Ainda um texto de 2010, escrito na previsão das eleições daquele ano.
Acredito que o Brasil não avançou nada, e pode até ter piorado...
Paulo Roberto de Almeida
Ano de eleições: como o Brasil poderia ser
melhor?
Paulo
Roberto de Almeida
Em outubro, como todo mundo sabe, teremos eleições
gerais: presidente, governadores, parte dos senadores, todos os deputados
(federais e estaduais), menos para os executivos e legisladores municipais. A
julgar pela pré-campanha, um dos principais candidatos é pela continuidade do
que está sendo feito, outro afirma que o Brasil pode mais. Sem dúvida, todos
nós podemos sempre fazer algo de melhor, ou mais do mesmo, bastando saber,
apenas, em que direção apontar, o que conservar, o que melhorar, o que mudar.
De fato, a melhor pergunta a ser feita a todos os brasileiros, eleitores ou
não, é a de saber como o Brasil poderia ser melhor, ou o que poderíamos fazer
para melhorar o Brasil, e que não estamos fazendo hoje?
Uma pergunta desse tipo é inerentemente subjetiva, já
que ela expressaria uma preferência por certas realizações nacionais que ainda
não foram cumpridas, ou indica, justamente, uma frustração pela sua ausência. É
imenso o rol de “desejos” da cidadania que não podem ser satisfeitos de
imediato, e a economia está aí mesmo para confirmar a realidade da escassez de
meios e recursos: ela é, justamente, a “arte de administrar a escassez”, sendo
que a política seria a arte das prioridades possíveis.
Todos diriam que são “fatos da vida”, que não se
pode fazer tudo ao mesmo tempo e que as lacunas existentes nunca são de
responsabilidade exclusiva de um grupo de pessoas, ou tampouco, apenas, dos
governantes do momento (ou seja, dos “passageiros” do atual governo) e até de
governos passados. Mais além, até, da questão dos recursos em si, a pergunta
envolver uma escolha quanto às prioridades, justamente: questionar o que uma
nação poderia ter feito de melhor em relação à realidade corrente implica
dispor de sua própria regra de referência, ou seja, um modelo ideal de
sociedade que obviamente não é, nunca é, aquela em que estamos de fato vivendo
e da qual participamos como trabalhadores, empresários, responsáveis políticos,
artistas, representantes diplomáticos ou como simples cidadãos.
Mas a questão pode também ser vista pelo lado
objetivo, ou seja, examinar, no conjunto de possibilidades factíveis,
comparativamente aferíveis com base nas experiências de outras sociedades, o
quê, exatamente, o Brasil poderia ter alcançado de melhor, como sociedade e
como nação, e que, infelizmente, não alcançamos por deficiências nossas, por
obstáculos herdados de nossa formação histórica, por dificuldades da natureza
ou do meio ambiente externo, enfim, por tudo aquilo que poderíamos ter sido e
que não conseguimos ser ou fazer. Organizar uma lista de lacunas pode até ser
mais importante do que uma de promessas e compromissos.
Isso não é difícil: basta coletar indicadores
homogêneos e fiáveis de “felicidade” humana, ou seja, nível de renda, educação
e disponibilidade de bens e serviços básicos: água potável, saneamento,
transportes, comunicações, habitação salubre, segurança alimentar, segurança
pessoal, emprego e seguro contra certas coisas desagradáveis (menos a morte e
os impostos, claro). Todos esses dados são passíveis de comparação – ou seja,
nível de satisfação por habitante – entre os países que dispõem de estatísticas
fiáveis, como é o caso do Brasil.
Comparando a situação do Brasil com a de outros
países, poderíamos, assim, constatar nosso ‘estado de felicidade relativa’, ou
seja, quão mais próximos, ou mais distantes, estamos de países mais ‘felizes’,
que são supostamente aqueles que desfrutam, em condições normais, desses
serviços básicos, onde a longevidade é maior e os riscos inerentes à existência
humana foram diminuídos, ao máximo das possibilidades dadas pelo uso das
tecnologias atuais (médicas, securitárias etc.).
Trata-se de um exercício possível de ser feito
mas que não vou fazer aqui, tanto por limitações de espaço como por ser aborrecidamente
repetitivo com vários indicadores existentes no âmbito das Nações Unidas
(IDH-PNUD, entre outros). O que eu poderia fazer seria uma exposição
eminentemente pessoal sobre o que eu acredito que o Brasil poderia ser e ainda
não é, sendo eu relativamente otimista ao considerar que poderemos chegar nos
objetivos fixados em uma ou duas gerações mais (dependendo do grau de
dificuldade do objetivo em questão). O que segue, portanto, é a minha regra de
‘felicidade nacional’, com todas as falhas que podem existir numa seleção
subjetiva como a que agora faço.
Pois bem, poderíamos começar sendo um país, não
de renda média, mas de alta renda, o que parece difícil no contexto
latino-americano, mas que já foi obtido no cenário asiático, pela Coréia do
Sul, por exemplo, um país duas vezes mais pobre do que o Brasil em 1960, e que
tinha sido colônia japonesa de 1905 a 1945 (considerada quase como nação
escrava do então expansionismo militarista nipônico). O que os coreanos fizeram
que não fizemos? Bem, antes deles, os próprios japoneses já tinham mostrado o
caminho: educar a população, o que me parece básico, essencial mesmo. Este foi
o nosso maior erro histórico, aliás um “pecado original”, posto que Portugal
continuava a exibir muitos analfabetos até bem entrado o século 20.
Calculo que nosso atraso, do ponto de vista
puramente quantitativo (ou seja, nossa taxa de escolarização) equivalia a algo
como 150 anos em relação aos países precocemente educados (Alemanha e EUA, por
exemplo). Concordo que ‘fechamos’ muito dessa lacuna quantitativa, mas se
formos considerar a qualidade da educação, minhas conclusões teriam de ir do
ruim ao catastrófico. Infelizmente, vai demorar uma ou duas gerações para
consertar, mas apenas se corrigirmos os métodos, que continuam errados, o que
está longe de ser garantido atualmente; acredito, aliás, que continuaremos
patinando nesse particular. Isso é complicado, pois da boa educação depende
tanto uma distribuição de renda mais equânime, como o crescimento da
produtividade do trabalho, base do desenvolvimento social. Ponto negativo,
portanto.
Se a despeito disso tudo, conseguirmos ainda
assim aumentar a renda nacional (e distribuí-la, vale lembrar), teríamos ipso facto resolvido várias das
necessidades básicas apontadas acima, o que envolve, mais do que dinheiro,
organização (pois recursos sempre existem, no Brasil ou no exterior). Aumentar
a renda implica em crescer mais rapidamente, o que já fizemos no passado (com
base em investimentos nacionais e estrangeiros e em uma razoável organização
estatal); não conseguimos fazer isso agora, justamente pela ausência de
investimentos e pela má organização do Estado (que está, justamente, na origem
da falta de recursos para investimentos produtivos: o Estado gasta demais, e consigo
mesmo). Outro ponto negativo.
Poderíamos, talvez, ter um Estado menos
gastador e mais investidor, mas isso depende, basicamente, das lideranças
políticas e das organizações partidárias. Nesse aspecto, tenho de ser novamente
pessimista, pois não acredito que consigamos ter, em
prazos razoáveis, uma melhor qualidade da administração, conhecendo-se a atual
composição da classe política e seus reflexos no Congresso e no Executivo (mas
o Judiciário não se apresenta de modo muito melhor). Melhorar a classe política
depende basicamente de educação da população, que acredito continuará
rudimentar no futuro previsível (basta assistir, por exemplo, aos canais abertos
de televisão ).
Esse problema está associado à corrupção na
máquina pública, e fora dela, posto que a sociedade procura se defender das
disfuncionalidades do setor público (em matéria ‘extrativa’, por exemplo),
criando um ‘universo paralelo’ – ou seja, a economia informal e a cultura do
‘jeitinho’ – que tornam especialmente difícil alcançar aquele requisito da boa
governança que os economistas reputam importante para fins de redução de custos
de transação e maior taxa de crescimento. Não gostaria de ser novamente
pessimista, mas tenho de consignar mais esse ponto negativo.
Finalmente, poderíamos ter feito melhor em
direitos humanos e cidadania, um quadro notoriamente lamentável no Brasil. Não
vamos dourar a pílula: fizemos tudo errado desde o início. José Bonifácio foi
derrotado no seu projeto de extinguir o tráfico imediatamente e a escravidão em
médio prazo; Joaquim Nabuco foi derrotado em seu projeto abolicionista e
favorável à reforma agrária e à educação dos libertos. Os reformadores
educacionais dos anos 1930 não conseguiram, de fato, universalizar o ensino
como seria desejável, e até hoje a educação padece de excesso de pedagogas
“freireanas” e de sindicalistas “isonômicos”, e carência de administradores
sensatos e racionais, buscando resultados pelo mérito, não pela ideologia. Não
um, mas vários...
Tivemos outras derrotas, também, em outras
áreas: Mauá não conseguiu mobilizar para o empreendedorismo uma sociedade
escravocrata, prebendalista e cartorial; Monteiro Lobato falhou em implantar
aqui o industrialismo fordista, que reputava ser a chave do sucesso americano;
os atuais capitalistas do campo têm a maior dificuldade em expandir o
agronegocio, num ambiente político dominado pela hostilidade ao setor e ávido
por uma reforma agrária tão inútil quanto regressista.
Enfim, temos vários problemas nacionais e
nenhum deles se relaciona com a exploração estrangeira e a dominação
‘imperialista’: todos são problemas made
in Brazil, e aqui teremos de resolvê-los. Acredito que consigamos, mas
apenas no médio prazo...
Shanghai, 22 de maio de 2010.
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