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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Reverência às árvores do campus de Bauru - Carlos Alberto Ribeiro de Xavier

Reverência às árvores do campus de Bauru da Universidade de São Paulo

Carlos Alberto Ribeiro de Xavier

15 de novembro de 2006


Angicos, Oitis, Unhas de Vaca, Acácias, Paineiras, Cajazeiras, Figueiras, Quaresmeiras, Mungubas, Ipês, Cabreúvas, Pinheiros, Arecas e outras palmeiras e coqueiros além de muitas outras plantas ornamentais povoam o campus universitário da USP em Bauru. Como seria desagradável esse ambiente sem as árvores e jardins! Como afetaria o humor e disposição das pessoas que permanecem tanto tempo em lugar inóspito, que seria esse sem as árvores, tanto dos pacientes e visitantes quanto dos que ai trabalham ou estudam. Há quase vinte anos freqüento a FOB - Faculdade de Odontologia de Bauru, célula mãe onde se desenvolveram as mais modernas técnicas da odontologia e da fonoaudiologia tão difundidas hoje em dia e de onde saíram dentistas e fonoaudiólogos, os mais atualizados do país, e o CENTRINHO que, há décadas, além do hospital e clínica atendendo pacientes de todo o Brasil e até do exterior, mantem o CPA - Centro de Pesquisas Audiológicas, pioneiro formador de pessoal de nível superior especializado no atendimento de deficientes auditivos no Brasil. São duas referências indiscutíveis, centros de excelência, orgulho nacional nessas áreas da saúde.

Por um hábito da origem rural e por ter trabalhado por muitos anos com a administração de parques nacionais e reservas biológicas, mas também por ter dirigido o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, sempre fui um observador de árvores e aprendi a fruir as paisagens com especial atenção, pois vejo as cidades pela ótica de sua arborização. Quase sempre reconheço os espaços das cidades pelas árvores que distingo na paisagem. A humanização dos espaços urbanos tem em Bauru um belo exemplo, especialmente nas adjacências do campus e da vila universitária, onde se vê a Avenida das Nações Unidas com bem cuidados canteiros e belas palmeiras e outras árvores, ou o canteiro central da Alameda Otávio Pinheiro Brisolla, de cima abaixo arborizado com Ipês brancos (Tabebuia odontodiscus e T. róseo-alba), e alguns amarelos, roxos ou rosas. Sibipirunas, Sucupiras, Figueiras, Mangueiras, Perobas, para citar algumas, também amenizam o ambiente nas ruas de Bauru.

No campus de Bauru, a FOB tem marcado a formatura de suas turmas de odontólogos e fonoaudiólogos com o educativo costume do plantio solene de árvores, quase todos com Ipês: os brancos (Tabebuia odontodiscus), mas também os amarelos (T.serratifolia ou o T.crysotricha), rosas (T. róseo-alba) ou roxos (T. reptaphyla). Para marcar os 25 anos de sua formatura, a turma de 1976 plantou um Pau Brasil (Caesalpina echinata) e a de 1977, uma Cabreúva (Miroxylon peruiiferum). A turma de 2001 plantou uma Peroba Rosa (Aspidosperma polyneuron); as turmas de 2001 a 2004 dos fonoaudiólogos também plantaram três Ipês, um roxo (T.avellanedae), um branco e outro amarelo e um Flamboayant, ou Flamboiaiã (Delonix regia). Essa árvore de Madagascar e de outras ilhas do Oceano Índico também foi a escolhida para comemorar o jubileu de prata da turma de odontólogos de 1978; ela está no canteiro que fica ao lado do restaurante universitário e é muito comum no Brasil. É uma presença oriental nos jardins do campus juntamente com a Unha de Vaca (Bauhinia variegata), as palmeiras (Caryota spp) e a mangueira (Mangifera indica) também freqüente neste arboreto da USP e todas elas trazidas das “Índias” e introduzidas no Brasil pelos portugueses.

Muita gente hoje em dia se surpreende com essas informações sobre a origem das plantas que se adaptaram tão bem ao Brasil que parecem nativas. Além das citadas, também outras espécies aqui chegaram graças ao grande fluxo de navegações que havia durante os três primeiros séculos de nossa história, quando era enorme a quantidade de navios fazendo a rota: Portugal - Brasil – África - Índia – Malásia - China – Japão. No período colonial era muito comum a convivência com produtos que nos chegavam de Lisboa, Moçambique, Goa, Diu, Damão, Macau, e outros diferentes lugares do oriente. Apenas como exemplo de plantas que vieram daquelas latitudes cito o Tamarineiro (Tamarindus indica) e a Jaqueira (Artocarpus heterophillus) da Índia; o Jambeiro (Zyzyqium malaccense) que veio da Malásia; a Cássia Imperial (Casssia fistula), originária do Ceilão; as palmeiras (Caryota spp) nativas da Índia à Nova Guiné, o Chapéu-de-Sol (Terminalia catappa) proveniente da Malásia; a Cerejeira ornamental (Prunus serrulata) símbolo da flora do Japão; e o Chorão (Salix babylonica) que veio da China e do Irã.

Na entrada da Faculdade existe um bom exemplar do Pau Brasil e um Ipê de mais de 30 anos. Mais antigas do que o ipê e o pau Brasil, segundo o Superintendente do Centrinho que veio para a FOB no fim dos anos 1960, as duas palmeiras do gênero Caryota que lá existiam foram retiradas porque, muito enfraquecidas pela pobreza do solo, talvez, tenham sido atacadas por brocas e fungos provocando seu fenecimento. A última dessas palmeiras que foi retirada no dia 8 de agosto de 2006 hospedava uma pequena comunidade plantas como liquens, bromélias e samambaias, uma Figueira e até uma Xeflera que convivia com a árvore morta. Os galhos secos e as árvores que, como qualquer ser vivo, fenecem, devem ser retirados, pois oferecem perigo constante, podendo cair sobre pessoas, automóveis e prédios, em caso de ventos fortes ou tempestades, por exemplo. Daí a importância da manutenção e de tratos culturais e fitosanitários para a conservação dos jardins.

Presenciei a retirada dessa já famosa e saudosa palmeira; ela que testemunhou a entrada e saída de milhares de alunos e professores ao longo desses anos todos, hoje está na memória das pessoas e imortalizada em fotos e em pinturas que retrataram a entrada da FOB, como uma tela da pintora Bárbara que está na sala de espera da direção da Faculdade. Alguém pediu para levar pedaços do estipe da “Caryota da FOB”, fazendo-me lembrar de outra palmeira célebre, a Palma Mater, primeira Palmeira Imperial (Roystonea oleracea) do Brasil, plantada por D.João VI em 1809 e da qual descendem todas as palmeiras imperiais do Brasil. Ela viveu até 1968 quando, já muito doente e atacada por pragas, um raio partiu-a em duas metades, durante uma tempestade. A xiloteca do Jardim Botânico guarda esse material como acervo de museu, objeto de estudos dendrométricos e biológicos. Até hoje, muitas pessoas pedem para ver ou para ficar com um pequeno pedaço dessa palmeira. O cronista Rubem Braga era um desses e levou uma pequena amostra desse material para que o artista Caribe pudesse esculpir a representação da mão de D.João VI, plantando a primeira palmeira imperial no Brasil, pois ela é originária de Cuba e das Antilhas, se dispersando com a ajuda das aves até o norte da América do Sul.

O novo jardim da entrada da FOB começa com as plantas remanescentes, incluindo o Pau Brasil, o Ipê, um Angico nativo e uma Areca, a palmeirinha tão comum no campus. Pelas informações que obtive, o projeto que já está sendo implantado vai embelezar muito toda aquela área do portal de entrada da Faculdade, incluindo um sistema de irrigação, correção e adubação do solo e o plantio de espécimes de palmeiras do gênero Washingtonia, da Ptychosperma elegans e plantas ornamentais como Hemerocalis sp, Streliztia reginae, entre outras. Meus aplausos para o Diretor da FOB e para os idealizadores e executores desse jardim.

Meus cumprimentos também ao Prefeito do Campus de Bauru e ao seu pessoal. Não são muitos os jardineiros e ajudantes que cuidam do campus (Ednelson, Claudinei, Rodrigo, Arquimedes, José Carlos, dentre outros poucos que trabalham sob a orientação da engenheira Simone e de seus colegas Fábio, Pedro e os responsáveis pela manutenção elétrica, hidráulica e edificações do campus); eles tem mais de 40.000 metros de áreas ajardinadas para manter e conservar. Fazem um bonito trabalho, quase anônimo e imperceptível, mas absolutamente necessário, pois em um ambiente onde dezenas de pacientes freqüentam diariamente os vários consultórios e laboratórios, há que se ter, sim, muitos cuidados. No viveiro de plantas do campus pude ver que existem mudas de caju, carambola, goiabas, limão, copaíba, e uma pequena horta com alguns pés de fumo, abóbora, mandioca, boldo, maracujá, quiabo e algumas plantas ornamentais. Os tratos culturais dos jardins envolvem podas, tratamentos de doenças, retirada de pragas, replantios. Os galhos dos Oitis que existem na entrada de automóveis, cercam o prédio da agência bancária e enfeita toda a rua que desce, foram podados recentemente na tentativa de afugentar os pombos e outras aves que freqüentam o campus para descanso ou como dormitório.

Como acontece em outros campi da própria USP, o piolho de pombos, e principalmente suas fezes é uma ameaça de contaminação de todo o espaço sendo motivo de preocupação e cuidados. Apesar da inevitável mutilação das árvores com a perda dos galhos, elas ainda estão lá e podem precisar de outras intervenções no futuro para controle desses visitantes, pois as aves continuam procurando as árvores do campus. Os especialistas poderão indicar soluções como a construção de pombais, ao longo do trajeto diário dessas aves, que poderiam preferir esses novos espaços como dormitório, ou outro sistema de controle dessas populações que aumentam de acordo com a existência de alimentos nas plantações na zona rural das redondezas que, certamente, freqüentam.