A economia e a política do
Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 4
Paulo
Roberto de Almeida
Palestra
na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em
voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014
(continuação da parte
anterior)
Do golpe à ditadura:
acidentes de percurso
Não era a intenção inicial dos militares se instalar no poder e
instaurar uma ditadura militar. Chamados pelos civis – inclusive três
governadores candidatos a presidente nas eleições de 1965 – os militares
pretendiam apenas limpar o terreno, colocar o Brasil em ordem, e se afastar,
como sempre o fizeram das vezes precedentes. Só que desta vez, as coisas não aconteceram
como no passado. Como eles pretendiam fazer um serviço completo, antes de
entregar o poder novamente aos civis, eles tiveram de se esforçar mais um
pouco, ao se deparar com um quadro ainda mais caótico do que imaginavam
anteriormente, tanto na frente interna, quanto na externa, aqui, inclusive, bem
mais ameaçador, do ponto de vista da segurança nacional, um dos mais sagrados
princípios da doutrina militar.
Na frente interna, os militares viam políticos incompetentes e
corruptos como o principal obstáculo a que o Brasil empreendesse o grande
projeto de desenvolvimento que eles tinham em mente, que sempre tiveram, desde
os anos 1930, quando foram chamados pela primeira vez para participar realmente
dos destinos do país (excluindo-se a fase inicial da República, quando eles não
sabiam exatamente o que fazer e se dividiram quanto aos rumos do país). Na
frente externa, a ameaça foi representada pela luta armada, de inspiração
cubana ou maoísta. Os militares tratariam desses dois problemas à sua maneira,
isto é, com a mão forte, nem sempre bem dirigida.
Eles começaram por eliminar alguns dos líderes que eles julgavam
corruptos (como Adhemar de Barros, por exemplo, o inventor da expressão “rouba
mas faz”), outros por demais ambiciosos (Carlos Lacerda, dito O Corvo, o homem
que esteve atrás de todas as crises políticas da República de 1946), e alguns
até desejosos de voltar ao poder (e JK era candidatíssimo nas eleições
previstas para 1965, jamais realizadas). Vários deles tinham incitado os
militares ao golpe, esperando depois recolher os frutos de suas conspirações.
Por um conjunto de circunstâncias fortuitas, e também pela amplitude da reação,
dos cassados e dos novos opositores do governo militar, tornou-se difícil
manter o projeto original, ou seja, limpar o terreno e depois voltar aos
quartéis. A presidência Castelo Branco foi prolongada, reformulou-se totalmente
o sistema partidário, com a criação pelo alto de apenas dois partidos – um
obrigatoriamente do governo, a Arena, o outro artificialmente de oposição, o
MDB – e se elaborou uma nova Constituição, a de 1967, eliminando-se o voto
direto para presidente (e domando, de maneira conveniente, a escolha para os
demais cargos executivos na federação). Radicais de ambos os lados começaram
então a se movimentar, nas esquerdas (pois havia muitas) e na direita, também
bastante dividida, mas comprometida com o regime militar que então surgia com
sua nova institucionalidade formal, isto é, autoritária.
Os militares estavam unidos no combate à luta armada, mas atenção,
não foram eles que começaram a brincadeira. Não nos esqueçamos que logo em
seguida ao golpe, Carlos Marighela viaja a Cuba e de lá volta com a nova
palavra de ordem: criar dois, três, muitos Vietnãs, como proclamava Ché
Guevara, em suas frustradas aventuras guerrilheiras na África e no coração da América
Latina, na Bolívia mais precisamente. Os comunistas cubanos deram todo o apoio
logístico e financeiro ao empreendimento guerrilheiro, não apenas de Marighela,
como de outros líderes comunistas também. Isto precisa ficar bem claro, para
que não se confundam as coisas e não se invente uma falsa história da
resistência ao regime militar. O grosso da repressão, as torturas bárbaras que
foram impostas à maioria dos guerrilheiros, ou simples “subversivos” capturados,
os desaparecimentos, os assassinatos cometidos contra os guerrilheiros não
vieram antes, mas bem depois que os atentados da luta armada começaram de forma
algo improvisada e bastante ingênua: assaltos a bancos, atentados a quartéis,
eliminação de “inimigos da revolução” e de “agentes do imperialismo”, mortes a
sangue frio, cabe relembrar.
Não estou aqui escrevendo a história, apenas testemunhando o que vi,
o que assisti, como aprendiz de guerrilheiro que nunca chegou a entrar em ação.
Quando vi a precariedade de meios, a insanidade do projeto armado, a profunda
debilidade política de todos esses movimentos, o total descolamento dos grupos
guerrilheiros de qualquer base social que eles pretendiam representar – e eu
conheci três, a ALN, a VPR e a VAR-Palmares – decidi auto-exilar-me
voluntariamente. Passei boa parte dos anos de chumbo na Europa, sempre lutando
contra o regime militar, mas lendo, estudando, visitando todos os socialismos,
refletindo sobre tudo aquilo, e aprendendo. Mas não pretendo oferecer agora um
depoimento pessoal sobre o que se passou nos anos da luta armada. Vamos voltar
ao nosso assunto principal.
(continua)
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