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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A França quer internacionalizar a Amazônia? Da pouco nobre arte de ser ridículo - FSP, Embaixada da França

Todos nós temos o direito de ser um pouco ridículos e paranóicos, de vez em quando. Faz parte das oscilações de percepções sobre ameaças e desafios, no plano pessoal, familiar, social.
Mas será que o Ministério da Defesa tem esse direito?
Acredito que sim: militares são por definição paranóicos, e nisso eles estão parcialmente corretos.
Se não fossem paranóicos, quem os levaria a sério na hora de fixar o orçamento da Defesa?
Como eles garantiriam todo aqueles equipamentos e instalações, para continuar no trabalho que é o deles, institucionalmente?
Não, não os estou acusando de serem ridiculamente paranóicos.
Os verdadeiros responsáveis pela percepção abaixo transmitida são os representantes dessa coisa difusa chamada "opinião pública".
Mas, a opinião pública se move muito pelo que dizem seus dirigentes.
Já sabemos quem é paranóico e ridículo, aliás ridiculamente paranóico, pois as ONGs também entram na contagem das ameaças inimigas.
Paulo Roberto de Almeida

A embaixada da França em Brasília, com um pequeno toque de ironia, saudou a imaginação sem limites dos autores do relatório: 




Elite militar brasileira vê França como ameaça nos próximos 20 anos

Minuta secreta vê guerra pela Amazônia, base americana, ação chinesa e até terror no Rock in Rio

A França, com sua renovada defesa da internacionalização da Amazônia, tomou o centro das preocupações da elite militar brasileira como principal fonte de ameaça estratégica para o país nos próximos 20 anos.
A visão foi colhida pelo Ministério da Defesa com 500 entrevistados em 11 reuniões no segundo semestre de 2019.
Trata-se da minuta sigilosa "Cenários de Defesa 2040", à qual a Folha teve acesso. Ela ajuda a embasar a revisão em curso da Estratégia Nacional de Defesa, a ser enviada ao Congresso até junho.
Suas visões poderão ou não ser acatadas pela pasta, mas traduzem um sentimento médio entre o oficialato —as reuniões ocorreram em comandos militares, organizadas pela Escola Superior de Guerra.
A pasta diz que falou com pessoas do "âmbito interno e externo". Segundo envolvidos no processo, militares são a maioria absoluta dos ouvidos.
O texto de 45 páginas traz considerações geopolíticas realistas e hipóteses algo delirantes. Ali, há a previsão da instalação de bases americanas no Brasil, guerras e até o ataque com um coronavírus contra o Rock in Rio de 2039.
Os cenários gerais são quatro: alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos com ou sem restrições orçamentárias para defesa, e relacionamento global do país, também em versões verbas fartas ou exíguas.
A única ameaça constante em todas as hipóteses é a França, reflexo do embate entre Bolsonaro e o presidente Emmanuel Macron no segundo semestre de 2019, quando o francês sugeriu a internacionalização da Amazônia ante a crise dos incêndios na região.
A floresta está no coração do pensamento militar local. O livro "Aspectos Geográficos Sul-Americanos" (1931), do capitão do Exército Mário Travassos (1891-1973), consolidou a geopolítica do "integrar para não entregar" dos quartéis.
Segundo um dos cenários descritos, em 2035 Paris "formalizou pedido de intervenção das Nações Unidas na Região Ianomâmi, anunciando o seu irrestrito apoio ao movimento de emancipação daquele povo indígena" e, dois anos depois, "mobilizou um grande efetivo suas forças armadas, posicionando-os na Guiana Francesa".
O texto se furta a dizer o que aconteceria se os países fossem às vias de fato, contudo. Nos anos 1960, os países se estranharam numa questão pesqueira, a chamada Guerra da Lagosta.
A minuta ignora que a França é a principal parceira militar do Brasil, com quem tem um amplo acordo para produção de submarinos e helicópteros.
O atual espectro da região, a ditadura chavista da Venezuela, recebe tratamento diverso. Em uma simulação realista, o país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana (antiga Guiana Britânica) atrás de territórios que disputa.
A briga desanda para Roraima, o que obriga a entrada do Brasil no conflito —o desfecho não é dado, mas aparentemente somos salvos pelo "escudo antimíssil, sistema desenvolvido pelo Brasil, com apoio israelense e material norte-americano".
Já em outros cenários, há uma pacificação da crise venezuelana, com ou sem os brasileiros na equação. A índole pacífica do Brasil, que não se envolve em conflitos na região desde a Guerra do Paraguai (1865-70), só é mantida em um dos quatro cenários, aquele no qual falta orçamento e o país busca equidistância dos EUA e da China.
Nos demais, além dos embates com franceses e venezuelanos, é antevista uma intervenção militar brasileira em Santa Cruz de la Sierra após o governo da Bolívia expulsar fazendeiros brasileiros.
A continuada crise da Argentina é vista como superada no documento, mas o antigo adversário geopolítico do Brasil não é visto como ameaça exceto quando tenta instalar uma base militar chinesa em seu território em 2034. Brasília demove Buenos Aires da ideia diplomaticamente.
Por outro lado, o Itamaraty é visto como mediador de guerras entre Bolívia e Chile e entre Colômbia e Venezuela.
Num registro mais concreto, a questão dos crimes transnacionais ligados ao tráfico de drogas está presente nas preocupações, assim como a militarização do Atlântico Sul.
Aqui, avanço chinês na área com a ampliação de sua instalação na Namíbia e a previsão do estabelecimento da maior força do Hemisfério Sul na forma de uma base da Otan (aliança militar ocidental) em São Tomé e Príncipe não são hipóteses irrealistas.
A dicotomia de um mundo em que a China ascendente desafia os EUA é onipresente. Pequim já tem forte presença econômica no Brasil e vizinhos. Mas o fato de estarmos próximos da maior potência militar do mundo leva à sua preponderância natural.
Mas o texto deixa claro que isso foi reforçado pelo "alinhamento iniciado em 2019" pelo governo de Jair Bolsonaro.
Isso é descrito como uma vantagem competitiva para os militares no caso de haver orçamento farto. Aí, é vista a compra de um porta-aviões com sete navios de escolta para a sonhada 2ª Esquadra, baseada no Maranhão.
Curiosamente, o texto diz que será possível "modernizar a frota de aviões de patrulha" com a aquisição de oito modelos P-3 Orion em 2029 —o avião já é ultrapassado hoje.
Já o submarino nuclear brasileiro poderia estar operacional em 2035, e um segundo talvez fosse lançado ao mar, nessa visão muito otimista.
Ao mesmo tempo, no caso de os brasileiros estarem sob estiagem econômica, a instalação de bases americanas no país e em vizinhos é prevista, assim como o "fortalecimento da Quarta Frota" da Marinha dos EUA, que cobre a região.
A questão econômica permeia o texto e reflete demandas usuais dos militares. O orçamento de 2020, na casa dos R$ 80 bilhões, é o menor em 15 anos, e aproximadamente 80% do valor vai para pessoal.
Bolsonaro, capitão do Exército reformado, preservou contudo programas específicos, encaminhou uma reforma de carreira há muito desejada pelos militares e faz gestos à categoria. Nesta sexta (7), será recriada a 6ª Divisão do Exército, seis anos após ser fechada.
Não são elaborados no texto riscos terroristas de adversários dos EUA no Brasil, cortesia de tal alinhamento.
Quando o texto se dá a fazer leituras políticas, há platitudes: governos estáveis com economia em ordem permitem avançar iniciativas militares, do contrário as Forças Armadas são usadas para conter crises na área da segurança.
Duas curiosidades ecoam discursos bolsonaristas. O voto impresso é visto como tão decisivo quanto o distrital para melhorar a política.
E, num cenário, dois ministros do Supremo são presos por corrupção, resultado de reformas do Código Penal sob o "governo Maria Fernanda", daqui a 15 anos. Já o Ministério da Segurança Pública, objeto de polêmica há duas semanas, seria recriado só após crise em 2031.
Há saborosos voos de imaginação. Num deles, a pujança brasileira leva à irritação de ultranacionalistas do Sudeste Asiático, que espalha, o coronavírus que provoca a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) durante a edição do Rock in Rio 19 anos à frente.
Noutro, um terrorista envia o bacilo antraz em cartas para o ministro da Defesa em 2039, como ocorreu nos EUA após o 11 de Setembro de 2001. Cartas físicas daqui a quase 20 anos não sugerem um exercício arguto de futurologia.
Ainda na linha de paranoia ambiental, "atentado terrorista do grupo ambientalista Nature, realizado em Belém em 2037 contra a empresa norueguesa que explora alumínio na região, levou à morte de dezenas de brasileiros".
No Brasil, historicamente o Exército era o responsável por esse tipo de estudo. É a primeira vez que o Ministério da Defesa elabora algo nesta linha —em 2017, publicou cenários com afirmações gerais e abordagem mais científica.
A minuta não especifica métodos. "O arranjo metodológico para composição de um texto flexível utilizou técnicas e métodos qualitativos", disse o ministério, em nota.
Folha enviou o texto para o especialista Vinicius Mariano de Carvalho, professor no Brazil Institute e no Departamento de Estudos da Guerra do King´s College, de Londres.
Ele preferiu não comentar os cenários em si, mas apontou algumas dúvidas. "Seria relevante haver transparência acerca da metodologia aplicada e sobre que pesquisadores participaram. A leitura não parece trazer a perspectiva das três Forças de forma equilibrada. Sugere uma preponderância de uma voz", afirmou.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Evolucao historica da politica externa brasileira: palestra na ESG - Paulo Roberto de Almeida

Evolução histórica da política externa brasileira: palestra na ESG

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
Professor de Economia nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub.
 [Objetivo: palestra no CAED da ESG-Brasília; 6 de junho de 2018, 9-10:00hs]

1. A interação da ESG com os temas de política externa: intensa e contínua
Ao receber, pela primeira vez, convite para fazer uma palestra na ESG de Brasília, com a indicação de que poderia ser um tema histórico, comecei, como me pareceu necessário, por uma identificação das palestras de meus predecessores nessa vertente. As conferências de diplomatas ou de analistas e de praticantes das relações internacionais do Brasil na Escola Superior de Guerra tiveram início imediatamente após a criação da Escola, que ocorreu em 1949. A maior parte, no entanto, versava sobre assuntos da conjuntura mundial. Já em 1950, segundo os registros disponíveis, dois diplomatas compareciam para falar de temas da agenda internacional: Henrique Rodrigues Vale sobre “A ONU e os territórios não autônomos” (B-006-50) e Henrique de Souza Gomes, sobre as “Nações Unidas: Falhas e realidades” (B-009-50); este último voltaria cinco anos depois para discorrer, numa perspectiva quase histórica, sobre “A ação do Brasil, em dez anos, nas Nações Unidas” (I-13-55).
O primeiro diplomata a discorrer numa perspectiva e a partir de uma dimensão especificamente histórica, foi o então “Primeiro Secretário de Embaixada” Sérgio Corrêa da Costa, que compareceu à ESG em 4 de maio de 1951 para efetuar uma conferência sobre “O Brasil no concerto americano, de 1864 a Rio Branco” (B-002-51).  (...)
(...)

2. A periodização da política externa brasileira: um esforço em contínua evolução
(...)
3. Grandes etapas da diplomacia brasileira em sua trajetória independente
(...)
4.AC e DC na diplomacia brasileira recente: o lulopetismo diplomático 
(...)
5. As instituições republicanas e a ferramenta diplomática 
(...)
A ferramenta diplomática e a ferramenta militar podem se manter funcionando com base numa solidez institucional própria, pois que dotadas, ambas, de fundamentos conceituais tradicionais – valores e princípios bastante arraigados –, ainda que em condições operacionais por vezes precárias, se o chefe de Estado não se interessa pelo seu financiamento adequado e não se envolve nesse tipo de barganha com a área orçamentária. Dito assim – com um grau de suficiência que corre o risco de beirar a arrogância intelectual por parte de alguém que faz parte da carreira profissional –, até parece que nossa diplomacia exibe uma excelência insuperável para os padrões ditos normais de um serviço diplomático. Caberia, no entanto, relativizar tal pretensão a esse tipo de suficiência, provavelmente indevida, por um exame sincero de onde e como, em que condições, nossa diplomacia correspondeu efetivamente aos interesses nacionais. 
(...)
Os próximos anos corresponderão – vale lembrar – a uma fase preparatória a um exercício retrospectivo sobre o que fizemos nos últimos dois séculos de vida independente, bem como a um outro, prospectivo, que deveremos fazer, sobre o que pretendemos ser nas décadas seguintes. Isso significa que, não obstante a herança portuguesa, ainda influente durante parte do século XIX, só podemos atribuir a nós mesmos os fracassos passados, ao longo do século XX e no início do XXI, assim como devemos assumir plena responsabilidade pelo que faremos no futuro que já está aqui. 
A ferramenta da diplomacia profissional, assim como a ferramenta militar, cada uma em seu domínio próprio – mas provavelmente integradas numa visão partilhada do que seja o Estado brasileiro, e de quais devem ser as grandes opções e escolhas em torno dos itinerários possíveis para o desenvolvimento nacional –, constituem os dois instrumentos básicos de que dispõe a nação para sua plena inserção na interdependência global com preservação da soberania, mas também com intensa integração nos mais diversos tipos de intercâmbios mundiais: comércio, investimentos, finanças, tecnologia, capital humano e insumos culturais de todos os tipos. Cabe velar para que expectativas dessa natureza sejam plenamente confirmadas na prática das duas instituições...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 de maio de 2018