A economia e a política do
Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 5
Paulo
Roberto de Almeida
Palestra
na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em
voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014
(continuação da parte
anterior)
Nossas elites continuaram
seu percurso de atraso mental
As melhores elites que o Brasil teve, durante algum tempo em seu
processo de modernização, foram as militares, tanto nos anos 1930, quanto nos
60 e 70, mas com alguns pecados veniais, e alguns outros mais graves. As elites
civis, com poucas exceções – que se contam nos dedos superiores – se voltavam,
como já mencionado, para os militares, cada vez que tinham contradições
internas, como diriam os marxistas. Os militares vinham, com seus cavalos ou
tanques, e depois se entendiam com os tribunos civis, os latifundiários, os
burgueses mais destacados.
Mas essas elites também eram atrasadas sociologicamente falando,
sobretudo porque se acostumaram a delegar ao Estado funções e atribuições que
poderiam, talvez, ter sido melhor encaminhadas pela via da própria sociedade
civil e no âmbito dos mercados livres, como o financiamento da produção, da
realização de obras de infraestrutura, de muitos serviços coletivos, como
comunicações, transportes, energia, saneamento urbano, etc., como aliás vinha
se fazendo desde o Império e até o começo da República. Não se diga,
justamente, que tais serviços e empreendimentos não poderiam ser realizados por
capitais privados, e que só um Estado forte, centralizado, dispondo de vastos
recursos, teria de assumir o encargo exclusivo de fazê-los. Durante todo o
Império e na velha República, todas, repito TODAS, as obras de infraestrutura,
e comunicações, de serviços urbanos, de transportes foram realizadas em regime
de concessões públicas, ou seja, por capitais privados, geralmente
estrangeiros, e na base de joint undertakings,
ou seja, em regime de PPPs, as famosas parcerias público-privadas, que alguns
imaginam ser uma novidade inventada recentemente. O Império contraia esses
empreendimentos já que carecia dos capitais e da capacidade técnica para
fazê-los, geralmente dando a partida em alguma companhia constituída na City de
Londres, com alguns conselheiros brasileiros no board da empresa. Desde a
ferrovia pioneira de Mauá, a Rio-Petrópolis, até as últimas railways pelo
interior do Brasil já nos anos 1920, todos esses empreendimentos se constituíam
ao abrigo de contratos de direito comercial, mercantil ou privado, regulando a
concessão – algumas por até 99 anos – para os quais o Império oferecia a famosa
garantia de juros, em média de 6% ao ano, bem mais do que a média histórica do
capitalismo, de apenas 3 ou 3,5%.
O Brasil era um bom negócio para a globalização da belle époque, junto com a Argentina, que
o superou amplamente, e o México, pelo menos até 1912 (quando os zapatistas
mergulharam o país novamente no atraso). Depois as coisas se complicaram um
pouco: os capitais se retraíram (teve o calote argentino da crise do Barings,
em 1891), o protecionismo comercial se instalou, os financiamentos
internacionais se tornaram mais difíceis, os investimentos secaram um pouco,
mas o desastre mesmo veio com a primeira guerra mundial, quando se suspende a
conversibilidade e o padrão-ouro, e o Estado, ou melhor, os políticos,
aprenderam a fabricar inflação e a intervir na economia. Os tempos nunca mais
seriam os mesmos.
Tudo mudou então, na política, mas sobretudo na economia. Os
mercados se fecharam, as moedas se desvalorizaram, e a inflação se instalou,
inclusive porque os governos, depois de esgotarem todas as possibilidades de
financiamento voluntário e compulsório, começaram a emitir moeda sem lastro
metálico. Eles nunca mais pararam desde aqueles tempo, apenas refreados por
surtos repentinos de hiperinflação, quando então se trocava a moeda e se seguia
adiante, no mesmo ritmo. A América Latina, mesmo sem guerra, fez melhor do que
qualquer governo dos demais continentes: os países produziram inflação
praticamente em moto contínuo.
E as nossas elites? Não se pode culpar inteiramente as elites
brasileiras por esses pecados veniais, partilhados igualmente com os militares.
Elas estavam acostumadas, desde sempre, a viver sob a sombra d’El Rey, o que
começou nas sesmarias, passou pela confirmação do tráfico e do escravismo na
época da independência, continuou sob a Lei de Terras de 1850 e se prolongou no
nascimento da República. Não se pode dizer que elas não tenham sido correspondidas
nesse amor involuntário por um Estado que ainda não era o ogro famélico que
conhecemos atualmente. O Estado brasileiro do início do século 20 deveria se
apropriar de no máximo 4 ou 5% do PIB (noção que ainda não era conhecida nessa
época, obviamente). A carga fiscal já tinha subido para 12%, quando os
militares deram o golpe e chegou a 24% ao final do seu regime, e continuou
subindo sempre, inapelavelmente: deve andar na casa de 35 a 38% do PIB,
dependendo da metodologia aplicada. Na prática, o Estado gasta mais de dois
quintos do produto, aqui incluídos os acréscimos ao estoque da dívida pública,
não cobertos pelos juros liberados pelo superávit primário (uma invenção
conveniente para esconder uma contabilidade mais elementar).
Não se deve acreditar, por outro lado, quando adeptos da
contabilidade criativa disserem que a dívida pública líquida é de apenas 43% do
PIB, e que a bruta não supera 70%, uma vez que estes dados não medem toda a
amplitude do problema, tanto o seu custo, de mais de 10% ao ano – quando os
japoneses, por exemplo, que exibem uma dívida total de mais de 250% do PIB, a
financiam internamente e a um custo próximo de zero – como o fato de que um
quarto dela está de posse do Banco Central. Mas retornemos às nossas elites.
(continua)
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