A taça é deles (e a
conta é nossa)
Guilherme Fiuza
O Globo, 6/07/2014
País gastou com os estádios da Copa mais do
que Alemanha e África do Sul juntas. Com brasileiro não há quem possa
Os pessimistas e a elite branca deram
com os burros n’água: a Copa do Mundo no Brasil é um sucesso. A bola está
rolando redondinha, os gramados estão todos verdinhos e o país chegou até aí
batendo mais um recorde: gastou com os estádios da Copa mais do que Alemanha e
África do Sul juntas. Com brasileiro não há quem possa.
Aos espíritos de porco que ainda têm
coragem de reclamar do derrame sem precedentes de dinheiro público promovido
pelos faraós brazucas, eis a resposta definitiva e acachapante: a Copa no
Brasil tem uma das maiores médias de gols da história. Fim de papo. De que
adianta ficar economizando o dinheiro do povo, evitando os superfaturamentos e
as negociatas na construção dos estádios, para depois assistir a um monte de
zero a zero e outros placares magros? Fartura atrai fartura. Depois da chuva de
verbas, a chuva de gols. É a Copa das Copas. Viva Messi, viva Neymar, viva
Dilma.
Está todo mundo feliz, e o país mais
uma vez se renderá a Lula. O oráculo afirmou que era uma babaquice esse negócio
de querer chegar de metrô até dentro do estádio. Que o brasileiro vai a jogo
até de jegue. O filho do Brasil mais uma vez tinha razão.
O país teve sete anos para usar a
agenda da Copa e investir seriamente em infraestrutura de transportes. Sete
anos para planejar e executar uma expansão decente do metrô nas capitais
saturadas, por exemplo — obras caras que dependem do governo federal. Ainda bem
que nada disso foi feito, e as capitais continuaram enfrentando sua bagunça a
passo de jegue. Seria um desperdício, porque todo mundo sabe que essa mania de
querer chegar aos lugares de metrô é uma babaquice da elite branca. Felizmente,
o dinheiro que seria torrado nessa maluquice foi bem aplicado nos estádios mais
caros do mundo, entre outros investimentos estratégicos.
Agora a Copa deu certo, o brasileiro
está sorrindo e a popularidade de Dilma voltou a subir — provando de uma vez
por todas que planejamento sério é uma babaquice. O que importa é bola na rede.
Nos anos que antecederam a Copa das
Copas, os pessimistas encheram a paciência do governo popular com a questão dos
aeroportos. Mas o PT resistiu mais uma vez à conspiração dessa burguesia ociosa
que reclama de tudo. E deixou para privatizar (que ninguém nos ouça) os
aeroportos às vésperas da Copa. Foi perfeito, porque sobrou mais tempo para o
bando da companheira Rosemary Noronha parasitar o setor da aviação civil,
proporcionando aos brasileiros o que eles mais gostam: ser maltratados nos
aeroportos em ruínas, se possível derretendo com a falta de ar-condicionado (o
que Dilma chamou carinhosamente de “Padrão Brasil”).
Os pessimistas perderam mais essa. Na
última hora, com um show vertiginoso de remendos e puxadinhos
(Brasil-sil-sil!), os aeroportos nacionais não obrigaram nem uma única
delegação estrangeira a vir para a Copa de jegue. Todas as seleções entraram em
campo — a televisão está de prova. E, no que a bola rolou, quem haveria de
memorizar detalhes insignificantes, como metade dos elevadores da Favela
Antonio Carlos Jobim enguiçados, além de algumas esteiras e escadas rolantes
interditadas, entre outros desafios dessa gincana Padrão Brasil?
Ora, calem a boca, senhores
pessimistas. A Copa deu certo. A Rosemary também.
Quem vai cronometrar o tempo dos
otários nas filas monumentais? Os cronômetros só medem a posse de bola. E bem
feito para quem ficou preso nos engarrafamentos a caminho do estádio, de casa
ou de qualquer lugar. Lula avisou para ir de jegue. Você ficou engarrafado
porque é um membro dessa elite branca que contribui para o aquecimento global.
Além de tudo, é ignorante, porque ainda não entendeu que o combustível no
Brasil foi privatizado pelos companheiros e seus doleiros de estimação. Como
diria o petista André Vargas ao comparsa Alberto Youssef, o petróleo é nosso.
Além de jegue e jabuticaba, o Padrão
Brasil tem feriado. Muito feriado. Quantos o freguês desejar. Pode haver melhor
legado que esse para a mobilidade urbana? Se todo mundo andar de jegue e
ninguém precisar ir trabalhar, acabaram-se os problemas viários. Poderemos ter
Copa todo mês. E os brasileiros não precisarão mais correr riscos com obras
perigosas como os viadutos — que, como se sabe, desabam.
A Copa no Brasil tem tido jogos
realmente emocionantes. É o triunfo do único inocente nessa história — o
futebol. Viva ele. Os zumbis que ficavam gemendo pelas ruas que “não vai ter
Copa” sumiram na paisagem do congraçamento das torcidas. Mas é claro que isso
será entendido pela geleia geral brasileira como... gol da Dilma! É a virada
dos companheiros, a vitória dos oprimidos palacianos sobre as elites
impatrióticas etc. A taça é deles. E a conta é nossa.
Se você não suporta mais essa alquimia
macabra, que faz qualquer sucata populista virar ouro eleitoral, faça como os
atletas do Felipão: chore.
Guilherme Fiuza é jornalista