Com certeza vão muito além dos formalmente alegados "motivos pessoais" as razões da demissão de três dos cinco conselheiros da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) no dia seguinte à aprovação, por esse órgão colegiado, da tomada de um empréstimo de R$ 11,2 bilhões para socorrer as distribuidoras. Não é mero acaso o fato de os três conselheiros demissionários serem representantes do setor privado. Os que permanecem no cargo, entre eles o presidente da CCEE, foram indicados pelo governo.
As finanças das distribuidoras foram abaladas pela desastrosa política energética do governo Dilma e agravadas pela falta de chuvas nas principais regiões produtoras. Para evitar uma crise ainda mais grave no setor, já afetado pela baixa capacidade de geração das usinas hidrelétricas, o governo poderia repassar paulatinamente para as tarifas o custo adicional em que incorreram as empresas ou utilizar recursos do Tesouro. A primeira alternativa, porém, seria prejudicial às pretensões eleitorais da presidente; a segunda oneraria os contribuintes e afetaria ainda mais a frágil política fiscal, marcada por mágicas contábeis e números de baixa credibilidade. Acabaria, também, afetando os planos eleitorais de Dilma.
Sem fazer o que deveria ter feito para tentar atenuar os efeitos nocivos de sua política energética, o governo decidiu montar uma operação de socorro financeiro às distribuidoras, endividando fortemente a CCEE. Trata-se de utilização de um órgão colegiado em finalidade não prevista na legislação que o criou nem em seus estatutos originais: uma operação financeira de grande vulto para a qual, por sua própria função, não tem como oferecer garantias - fato que deve ter sido levado na devida conta pelos conselheiros que se demitiram.
Ironicamente, quem propôs a criação da CCEE foi a então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff - que assina, solitariamente, a exposição de motivos ao então presidente Lula para a edição de medida provisória (MP) instituindo mudanças na comercialização de energia elétrica. Assinada em dezembro de 2003, com o número 144, a MP foi aprovada com alterações pelo Congresso e se tornou a Lei n.º 10.848, de março de 2004.
O texto assinado pela então ministra de Minas e Energia é claro. A CCEE é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e entre suas finalidades estão a administração, o registro e a liquidação dos contratos de compra e venda de energia entre geradores e distribuidoras. Não há na MP nem no texto da lei (que, na parte relativa à CCEE, sofreu pouquíssimas mudanças em relação à MP) nenhuma referência a seu papel de tomador de empréstimos ou de emprestador de dinheiro para as empresas que dela fazem parte.
Ao anunciar que, por meio de uma estranha operação de engenharia financeira, a CCEE tomaria empréstimo de R$ 11,2 bilhões para socorrer as distribuidoras - que receberão R$ 4 bilhões do Tesouro, pois estão comprando energia das termoelétricas a um valor maior do que, por imposição do governo, podem cobrar dos consumidores -, as autoridades do setor elétrico e da área econômica imaginaram ter fechado o pacote de socorro para o setor.
Com isso, o plano alardeado pelo governo Dilma de redução de tarifas, além de ter desorganizado o setor, resultará em custos bilionários, que alguns especialistas estimam em R$ 50 bilhões. Por mero interesse eleitoral do governo, esses custos pouco afetarão as contas de luz nos próximos meses, mas implicarão aumentos de tarifas e gastos adicionais do Tesouro nos próximos anos.
A crise política na CCEE é um custo adicional da política energética de Dilma. Estatutariamente, o órgão tem um conselheiro indicado pelo Ministério de Minas e Energia, e que é seu presidente natural; os demais conselheiros são indicados pelas empresas geradoras, pelas distribuidoras, pelas comercializadoras e pelos agentes em conjunto. Permaneceram no cargo o presidente e um conselheiro que já ocupou a presidência em dois mandatos (o que é permitido por lei) - ou seja, também um representante do governo.
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