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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 28 de março de 2014

Politica externa brasileira: malabarismos eticos - Marcos Troyjo

Brasil sem perfil
Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo, Sexta-feira, 28.3.2014

Nações atuam no teatro global num misto de princípios, interesses e conjuntura. Isto vale para Alemanha, Mianmar ou qualquer país. A (não) posição do Brasil perante acontecimentos na Ucrânia comporta todas essas dimensões.

Brasília invoca noção vaga de “não-ingerência”. Anódino chamamento ao “diálogo, negociação e respeito aos direitos humanos”. Fingir-se de morto, no entanto, colide com o papel que o Brasil projetava para si durante o Governo Lula. Basta lembrar do desejado protagonismo na questão nuclear iraniana ou no conflito israelo-palestino.

O Brasil não exerce monopólio da desfaçatez. A atuação de Pequim nas últimas semanas também é ilustrativa.

A abstenção chinesa durante votação no Conselho de Segurança da ONU que condenava o referendo na Crimeia não deve ser tomada pelo valor de face. Na certeza da negativa russa à resolução, a abstenção equivaleu a veto. Putin agradeceu a China abertamente no triunfal discurso ao parlamento russo.

O Brasil deseja fortalecer a plataforma de chefes de Estado e a construção institucional dos BRICS. Estes negociam um Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) com US$ 50 bilhões para infraestrutura. Moscou é parte importante nessa dinâmica, cujo encontro de Cúpula se realiza em Fortaleza após a Copa.

Nesse assunto da Ucrânia, como em muitos outros, o Brasil se faz de tonto. Ainda assim, não será cobrado por potências ocidentais.

Não que a ausência de repercussão negativa resulte de ação bem pensada da atual política externa. É que várias frentes de interesse do país contam com suas próprias forças paralisantes.  

É zero a influência do episódio sobre a intenção do Brasil – antiga quanto a própria ONU – de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança. Sua reforma, que depende da vontade dos atuais membros, não sai em futuro previsível.

Melhor tirar o cavalo da chuva. A tensão Ocidente-Rússia não convida à modernização do sistema internacional, mas a nova versão do "Congelamento do Poder Mundial" apontado por Araújo Castro nos anos 70.

O "não perfil" brasileiro tampouco será sentido nas relações governo a governo ou no comércio com EUA ou Europa.

Depreciado há tempos, o diálogo Brasília-Washington deteriorou-se ainda mais pela bisbilhotagem da NSA. Para o Planalto, as desculpas americanas pelo episódio são ponto de honra. Como elas nunca virão, Brasil e EUA não acertam o passo. E, com Bruxelas, carregar o Mercosul nas costas já é complicado o bastante. 

A flexibilidade moral do Brasil não se explica apenas pelo interesse estratégico em fortalecer os BRICS. É, antes, resultado da predileção por cenário em que EUA e Europa têm menor importância relativa.

Tal leitura convém à preferência ideológica dos atuais “influenciadores” da política externa brasileira. Daí não surpreende todo irrealista apego às relações Sul-Sul e nossa maleabilidade ante Cuba, Venezuela, Honduras e UNASUL.  

O tempo dirá se essa combinação de malabarismo ético com distanciamento do Ocidente serve ao objetivo de tornar o Brasil mais próspero e respeitado no mundo.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

A visao "etica" do mundo dos homens sem qualquer etica: alguns comentarios pessoais...

Recebi nesta tarde, imediatamente após colocar este post neste blog,

Ecce Homo! (mas acho que ele nunca ouviu falar de Nietszche...)

um comentário que exclui do "rodapé", para promovê-lo a corpo de texto, o que deve deixar seu autor orgulhoso, embora não pelos bons motivos. Suprimo o seu nome -- que conheço de outras aventuras no espaço virtual -- para não constrangê-lo, pois acho que ele vai ficar com mais raiva deste blogueiro, ainda, com quem ele já teve entreveros lamentáveis no passado, justamente por que ele defende um mundo sem ética, um mundo feito apenas de um partido no poder, um mundo que ele vê em branco em preto, eles, os supostos "salvadores" da humanidade, e nós, os liberais -- que eles chamam estupidamente de "neoliberais", sem sequer saber o que isso significa --, ou seja, todos aqueles que não comungam de seus valores aéticos, de sua total falta de princípios, de seu oportunismo rastaquera e imoral, de seu raquitismo mental, de sua desonestidade congênita.
Eis o comentário do "herói" das causas totalitárias: 

Afff! Que texto mais estapafúrdio :D
Uma oposição que depende desta criatura que é o Reinaldo Azevedo continuará chorando o leite derramado em 2014, 2018, 2022...
Beijo para você PRA :)


Argh!!! Beijo??? Desse cara???!!! Jamais de la vie, por princípio, por escolha e... por asco.
Não vou sequer me dar ao trabalho de rechaçar seus argumentos puramente eleitoreiros, pois um indivíduo assim, como vimos, reduz o mundo a um combate entre os "bons", os "heróis" das causas operárias (e totalitárias), e todo o resto da humanidade. O texto do jornalista em questão era sobre o homem sem o qual eles não vivem, o único recurso de que dispõem para se apresentar como ganhadores, depois de 500 anos de dominação oligárquica (curioso que todos os oligarcas estão justamente com eles, desde sempre, como qualquer um pode constatar).
Este blog não tem partido nem candidatos em eleições, e se tiver um partido será simplesmente o da liberdade, o da independência de pensamento, o da recusa de se deixar levar pela falta de ética daqueles que utilizam-se de todos os meios para alcançar os seus fins, aqueles do partido único, se tal fosse possível no Brasi, em todo caso do pensamento único, que eles pensam ser progressista, ou de esquerda, mas que só consegue ser reacionário e fascista.
Indvíduos como esse ficam com raiva de espíritos libertários como o meu, e como não têm nada de inteligente a dizer, não têm nenhum argumento próprio a apresentar, ficam vigiando, como bons mercenários a soldo que são, os veículos daqueles que não comungam de suas porcas ideias (acho que eles não têm nenhuma, justamente, apenas slogans repetidos como paus mandados), de sua total falta de ética, de sua comunhão com o crime.
Eles são capazes de justificar as patifarias mais extremas de um chefe mentiroso, já que as falcatruas foram perpetradas em nome e em favor de suas causas obscuras.
Eles, que defendem todas as ditaduras, todos os oligarcas (à condição que eles estejam do seu lado, mesmo oportunisticamente), eles que justificam todos os crimes se dirigidos aos seus objetivos, esses elementos não conseguem suportar um pensamento livre, uma atitude crítica, um espírito independente. Eles são os vermes morais da humanidade, exatamente como já tinha revelado Arthur Koestler mais de 70 anos atrás, ele que era um ex-comunista, egresso de todos os combates contra a burguesia e o imperialismo, e que descobriu, a partir da guerra da Espanha e dos processos de Moscou a natureza essencial dos antigos companheiros, sua falta total de compromisso com a verdade, sua total falta de caráter, seus únicos compromissos com o partido totalitário que domina suas mentes, e os transforma em cães amestrados a serviço de qualquer causa, desde que seja aquela determinada pelo comitê central.
Esses indivíduos eu abomino, mas ao mesmo tempo eu tenho de agradecer sua constância em formular comentários amorais neste blog, pois isto me dá justamente a oportunidade de me distinguir deles, e de revelar sua verdadeira identidade aética.
Para satisfação de egos como o do comentarista em questão, que certamente vai ler esta postagem, coloco mais um artigo de seu jornalista mais odiado, não que eu tenho qualquer subordinação intelectual, ou qualquer concordância de princípio com esse jornalista, mas apenas porque ele toca nas questões reais, de uma forma competente e argumentada.
Fica para deleite do meu comentarista e como aprendizado aos mais jovens.
Paulo Roberto de Almeida

Sob a égide da ética do crime. Ou: A ética dos Renans, dos Dirceus e um livro. Ou: É permitido matar a velha a machadadas?
Reinaldo Azevedo, 1/02/2013

Renan Calheiros (PMDB-AL), reconduzido à Presidência do Senado, resolveu exibir musculatura filosófica no discurso oficial como candidato ao posto. E disparou: “A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é o interesse nacional. A ética é meio, não é fim”. Que coisa! O candidato falava, então, em termos abstratos, conceituais, e a paixão especulativa poderia nos devolver lá a Aristóteles, passando por Kant e chegando a Espinosa — depois de devidamente desprivatizado, já que, no Brasil, Marilena Chaui se quer a intérprete oficial do autor; se a obra de Espinosa fosse “A Valquíria”, Marxilena se apresentaria como Maria Callas… Mas que se deixe a abstração de lado. O voo teórico de Renan se fez ética encarnada na voz do senador Lobão Filho (PMDB-MA), que chegou à Casa como suplente de Lobão Pai, hoje ministro das Minas e Energia: “Nessa Casa não há nenhuma vestal. A última vestal que tentou ser vestal nessa Casa foi desossado pela imprensa. Não há ninguém a levantar o dedo para o senador Renan Calheiros”. O Lobinho é o homem do Lobão!

Ele se referia certamente a Demóstenes Torres, defenestrado por bons motivos do Senado, como todo mundo sabe. Mas que se note: Demóstenes não perdeu o mandato porque se apresentasse como vestal; ele foi cassado porque não praticava, na vida pública, aquilo que enunciava e anunciava. Quando aquele senador caiu, os valores éticos não caíram com ele. É espantoso! Hoje em dia, intelectuais de esquerda, os petistas e tipos como Lobinho passaram a demonizar o discurso da ética e da moralidade públicas. Ele seria sempre e necessariamente falso; só poderia se exercer como moralismo de fachada. Nessa perspectiva, não se deve mais censurar este ou aquele pelo crime cometido; cumpriria, então, indagar: “Mas por que ele fez tal coisa? O fim é nobre?”.

De fato, a ética não é uma finalidade em si, mas um instrumento. Só que há uma consideração que certamente não passa pelo amoralismo de Renan Calheiros e dos setores da esquerda que são hoje seus aliados: os meios empregados qualificam os fins. Se Maquiavel retirou a política da esfera quase celeste e a devolveu à terra ao constatar que, na vida real, os fins acabam justificando os meios, tomada tal perspectiva como um norte ético, mergulha-se, então, no vale-tudo.

Não, meus caros! Nem Aristóteles, nem Espinosa, nem Kant. O livro que trata de forma mais viva e cruenta a questão da ética é o magistral “O Zero e o Infinito”, escrito pelo ex-comunista Arthur Koestler, que veio à luz em 1941. Ele precisou de muito menos tempo do que outros para constatar os crimes do comunismo. O centro da obra é justamente um questionamento ético. Entre 1936 e 1938, Stálin — tratado no livro como o “Nº 1” — liquida boa parte da velha-guarda revolucionária no curso dos chamados “Processos de Moscou”, uma farsa judicial espantosa para se consolidar como a única fonte de poder da União Soviética. Os “processos” são especialmente espantosos porque conduzidos de forma a criar uma maquinaria argumentativa que levava os acusados a confessar a sua culpa, embora soubessem que isso não os livraria da morte, à qual já estavam condenados. A acusação essencial: conspirar contra o estado soviético, a revolução socialista e o partido.

É esse clima que Koestler reproduz em seu livro. Rubachov é um comunista revolucionário de primeira hora que está preso, acusado de conspiração e traição. Somos apresentados a seus diálogos com seus algozes, todos eles a serviço do partido e da causa. Ocorre que se formara ele também na certeza de que o partido não errava nunca e de que não se iria construir uma nova humanidade sem cometer alguns atos condenados pela moral burguesa.

Um trecho do livro é particularmente significativo. Rubachov conversa com Ivanov, um policial do regime com certas pretensões filosóficas. Este faz algumas considerações sobre Raskolnikov, o jovem assassino de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, aquele que mata uma velha exploradora a machadadas para supostamente usar o seu dinheiro em benefício da humanidade. Raskolnikov acaba confessando a sua culpa e busca a reabilitação.

Para Ivanov, o policial, “Crime e Castigo” é um livro que deveria ser queimado porque não propõe nenhuma questão relevante. Entende que Raskolnikov “é um louco, um criminoso, não porque se comporte logicamente ao matar a velha, mas porque está fazendo isso por interesse pessoal”. E acrescenta: “O princípio de que o fim justifica os meios é e continua sendo a única regra da ética política. Tudo o mais é conversa fiada e se derrete, escorrendo por entre os dedos. Se Raskolnikov tivesse matado a velha por ordem do Partido (por exemplo, para aumentar os fundos de auxílio às greves ou para instalar uma imprensa clandestina), então a equação ficaria de pé, e o romance, com seu problema ilusório, nunca teria sido escrito, e tanto melhor para a humanidade”.

Como vocês percebem, para Ivanov, o assassinato mais torpe se enobrece se a causa é considerada não exatamente justa, mas útil.  O programa do computador deu pau (daí a demora em voltar…), e estou digitando trechos do livro. Rubachov responde que, no poder, os revolucionários conseguiram criar uma sociedade pior do que aquela que buscavam substituir, que as condições de vida se deterioram dramaticamente em todas as áreas, que as pessoas sofrem muito mais.

Ivanov então responde: “Sim, e daí? Não acha maravilhoso? Alguma vez já aconteceu algo mais prodigioso na história? Estamos tirando a pele velha da humanidade e lhe dando uma nova. Não é uma ocupação para gente de nervos fracos”. O policial já havia dito ao líder comunista que caíra em desgraça que só há duas éticas no mundo, opostas e inconciliáveis: uma é a cristã e humana, que declara que o homem é sagrado e que os princípios da aritmética não podem ser aplicadas a unidades humanas; a outra é a coletiva, que subordina cada homem às necessidades do coletivo; esta outra, que é a sua, diz ele, “não somente permite como pede que o indivíduo seja de todas as maneiras subordinado e sacrificado à humanidade”.

De volta a Renan
E o que Renan tem com isso? É um legítimo representante ou herdeiro da esquerda, por acaso? Até namorou com o PC do B quando jovem, mas isso não tem importância. Relembro “O Zero e o Infinito” porque nenhuma  obra levou tão longe e de maneira tão viva o questionamento ético. A elite dirigente que hoje comanda o país transformou em norte moral a máxima de que o fim justifica, sim, os meios empregados. Essa visão de mundo contamina setores da imprensa. Quantos não são aqueles que justificam a aliança da velha com a nova oligarquia em nome do interesse nacional?

A “ética” de que fala Ivanov é aquela que entrega a um partido, a um ente, o destino da humanidade e de cada homem. Sim, ele está certo na constatação, entendo eu, de que, a rigor, só existem duas éticas: a que sacraliza o indivíduo e a que o transforma em peça de uma narrativa contada por aquele ente de razão. O que nos distingue, por óbvio, é que fico com a primeira, e ele, com a segunda.

O Brasil passa por um momento particularmente infeliz no que diz respeito à ética porque, com efeito, o PT é herdeiro moral do vale-tudo bolchevista — sem mais ser, por óbvio, comunista. E, em nome do que vende como “causa da humanidade”, não só pratica os piores crimes como os transforma em ferramenta de progresso social, como faz Ivanov. Esse amoralismo redentor, que apela a amanhãs gloriosos, se casou perfeitamente com os interesses das elites reacionárias brasileiras, de que são expressões os Renans, os Sarneys etc.

Se uns nunca tiveram têmpera revolucionária, os outros a empregam como farsa. Porque, de fato, se os reacionários nunca tiveram como perspectiva um novo mundo, os supostamente revolucionários queriam era dividir o comando da reação. E conseguiram. Os dois grupos se dizem hoje irmanados na defesa do bem comum, em nome do qual tudo é permitido.

O conjunto explica por que José Dirceu sai proclamando aos quatro ventos que as críticas a Renan derivam do moralismo udenista. Dirceu é o candidato a Ivanov dessa nova ordem. E Ivanov já disse: Raskolnikov, o que matou a velha a machadadas, só não era um herói porque não agiu sob o comando do partido, de uma causa.

Não sei se daqui a dois, seis, 10, 14 ou mais anos… Um dia essa gente será apeada do poder. E poderemos, ou outros poderão, refletir com ainda mais rigor sobre a era em que vivemos sob a égide do crime sem castigo. Os que chamamos as coisas por seus respectivos nomes fazemos a crônica de um tempo.