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quinta-feira, 29 de julho de 2021

Um governo que mente, tão descaradamente, que até pensa que fala sinceramente, e que a gente acredita nele...

 Bolsonaro deu 1.682 declarações falsas ou enganosas em 2020, aponta relatório de ONG internacional


Documento da Artigo 19 mostra ainda queda no nível de liberdade de expressão no mundo e no Brasil

André de Souza
O Globo, 29/07/2021

BRASÍLIA  - Um relatório da organização não-governamental Artigo 19, com escritório em noves países, inclusive o Brasil, mostra que o presidente Jair Bolsonaro emitiu 1.682 declarações falsas ou enganosas em 2020, ou seja, mais de quatro por dia. O documento também aponta ataques de Bolsonaro à imprensa e mostra uma queda no nível de liberdade de expressão no mundo em geral e no Brasil: o país obteve apenas 52 pontos numa escala que vai de 0 a 100.  O índice é o mais baixo registrado pelo Brasil desde 2010, quando começou a ser calculado pela ONG. As informações fazem parte do "Relatório Global de Expressão 2021", com dados de 161 países.

De acordo com o documento da ONG, que atua na defesa da liberdade de expressão e acesso a informação, as declarações falsas ou enganosas de Bolsonaro contribuíram para a aumentar o número de casos de Covid-19. A Artigo 19 também fez críticas à falta de transparência nos números da pandemia em alguns países, entre eles o Brasil.

"Em outros casos, a desinformação vem de indivíduos que ocupam posições relevantes — até mesmo chefes de governo, como Jair Bolsonaro — geralmente por meio de contas pessoais, em vez de oficiais, nas redes sociais. Esses indivíduos isolados podem ter um grande impacto na disseminação da desinformação. O presidente dos Estados Unidos [Donald Trump, que estava no cargo em 2020] foi provavelmente o maior impulsionador da 'infodemia' de informações errôneas sobre a COVID-19 em língua inglesa", diz trecho do relatório.

O documento destacou algumas falas de Bolsonaro, como chamar a Covid-19 de "gripezinha", enquanto "promove discursos antivacinas e anti-isolamento, piorando as taxas de infecção e causando uma crise de informação com discursos altamente polarizados". Desde janeiro de 2019, quando assumiu o cargo e ainda não havia pandemia, Bolsonaro fez 2.187 declarações falsas ou distorcidas.

O problema da desinformação não se limitou ao Brasil, tendo se espalhado rapidamente nas redes sociais e aplicativos de mensagens de vários cantos do planeta. O tipo mais perigoso, diz o relatório, "tem sido as teorias de conspiração sobre minorias étnicas que espalham a doença e o discurso de ódio, traduzidas em discriminação e violência no mundo real, remédios caseiros espúrios para a prevenção ou cura do vírus e propaganda — tanto por autoridades políticas nacionais quanto estrangeiras".

Ataques à imprensa

O levantamento aponta ainda 464 declarações públicas de Bolsonaro, seus ministros ou assessores próximos atacando ou deslegitimando jornalistas. "Essas atitudes influenciam as autoridades locais e se manifestam em atitudes, assédio e ações judiciais contra jornalistas. Esse nível de agressão pública não era visto desde o fim da ditadura militar. A crescente hostilidade social contra jornalistas e seus efeitos desencorajadores não devem ser subestimados", diz o relatório.

Além disso, houve 254 violações no Brasil contra jornalistas e comunicadores em 2020, das quais 123 perpetradas por agentes públicos e 20 constituindo casos graves, como homicídios, tentativas de homicídio e ameaças de morte.

Outro problema foi o aumento no uso da Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar "como arma contra manifestantes e jornalistas que desafiaram o presidente por sua falta de ação, mesmo com o aumento das evidências do escopo da emergência da Covid-19".

No mundo todo, 62 jornalistas foram mortos e 274 presos. Os países com mais prisões foram China, Turquia e Egito. "As prisões quadruplicaram de março a maio de 2020, e o assédio e os ataques físicos aumentaram em todo o mundo — do Brasil à Itália, Quênia, Senegal e Nigéria", diz trecho do sumário executivo do relatório.

Apesar das críticas a Bolsonaro e outros governos mundo afora, o relatório apontou o papel de algumas instituições como freio ao autoritarismo: "Algumas instituições demonstraram resiliência — governos regionais e Congresso foram um contrapeso efetivo no Brasil, enquanto o Judiciário no México bloqueou algumas das iniciativas mais problemáticas de López Obrado [presidente do país]."

Queda global na liberdade de expressão

Na escala de liberdade de expressão, que vai de 0 a 100 e é calculada a partir de 25 indicadores, o Brasil teve 52 pontos. É a pior pontuação da série, que começou em 2010, e é a mesma da Colômbia e do Gabão, ficando logo abaixo do Haiti, que teve 53 pontos. As melhores pontuações foram da Dinamarca e Suíça, com 95, e a pior foi da Coreia do Norte, que zerou. Na América Latina, os melhores resultados foram de Uruguai (92), Costa Rica (89), Argentina (88) e República Dominicana (87).

Em 2010, o Brasil tinha uma pontuação bem melhor: 89. Em 2015, ficou em 86. A primeira grande queda foi em 2016, quando obteve 73 pontos. Em 2017 e 2018, ficou em 66 pontos. Em 2019, nova queda, para 54 pontos. Países que têm entre 40 e 59 pontos entram na categoria de expressão restrita. Já aqueles entre 80 e 100 estão na categoria de expressão aberta, a melhor possível.

"Nos últimos cinco anos, o Brasil deixou de ser um dos países com maior pontuação mundial para ser considerado uma crise de democracia e expressão – e agora também uma crise de saúde pública. O Brasil é a perfeita avalanche contemporânea de problemas de expressão: populismo autocrático, desinformação, desigualdade severa e controle tecnológico. A pandemia consolidou as tendências observadas no último ano", diz o relatório.

No mundo em geral, o relatório também mostra uma queda no grau da liberdade de expressão e imprensa. Ao todo, 61 países analisados têm pontuação inferior a 40, ou seja, são considerados em crise ou com altas restrições, o que dá 64% da população global. Em 2010, tais pontuações abrangiam 32% da população no mundo. E pelo menos 57 governos usaram a pandemia de Covid-19 como pretexto para limitar a liberdade e a democracia.

O aumento do autoritarismo é atestado por outros índices. Em 2010, 48% da população mundial viviam eu autocracias. Em 2020, passou para 68%. No ano passado, 96 países cometeram violações moderadas ou graves à democracia. Em 29, houve 155 desligamentos da internet. Também foi constatada a diminuição da privacidade e o aumento da vigilância, e um crescimento das demissões e cortes salariais de jornalistas no mundo todo.

Também foram registrados 331 mortes de defensores de direitos humanos, das quais 264 na América Latina. A Colômbia sozinha foi responsável por 53% dessas mortes no mundo todo.

https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-deu-1682-declaracoes-falsas-ou-enganosas-em-2020-aponta-relatorio-de-ong-internacional-1-25131340

domingo, 27 de junho de 2021

Sobre o cenário político até as eleições - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre o cenário político até as eleições

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivocomentários sobre a atualidadefinalidadedebate público]

 

 

A grande e irônica parábola da política brasileira dos últimos 30 anos: um grão-tucano elegeu o grão-petista, que sempre o atacou, pedindo “n” impeachments; a despeito disso o grão-tucano protegeu o grão-petista do impeachment. Este conseguiu eleger uma desastrosa petista minion, que provocou a Grande Destruição, promovendo um fascista boçal, que, por estupidez infinita e perversidade asquerosa, vai eleger de novo o grão-petista com o apoio antecipado do grão-tucano. É isso o Brasil?!?

As parábolas bíblicas são mais felizes do que as políticas…

 

Conhecendo os políticos que ocupam o núcleo do poder atualmente — e já não é mais a Famiglia aloprada, ou tão somente o bando de loucos —, assim como vendo a má qualidade dos generalecos cúmplices que cercam o capitão, teremos ainda de amargar milhares de mortos adicionais e várias arbitrariedades do degenerado até ele ser jogado no lixo.

Infelizmente é isso, pessoal, a menos que uma pressão irresistível da sociedade obrigue esses políticos aproveitadores a se dobrarem à vontade da nação, que já é, claramente, a de afastar o psicopata. Não o será, se depender dos que mandam realmente, mas também daqueles que pretendem ocupar o poder em seu lugar, pois a estes convém que o desastre persista.

Não espero comentários nem de bolsonaristas, nem de petistas, pois serão deletados inapelavelmente, caso defendam uma ou outra posição.

Estamos nessa situação por causa dos petistas: foram eles que colocaram o homicida no poder; e são justamente os petistas os únicos capazes de mantê-lo no poder, pela via eleitoral. E para que eles tenham alguma chance de ganhar nas eleições, é preciso que o genocida se mantenha no poder até outubro de 2022, produzindo mais mortes e desastres. 

Se Lula estivesse realmente interessado no bem-estar do país e na reunificação da sociedade, deveria se juntar aos democratas que querem um governo decente, não um novo salvador da pátria.

 

Vivendo e não aprendendo…

Mussolini ascendeu criticando o “malgoverno” italiano de um século atrás, com seu jeito fanfarrão e truculento de “deixa comigo” e só produziu totalitarismo, desastres e mortos. 

Chávez fez mais ou menos o mesmo, pela “esquerda”, com muito mais recursos e a “colaboração” de milhares de militares. Deu no que deu: um país falido, que não exporta mais petróleo, só quadros formados e um povo desmilinguido.

Já deveríamos ter aprendido algo com esses mitos salvadores, não é mesmo?

Acho que os brasileiros ainda não aprenderam com as frustrações do passado ainda recente: continuam buscando o próximo “salvador da pátria”.

Costuma dar certo por algum tempo, depois se é obrigado a cair na real. 

Quando é que vamos enfrentar a dura tarefa de construir um país decente? 

Educação, boa governança, abertura ao mundo, muito trabalho…

 

Sobre o degenerado: 

Não creio que o termo genocídio, no conceito e entendimento do Direito Internacional, se aplique ao caso do desgoverno do Brasil atual, ainda que Bolsonaro, ele sim, possa ser enquadrado como criminoso comum, delinquente humanitário e genocida potencial. Não existe um projeto de governo, como no Império Otomano durante a Grande Guerra, ou como no caso do governo nazista, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, no sentido de exterminar um povo, por razões de Estado. No caso do Brasil, se trata de uma negligência monstruosa, quando não cumplicidade criminosa, com perpetradores privados de eliminação física de certos grupos sociais ou indivíduos: indígenas, pobres e favelados em geral, negros em especial, e delinquentes certamente. 

O genocida na cadeira presidencial revelou suas intenções homicidas desde o início, ao flexibilizar regras de trânsito e cuidados com crianças nos carros. Ele é sim um genocida potencial, e deveria ser denunciado em todos os foros, mas não será julgado na Haia. Deveria ser acusado, processado, condenado e encarcerado, pela Justiça brasileira (se ainda existe).

 

Sobre o caráter do dirigente: 

Não tenho muito a acrescentar, pois já sabia de tudo isso desde muito tempo antes. Em 2018 considerei que iria dar tudo errado. Só não sabia da extensão do desastre: muito mais do que poderíamos imaginar. 

Os milicos estão devendo essa para toda a sociedade brasileira. Que não venham com hipóteses alucinadas: eles são os grandes responsáveis pelo desastre, antes, durante, até agora!

Uma das facetas do atual desgoverno é que está cheio de milico da reserva (pois se aposentam cedo demais), posando de consultores sabidos, fazendo lobby junto a funcionários de carreira dos ministérios para vender coisas ao desgoverno “amigo”, qualquer coisa, desde que seja com ágio, comissão e sobrepreço. É tudo o que eles aprenderam a fazer na ativa?

Depois de tudo o que se assistiu, de tudo o que já se sabia, ainda existem milicos capazes não só de defender, mas de trabalhar para o genocida corrupto?!?! Estão se igualando a esses políticos vagabundos do Centrão e aos mais sórdidos dos grandes capitalistas? Poltrões, biltres, bachibozouks, ectoplasmas, como diria o capitão Haddock!

 

Sobre a tragédia econômica: 

Vou ser novamente claro e brutal: muito pior do que todos esses crimes de políticos mequetrefes, incluindo os do capitão boçal, é o tal de “orçamento paralelo”, que destrói qualquer sentido de governança no país. Bolsovirus já cometeu muitos crimes, comuns e políticos, que justificariam o seu impeachment. Mas este é o maior. 

Por acaso é aquele que justamente mais beneficia os políticos mequetrefes que comandam a abertura de um impeachment.

 

Sobre a CPI da Pandemia: 

A história tem dessas surpresas: ações involuntariamente “do bem” tomadas por gente “do milieu”, que atua muitas vezes mais por vingança pessoal, do que por grandes causas sociais. 

Talvez seja o caso da CPI do Fim do Mundo (ops, da Pandemia), que atirou no que viu e acertou no que não viu. 

A vida como ela é, como diria um filósofo do jornalismo…

Todas essas horas tragi-patéticas passadas em ouvir coisas já percebidas, sabidas, esperadas, e alguns chiliques desesperados dos corruptos a soldo, tiveram pelo menos um grande mérito: afastaram completamente TODOS os motivos tidos por válidos para apoiar o bandido da vez. Só sobrou mesmo a corrupção de sempre. As coisas agora ficaram bem claras, o terreno está definitivamente delimitado: de um lado, está a nação, de outro, os bandidos.

Já sabemos qual o desenlace, pelo menos num país digno desse nome, que se guie pelo Estado de Direito. Que ele venha, ou não, depende de uma coisa: da força da nação!

Mas atenção: entre os supostos opositores também estão aqueles interessados em que a equação binária se perpetue, pois é a única chance que possuem de inverter a posição das variáveis. 

À nação interessa um outro tipo de jogo. Como dizem os hermanos: borracha e conta nova!

Cabe limpar o terreno e tentar outra vez, desta vez evitando os desacertos…

O Brasil não conhece o brasil”?, como cantou certa vez Tom Jobim? 

Não mais!

Tudo agora ficou claro: estão demarcados os bandidos, os corruptos, os políticos mequetrefes, que são os de sempre, o que já deveríamos saber. 

Vamos agora fazer o que é preciso ser feito? 

Esta é a grande questão!

Não tenho muita certeza…

 

Sobre o dirigente inepto e perverso: 

Se fosse Policarpo Quaresma, que era um patriota sincero, teria um triste fim. 

Mas nem isso ele consegue ser, pois alienou a soberania nacional a uma potência estrangeira, numa das diplomacias mais sórdidas e ineptas da história. 

Que tenha um fim abjeto, só isso. E que leve todos os seus!

 

Sobre o impeachment: 

Pronto: já fizeram o que eu estava sugerindo, um manual dessa técnica muito comum no Brasil. Uma espécie de “Impeachment for Idiots”, ou “How to Impeach a President in Less Than Three Months”. Na verdade, o Brasil precisa de um outro tipo de manual: Como Impedir um Idiota de Chegar à Presidência!

O Brasil deveria adotar uma Constituição paraguaia: ali não precisa provar e comprovar muitos crimes para impedir um presidente. Basta que uma maioria qualificada do Senado declare o presidente inepto para o cargo para que se logre um impeachment rapidamente. Viva o sensato Paraguai!

Prevejo um grande desenvolvimento teórico-empírico dos estudos de impeachment no Brasil: teremos várias teses de doutoramento nos próximos anos, com farto material para case-studies, Collor-1992, Dilma-2016, Bolsovirus-2021-22, sem falar de 1954 (Vargas escapou, mas terminou fazendo harakiri político) e de 1964, que foi uma espécie de impeachment mano dura contra Goulart. Doutorandos, fartai-vos!

 

Sobre o parlamentarismo: 

Mas não vamos nos iludir: no começo, pelo menos, representará a exacerbação de todos os males e vícios da política brasileira. Depois, vai se corrigindo aos poucos, pari passu da educação da população.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3996, 26 de junho de 2021

Postado separadamente no Facebook; reunidos em postagem única aqui neste blog Diplomatizzando.

 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

A paranoia da internacionalização da Amazônia volta com Bolsonaro - Luiz Romero (CNN)

 Tratei desse assunto quando estava na embaixada do Brasil em Washington, e depois de dois desmentidos cabais, achava que o assunto já tinha morrido.

Não, engano meu: bastava chegar um governo ESTÚPIDO, como o de Bolsonaro, para o assunto ser revivido, sem qualquer consistência.

Paulo Roberto de Almeida

How Brazil's fear of losing the Amazon guides Bolsonaro's policies towards the forest

CNN, June 22, 2021

https://edition.cnn.com/2021/06/22/americas/brazil-amazon-fear-meme-bolsonaro-intl/index.html

(CNN) In 2000, when the internet in Brazil was still in its infancy, an email with an alarming message about the Amazonwent viral. It claimed that the United States and the United Nations had taken the forest from Brazilians and transformed it into a protected area -- a falsehood, but one that reflected a long-running conspiracy theory still promoted today by Brazilian President Jair Bolsonaro.

The email described a purported geography textbook being used in "important American schools," which labeled the Amazon as an "international control zone." Next to a map, a misspelled text said that the forest was "surrounded by irresponsable, cruel, and authoritary countries" and that the United States and the United Nations, with the backing of the "G23," transformed it into "an international park with very severe rules of exploration."
"The value of this area is unable to calcule," it continued, "but the planet can be cert that The United States won't let these Latin American countries explorate and destroy this real ownership of all humanity." 
Despite the multiple signs that the textbook was fake -- the writing was riddled with mistakes, the map looked doctored, and the obvious fact that the Amazon had not been turned into an international reserve -- the rumor touched a chord with Brazilians, circulating so widely that both the Brazilian embassy in Washington and the American embassy in Brasília tried to debunk it. "The idea is so hilarious that I feel silly to have to talk about it," Anthony Harrington, the American ambassador in Brazil, said at the time, according to news website G1. 
But the viral image also illustrates a pervasive fear that grips Brazil and that has profound consequences for the forest. 
Jair Bolsonaro, Brazil's president, speaks during the UN General Assembly meeting in New York, U.S., on Tuesday, Sept. 24, 2019.
President Bolsonaro has repeatedly invoked the idea that the Amazon is under threat from a foreign takeover as he pushes back against foreign leaders, indigenous groups, and environmental organizations when they show concern for the forest, demand more reservation areas, or denounce environmental destruction.
In May 2018, during his campaign for president, President Bolsonaro hinted at the conspiracy theory: "The Amazon is not ours," he claimed. "I say that with a lot of sadness, but it is a reality." Later that year, after being elected but before taking office, he threatened to withdraw from the Paris climate agreement, claiming that it weakened Brazilian control over the Amazon.
And in April 2019, already in power, he spoke openly about a murky plot to steal the forest from Brazil that involved the creation of indigenous reserves. "If we don't change our policies, we will lose the Amazon," he said in a radio interview with Jovem Pan. "The United Nations has been discussing, for a while now, that through the auto-determination of indigenous peoples, you could have new countries here inside," he added. "That could happen."

A fear with roots in the military

Fears of foreign meddling in the Amazon are not entirely unfounded. Two years ago, Stephen Walt, a respected professor of international relations at Harvard University, wrote an article for Foreign Policy, a respected publication on international politics, titled "Who Will Invade Brazil to Save the Amazon?" The title, which the scholar said on Twitter had not been written by him, was later softened to "Who Will Save the Amazon (and How)?"
Walt's article started with a hypothetical description of an American president ordering an invasion of Brazil due to environmental breaches. "The president's decision came in the aftermath of a new United Nations report cataloging the catastrophic global effects of continued rainforest destruction," Walt fantasized. It continued with a discussion of the merits of that move, including the international mechanisms and historical precedents that would allow it to happen.
It is also true that foreign leaders have repeatedly made statements that could be perceived as questioning Brazil's sovereignty over the Amazon. They include former vice president Al Gore, then a senator, ("Contrary to what Brazilians think, the Amazon is not their property, it belongs to all of us"), then French president François Mitterrand (Brazil should accept a "relative sovereignty" over the forest), and then British prime minister John Major (who threatened military action to expand the rule of law "over what is common to all in the world"). 
But as with other conspiracies, that germ of truth has been extrapolated into absurdity. The rumor about the textbooks is a good example of that. It actually started in the armed forces, as a short text in a small independent website kept by retired military officers in Brazil, according to a dossier compiled by Paulo Roberto de Almeida, a diplomat at the embassy in Washington in the early 2000s, when the email went viral for the first time. 
The title of the website -- "Brazil, Love It or Leave It" -- is a slogan of the military dictatorship, and its content is nationalistic. Its stated goal is to fight disinformation, but it actually features a multitude of conspiracies, many referring to the Amazon. 
The authors of the website see foreign leaders' disparaging remarks about Brazil's guardianship of the Amazon as attempts to weaken Brazilian sovereignty over the forest, and as a means to open it for interference, exploitation, and invasion. 
One article claims that a reserve granted to an indigenous group was a "nation within the nation" with covert separatist intentions. Another claims that an "ecologist hysteria," fueled by foreign-sponsored activists and journalists, were part of a plot to internationalize the Amazon, "taking away from Brazil the right to use its wealth."
"We are undergoing a process in our country that is beyond logic," the authors of the website explain in an editorial. Rich countries are using globalization, environmentalism, and humanitarianism to force poor nations to open their markets, politics, and territories to foreign interference. Brazil is failing to fight that invasion, the editorial claims. "A full opening is underway," and the forest is central to that process. 
The authors, whose full names are not displayed on the website, did not respond to a request for comment from CNN.

To defend, but not to protect

President Bolsonaro, a military man himself, is no stranger to such fears of encroachment on Brazilian sovereignty. Since he reached power two years ago, he seems to have been fighting some of the internal enemies identified by the creators of the rumor about the textbook -- indigenous peoples and environmental groups.
Not a single indigenous reservation was created during his first two years in power, a considerable drop compared to predecessors. Right-wing president Fernando Henrique Cardoso approved an average of 36 indigenous reservations every two years during his presidency in the 1990s. Left-wing president Lula da Silva approved an average of 22 per two years. Now, approvals of indigenous reservations have fallen to zero, according to newspaper O Globo.
Activists call for the end of oil exploration in the Amazonia region in front of the Leblon Sheraton Hotel in Rio de Janeiro, Brazil, on December 04, 2020.
The Bolsonaro administration has also frozen some state funding that supports environmental groups, a move that O Globo described as "a declaration of war on NGOs." Bolsonaro later claimed that environmental organizations were setting fires to the Amazon, recording them, and sending the images abroad to make him look bad to international audiences. 
The president has also aimed fiery statements at the foreign enemies supposedly plotting a takeover of the Amazon in collusion with international organizations. 
"We saw recently a great candidate for head of state say that if I don't put out the fire in the Amazon, he will put up commercial barriers against Brazil," he said in 2020, referring to comments made by Joe Biden during a presidential debate. 
"How can we deal with all that? Just diplomacy is not enough," he said. "When saliva runs out, one has to have gunpowder."
In August 2019, following an infamous fire season in the Amazon, French President Emmanuel Macron tried to pressure Brazil into improving environmental protections. "Our house is burning," he tweeted ahead of the 2019 G7 summit, urging his fellow leaders to discuss the "emergency." During the summit, he made a reference to Brazilian control of the forest. "The Amazon forest is a subject for the whole planet," he said. "We respect your sovereignty", he added, "but we cannot allow you to destroy everything." 
A vessel transports logs on a raft along the Murutipucu River in the municipality of Igarape-Miri in the region of Baixo Tocantins, northeast of Para, Brazil, on September 18, 2020.
Aerial view of a burning area of Amazon rainforest reserve, south of Novo Progresso in Para state, on August 16, 2020.
The following month, during a meeting with presidents of South American countries that include portions of the Amazon, President Bolsonaro criticized Macron's remarks, making clear that he saw in them a potential plan to wrest the vast forest from Brazil. "A plan to turn this large area into a world heritage site is still on the table," he said at the time.
Colombian President Iván Duque, the host of the meeting, said Amazon states needed to better coordinate their actions to stop the cutting and burning of trees. Ecuadorian President Lenín Moreno sang a song about environmental preservation. Bolsonaro, meanwhile, insisted that the summit's final declaration mention sovereignty. 
"We have to say that the Amazon is ours," he said. "We have to take a firm position in defense of our sovereignty, so that each country can, within its land, develop the best policy for the region, and not let that this policy be dealt with by other countries." 
The Brazilian President's fears of a foreign takeover of the Amazon might be irrelevant if they did not pose a material effect on the forest itself.
If history is any indication, the effect might be catastrophic. The Amazon was a central concern of the military dictatorship that ruled Brazil between the 1960s and 1980s. The officers in power believed that the region was highly vulnerable to foreign interference, being too vast, too isolated, and too precious for its own good. They tried to end that vulnerability by encouraging people to move there, stimulating agriculture, ranching, and mining, paving the forest with highways, and building ports, mines, refineries, and dams. These initiatives were devastating, and deforestation spiked in the period between 1965 and 1985.
In early 2019, the Bolsonaro administration sketched an ambitious development project guided by similar ideas. The Baron Rio Branco Plan, created by retired military general Maynard Marques de Santa Rosa, then a member of the administration, aimed at building a dam and a bridge over two Amazon rivers, expanding an existing highway all the way to Suriname, and incentivizing mining and farming. Indigenous peoples and environmental groups issued statements repudiating the project, in part because the expanded highway would pass through multiple areas of protected forest.
In late 2019, Santa Rosa left the government and the plan lost strength, but specific parts, like the highway, are still planned by the government and could still become a reality.
Bolsonaro's goals to protect the Amazon hint at tragic outcomes. His first two years in office have only ushered in more destruction of the forest. His attacks on indigenous peoples, and the organizations that support them, weaken the most efficient guardians of the forest. And his plans to "develop," "colonize," and "integrate" the Amazon, like the plans of the military officials who preceded him, risk accelerating its disappearance. 



terça-feira, 22 de junho de 2021

Os militares, de aprendizes de feiticeiro a trapalhões- Luis Costa Pinto

Plataforma Brasília, junho 22, 2021

Bolsonaro pressente deposição e reage: desconfia dos militares

Por Luís Costa Pinto

Plataforma Brasília, 22.06/2021

Augusto Heleno, general-de-Exército da reserva, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, está fora de combate. Tomado por uma crise aguda de depressão clinicamente diagnosticada, submete-se a tratamento rigoroso. 
Com o comandante fora da trincheira do GSI, a coordenação da segurança presidencial foi entregue a militares com os quais Jair Bolsonaro não tem intimidade e que não gozam da confiança dos filhos do presidente. 
O vereador Carlos Bolsonaro, integrante do clã presidencial que mais se imiscui nos porões palacianos, foi o responsável indireto pela espoleta que fez o pai explodir qual pistola com bala de festim na última segunda-feira em Guaratinguetá (SP).
Tão logo saltou do veículo que o conduzia, Bolsonaro foi saudado por gritos de “genocida!”, “impeachment, já!”, “vacina no braço, comida no prato!”. Sempre aziago, o mal humor presidencial desandou de vez. Ele lançou um olhar enfurecido pelo oficial do GSI responsável pela segurança do evento e passou-lhe uma descompostura de fazer corar até alguns dos sem-vergonha que o acompanhavam (foi o caso da deputada federal Carla Zambelli e do prefeito do município do interior paulista).

A covardia do presidente 
Frouxo e covarde, com temor explícito às reações e reprimendas do general Heleno que, sabia, não viriam dado as condições clínicas do militar que comanda o GSI, o presidente então deu vezo às reclamações contra sua equipe: sabia que não haveria rebate pelo superior do militar a quem fora designada a missão de garantir sua segurança em Guaratinguetá.
Àquela altura, ele já fora informado que diversos veículos de imprensa tinham informações dando conta da compra de vacinas indianas Covaxin superfaturadas em 1.000% e o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR) e assessores do ex-ministro Eduardo Pazuello haviam se envolvido diretamente no negócio. Não sabia, ainda, que o site Uol receberia mais tarde o vazamento de um relatório da Agência Brasileira de Informações (Abin, controlada por militares) levantando suspeitas sobre a fortuna e o rápido enriquecimento do amigo Luciano Hang, o grotesco dono das Lojas Havan.
Exalando o mau humor que lhe é peculiar e o azedume dos maus bofes que marcam a sua personalidade, Jair Bolsonaro explodiu contra os repórteres que improvisaram uma entrevista coletiva no corredor que era caminho único para seu evento no interior paulista. Sem guardar resquícios da compostura exigida para um Chefe de Estado, soltou impropérios contra a imprensa em geral e a Rede Globo e a TV CNN em particular (também lançou perdigotos ao léu, contra as repórteres encarregadas de cobrir o ato, ao tirar ilegalmente a máscara em meio a um acesso de ira quase animal).
No regresso ao comboio presidencial, o oficial do GSI destacado para coordenar aquele deslocamento da comitiva presidencial foi mais uma vez desancado como égua arisca nas mãos de capataz bêbado em estrebarias de fazendas de gado nos rincões de Goiás. 

Militares geram desconfiança
Bolsonaro desconfia cada dia mais dos militares que o cercam. E crê ter muitas razões de sobrar para manter acesas tais suspeições.
Um dos catalisadores dos acessos de cólera do presidente é seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão. Nos últimos cinco dias, em pelo menos três pronunciamentos públicos, Mourão deixou claro que não é ouvido pelo titular da chapa por meio da qual galgou à vice-presidência. A um interlocutor comum dele e do cabeça-de-chapa de 2018 disse que não há “nosso governo”. Haveria, sim, um “governo dele (Bolsonaro)”. Os erros e descaminhos da gestão, portanto, seriam frutos exclusivos das escolhas e das companhias do presidente da República.
Jair Bolsonaro sabe que não era a primeira opção dos militares na última eleição. Organizados nos Clubes Militares, os oficiais da reserva até denotavam uma preferência por eles. Mas, além de não terem voz ativa, eram minoria. Liderados pelos generais Sérgio Etchegoyen, Eduardo Villas-Boas e Silva e Luna, os quarteis do Exército não escondiam desconforto pelo primarismo de Bolsonaro. Torciam pela decolagem, na campanha, de nomes como Geraldo Alckmin, João Amoedo e até Luciano Huck (que refugou no lançamento de sua candidatura).
A greve dos caminhoneiros de maio de 2018, episódio que terminou de derrubar quaisquer aspirações de Michel Temer a sair um pouco melhor do Palácio do Planalto depois de ter usurpado a cadeira presidencial entrando pela porta dos fundos na sede de governo, pôs os militares definitivamente na mediação da crise política nacional. Bolsonaro cresceu naquele momento, disseminou o próprio nome entre os grevistas, mas, não foi ali que se converteu na alternativa militar. 
Disputando pelo obscuro PSL, Jair Bolsonaro só passou a ser o “Plano Único” dos estrategistas fardados depois do episódio do atentado a faca do qual foi vítima em Juiz de Fora (MG). Divisor de águas no curso da campanha e responsável por determinar uma guinada patética da cobertura da mídia no processo eleitoral, a conversão do atual presidente em “vítima” do sistema (algo que nunca foi, muito pelo contrário) concedeu ao seu nome um verniz de outsider. Era um falso brilhante. O verniz, contudo, foi decisivo para a vitória. 

Generais manobraram a Justiça
Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Temer, e Eduardo Villas-Boas, chefe do Estado Maior do Exército sob Dilma e que seguiu no posto após o golpe jurídico/parlamentar/classista que apeou a ex-presidente porque serviu à construção do enredo golpista, foram personagens ativos na ascensão eleitoral de Bolsonaro em 2018 no curso de uma campanha assimétrica. 
Etchegoyen entrincheirou-se no Tribunal Superior Eleitoral e, em reuniões nas quais inflava o clima de conspiração e de conflagração nos quarteis, açulou os ministros da Corte eleitoral a concederem benefícios de campanha a Bolsonaro – tais como dar uma entrevista individual à TV Record no mesmo dia e hora do derradeiro debate entre os candidatos no primeiro turno. 
Alegando mal-estar, Bolsonaro recusara o convite para o debate. No segundo turno, o TSE, por meio de uma decisão do então ministro Admar Gonzaga, permitiu que todos os debates fossem cancelados, no lugar de terem sido convertidos em entrevistas. O candidato apoiado explicitamente pelos militares transformou sua campanha em notas oficiais lidas em off pelos telejornais, ausentando-se do debate de ideias e do cotejamento de propostas. 
A urdidura de Etchegoyen teve o auxílio vergonhoso de Admar Gonzaga, então ministro do TSE que havia sido advogado de Carlos Bolsonaro e deixou o tribunal por lhe terem sido impostas contingências da Lei da Maria da Penha (foi acusado de agredir a esposa). Ao deixar o TSE, Gonzaga virou advogado e secretário-geral do grupo que tenta criar um partido para Bolsonaro. 
Villas-Boas, como é público e notório, é réu confesso do crime de ameaça ao Supremo Tribunal Federal. Em dois tuítes, na véspera de a Corte Suprema decidir sobre a possibilidade, ou não, de o ex-presidente Lula disputar a Presidência (ele era o favorito naquele momento em todas as pesquisas pré-eleitorais do pleito de 2018), o então Comandante Geral do Exército soprou eflúvios de veneno golpista e de interrupção da construção democrática brasileira caso o STF não tirasse Lula da corrida eleitoral. Acovardados, os ministros do Supremo acolheram a chantagem militar.

Os comandantes foram ingênuos?
Ouriçados com a vitória do pupilo, os comandantes militares das três forças estavam crentes na capacidade que teriam para tutelar a criatura primária, de rala formação moral e escasso preparo intelectual, que se elegera. 
Péssimos estrategistas, os integrantes da cúpula militar estavam enganados. Na melhor das hipóteses, foram ingênuos em demasia. Ninguém tutela um presidente da República eleito com 54 milhões de votos, tampouco uma personalidade deformada como a de Jair Bolsonaro. Ele é um ser acometido de possessões diárias da “Síndrome da Pequena Autoridade”, os mesmos desvios de caráter e de conduta que se verificam nos famosos “guardas da esquina” nos processos de ascensão de regime nazi-fascistas.
Quanto mais reivindica lealdade dos militares a seu projeto de poder personalista, dando pistas de que não se resignará a uma derrota nas urnas de 2022 que parece iminente e óbvia a dezesseis meses do pleito, mais distante Bolsonaro fica da meta almejada de reunir o consenso das Forças Armadas a si. 
Tendo cruzado o rubicão da política e aberto os portões dos quarteis para um debate franco em torno de opções eleitorais – o que é descabido e impensável entre militares profissionalizados e ciosos do papel de garantidores da Constituição que detêm – os atuais comandantes das três forças desejam se manter influentes e afluentes no poder. Contudo, sabem que o caminho tomado por Bolsonaro inviabiliza da manutenção do Brasil no rol das nações consideradas democracias institucionais maduras.
Não passa pela cabeça nem pela prancheta dos comandos militares brasileiros quaisquer tipos de golpes tradicionais como o de 1964. Há uma janela aberta, com fresta exígua, para um golpe parlamentar como o de 2016 que depôs Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade – fazer o presidente da Câmara, Arthur Lira, mudar de lado nos próximos meses e aceitar um pedido de impeachment. 
Um impeachment clássico (razões e crimes de responsabilidade não faltam no prontuário de Bolsonaro) é o melhor caminho para conservar o esmalte “democrático” do Brasil no exterior e dar margem e poder de manobra para o vice Hamilton Mourão convocar um breve governo de “conciliação e união” do centro à direita e tentar se viabilizar candidato ou inventar uma chapa “liberal-democrática” com seu apoio nos moldes do que foi construído pela dupla Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso em 1994. 

Bolsonaro e “O Retrato de Dorian Gray
No momento, uma certeza dilacera os militares que colaram suas reputações e seus projetos pessoais em Jair Bolsonaro: ele perde a eleição para qualquer um em 2022 e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, é o favorito em todos os cenários pré-eleitorais. 
Na caserna, não se crê em recuperação da economia, muito menos no programa de privatizações vendido pelo ministro Paulo Guedes como panaceia – espécie de cloroquina econômica. Só ao custo de uma divisão inédita dos comandos militares as Forças Armadas perfilariam a favor de uma aventura de não reconhecimento do resultado do pleito presidencial. 
A imagem de Jair Messias Bolsonaro afixada nas fotos oficiais dos QGs brasileiros assemelha-se, a cada dia que passa, ao retrato de Dorian Gray, no romance homônimo do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde. 
Assim como o personagem de Wilde, Bolsonaro vendeu sua alma aos comandantes militares e firmou uma profissão de fé de que seriam felizes juntos e para sempre no comando do País. Contudo, ao se descobrir Presidente, acreditou ser onipotente e deixou vazar os matizes mais grotescos e bizarros de sua alma deformada. Assustados com as perversões que ajudaram a implantar no Palácio do Planalto e envergonhados com a péssima figura externa que o Brasil faz hoje no mundo, os chefes das Forças Armadas querem apagar a foto e exorcizar a culpa que têm por terem-na encomendado. Dar cabo dessa missão, entretanto, é tarefa para um Estadista – e não há biografias disponíveis no espectro de direita com tamanha envergadura para suportar a dimensão desse adjetivo superlativo.

LUÍS COSTA PINTO

LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 52. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem dois volumes lançados e o volume 3 está em fase de edição.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

“ Demos passos decisivos para o Brasil virar um pária econômico’, diz Gustavo Franco - O Globo

Gustavo Franco: entrevista


‘Demos passos decisivos para o Brasil virar um pária econômico’, diz Gustavo Franco

Ex-presidente do BC lança livro e diz que agenda liberal do governo “é um ornamento” e que mercado financeiro e parte do empresariado votam com o bolso

Cássia Almeida e Luciana Rodrigues

21/05/2021 - 04:30 / Atualizado em 21/05/2021 - 12:08

https://oglobo.globo.com/economia/demos-passos-decisivos-para-brasil-virar-um-paria-economico-diz-gustavo-franco-25027059


Ex-presidente do BC lança livro em que discorre sobre as dificuldades de fazer as reformas no Brasil e como o país ficou para trás em relação ao resto do mundo Foto: Ze Paulo Cardeal / .



 RIO — Em seu novo livro “Lições amargas”, que chega às livrarias dia 26, lançado pelo selo História Real da  Intrínseca, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco discorre sobre as dificuldades de fazer as reformas no Brasil e como o país ficou para trás em relação ao resto do mundo. Em entrevista, Franco afirma que o governo Bolsonaro nunca apresentou um projeto econômico, e o mercado financeiro e parte do empresariado que o apoiou “votam com o bolso”.

Para ele, a agenda liberal é “um ornamento” e o Brasil se tornou pária econômico, ao ignorar as relações internacionais e consensos, inclusive quanto ao meio ambiente. Ele diz que, se não surgir uma terceira via nas eleições, o voto nulo será essa via.


A pandemia exigiu esforço fiscal grande. No livro o senhor afirma que, historicamente, o debate no Brasil tem sido marcado por uma negação das restrições orçamentárias. Como lidar com essas restrições no pós-pandemia? 

É uma lição difícil daqui para frente, o reconhecimento da escassez, que não tem solução mágica. Não existe urgência que remova todas as restrições. Às vezes tem um pouco essa mitologia que você pode fabricar papel pintado sem limite, que você resolve qualquer problema, seja uma crise sanitária ou lutar uma guerra ou combater a pobreza, que é só uma questão de vontade política. Desculpa, não é.

E a pandemia foi uma fórmula cruel de restabelecer essa verdade. Não é que você tenha uma pandemia que ficam suspensas as preocupações com o meio ambiente, ou com a responsabilidade fiscal, ou com a democracia.

De algum jeito, esses valores permanentes da sociedade têm que ser preservados qualquer que seja a estratégia para combater uma urgência como a pandemia.  O desafio dos governantes é fazer escolhas inteligentes, e os governantes muito frequentemente perdem o desafio. Isso é o mapa de qualquer crise e a gente está vendo isso aqui no Brasil como em outros países.


O senhor costuma dizer que o brasileiro busca soluções mágicas para a economia. Avalia que a condução do Brasil na pandemia, do ponto de vista científico, também foi uma busca por solução mágica? 

É isso, sim, mas tem o mito da solução mágica. Pensa em termos do xamanismo e da dança da chuva. O xamã diz assim: ‘ah, faz aí a dança da chuva que você vai se curar da peste’. Metade das pessoas vai morrer de qualquer jeito e a metade vai ficar boa.

A metade que ficou boa pensa: poxa, eu fiquei boa porque eu fiz a dança da chuva. Eu fiz essa coisa, ou tomei cloroquina, fiquei bom. Opa! É uma vitória política do xamã. Não que esteja necessariamente desafiando a ciência ou não. A ciência entrou de gaiata na discussão. Estamos vendo o efeito que a mágica pode ter sobre a política. É disso que se trata, no meu modo ver, o assunto cloroquina. É xamanismo.


No livro, o senhor cita o episódio do Ceagesp (quando o presidente Jair Bolsonaro visitou o local e descartou a privatização do entreposto) como o fim simbólico da agenda liberal. O senhor acha que realmente havia uma agenda liberal? Ela foi sepultada? Ou há perspectiva de resgate ainda? 

Esse governo não teve nunca uma agenda sua, não foi eleito em razão de sua agenda econômica que foi sempre um ornamento da proposta eleitoral de Jair Bolsonaro e isso, claro, coloca um desafio para as empresas e todos que acreditam nas reformas econômicas e de orientação liberal em particular. Pelo seguinte, não é o governo dos nossos sonhos, longe disso, mas se não colaborar vai ser pior. Ou seja, os governos nunca são os ideais.

Você olha para Jair Bolsonaro e você olha para Dilma Rousseff não dava para ver nada muito organizado em matéria de agenda econômica, ao contrário. E aí vamos ver o que é possível fazer dentro de situações políticas que não são o ideal. Na verdade, isso é mais a regra do que uma exceção.

O episódio da Ceagesp é particularmente teatral, como uma fórmula de verificar a inconsistência e inaptidão do presidente para lidar com a complexidade dessas agendas liberais. 


O senhor afirmou que se não colaborar vai ser pior. Como fica então se o ministro Paulo Guedes sair?   

Só é possível conjecturar é claro, mas existe alguma coisa mais geral nessa situação, como o mito do Fausto. Tem uma relação fáustica entre o Paulo (Guedes) e o presidente.

É uma ilustração muito mais comum do que parece do relacionamento entre os economistas do governo e os presidentes da ocasião Geralmente, (os presidentes) ficam meios alheios, às vezes até meio hostis à pauta econômica, sempre politicamente penosas. Os presidentes nunca gostam dos temas de reformas econômicas porque você dispende uma energia política gigante. Essa situação do Paulo se observou no governo militar aqui no Brasil, onde economistas que a gente respeita muito hoje em dia, Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos, foram ministros de governos militares e foram constantemente questionados pelos colegas: “como é que você pôde trabalhar com um governo que torturava”? Mais de uma vez eu ouvi desses economistas observações do tipo: “olha, seria pior se eu não tivesse lá”. É mais comum do que parece essa situação que a gente está vivendo agora.


É comum, mas o senhor acha eticamente justificável? 

É um assunto que depende da pessoa. E aí, uma coisa é o que você faria, outra coisa é, bom, vamos pedir para o Paulo (Guedes) sair porque não dá para trabalhar com esse presidente. Quem vai sentar no lugar dele? Vai ser o Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente), o Weintraub (Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação). Então, faça as contas. 


O senhor disse que ficou claro que a agenda liberal era um ornamento. Essa clareza se tinha antes da eleição? Houve uma adesão muito grande do mercado financeiro e de parte do empresariado à candidatura Bolsonaro em 2018. Passados dois anos e meio de governo e episódios como o senhor mencionou, da Ceagesp e a própria pandemia, esses atores ainda apoiam o governo? 

Esses atores, como você definiu, eles votam com o bolso. Não tem nenhuma lealdade a políticos A, B ou C, pode ser Bolsonaro, como pode ser Dilma. A questão é quem vai melhor conduzir as agendas econômicas de interesse dessas pessoas. E essa é a natureza da competição política que nós vamos ter na próxima eleição, como tivemos na anterior.

Na anterior, as ideias liberais tiveram muita importância na disputa, e há uma decepção evidente sobre a execução dessas ideias, que foi enfim, inferior ao que se esperava, e isso vai custar caro, eu creio, a esse presidente ao concorrer à reeleição. Esses atores econômicos vão aparecer no debate eleitoral trazendo seus pleitos de reformas, e os políticos terão que formular diretrizes e políticas para isso e vamos ver quem ganha. 


O senhor diz no livro que a polarização política multiplica a cretinice. A polarização permanece forte e com a entrada do presidente Lula na corrida eleitoral, isso se acirrou. Acho possível surgir um terceiro nome forte? Qual seria?   

Eu torço para que isso aconteça. Hoje não se vislumbra um nome forte. Há vários nomes capazes, a questão é se vão se tornar nomes eleitoralmente fortes e viáveis nos próximos meses. É impossível responder nesse momento. O que é muito claro é o desconforto com a polarização que vai viabilizar a terceira via qualquer que ela seja. A rejeição aos outros dois.  


Como vai ser sua participação na eleição no ano que vem? Na eleição passada, o senhor coordenou o programa econômico do Partido Novo. 

Continuo participando, agora escrevendo livros. Eu gosto do projeto do Novo. Ele agora é ator mais importante do que foi no passado. É uma bancada pequena, porém, competente e combativa. 


 Se não for viável uma terceira via e a eleição for polarizada de novo? De que lado o senhor fica? 

Será uma pena. Porque a terceira via não terá um nome, será o voto nulo. E aí vai ser uma vergonha se o voto nulo ganhar desses dois. Eu quero crer que isso não vai acontecer. 


O senhor votaria nulo? 

São três alternativas, o voto é secreto. 


A pressão internacional sobre o Brasil, principalmente em relação à questão ambiental, tem crescido. O senhor avalia que vai surtir efeito? 

Acho sim, mas quero voltar ao tema das melhores práticas, que invadiu a agenda reformista de tal maneira que padrões internacionais passam a ser importantes para tudo nas negociações internacionais. Outra coisa é o dinheiro de investidores, para usar um conceito bem orgânico ao mercado financeiro, comprometidos com as pautas ESG (ambientais, sociais e de governança).

Os fundos que investem nos países emergentes vão querer que certos princípios de investimento responsável, inclusive os de meio ambiente, sejam obedecidos. Está absolutamente correto, o dinheiro é deles. Se você se considera ofendido por uma intromissão estrangeira nas suas políticas ambientais, ok.

Está ofendido, continua isolado, eles investem em outro lugar. São US$ 103 trilhões de dinheiro que vão ser investidos no mundo conforme critérios ESG.  Estamos vendo, a partir do lado negativo infelizmente, o que é desobedecer a esses consensos e viver as consequências: as multinacionais vão embora, os investidores financeiros vão embora, muitos investimentos não acontecem. E o Brasil fica um pária econômico. 


O senhor acha que o Brasil já é um pária econômico? 

Demos passos decisivos nessa direção. Mas não é irreversível, felizmente. 


O senhor cita no livro o atraso do Brasil na abertura comercial e como isso fez o país estagnar frente a outros países. Como a pandemia afeta esse debate?  

A pandemia é talvez a primeira doença global que a gente tem desde que passamos a usar essa linguagem da globalização. Mais do que nunca, nós somos uma comunidade global, mais do que nunca o outro é importante.  Por que na economia vamos ter isolamento uns dos outros? Não há dúvida que a gente foi muito profundamente para o terreno do isolamento, o que torna a abertura no nosso caso a mãe de todas as reformas. 


O senhor acha inexorável partir para abertura comercial? 

Por que é inexorável? Para começar tem um dado do livro que chama a atenção, um terço do PIB brasileiro é produzido por empresas multinacionais. Já estamos abertos ao mundo, e esse um terço é onde a produtividade é maior, a propensão a exportar é maior. Por que a gente não faz aumentar esse Brasil globalizado?

As empresas globalizadas brasileiras que produzem um terço do PIB empregam menos de 3% da força de trabalho, portanto faz a conta aí do diferencial de produtividade de uma pessoa empregada no segmento internacionalizado do Brasil e no outro segmento isolado nacionalista autossuficiente. É um 7 a 1. Não há contra-argumento contra a ideia que a abertura vai ser bom para o Brasil.  


O senhor citou as multinacionais, mas várias deixaram o Brasil nos últimos meses. 

Estão saindo porque tem 40 anos que a gente não faz a abertura. A empresa que está aqui no Brasil não consegue se comunicar com suas cadeias de valor, com sua própria matriz.  Se não pode fazer isso em escala no Brasil, então é melhor ir para Argentina. É o que está acontecendo, é triste, mais uma lição difícil dos nossos erros dos últimos anos.


Na pandemia, vimos alguns exemplos de nacionalismo econômico. Coreia do Sul e EUA estão criando programas para serem autossuficientes na produção de chips, tivemos o protecionismo com insumos de vacinas. Como vê isso? 

Sim, o primeiro impacto da pandemia na política comercial tem sido ruim, mercantilismo de vacina, o pior deles, mas é onde você vê a tolice do isolamento econômico, a tolice do mercantilismo. O desafio, e por onde eu acho que vai caminhar, é a formação de acordos globais, nos quais os países concordam em não adotar certas condutas como no caso do meio ambiente. No caso sanitário, também.

Hoje, a agenda de reformas, inclusive, se converteu no mundo inteiro numa agenda de melhores práticas. E os tratados internacionais existem para isso e somos parte de um planeta. Pela importância que as pessoas dão ao meio ambiente, saúde, governança, social, qual o problema com as melhores práticas? Nenhum.

Fazer parte do planeta, assinar os tratados, parecia que seria uma tendência desse governo quando, para minha surpresa e de muitos, o Brasil anunciou que ia pleitear ser membro da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 37 países desenvolvidos), que é uma fórmula diferente de não apenas organizar sua agenda de reformas, como se reinserir no mundo. A OCDE não é um tratado internacional. É algo como 200, 300 tratados internacionais diferentes.

O Brasil já aderiu a mais da metade desses tratados sobre corrupção, meio ambiente, regras contábeis, lavagem de dinheiro. E assim, a gente vai adotando restrições autoimpostas a condutas idiotas.  Aqui, eu achei que ia, mas não foi. De repente, essa postura ficou inconsistente com a política externa do governo Bolsonaro, com as suas idiossincrasias que vimos ontem (terça-feira) na CPI um ministro (Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores) que briga com todo mundo.