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segunda-feira, 28 de março de 2022

Mapa da Amazônia dividida é mentira deliberada, diz diplomata brasileiro (2010) - Daniel Buarque (G1)

Milicos paranoicos do pijama – não muito diferentes de colegas da ativa, que ainda estão por aí – ajudados por uma esquerda burra, estupidamente antiamericana, espalharam, duas décadas atrás, uns mapas falsos da Amazônia "internacionalizada", que ainda chamavam a atenção doze anos atrás. Eu me diverti denunciando os idiotas...

Paulo Roberto de Almeida

Mapa da Amazônia dividida é mentira deliberada, diz diplomata brasileiro

Mapa adulterado da floresta circula na rede há uma década.
Governos dos EUA e do Brasil já investigaram e detectaram a montagem.

Daniel BuarqueDo G1, em São Paulo

G1, 12/08/2010 08h00 - Atualizado em 12/08/2010 12h46


O falso mapa de livro didático que circula desde o ano 2000 com boato sobre internacionalização da AmazôniaO falso mapa de livro didático que circula desde o ano
2000 com boato sobre internacionalização da
Amazônia (Foto: Reprodução)

Na origem de um longo debate em que os brasileiros acham que os Estados Unidos querem invadir a Amazônia, e os americanos acham que o Brasil é paranoico está uma lenda urbana de mais de uma década, espalhada pela internet e reciclada periodicamente com popularidade surpreendente. Trata-se da história de que escolas dos EUA usam livros didáticos de geografia com um mapa da América do Sul adulterado, em que a região a amazônica aparece como “território internacional”. Por mais que a história já tenha sido desmentida oficialmente uma dúzia de vezes, muitos brasileiros ainda mencionam este caso sem saber exatamente se era verdade ou não, e até políticos brasileiros volta e meia pedem explicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores sobre o assunto.

Desde as primeiras menções ao caso, ainda no ano 2000, representantes diplomáticos brasileiros nos Estados Unidos começaram a investigar as origens do que aparecia como mais um boato, uma lenda da internet. O diplomata Paulo Roberto de Almeida, que então trabalhava como ministro conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, averiguou rapidamente que a história circulava em listas universitárias de discussão, mas que suas bases factuais eram frágeis, praticamente inexistentes. Logo em seguida, ao pesquisar em bases de dados e examinar os materiais disponíveis, concluiu por uma montagem feita no próprio Brasil.”"Esta 'notícia' aparentemente tão alarmante não tem base", diz, em um longo dossiê que publicou sobre os boatos. "Posso, sem hesitar, afirmar que os Estados Unidos não querem amputar um pedaço da nossa geografia nas escolas do país e que os supostos mapas simplesmente não existem."

Em entrevista concedida nesta semana ao G1, direto de Shangai, na China, Almeida confirma o que já tinha constatado anos atrás: reiterou que os boatos lançados a esse respeito sempre foram nacionais, criados inteiramente no Brasil. Segundo ele, os americanos nunca tiveram nada a ver com o caso e, de certa forma, foram vítimas dele, tanto quanto os milhares de brasileiros enganados. “É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros”, disse. “É uma construção, uma mentira deliberada”, completou. Segundo ele, que investigou o caso enquanto viveu nos Estados Unidos, é possível traçar a origem desses rumores a grupos de extrema direita militar no Brasil, interessados em preservar a soberania brasileira sobre a Amazônia, "supostamente ameaçada por alguma invasão estrangeira. Neste caso, recorreram à fraude deliberada para reforçar seu intento", explicou. Curiosamente, disse, a causa acabou abraçada pela extrema esquerda antiamericana, e a histórica cresceu com a ajuda da internet.

É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros. É uma construção, uma mentira deliberada"
Paulo R. de Almeida, diplomata brasileiro

Almeida é doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico e diplomata, autor de mais de uma dúzia de livros sobre o Brasil e relações internacionais, como "Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas". Em sua página pessoal na internet, ele reproduz seu dossiê sobre o caso, trazendo inclusive trechos da comunicação formal do então embaixador Rubens Antonio Barbosa negando a existência do mapa, que havia sido publicada no boletim da "Ciência Hoje" em maio do mesmo ano. A carta do embaixador, de junho de 2000, acusa um site brasileiro de criar a história. "Tudo parece ter originado, não de uma suposta 'conspiração americana' de desmembrar a floresta tropical amazônica, mas de desinformação 'made in Brazil' por setores ainda não identificados."

Repercussão
A negativa oficial não foi suficiente, e o caso continuou crescendo e chegou até mesmo ao Congresso Brasileiro. Primeiro foi a Câmara de Deputados, que em junho de 2000 fez um requerimento formal pedindo ao ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, informações a respeito da "matéria veiculada na internet na qual o Brasil aparece em mapas dividido." Depois disso, em 2001, foi no Senado. A página na internet do Senado traz um pronunciamento do senador Mozarildo Cavalcanti, do PFL de Roraima, de 29 de novembro de 2001, em que chama a internacionalização da Amazônia de "processo inteligentemente armado para anestesiar as camadas formadoras de opinião e evitar reação". Depois de ler todo o texto da denúncia que circulava pela internet, o senador apelou ao ministro das Relações Exteriores para que investigasse a fundo o assunto o "atentado à soberania do país".

A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela."
Anthony Harrington, ex-embaixador dos EUA no Brasil

Segundo o diplomata brasileiro ouvido pelo G1, o mapa se transformou em um refúgio para quem busca teorias da conspiração. "Quem quer acreditar, acredita em qualquer coisa", disse Paulo R. Almeida, explicando o porquê de o caso continuar tão popular mesmo depois de ser rebatido com fatos. "Os americanos nem deram atenção ao caso, foram pegos de surpresa e de forma involuntária. Só o Brasil dá importância a esta invenção."

Resposta americana 
Logo que o caso surgiu, no ano 2000, Anthony Harrington, então novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, tentou dar uma resposta oficial e final ao assunto. "Existem aqueles no Brasil que acreditam que os Estados Unidos querem dominar o mundo. Eles vêm o Tio Sam como o grande abusador. Típico desta forma de pensar é a crença de que os Estados Unidos têm um plano secreto de invadir a Amazônia em nome de salvar a Floresta Tropical. A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela. Mas em nome de seguir adiante, de permitir que americanos e brasileiros possam passar aos assuntos sérios que enfrentamos juntos, deixe-me deixar isso claro: A Amazônia pertence ao Brasil. Sempre vai pertencer. E o mito de que os Estados Unidos invadiria é simplesmente ridículo. Ponto Final."

Segundo o embaixador, os americanos são fascinados pela floresta, tanto quanto a maioria das pessoas em todo o mundo, mas o interesse do país é apenas em colaboração com o Brasil, ajudando a desenvolver a região de uma maneira que seja inócua para o meio ambiente e faça justiça aos formidáveis recursos naturais que os brasileiros possuem. "A idéia de que tropas americanas possam intervir na Amazônia é ridícula. Sinceramente, não merece comentários."

Mesmo assim foi preciso voltar a tocar oficialmente no assunto, e a própria Embaixada Americana no Brasil manteve por algum tempo uma página de desmentido da história do mapa no ar. A página não existe mais no mesmo endereço. Entretanto, o site America.gov, que traz informações sobre política externa dos Estados Unidos e é produzido pelo Departamento de Estado, mantém no ar o texto do desmentido e os argumentos. A data da divulgação é de 2005, cinco anos depois do início da propagação do mito e três após a reportagem no principal jornal dos Estados Unidos.

Rebatendo o mito
A resposta oficial diz que o e-mail forjado surgiu em 2000. "Não há indicação de que tal livro exista. A Biblioteca do Congresso dos EUA, com mais de 29 milhões de livros e outros materiais impressos, não tem registro dele. O banco de dados online do centro de estudo WorldCat, o maior banco de dados de informação bibliográfica, com mais de 47 milhões de livros, não tem registro do livro. Tal livro também não é encontrado em buscas na internet na Amazon e no Google" .

O primeiro argumento usado para refutar a veracidade do livro é gramatical: "Muitos erros de grafia, gramática, tom inapropriado e linguagem" que são evidentes para um falante nativo de inglês. A resposta oficial do governo americano, apesar de ter demorado quase meia década, parte na mesma direção do embaixador brasileiro Rubens Antonio Barbosa, indicando que o trabalho aparenta ser uma invenção "made in Brazil" para criar "desinformação". O Birô Internacional de Programas de Informação continua seu texto apontando que "alguns dos erros de grafia nesta falsificação indicam que o falsificador era um falante nativo de português", diz, citando exemplo como a palavra "vegetal", que aparecia na mensagem original no lugar de "vegetable".

A criação da 'Prinfa' foi um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos"
Texto falso divulgado junto com lenda urbana sobre livro didático

O mapa
Esta duradoura mentira circula há anos pela rede trazendo a imagem de um suposto mapa de livro de geografia usado nas escolas dos Estados Unidos em que aparece um pedaço da Amazônia como sendo um território sob “responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas”. Esta área, que inclui partes do Brasil e de outros países da região, teria sido renomeada, ainda nos anos 1980, para Finraf (Former International Reserve of Amazon Forest), traduzida, na mensagem de alerta que dizia se tratar de uma história real, para Prinfa (Primeira Reserva Internacional da Floresta Amazônica).

A mensagem, que circulou por e-mails e blogs, é sempre a mesma. Um “alerta”, algo “para ficar indignado”, incluindo uma página copiada do suposto livro “An Introduction to Geography”, onde aparece o referido mapa do Brasil “amputado” e um texto sobre a “reserva internacional”.

O texto do livro é preconceituoso e ofensivo, e foi traduzido de um inglês pobre para um português cheio de erros de grafia e gramática: “Desde meados dos anos 80 a mais importante floresta do mundo passou a ser responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas. (...) Sua fundação [da reserva] se deu pelo fato de a Amazônia estar localizada na América do Sul, uma das regiões mais pobres do mundo e cercada por países irresponsáveis, cruéis e autoritários. Fazia parte de oito países diferentes e estranhos, os quais, em sua maioria, são reinos da violência, do tráfego de drogas [sic], da ignorância, e de um povo sem inteligência e primitivo. A criação da Prinfa foi apoiada por todas as nações do G-23 e foi realmente uma missão especial para nosso país e um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos” .

Para dar credibilidade à história, a mensagem alega que a fonte da informação foi um jornal, sem muitos detalhes sobre a publicação do caso. Mesmo sem uma base de informação mais forte, a história se espalhou pelo Brasil e ganhou atenção até nos próprios Estados Unidos, onde foi rechaçada repetidas vezes, como em 2002, quando foi ironizada pelo "New York Times" como "claro, pura imaginação. A imaginação brasileira" . O título da matéria era algo como "No fundo do Brasil, uma viagem de paranoia".

Ainda em 2010, o Google tem mais de 1.200 retornos para a busca internacional pela sigla Finraf. Traduzindo a sigla para Prinfa, são mais de 3.000 páginas registrando alguma informação a respeito dessa história. São dezenas de blogs pessoais, páginas de jornais de diferentes lugares do Brasil, perguntas em fóruns. Muitos já tratam o assunto como mito, lenda urbana, e dizem que o mapa se tornou apenas uma curiosidade na internet. Não faltam, entretanto, as páginas que ainda reproduzem o assunto (algumas com datas tão recentes quanto 2009) com tom indignado e alegando se tratar de uma denúncia real.


quarta-feira, 23 de junho de 2021

A paranoia da internacionalização da Amazônia volta com Bolsonaro - Luiz Romero (CNN)

 Tratei desse assunto quando estava na embaixada do Brasil em Washington, e depois de dois desmentidos cabais, achava que o assunto já tinha morrido.

Não, engano meu: bastava chegar um governo ESTÚPIDO, como o de Bolsonaro, para o assunto ser revivido, sem qualquer consistência.

Paulo Roberto de Almeida

How Brazil's fear of losing the Amazon guides Bolsonaro's policies towards the forest

CNN, June 22, 2021

https://edition.cnn.com/2021/06/22/americas/brazil-amazon-fear-meme-bolsonaro-intl/index.html

(CNN) In 2000, when the internet in Brazil was still in its infancy, an email with an alarming message about the Amazonwent viral. It claimed that the United States and the United Nations had taken the forest from Brazilians and transformed it into a protected area -- a falsehood, but one that reflected a long-running conspiracy theory still promoted today by Brazilian President Jair Bolsonaro.

The email described a purported geography textbook being used in "important American schools," which labeled the Amazon as an "international control zone." Next to a map, a misspelled text said that the forest was "surrounded by irresponsable, cruel, and authoritary countries" and that the United States and the United Nations, with the backing of the "G23," transformed it into "an international park with very severe rules of exploration."
"The value of this area is unable to calcule," it continued, "but the planet can be cert that The United States won't let these Latin American countries explorate and destroy this real ownership of all humanity." 
Despite the multiple signs that the textbook was fake -- the writing was riddled with mistakes, the map looked doctored, and the obvious fact that the Amazon had not been turned into an international reserve -- the rumor touched a chord with Brazilians, circulating so widely that both the Brazilian embassy in Washington and the American embassy in Brasília tried to debunk it. "The idea is so hilarious that I feel silly to have to talk about it," Anthony Harrington, the American ambassador in Brazil, said at the time, according to news website G1. 
But the viral image also illustrates a pervasive fear that grips Brazil and that has profound consequences for the forest. 
Jair Bolsonaro, Brazil's president, speaks during the UN General Assembly meeting in New York, U.S., on Tuesday, Sept. 24, 2019.
President Bolsonaro has repeatedly invoked the idea that the Amazon is under threat from a foreign takeover as he pushes back against foreign leaders, indigenous groups, and environmental organizations when they show concern for the forest, demand more reservation areas, or denounce environmental destruction.
In May 2018, during his campaign for president, President Bolsonaro hinted at the conspiracy theory: "The Amazon is not ours," he claimed. "I say that with a lot of sadness, but it is a reality." Later that year, after being elected but before taking office, he threatened to withdraw from the Paris climate agreement, claiming that it weakened Brazilian control over the Amazon.
And in April 2019, already in power, he spoke openly about a murky plot to steal the forest from Brazil that involved the creation of indigenous reserves. "If we don't change our policies, we will lose the Amazon," he said in a radio interview with Jovem Pan. "The United Nations has been discussing, for a while now, that through the auto-determination of indigenous peoples, you could have new countries here inside," he added. "That could happen."

A fear with roots in the military

Fears of foreign meddling in the Amazon are not entirely unfounded. Two years ago, Stephen Walt, a respected professor of international relations at Harvard University, wrote an article for Foreign Policy, a respected publication on international politics, titled "Who Will Invade Brazil to Save the Amazon?" The title, which the scholar said on Twitter had not been written by him, was later softened to "Who Will Save the Amazon (and How)?"
Walt's article started with a hypothetical description of an American president ordering an invasion of Brazil due to environmental breaches. "The president's decision came in the aftermath of a new United Nations report cataloging the catastrophic global effects of continued rainforest destruction," Walt fantasized. It continued with a discussion of the merits of that move, including the international mechanisms and historical precedents that would allow it to happen.
It is also true that foreign leaders have repeatedly made statements that could be perceived as questioning Brazil's sovereignty over the Amazon. They include former vice president Al Gore, then a senator, ("Contrary to what Brazilians think, the Amazon is not their property, it belongs to all of us"), then French president François Mitterrand (Brazil should accept a "relative sovereignty" over the forest), and then British prime minister John Major (who threatened military action to expand the rule of law "over what is common to all in the world"). 
But as with other conspiracies, that germ of truth has been extrapolated into absurdity. The rumor about the textbooks is a good example of that. It actually started in the armed forces, as a short text in a small independent website kept by retired military officers in Brazil, according to a dossier compiled by Paulo Roberto de Almeida, a diplomat at the embassy in Washington in the early 2000s, when the email went viral for the first time. 
The title of the website -- "Brazil, Love It or Leave It" -- is a slogan of the military dictatorship, and its content is nationalistic. Its stated goal is to fight disinformation, but it actually features a multitude of conspiracies, many referring to the Amazon. 
The authors of the website see foreign leaders' disparaging remarks about Brazil's guardianship of the Amazon as attempts to weaken Brazilian sovereignty over the forest, and as a means to open it for interference, exploitation, and invasion. 
One article claims that a reserve granted to an indigenous group was a "nation within the nation" with covert separatist intentions. Another claims that an "ecologist hysteria," fueled by foreign-sponsored activists and journalists, were part of a plot to internationalize the Amazon, "taking away from Brazil the right to use its wealth."
"We are undergoing a process in our country that is beyond logic," the authors of the website explain in an editorial. Rich countries are using globalization, environmentalism, and humanitarianism to force poor nations to open their markets, politics, and territories to foreign interference. Brazil is failing to fight that invasion, the editorial claims. "A full opening is underway," and the forest is central to that process. 
The authors, whose full names are not displayed on the website, did not respond to a request for comment from CNN.

To defend, but not to protect

President Bolsonaro, a military man himself, is no stranger to such fears of encroachment on Brazilian sovereignty. Since he reached power two years ago, he seems to have been fighting some of the internal enemies identified by the creators of the rumor about the textbook -- indigenous peoples and environmental groups.
Not a single indigenous reservation was created during his first two years in power, a considerable drop compared to predecessors. Right-wing president Fernando Henrique Cardoso approved an average of 36 indigenous reservations every two years during his presidency in the 1990s. Left-wing president Lula da Silva approved an average of 22 per two years. Now, approvals of indigenous reservations have fallen to zero, according to newspaper O Globo.
Activists call for the end of oil exploration in the Amazonia region in front of the Leblon Sheraton Hotel in Rio de Janeiro, Brazil, on December 04, 2020.
The Bolsonaro administration has also frozen some state funding that supports environmental groups, a move that O Globo described as "a declaration of war on NGOs." Bolsonaro later claimed that environmental organizations were setting fires to the Amazon, recording them, and sending the images abroad to make him look bad to international audiences. 
The president has also aimed fiery statements at the foreign enemies supposedly plotting a takeover of the Amazon in collusion with international organizations. 
"We saw recently a great candidate for head of state say that if I don't put out the fire in the Amazon, he will put up commercial barriers against Brazil," he said in 2020, referring to comments made by Joe Biden during a presidential debate. 
"How can we deal with all that? Just diplomacy is not enough," he said. "When saliva runs out, one has to have gunpowder."
In August 2019, following an infamous fire season in the Amazon, French President Emmanuel Macron tried to pressure Brazil into improving environmental protections. "Our house is burning," he tweeted ahead of the 2019 G7 summit, urging his fellow leaders to discuss the "emergency." During the summit, he made a reference to Brazilian control of the forest. "The Amazon forest is a subject for the whole planet," he said. "We respect your sovereignty", he added, "but we cannot allow you to destroy everything." 
A vessel transports logs on a raft along the Murutipucu River in the municipality of Igarape-Miri in the region of Baixo Tocantins, northeast of Para, Brazil, on September 18, 2020.
Aerial view of a burning area of Amazon rainforest reserve, south of Novo Progresso in Para state, on August 16, 2020.
The following month, during a meeting with presidents of South American countries that include portions of the Amazon, President Bolsonaro criticized Macron's remarks, making clear that he saw in them a potential plan to wrest the vast forest from Brazil. "A plan to turn this large area into a world heritage site is still on the table," he said at the time.
Colombian President Iván Duque, the host of the meeting, said Amazon states needed to better coordinate their actions to stop the cutting and burning of trees. Ecuadorian President Lenín Moreno sang a song about environmental preservation. Bolsonaro, meanwhile, insisted that the summit's final declaration mention sovereignty. 
"We have to say that the Amazon is ours," he said. "We have to take a firm position in defense of our sovereignty, so that each country can, within its land, develop the best policy for the region, and not let that this policy be dealt with by other countries." 
The Brazilian President's fears of a foreign takeover of the Amazon might be irrelevant if they did not pose a material effect on the forest itself.
If history is any indication, the effect might be catastrophic. The Amazon was a central concern of the military dictatorship that ruled Brazil between the 1960s and 1980s. The officers in power believed that the region was highly vulnerable to foreign interference, being too vast, too isolated, and too precious for its own good. They tried to end that vulnerability by encouraging people to move there, stimulating agriculture, ranching, and mining, paving the forest with highways, and building ports, mines, refineries, and dams. These initiatives were devastating, and deforestation spiked in the period between 1965 and 1985.
In early 2019, the Bolsonaro administration sketched an ambitious development project guided by similar ideas. The Baron Rio Branco Plan, created by retired military general Maynard Marques de Santa Rosa, then a member of the administration, aimed at building a dam and a bridge over two Amazon rivers, expanding an existing highway all the way to Suriname, and incentivizing mining and farming. Indigenous peoples and environmental groups issued statements repudiating the project, in part because the expanded highway would pass through multiple areas of protected forest.
In late 2019, Santa Rosa left the government and the plan lost strength, but specific parts, like the highway, are still planned by the government and could still become a reality.
Bolsonaro's goals to protect the Amazon hint at tragic outcomes. His first two years in office have only ushered in more destruction of the forest. His attacks on indigenous peoples, and the organizations that support them, weaken the most efficient guardians of the forest. And his plans to "develop," "colonize," and "integrate" the Amazon, like the plans of the military officials who preceded him, risk accelerating its disappearance. 



domingo, 29 de março de 2020

Internacionalização da Amazônia? Não, mas... - Uma crítica iliterata, por Paulo Henrique Faria Nunes

Se me perguntarem se sou a favor da INTERNACIONALIZAÇÃO DA AMAZÔNIA, eu responderei de imediato que SIM, SOU A FAVOR.
Isso não tem nada a ver com a retirada da nossa Amazônia geográfica da soberania do Brasil, a entrega aos estrangeiros, essas coisas horríveis que levam imediatamente à reação tosca, ignorante, de patriotas ingênuos, que querem continuar apoiando a continuidade do subdesenvolvimento da Amazônia puramente nacional.
A Amazônia só se aproximou de um pouco de melhorias e bem-estar no boom da borracha (1870-1913), que durou pouco, mas permitiu a criação de todas aquelas coisas que os turistas admiram em Manaus e Belém ainda hoje.
Depois, ela entrou numa profunda letargia, até a criação da Zona Franca de Manaus, que é a solução errada, mas que permitiu criar empregos (a um custo alto para a economia brasileira, sem mencionar fraude fiscal, corrupção e deformação da economia regional).
E a Amazônia só será desenvolvida plenamente, quando ele for inteiramente internacionalizada, ou seja, integrada à economia mundial. Isso não tem nada a ver com a questão (paranoica) da soberania.
Mas, deixo essa conversa para lá, para apresentar um texto interessante, de um professor inteligente (deveria ser uma redundância, mas não o é, necessariamente).
Paulo Roberto de Almeida

Crítica iliterata

*Paulo Henrique Faria Nunes
Ler é um hábito incômodo. Segurar um livro e lê-lo em um espaço público no Brasil – ou mesmo na esfera doméstica – causa desconforto e mal-estar social. “Por que você está lendo?”; “é para o trabalho?”; “é para a escola?”; “coitado! No fim de semana… por isso tanto jovem está com depressão…”. Para os atrevidos que exibem livros por aí, os dispositivos de leitura de ebooks foram providenciais, pois eles se misturam aos milhões de celulares conectados às redes sociais e poupam o leitor da vergonha de ler em público.
Se consumir livros é complicado, imagina escrevê-los. É mudar o status de usuário para traficante. E o pior: o escritor está sujeito à crítica e ao ódio de quem não tem qualquer disposição para conhecê-lo. Paulo Freire que o diga. Tornou-se o bode expiatório de todos os males da educação brasileira. Escolas sucateadas, salários miseráveis, desvio de dinheiro público, plágio, outorga de diplomas universitários a analfabetos funcionais: é tudo culpa do Paulo Freire!
Já faz algum tempo que observo com certa inquietação a era da citação dos livros jamais lidos, estágio atual da erudita sociedade da informação do Século XXI. No entanto, como professor universitário nunca imaginei que eu próprio seria vítima dos críticos iliteratos.
No último ano, meu livro A institucionalização da Pan-Amazônia (Prismas, 2018) foi agraciado com o Prêmio Manuel Gomes Guerreiro, concedido pela Universidade do Algarve em Portugal. Obviamente, uma grata surpresa para um acadêmico tupiniquim e goiano. Ser elogiado publicamente por Lídia Jorge, um dos grandes nomes da literatura portuguesa, foi um momento ímpar. No entanto, maior surpresa me causaram as manifestações de vários de meus compatriotas. É impressionante como tanta gente confundiu o título de meu trabalho com internacionalização da Amazônia e logo concluiu que sou um intelectual a serviço das potências estrangeiras interessadas em roubar as riquezas do Brasil, neoliberal, esquerdopata, ambientalista radical, amigo de Greta Thunberg.
Uma pseudoleitora, que provavelmente se considera muito informada e nacionalista, me enviou um e-mail tragicômico: “Confesso que fiquei bastante assustada em saber que existe pessoas que concordam com a internacionalização da NOSSA AMAZÔNIA. A AMAZÔNIA, até onde eu sei, é DO BRASIL, ou seja, ela não pode ser COMERCIALIZADA. […] Sou Patriota e não permito, que nenhum aventureiro ponha a mão em nossas riquezas. São anos de luta, por um Brasil melhor e sem corrupção. Sei que chegaremos lá, com a ajuda de Deus e Jesus Cristo, pois somos a Pátria do Evangelho, Coração do Mundo. O Brasil é nosso. O povo acordou, não tem mais espaço para oportunistas” (sic).
Outros brasileiros reagiram ao ler a notícia da premiação concedida a meu livro em um portal de notícias português e prontamente se posicionaram. Um escreveu: “Ninguém vai por as mãos na Amazônia, Macron e sua turma de socialistas da ONU podem perder a esperança” (sic); outro bradou contra o colonialismo: “O Brasil não é mais uma colônia de Portugal, vcs europeus imperialistas não pisarão mais em nosso solo para roubar nossas riquezas e explorar nosso povo” (sic); e um mais destemperado e agressivo, mas igualmente desinformado, partiu para a agressão direta ao autor do livro cujo conteúdo desconhecia: “Mais um imbecil se metendo onde não foi chamado vai cuidar das suas florestas do seu pais en ves de ficar fazendo Balburdia […]. Primeiro resolva os problemas do seu país antes de se meter onde não foi chamado escritor mediocre” (sic).
Até mesmo um tio, após me parabenizar pelo reconhecimento em Portugal, resolveu fazer elucubrações sobre o risco de pan-americanização da Amazônia, “aspiração do Foro de São Paulo, da Unasul, do George Soros, do Vaticano e outras organizações internacionais”.
Não entender o conteúdo de um livro e chegar a teses equivocadas é esperado, principalmente onde a leitura é tão deficiente em termos quantitativos e qualitativos. Conclusões acerca de um texto desconhecido a partir de uma suposta (e errônea) interpretação do título revela a preocupante condição da educação brasileira em todos os níveis e o estágio de maturidade intelectual do país… preconceito no sentido mais literal: não li, não gostei, sou contra e inimigo do autor.
Paulo Henrique Faria Nunes é Jurista, professor, pesquisador na PUC Goiás e Conselheiro Fiscal da Apuc (Associação dos Professores da PUC Goiás)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A França quer internacionalizar a Amazônia? Da pouco nobre arte de ser ridículo - FSP, Embaixada da França

Todos nós temos o direito de ser um pouco ridículos e paranóicos, de vez em quando. Faz parte das oscilações de percepções sobre ameaças e desafios, no plano pessoal, familiar, social.
Mas será que o Ministério da Defesa tem esse direito?
Acredito que sim: militares são por definição paranóicos, e nisso eles estão parcialmente corretos.
Se não fossem paranóicos, quem os levaria a sério na hora de fixar o orçamento da Defesa?
Como eles garantiriam todo aqueles equipamentos e instalações, para continuar no trabalho que é o deles, institucionalmente?
Não, não os estou acusando de serem ridiculamente paranóicos.
Os verdadeiros responsáveis pela percepção abaixo transmitida são os representantes dessa coisa difusa chamada "opinião pública".
Mas, a opinião pública se move muito pelo que dizem seus dirigentes.
Já sabemos quem é paranóico e ridículo, aliás ridiculamente paranóico, pois as ONGs também entram na contagem das ameaças inimigas.
Paulo Roberto de Almeida

A embaixada da França em Brasília, com um pequeno toque de ironia, saudou a imaginação sem limites dos autores do relatório: 




Elite militar brasileira vê França como ameaça nos próximos 20 anos

Minuta secreta vê guerra pela Amazônia, base americana, ação chinesa e até terror no Rock in Rio

A França, com sua renovada defesa da internacionalização da Amazônia, tomou o centro das preocupações da elite militar brasileira como principal fonte de ameaça estratégica para o país nos próximos 20 anos.
A visão foi colhida pelo Ministério da Defesa com 500 entrevistados em 11 reuniões no segundo semestre de 2019.
Trata-se da minuta sigilosa "Cenários de Defesa 2040", à qual a Folha teve acesso. Ela ajuda a embasar a revisão em curso da Estratégia Nacional de Defesa, a ser enviada ao Congresso até junho.
Suas visões poderão ou não ser acatadas pela pasta, mas traduzem um sentimento médio entre o oficialato —as reuniões ocorreram em comandos militares, organizadas pela Escola Superior de Guerra.
A pasta diz que falou com pessoas do "âmbito interno e externo". Segundo envolvidos no processo, militares são a maioria absoluta dos ouvidos.
O texto de 45 páginas traz considerações geopolíticas realistas e hipóteses algo delirantes. Ali, há a previsão da instalação de bases americanas no Brasil, guerras e até o ataque com um coronavírus contra o Rock in Rio de 2039.
Os cenários gerais são quatro: alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos com ou sem restrições orçamentárias para defesa, e relacionamento global do país, também em versões verbas fartas ou exíguas.
A única ameaça constante em todas as hipóteses é a França, reflexo do embate entre Bolsonaro e o presidente Emmanuel Macron no segundo semestre de 2019, quando o francês sugeriu a internacionalização da Amazônia ante a crise dos incêndios na região.
A floresta está no coração do pensamento militar local. O livro "Aspectos Geográficos Sul-Americanos" (1931), do capitão do Exército Mário Travassos (1891-1973), consolidou a geopolítica do "integrar para não entregar" dos quartéis.
Segundo um dos cenários descritos, em 2035 Paris "formalizou pedido de intervenção das Nações Unidas na Região Ianomâmi, anunciando o seu irrestrito apoio ao movimento de emancipação daquele povo indígena" e, dois anos depois, "mobilizou um grande efetivo suas forças armadas, posicionando-os na Guiana Francesa".
O texto se furta a dizer o que aconteceria se os países fossem às vias de fato, contudo. Nos anos 1960, os países se estranharam numa questão pesqueira, a chamada Guerra da Lagosta.
A minuta ignora que a França é a principal parceira militar do Brasil, com quem tem um amplo acordo para produção de submarinos e helicópteros.
O atual espectro da região, a ditadura chavista da Venezuela, recebe tratamento diverso. Em uma simulação realista, o país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana (antiga Guiana Britânica) atrás de territórios que disputa.
A briga desanda para Roraima, o que obriga a entrada do Brasil no conflito —o desfecho não é dado, mas aparentemente somos salvos pelo "escudo antimíssil, sistema desenvolvido pelo Brasil, com apoio israelense e material norte-americano".
Já em outros cenários, há uma pacificação da crise venezuelana, com ou sem os brasileiros na equação. A índole pacífica do Brasil, que não se envolve em conflitos na região desde a Guerra do Paraguai (1865-70), só é mantida em um dos quatro cenários, aquele no qual falta orçamento e o país busca equidistância dos EUA e da China.
Nos demais, além dos embates com franceses e venezuelanos, é antevista uma intervenção militar brasileira em Santa Cruz de la Sierra após o governo da Bolívia expulsar fazendeiros brasileiros.
A continuada crise da Argentina é vista como superada no documento, mas o antigo adversário geopolítico do Brasil não é visto como ameaça exceto quando tenta instalar uma base militar chinesa em seu território em 2034. Brasília demove Buenos Aires da ideia diplomaticamente.
Por outro lado, o Itamaraty é visto como mediador de guerras entre Bolívia e Chile e entre Colômbia e Venezuela.
Num registro mais concreto, a questão dos crimes transnacionais ligados ao tráfico de drogas está presente nas preocupações, assim como a militarização do Atlântico Sul.
Aqui, avanço chinês na área com a ampliação de sua instalação na Namíbia e a previsão do estabelecimento da maior força do Hemisfério Sul na forma de uma base da Otan (aliança militar ocidental) em São Tomé e Príncipe não são hipóteses irrealistas.
A dicotomia de um mundo em que a China ascendente desafia os EUA é onipresente. Pequim já tem forte presença econômica no Brasil e vizinhos. Mas o fato de estarmos próximos da maior potência militar do mundo leva à sua preponderância natural.
Mas o texto deixa claro que isso foi reforçado pelo "alinhamento iniciado em 2019" pelo governo de Jair Bolsonaro.
Isso é descrito como uma vantagem competitiva para os militares no caso de haver orçamento farto. Aí, é vista a compra de um porta-aviões com sete navios de escolta para a sonhada 2ª Esquadra, baseada no Maranhão.
Curiosamente, o texto diz que será possível "modernizar a frota de aviões de patrulha" com a aquisição de oito modelos P-3 Orion em 2029 —o avião já é ultrapassado hoje.
Já o submarino nuclear brasileiro poderia estar operacional em 2035, e um segundo talvez fosse lançado ao mar, nessa visão muito otimista.
Ao mesmo tempo, no caso de os brasileiros estarem sob estiagem econômica, a instalação de bases americanas no país e em vizinhos é prevista, assim como o "fortalecimento da Quarta Frota" da Marinha dos EUA, que cobre a região.
A questão econômica permeia o texto e reflete demandas usuais dos militares. O orçamento de 2020, na casa dos R$ 80 bilhões, é o menor em 15 anos, e aproximadamente 80% do valor vai para pessoal.
Bolsonaro, capitão do Exército reformado, preservou contudo programas específicos, encaminhou uma reforma de carreira há muito desejada pelos militares e faz gestos à categoria. Nesta sexta (7), será recriada a 6ª Divisão do Exército, seis anos após ser fechada.
Não são elaborados no texto riscos terroristas de adversários dos EUA no Brasil, cortesia de tal alinhamento.
Quando o texto se dá a fazer leituras políticas, há platitudes: governos estáveis com economia em ordem permitem avançar iniciativas militares, do contrário as Forças Armadas são usadas para conter crises na área da segurança.
Duas curiosidades ecoam discursos bolsonaristas. O voto impresso é visto como tão decisivo quanto o distrital para melhorar a política.
E, num cenário, dois ministros do Supremo são presos por corrupção, resultado de reformas do Código Penal sob o "governo Maria Fernanda", daqui a 15 anos. Já o Ministério da Segurança Pública, objeto de polêmica há duas semanas, seria recriado só após crise em 2031.
Há saborosos voos de imaginação. Num deles, a pujança brasileira leva à irritação de ultranacionalistas do Sudeste Asiático, que espalha, o coronavírus que provoca a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) durante a edição do Rock in Rio 19 anos à frente.
Noutro, um terrorista envia o bacilo antraz em cartas para o ministro da Defesa em 2039, como ocorreu nos EUA após o 11 de Setembro de 2001. Cartas físicas daqui a quase 20 anos não sugerem um exercício arguto de futurologia.
Ainda na linha de paranoia ambiental, "atentado terrorista do grupo ambientalista Nature, realizado em Belém em 2037 contra a empresa norueguesa que explora alumínio na região, levou à morte de dezenas de brasileiros".
No Brasil, historicamente o Exército era o responsável por esse tipo de estudo. É a primeira vez que o Ministério da Defesa elabora algo nesta linha —em 2017, publicou cenários com afirmações gerais e abordagem mais científica.
A minuta não especifica métodos. "O arranjo metodológico para composição de um texto flexível utilizou técnicas e métodos qualitativos", disse o ministério, em nota.
Folha enviou o texto para o especialista Vinicius Mariano de Carvalho, professor no Brazil Institute e no Departamento de Estudos da Guerra do King´s College, de Londres.
Ele preferiu não comentar os cenários em si, mas apontou algumas dúvidas. "Seria relevante haver transparência acerca da metodologia aplicada e sobre que pesquisadores participaram. A leitura não parece trazer a perspectiva das três Forças de forma equilibrada. Sugere uma preponderância de uma voz", afirmou.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Internacionalização da Amazônia - Almir Pazzianotto Pinto

Internacionalização da Amazônia

Em matéria de preservação ambiental o Brasil não está em condições de ditar regras 

Almir Pazzianotto Pinto*
O Estado de S.Paulo, 27 de setembro de 2019

O interesse externo pela Amazônia ficou evidente no livro O Ano 2000 – Uma incursão no perturbador futuro próximo, realizada com científica frieza, de Herman Kahn e Anthony J. Wiener, editado no Brasil em 1968 pela Ed. Melhoramentos, com prefácio de Roberto Campos. No capítulo dedicado à exploração de energia nuclear, escrevem os autores: “Entre outras fontes de energia estão (como indica estudo ainda não publicado do Instituto Hudson) numerosas represas pequenas de rios sul-americanos. Assim, parece que o Rio Amazonas poderia ser represado com relativa facilidade. Isto não só criaria uma ilha ‘mediterrânea’, como também poderia produzir cerca de 75 milhões ou mais de quilowatts de capacidade, que poderia ser usada na produção de eletricidade a um custo de alguns milésimos de dólar por quilowatt-hora (ou cerca de um terço da capacidade total atual dos EUA, por uma fração do seu custo)” (fl. 111). O livro despertou imensa curiosidade e transformou os autores em celebridades, hoje esquecidas.
A primeira tentativa concreta de penetração estrangeira na região ocorreu na segunda metade do século 19, quando o governo americano soube de projeto desenvolvido pelo governo boliviano de construção de ferrovia destinada à exportação de borracha pelo Oceano Atlântico. A magistral biografia de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, escrita por Álvaro Lins, contém esta breve informação: “Foi curta e sem acontecimentos a estada de Rio Branco em Berlim. Na sua correspondência oficial com o Ministério do Exterior só aparece a sua intervenção oficial no caso do Acre, que resolveria pouco depois no Rio. O capitalismo internacional pretendia apoderar-se do Acre, por intermédio de um sindicato, como se fosse uma colônia africana. Capitais norte-americanos e ingleses estavam em ação em La Paz. Noticiara-se também que o chanceler alemão recebera um dos diretores do sindicato e lhe prometera auxílio ou apoio de banqueiros alemães. Em entrevista com o Barão de Richthofen, secretário de Estado, Rio Branco informa-o de que a fronteira entre o Brasil e a Bolívia não estava ainda demarcada e pede que o governo alemão não se intrometa em tão desagradável negócio” (Rio Branco, Companhia Editora Nacional, SP, 1965, pág. 248).
A incorporação do Acre pelo Tratado de Petrópolis, negociado por Rio Banco, custou-nos 2 milhões de libras esterlinas e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com extensão de 366 quilômetros. A obra, de interesse de ambos os países, foi concluída em agosto de 1912, sob a direção do empresário norte-americano Percival Faquhar. Nela morreram, oficialmente, 1.552 trabalhadores, vítimas de malária, tifo, acidentes de trabalho e ataques indígenas. Outras estimativas aludem a mais de 5 mil, ou um operário para cada dormente assentado.
Já no início da década 1920, Henry Ford cogitou de se tornar autossuficiente na produção de pneus para os automóveis produzidos em Detroit. Com esse objetivo adquiriu vasta área às margens do Rio Tapajós, onde construiu uma vila dotada das comodidades da época, montou fábrica de borracha, plantou 3 milhões de seringueiras e contratou 2.700 empregados. Com a invenção da borracha sintética, mais simples de produzir e mais barata, e o término da 1.ª Guerra Mundial, em 1918, houve redução da procura por borracha natural. A manutenção da Fordlândia tornou-se, então, antieconômica e acabou sendo abandonada em 1945 pelo filho e sucessor do fundador, Henry Ford II, que vendeu as terras e instalações ao governo brasileiro (Jari, Sérgio da Cruz Coutinho e Maria Joaquina Pires, Ed. Imago/Jari Celulose/Embrapa, RJ, 1997, pág. 19).
Na década de 1960 o negócio da celulose atraiu para a região do Rio Jari o americano Daniel Keith Ludwig, bilionário ligado ao setor de transportes marítimos. Em março de 1967 Ludwig concluiu as negociações para a fundação da empresa Jari Florestal e Agropecuária, integrante do grupo Jari Indústria e Comércio S/A, com o governo do presidente Castelo Branco. O projeto visava a produzir celulose, explorar jazida de caulim, cultivar milho, mandioca e arroz, criar gado bovino, na área de 1.632.121 hectares, sendo 1.174.391 hectares no município de Almeirim (PA) e 457.730 hectares no então Território Federal do Amapá, município de Mazagão.
O conjunto produtor de celulose e a usina geradora de energia foram fabricados no Japão e transportados por via marítima, em duas gigantescas balsas, até o Porto de Munguba, às margens do Rio Jari, região do Baixo Amazonas, num percurso de 28.706 km, percorrido em 87 dias. Com o projeto concretizado e a indústria em operações, Daniel Ludwig passou a ser hostilizado como ameaça à soberania nacional, interessado em implantar Estado independente no coração da Amazônia. Em 1981, com idade avançada, cansado e desiludido, o bilionário Daniel Ludwig entregou a monumental obra ao governo e se retirou para os Estados Unidos.
O Brasil ocupa lugar destacado nos índices mundiais de desmatamento. Países como a França, Finlândia, Bélgica e Holanda procuram conservar ou reflorestar. A negra nuvem de fuligem que cobriu São Paulo em agosto não foi provocada por alienígenas. São brasileiros os responsáveis pela devastação da Amazônia. Somos nós os poluidores de regatos, rios, mananciais, lagos, reservatórios e destruidores da flora e da fauna. Produzimos favelas, arruinamos o centro histórico de São Paulo, transformamos o antigo e belo Rio de Janeiro na cidade que hoje ela é.
Em matéria de preservação ambiental, o Brasil não está em condições de ditar regras. O melhor é admitir que somos omissos e indiferentes. Pela ação de vândalos e sob o olhar indolente de sucessivos governos, assistimos à destruição do meio ambiente, procurando os responsáveis no exterior. 

*ADVOGADO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E EX-PRESIDENTE DO TRI–BUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, É AUTOR DE ‘A FALSA REPÚBLICA’