Seria provavelmente um escândalo nacional – na Finlândia, na Coreia do Sul ou no Canadá. Mas não no Brasil. Por aqui, o desempenho sofrível da educação não costuma gerar muito ‘Ibope’. Passou quase batido na imprensa tupiniquim o fato de que, na semana passada, foi divulgada mais uma leva de resultados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes, o famoso Pisa, administrado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD).
Mais uma vez – como que seguindo uma nefasta tradição – o Brasil fracassou. Dos 44 países avaliados, ficamos na 38ª posição. Na lanterna, fica a Colômbia. E no topo figuram os asiáticos: Singapura, Coreia do Sul e Japão.
Louzano: “O foco do Pisa, especialmente nessa etapa de resolução de problemas do cotidiano, é avaliar quão preparados estão os jovens tanto para continuar aprendendo quanto para ingressar no mercado de trabalho”
Os resultados são de um exame aplicado em 2012. Na ocasião, o Pisa intencionava avaliar competências em leitura, matemática e ciências de alunos de 15 anos em 65 países. Mas um subgrupo desses estudantes participou, paralelamente, de um teste adicional – que, por meio de tarefas interativas realizadas em um computador, buscava mensurar o que a OECD chama de “solução criativa de problemas”. É a esse recorte que se referem os números recém-divulgados.
Eram questões de natureza essencialmente prática – focadas na solução de problemas do dia a dia que independem do mero acúmulo de conhecimento. Como lidar com uma bilheteria eletrônica em uma estação de metrô? Como decidir, a partir de um mapa, quais são as rotas adequadas para se realizar determinado percurso? São alguns exemplos das questões respondidas por 85 mil alunos de 44 nacionalidades.
“O foco do Pisa, especialmente nessa etapa de resolução de problemas do cotidiano, não é avaliar o sistema educacional de um país; é avaliar quão preparados estão os jovens tanto para continuar aprendendo quanto para ingressar no mercado de trabalho”, esclarece a pedagoga Paula Louzano, da Universidade de São Paulo (USP).
Análise
Dos novos números emergiram inquietantes comparações. No Brasil, 47% dos alunos não souberam resolver as questões mais fáceis da prova, enquanto apenas 1,8% puderam solucionar as perguntas mais desafiadoras. Para esses dois parâmetros, a média dos países da OECD foi, respectivamente, 21% e 11%.
Importante observar: no caso do Brasil, o retrato do Pisa esconde uma cruel assimetria estatística: “Cerca de 20% de nossos jovens de 15 anos sequer são elegíveis para realizar o exame”, escancara Louzano. “Ou estão fora da escola, ou estão defasados.”
- Segundo a pedagoga Paula Louzano, da Universidade de São Paulo, cerca de 20% dos brasileiros com 15 anos sequer são elegíveis para realizar o exame do Pisa, por estarem fora da escola ou defasados. (foto: Emory Maiden/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
“É verdade que, em comparação com países mais industrializados, a educação brasileira apresenta um desempenho ruim”, diz à CH On-line o diretor-interino para o setor de educação da OCDE, Andreas Schleicher. “Por outro lado, observa-se que desde o ano 2000 nenhum país evoluiu mais que o Brasil nessas avaliações.”
Outro ponto para nós, segundo Schleicher: “Muitos estudantes brasileiros parecem aprender rapidamente. São inquisitivos e capazes de resolver problemas em contextos não familiares pela observação e interação com situações complexas.” Ele ressalta que essas habilidades são bastante importantes em um mundo que não mais credencia um estudante pelo que ele sabe – já que o Google sabe tudo –, mas sim pelo que ele é capaz de fazer com o que sabe.
Schleicher lembra, ainda, que o Brasil “tem se destacado na promoção da igualdade e distribuição das oportunidades de aprendizado”. Metas de universalização do ensino têm, de fato, atingido graus satisfatórios de êxito ao longo da última década.
Chorando as pitangas
O cenário pode ser fértil para análises otimistas. Mas também é promissor para um pessimismo bem embasado. “O fato de estarmos melhorando não significa que estamos bem; não estamos nada bem”, garante Louzano. “Os indicadores evoluíram muito simplesmente porque nas avaliações anteriores estávamos em um patamar muito, muito baixo”, lembra a pesquisadora da USP. “Antes, nossos alunos tinham dificuldades até para ler a prova.”
Louzano: “Os indicadores evoluíram muito simplesmente porque nas avaliações anteriores estávamos em um patamar muito, muito baixo”
Contexto: “Por exemplo, no último Pisa a avaliar matemática, em 2003, quase 50% dos alunos brasileiros estavam abaixo do nível 1, o mais baixo na escala de 1 a 6 estabelecida pela metodologia da avaliação”, diz a matemática Maria Tereza Soares, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da equipe de consultoria do Pisa até 2010. Nos resultados de 2012 – divulgados no ano passado –, ‘apenas’ cerca de 30% dos alunos estão nesse nível.
Para Soares, os números revelam as dificuldades ainda enfrentadas pelo Brasil no âmbito da educação básica – no que se refere principalmente a leitura, compreensão e desenvolvimento cognitivo dos alunos.
Diante desse panorama crítico, Louzano ressalta a necessidade de darmos mais atenção à educação no país. “Há poucos meses, a opinião pública se viu imersa em uma discussão sobre a qualificação que os médicos no Brasil devem ter”, lembra a pesquisadora, referenciando polêmicas mal resolvidas do Programa Mais Médicos. “Quando tivemos, no país, uma discussão análoga sobre a qualificação que um professor deve ter?”
Louzano acrescenta: “Temos ambição de país desenvolvido quando se trata da inserção do Brasil no cenário econômico internacional, mas não temos ambições equivalentes quando o assunto é educação.”
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
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