com a Justiça. Na semana passada, Youssef recebeu a visita de um emissário do deputado que tentava negociar seu silêncio. Vargas até mandou o recado: "Se eu cair, levo gente de cima". Já no Congresso, ele procurou se defender: "Quero deixar bem claro que não participei, não agendei. não soube previamente nem acompanhei desdobramentos de nenhuma reunião no ministério a respeito desse ou de qualquer outro assunto relacionado a negócios da Labogen", disse ele, imaginem, da tribuna da Câmara dos Deputados. Sua falta de apego à liturgia do cargo e aos bons modos é sobejamente conhecida, mas arrogância e mentiras não mudam os fatos. Coube ao próprio ex-ministro Alexandre Padilha desmascarar Vargas. Em nota de sua assessoria. Padilha relatou: "Especificamente sobre o deputado André Vargas, o ministro o escutou sobre o assunto e, como sempre disse a qualquer outro parlamentar, a respeito de qualquer projeto, informou das regras e requisitos técnicos que qualquer projeto deve obedecer". O advogado Antônio Figueiredo Basto, que representa o doleiro, reconhece que Vargas e Youssef são amigos, mas rechaça a acusação da polícia: "Não reconhecemos nenhuma sociedade entre os dois". As investigações da Polícia Federal encontraram indícios de envolvimento de mais gente interessada nos negócios do doleiro. Um deles seria o deputado Vicente Cândido (SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Ele aparece em uma conversa entre Vargas e Youssef: "E daí? Os demais assuntos? Vicente Cândido?", pergunta Vargas. O deputado conta que conheceu Youssef quando o doleiro fazia parte de uma comitiva oficial do governo brasileiro em viagem a Cuba. Em se tratando de pessoas tão "influentes no partido", devotadas à "justiça", aos "insumos estratégicos" e ao "desenvolvimento produtivo", seria altamente suspeito não aparecer Cuba na história.
"Ele pediu para olhar e eu olhei"
O deputado federal Vicente Cândido, do PT de São Paulo, é um parlamentar que, vez por outra, surge como personagem de uma história confusa. A última delas ocorreu no ano passado, quando ele procurou um conselheiro da Anatei e lhe ofereceu "honorários" em troca de uma mãozinha para aliviar a companhia Oi de multas que totalizavam 10 bilhões de reais. O conselheiro entendeu que era uma tentativa de suborno. Para o parlamentar, tratava-se apenas de um negócio entre advogados. Atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Vicente Cândido é citado em mensagens trocadas entre seu colega de partido e o doleiro.
O senhor conhece o doleiro Alberto Youssef?
Eu conheço o Youssef de vista. Encontrei com ele em Cuba há uns quatro ou seis anos, mais ou menos. Ele estava querendo fornecer alguma coisa lá para Cuba. Não me lembro se era na área de comunicação ou de correios. Ele foi numa delegação geral de empresários brasileiros, comandada pelo ministro Miguel Jorge, eu acho.
Foi a única vez?
Depois ele recepcionou um membro do governo cubano lá em São Paulo. Era um ministro da área de compras, eu acho. O Youssef queria vender carne para Cuba, se não me engano.
Mas qual era a relação entre vocês?
Ele também me pediu que olhasse um processo tributário de uma empresa de comunicação dele. Como sou advogado da área, dei uma analisada, falei que estava bem instruído, bem encaminhado, e ficou nisso.
Do que tratava esse processo?
Ele disse que tinha um dinheiro para receber nessa empresa, eu dei uma olhada no caso e disse que não tinha o que fazer. Era só aguardar o trâmite normal na Justiça. Eu era deputado, mas olhei esse caso como advogado.
Ele era amigo do senhor, então?
Não considero que tenho amizade com ele.
Mas o senhor costuma olhar processos e dar essa ajuda assim, para qualquer um?
Não dei ajuda, não trabalhei no processo, não tem contrato, nada. Ele pediu para olhar e eu olhei. Encontrei com ele nessa missão de empresários em Cuba, a gente ficou três dias juntos, ele viu que eu era deputado, e acabamos conversando. Foi um caso esporádico.
O deputado André Vargas levou algum pedido do senhor para ele?
Eu nem conhecia o André Vargas nessa época nem sabia que eles eram amigos. Nunca falei com o Youssef sobre o André. Não era amigo dele nessa época.
O senhor falou com Youssef no ano passado?
Não me lembro de ter encontrado com ele recentemente.
O senhor já pediu algum favor a ele?
Que eu me lembre, não.
Para fazerem negócios com a Petrobras, empresários precisavam pagar pedágio que variava de 300 000 a 500 000 reais
Rodrigo Rangel
Na gênese do mensalão, o maior escândalo de corrupção já investigado e julgado da história política do país, funcionários públicos escolhidos a dedo por partidos políticos se posicionavam estrategicamente na máquina federal com uma meta definida: arrecadar recursos entre fornecedores que tinham contratos com o governo. Eram as chamadas "fábricas de dinheiro"", assim definidas por Roberto Jefferson, o delator do esquema. Foi um vídeo gravado no interior de uma filial dessa rede clandestina – no caso, uma diretoria dos Correios – que acendeu o pavio que detonou o escândalo. Na esteira das investigações, a Petrobras chegou a aparecer como um dos nichos de negócio da azeitada engrenagem que alimentava políticos corruptos. Era de esperar que, com a descoberta do mensalão, os saqueadores se sentissem intimidados. Mas não foi o que ocorreu. Com o passar do tempo, a Petrobras, com seus contratos bilionários, virou um alvo preferencial, como se verá a seguir.
Para prestarem serviços ou venderem produtos à estatal, empresas precisavam se associar a um "clube", pagar uma taxa que variava de 300000 a 500000 reais e se comprometer a repassar uma parte do valor dos contratos para um caixa que era dividido entre intermediários do negócio, diretores da estatal e políticos. Um pedaço importante desse verdadeiro mapa do tesouro está fartamente documentado nos autos da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que há três semanas levou para a prisão o doleiro Alberto Youssef e o engenheiro Paulo Roberto Costa, o homem que, de 2003 a 2012, comandou a poderosa diretoria de abastecimento da Petrobras apoiado por uma constelação de políticos de partidos da base governista, como PP, PT e PMDB. Há tempos, empresários com atuação no setor de óleo e gás reclamam, reservadamente, das barreiras a ser vencidas por quem tenta fazer negócios com a maior empresa brasileira. Os relatos sempre envolviam a intermediação de lobistas que, em troca de "comissões", facilitavam o acesso ao cadastro de fornecedores da estatal. A polícia recolheu provas de que o "clube" não só existe mesmo como funciona nos moldes de uma empresa.
O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, dois personagens importantes dessa engrenagem, continuavam presos até a semana passada. Com eles, a polícia apreendeu documentos, planilhas e anotações que mostram como funcionava o esquema de arrecadação e distribuição de propina. O cargo que Paulo Roberto ocupou dava a ele o poder de decidir quando, como e de quem comprar suprimentos, máquinas e serviços. O doleiro Youssef, por sua vez, decidia quem poderia vender. Para isso, as empresas candidatas precisavam pagar um pedágio. Entre os achados da polícia, há uma firma chamada MO Consultoria, que só existe no papel, tem entre seus clientes grandes companhias, faturou 90 milhões de reais nos últimos cinco anos e pertence ao doleiro. O que ela fazia? Os investigadores não têm nenhuma dúvida: servia de fachada para a colheita do pedágio e de uma parte dos lucros do "clube" – e, em outra ponta, repassava esse dinheiro aos seus "clientes" finais.
Na lista dos "contribuintes", por exemplo, aparecem dois consórcios que trabalham nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, um projeto da estatal que começou com custo estimado em 2 bilhões de dólares e já torrou dez vezes mais. Há gigantes do setor de construção civil, como as empreiteiras EIT e Engevix. A campeã de contribuições, porém, é a Sanko-Sider, uma fornecedora de tubos de aço para obras da Petrobras. Ela repassou à MO Consultoria 24 milhões de reais entre 2009 e 2013. A companhia confirma ter feito as transferências e não esconde o fim: pagamento das comissões que o doleiro Youssef cobrava para fechar os negócios. "Nunca foi algo explícito, não posso dizer que fomos achacados, mas era fortemente recomendado contratar essa empresa", disse a VEJA Henrique Ferreira, um dos diretores da Sanko. "Se depois ele acendia charuto com nota de 100, já não era da nossa conta. A gente não faz ideia de para onde esse dinheiro ia", afirma o diretor.
Uma coisa é certa: após ser recolhido pelo doleiro, o dinheiro circulava – e não era para ser queimado em cinzeiros. As investigações da polícia apontam em várias direções, mas todas que apareceram até agora levam a um mesmo perfil de cliente: políticos e partidos. Nos documentos apreendidos com o doleiro, há pedidos de pagamento ao ex-deputado Pedro Corrêa, ex-líder do PP, um dos expoentes do mensalão, atualmente cumprindo pena de prisão. Há também depósitos para assessores de deputados menos expressivos, como Luiz Argolo (BA), que saiu recentemente do PP. Numa troca de mensagens com um interlocutor identificado como LA – os investigadores suspeitam tratar-se do próprio deputado –, Alberto Youssef confirma a transferência de 120 (seriam 120 000 reais) para a conta de um assessor de Argôlo. Em uma mensagem para o doleiro. o tal LA cobra: "Me dá notícia o que vc tem pra depositar hj. Tenho vários compromissos". O deputado Luiz Argôlo não foi encontrado.
Há na relação de beneficiários parentes e até um assessor de ministro. Adarico Negromonte, irmão do deputado Mário Negromonte (PP-BA), ex-ministro das Cidades do governo Dilma e um dos líderes do partido, frequentava semanalmente o escritório de Youssef. Para quê? "Eu ia lá para visitar um amigo", explica Adarico. "Só vi Youssef uma vez na vida", diz Mário Negromonte. Na lista de pagamentos do doleiro há um repasse de 20 000 reais para José YVilde Cabral, assessor especial do ministro Garibaldi Alves, da Previdência. Os documentos mostram que Youssef também funcionava como uma espécie de administrador de caixa eleitoral. Por ele passaram doações de empreiteiras a deputados – entre eles Nelson Meurer (PP-PR) e Aline Corrêa (PP-SP) – e a diretórios do PP e do PMDB, por exemplo. Há pagamentos, ainda, para uma empresa de Brasília cujo sócio é um ex-assessor do PT e por cujas contas transitaram, entre julho de 2011 e fevereiro de 2012, nada menos que 19 milhões de reais. Dinheiro que era sacado na boca do caixa e distribuído em Brasília em envelopes pardos. Dinheiro, portanto, que não era para ser rastreado. Note-se que os políticos e seus assessores que apareceram até agora nas investigações policiais integram os quadros do PP. do PMDB e do PT – não por coincidência o consórcio de partidos que indicou e manteve por nove anos Paulo Roberto Costa no cargo de diretor da Petrobras. O engenheiro, aliás, tinha em casa 1,2 milhão de reais quando foi preso. Com reportagem de Hugo Marques e Adriano Ceolin
Hugo Marques
Em depoimento, o mensaleiro Marcos Valério revelou que a Petrobras foi usada para financiar negócios do PT
Em 2003, o governo foi alvo de uma chantagem. O empresário Ronan Maria Pinto ameaçou, não se sabe exatamente com que trunfo, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho. e o próprio presidente Lula. O enredo girava em torno do até hoje misterioso assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel. Para guardar os segredos que dizia ter, o empresário exigia 6 milhões de reais em dinheiro. O suborno se consumou da seguinte maneira: acionado para resolver o problema, um amigo do presidente da República contraiu um empréstimo bancário. Simultaneamente, usou sua influência e o poder a ele outorgado para conseguir que uma construtora ligada ao mesmo grupo empresarial do banco ampliasse alguns de seus contratos com a Petrobras, simulando uma prestação de serviços no mesmo valor do empréstimo. Ou seja, a estatal pagou o chantagista de maneira indireta – negócio perfeito, sem deixar vestígios, prejudicial à empresa e, acima de tudo, criminoso.
Os detalhes dessa triangulação estão sendo investigados pelo Ministério Público e foram revelados em depoimento prestado à Procuradoria da República pelo mensaleiro Marcos Valério. Segundo ele, o pecuarista José Carlos Bumlai, o amigo do presidente, executou a operação. Ele articulou pessoalmente com a direção da Petrobras a ampliação de um contrato que a estatal mantinha com a construtora Schahin. Pelo acordo, a Petrobras alugaria equipamentos de prospecção de petróleo da construtora e embutiria no contrato o valor do empréstimo. Dessa forma, os 6 milhões de reais teriam sido repassados da Petrobras para a construtora Schahin e, dela, para o banco Schahin, como compensação da dívida. O negócio foi bom para o PT, que conseguiu contornar um escândalo logo no início do governo Lula; foi bom para o chantagista, que usou o dinheiro para comprar o jornal que investigava o envolvimento de petistas no assassinato do prefeito; e foi bom para o pecuarista, cuja lealdade ao presidente foi recompensada com credenciais que lhe davam acesso irrestrito ao Palácio do Planalto e lhe abriram portas para outros negócios. A Petrobras e seus acionistas arcaram com o prejuízo.
A tramoia, de acordo com Marcos Valério, só foi possível por causa da influência política que o PT mantinha na Petrobras. Além da presidência, o partido controlava três das mais importantes diretorias da estatal – a internacional, a de serviços e a de exploração e produção. Foi exatamente dentro dessa última diretoria que o negócio envolvendo a construtora Schahin e o banco Schahin teria sido planejado. José Carlos Bumlai, o emissário do partido, articulou toda a operação, segundo o mensaleiro, com o ex-diretor Guilherme Estrella, que ocupou o cargo até 2012 por indicação do partido. A Petrobras não quis comentar a denúncia. O grupo Schahin e o pecuarista Bumlai dizem que essa operação não existiu.
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