As conversações de paz entre o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e os dirigentes da frente oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), mediadas por três chanceleres sul-americanos, entre o quais o brasileiro Luiz Alberto Figueiredo, começaram anteontem sob o signo do descrédito.
Tudo indica que o sucessor do caudilho Hugo Chávez tenha acedido a sentar-se com a ala moderada dos adversários, liderada pelo governador do Estado de Miranda e ex-candidato presidencial Henrique Capriles, apenas para que não o acusassem, dentro e fora do país, de ignorar as pressões da comunidade regional e os apelos do papa Francisco pela contenção dos confrontos de rua que completam hoje dois meses e já deixaram 39 mortos, centenas de feridos e de presos.
Tanto que o chavista cuidou de antemão de delimitar nitidamente o terreno em que se moveria. Tratou de deixar claro que não havia concordado em participar de uma negociação nem "nunca" o fará. "Não tenho que negociar com ninguém. Nem negociação nem pacto", afirmou com a costumeira arrogância. E, apelando para a retórica redundante de seu mentor, completou: "Aqui, o que há é um debate, diálogo, o que é diferente de uma negociação e de um pacto".
Depois, fez-se de desentendido para desqualificar um inesperado conselho de Lula, dado na entrevista a blogueiros na terça-feira, convocada para marcar publicamente a sua ascendência sobre a afilhada Dilma Rousseff. "Maduro", recomendou o "pai da esquerda", como o venezuelano o reverenciaria no dia seguinte, "deveria tentar diminuir o debate político para se dedicar inteiramente a governar, estabelecer uma política de coalizão, construir um programa mínimo e diminuir a tensão".
Maduro fingiu que Lula propusera que ele formasse "uma grande coalizão com o povo, com as forças patrióticas, progressistas" - e não com os críticos que dela se dispusessem a participar. Aproveitou para negar, com deslavado cinismo, que estivesse governando menos do que lhe cobram os venezuelanos assolados por inflação, desabastecimento, corrupção nos gabinetes e criminalidade nas ruas. "Mesmo com os protestos não deixamos de governar nem um segundo."
Armado o sombrio cenário para o encontro no Palácio Miraflores, ele transformou o evento, transmitido ao vivo pela TV, em mais um dos seus frequentes shows de mídia com que testa a paciência dos seus compatriotas. Recentemente, anotou a oposição, ele falou sem parar durante 1h52min em cadeia nacional. Na reunião da quinta-feira, ele desancou os interlocutores durante 53 minutos, acusando-os de terem incentivado protestos violentos para derrubá-lo.
Com isso, assemelhou os adversários presentes, como Capriles, que defendem a sua remoção pelo voto popular nas próximas eleições, aos setores da MUD abertamente favoráveis à sua destituição. O principal articulador do "Fora Maduro" é o ex-prefeito do distrito caraquenho de Chacao Leopoldo López, do partido Vontade Popular. Detido logo nos primeiros dias das manifestações, foi largado numa penitenciária militar. O Ministério Público o acusa de chefiar um "grupo criminoso terrorista", pelo que poderá ser condenado a até 13 anos de prisão.
Quando finalmente a MUD teve a palavra, o seu secretário executivo Ramón Guillermo Aveledo negou as acusações e observou que "a Constituição não é para ser mostrada, mas cumprida", aludindo às repetidas vezes em que Maduro brandira a sua edição de bolso da Carta para amparar as suas invectivas. A intenção de Aveledo não era duelar com ele, mas apresentar a agenda oposicionista para o diálogo. O seu ponto de partida é a libertação e anistia dos presos políticos, além da anulação dos 3,8 mil processos contra dissidentes. Outro ponto crucial é o desarmamento dos grupos paramilitares que vêm reprimindo com incontida brutalidade as concentrações populares.
Seria preciso ignorar a natureza opressiva do chavismo para imaginar que Maduro possa ser persuadido a aceitar essas demandas.
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