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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Passo cadenciado' do governo Lula na relação com a OCDE - Assis Moreira (Valor)

Passo cadenciado' do governo Lula na relação com a OCDE


Sinalização é de menos ‘agenda Faria Lima’’ e mais ‘agenda face humana’’ de temas sociais
Assis Moreira
Valor — Genebra, 31/01/2023 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidirá em algum momento como tratará efetivamente as negociações para o Brasil entrar como sócio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). Em entrevista ao lado do chanceler alemão Olaf Scholz, Lula sinalizou que o Brasil se interessa em participar da organização - ou seja, não vai fazer como a Argentina que congelou as discussões sobre a adesão.

De toda maneira, diante do pouco entusiasmo até agora demonstrado por Lula, alguns interlocutores falam de adoção de ‘passo cadenciado’’ e reorientação forte na relação com a OCDE, com menos ênfase na ‘agenda Faria Lima’’, restrita a questões econômicas, e bem mais na ‘agenda face humana’’ ou temas sociais.

Na verdade, nos próximos 18 meses não há grandes decisões políticas sensíveis que o governo precisará tomar nas negociações. O que está previsto é muito trabalho em comitês técnicos, com preparação de relatórios, questionamentos e respostas sobre diferentes aspectos da situação brasileira.

É preciso, porém, calibrar bem mesmo esse dito ‘passo cadenciado’’, porque é melhor estar dentro, e quanto mais cedo melhor, do que fora de uma organização com crescente influência na definição de padrões internacionais e com consequências econômicas concretas.

Há muitas questões a tratar com a OCDE, e a organização também sabe que a presença de um emergente de peso como o Brasil dá uma capacidade de legitimidade que ela ainda não tem. Alguns países membros parecem querer politizar mais a OCDE, como a Austrália, que se diz ‘preocupada’’ com relação à Rússia. Mas não são os australianos que vão definir o futuro da OCDE. Além disso, a avaliação de importantes observadores é de que nada obriga um país sócio a ter postura anti-China, por exemplo. O Brasil não vai ser menos desenvolvido por aderir à organização.

A OCDE de hoje não é controlada por uma agenda puramente neoliberal que alguns setores do governo parecem identificar. Dos 38 países membros, 20 tem governos de centro-direita ou de direita, mas a verdade é que a maioria da população vive sob governos de centro-esquerda.

Uma agenda progressista dentro da entidade avança, com a enfase a temas como educação, busca de uma globalização que possa gerar bons empregos, igualdade de gênero, proteção dos povos indígenas, proteção da floresta.

Uma das batalhas do precedente secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, com a então administração de Donald Trump foi que Washington queria priorizar economia, enquanto Gurria insistia na importância de agenda social. Com a saída de Trump, essa tensão deixou de existir.

O que é discutido na OCDE interessa a diferentes setores no Brasil, não apenas ao setor produtivo. A Nova Zelândia e o Canadá estão fortemente interessados em discutir formas de melhorar a situação econômica e social dos povos indígenas, algo que é prioridade também do governo Lula.

A OCDE é cada vez mais um centro da gestão da economia internacional e um definidor de agenda. Com a paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC), a OCDE toma a dianteira sobre definição da precificação do carbono, algo de peso na transição para a economia verde.

A possibilidade de influência brasileira na agenda internacional se ampliaria como membro ao mesmo tempo da OCDE, do Brics (grupo de grandes emergentes) e do G20, uma situação única entre os sócios. Também reforçaria a voz latino-americana, juntando-se a México, Colômbia, Chile, Costa Rica na entidade.

É preciso ver que, na verdade, a intensificação da cooperação entre o Brasil e a OCDE começou no governo Lula, e não antes. Foi em 2007, quando o país se tornou um dos parceiros do ‘engajamento ampliado’, facilitando sua participação nas atividades da organização.

Em 2015, com Dilma Rousseff, o Brasil aprofundou esse relacionamento, por um acordo assinado pelo então ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. Alguns membros do governo queriam dar mais um passo, quando veio o impeachment de Dilma.

Foi no governo de Michel Temer que o Brasil, em 2017, encaminhou à OCDE a comunicação solicitando o início do processo de acessão à organização.

Quando veio o governo de Jair Bolsonaro, a demanda foi tirada do curso normal pelo Ministério da Economia, que viu uma oportunidade para promover a agenda de reformas estruturais.

Cinco anos depois do pedido brasileiro, em janeiro do ano passado, o conselho de ministros da OCDE aprovou convite ao Brasil para “abertura das discussões de adesão”. Às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, o governo Bolsonaro enviou à OCDE um memorando com cerca de mil páginas para começar efetivamente as negociações de acessão à entidade.

Pelos parâmetros históricos, um processo de acessão na OCDE dura em média cinco anos.

Como a negociação envolvendo o Brasil começou no ano passado, Lula, se quiser, poderá conclui-la no prazo normal até o final de seu mandato de quatro anos e elevar a presença brasileira na governança global.

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Estrutura do Ministério das Relações Exteriores - Governo Lula, 2023-2026

Estrutura do Ministério das Relações Exteriores, anunciada no documento da CGU em 23/01/2023, a vigorar a partir de 24/01, com vários nomes já anunciados para as lacunas existentes no documento abaixo, páginas 57-59 do documento disponível aqui.

 

MINISTÉRIO DAS  Relações Exteriores - MRE 

Perspectivas

Como foi anunciado pelo ministro no dia de sua posse, o foco do Ministério será a retomada da política externa do Brasil. Isso deve ser feito com foco no crescimento econômico, no meio ambiente, na agricultura, na educação, na cultura, na ciência e tecnologia, na inovação, nos direitos humanos, no desenvolvimento social e na defesa de interesses. De acordo com o ministro, a política externa do país foi enfraquecida durante o governo anterior. 

Composição

·       ƒ  Ministro: Mauro Vieira 

·       ƒ  Secretria-Geral das Relações Exteriores: Maria Laura 

da Rocha 

·       ƒ  Instituto Rio Branco: A definir 

·       ƒ  Secretário de América Latina e Caribe: Michel Arslanian 

·       ƒ  Secretaria de Europa e América do Norte: A definir 

·       ƒ  Secretaria de África e de Oriente Médio: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Ásia e Pacífico: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Assuntos Econômicos e Financeiros: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Assuntos Multilaterais Políticos: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, 

Inovação e Cultura: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente: A definir 

·       ƒ  Secretaria de Gestão Administrativa: A definir 

Destaques da nova estrutura organizacional 

A organização das secretarias se mantém por regiões (América, Europa, Ásia e África), o que será indispensável para a retomada das relações do governo com países que perderam contato diplomático no governo anterior. Além disso, a secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente vem como um diferencial do que estava sendo feito pelo último governo. A pauta ambiental será restaurada e, com isso, o país voltará a participar de acordos e discussões sobre o assunto. A estrutura do ministério foi consideravelmente alterada. O órgão agora conta com uma maior organização em pastas, sendo 6 delas para atuação direta ao lado do Chanceler (assessorias especiais, secretaria de controle interno e consultoria jurídica). O Instituto Rio Branco fica classificado como órgão vinculado à Secretaria-Geral. Mais seis secretarias foram criadas para assuntos específicos, e o ministério deve contar com unidades descentralizadas e no exterior. 


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

COP-30 será feita em Belém em 2025

 Governo formaliza candidatura de Belém para sediar a COP 30

11. janeiro 2023 - 21:12

(AFP)

O governo brasileiro oficializou a candidatura de Belém, capital paraense de 1,5 milhão de habitantes, para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP) em 2025, anunciou, nesta quarta-feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"O Itamaraty formalizou a cidade de Belém como a cidade que está disputado a candidatura para realizar a COP 30", disse o presidente Lula em um vídeo publicado no Twitter.

A candidatura faz parte dos esforços de Lula para posicionar o Brasil como líder ambiental global após anos de atritos da comunidade internacional com seu antecessor, Jair Bolsonaro.

Lula lembrou que em novembro, ainda como presidente eleito, propôs que a COP de 2025 fosse realizada na Amazônia Legal, onde o desmatamento avançou fortemente durante os quatro anos do mandato de Bolsonaro.

"Eu tinha assumido um compromisso no Egito, na COP 27, de que a COP 30 poderia ser realizada no Brasil", acrescentou Lula nesta quarta-feira.

O presidente fez o anúncio na companhia de Helder Barbalho, governador do Pará.

"Belém, no estado do Pará, estará de portas abertas para debater a Amazônia, discutir o clima no mundo, encontrar soluções", disse Barbalho.

A COP 28 será realizada nos Emirados Árabes Unidos entre novembro e dezembro.

https://www.swissinfo.ch/por/governo-formaliza-candidatura-de-bel%C3%A9m-para-sediar-a-cop-30/48198008

Exercito foi no mínimo conivente com o golpismo - Rodrigo Rangel (Metropoles)

 Uma adesão aberta ao bolsonarismo da parte de boa parte do Exército

Rodrigo Rangel

Oficial do Exército que defendeu invasores chefia batalhão encarregado de proteger o Planalto

A constatação é só uma das faces da tensão reinante entre Lula e a cúpula militar. Entenda

 atualizado 12/01/2023 19:47

O coronel do Exército Paulo Jorge da Hora, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial

É delicado o ponto da tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o comando do Exército desde a eclosão dos atos golpistas do último domingo.

O Palácio do Planalto trata do assunto com contenção e comedimento para não acirrar os ânimos, mas a avaliação reinante, inclusive no gabinete presidencial, é a de que o Exército não agiu a contento para evitar a tragédia — seja por ter sido condescendente com os acampamentos bolsonaristas à porta dos quartéis, seja por sua cota de responsabilidade nas falhas de segurança que permitiram aos radicais vandalizar o coração do poder.

Em condições normais de temperatura e pressão, providências já teriam sido adotadas para afastar oficiais, de alta patente inclusive, que na avaliação do entorno presidencial teriam sido no mínimo coniventes com os golpistas.

Prevalece, porém, o entendimento de que neste momento é preciso agir com cautela para não ampliar o estresse e escalar a crise.

O diagnóstico de Lula

Nesta quinta-feira, num café da manhã com jornalistas, Lula avançou na crítica aos militares pela primeira vez desde a invasão das sedes dos três poderes .

Queixou-se do engajamento da caserna com a cartilha bolsonarista e do envolvimento do Exército no questionamento das urnas eletrônicas, das ameaças de militares contra ele próprio e contra outros petistas e da participação de familiares de generais nos acampamentos que pediam intervenção das Forças Armadas.

“Não quero saber se um soldado qualquer votou no Bolsonaro ou Lula, se um general não votou no Lula. Minha preocupação é que quem participa de carreira de Estado tem que pensar e servir ao país. Não pode ter lado”, declarou.

 lado deles é cumprir o que está garantido nLula admitiu, também pela primeira vez, que se recusou a assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem — a propalada GLO — nas horas que se seguiram aos atos golpistas para não transferir para os generais o poder de governar.

“As Forças Armadas não são poder moderador como eles pensam que são”, afirmou. Ele também se disse convencido de que a porta do Planalto foi aberta para que os bolsonaristas radicais entrassem.

“Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui”, declarou.

Comandante do BGP protegeu golpistas?

Esse é um ponto especialmente sensível — e é uma das questões que, não fosse o momento delicado, já teria resultado em corte de cabeças.

O presidente não disse com todas as letras, mas era do Exército a tarefa de proteger o palácio — mais especificamente, do Batalhão da Guarda Presidencial, o BGP.

Imagens da invasão ao Planalto publicadas pelo Metrópoles mostram um coronel da corporação, devidamente fardado, discutindo com policiais que tentavam prender os invasores.

O vídeo indica que o coronel do Exército estava agindo para proteger os radicais bolsonaristas.

O coronel em questão é ninguém menos que o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, a unidade do Exército responsável pela proteção dos palácios presidenciais. Paulo Jorge Fernandes da Hora (foto em destaque) é o nome dele.


Se o que ocorreu foi mesmo o que o vídeo dá a entender, não é algo trivial. Pelo contrário, é um escândalo: em vez de atuar para deter os manifestantes, o oficial que deveria guardar o Planalto teria agido em defesa dos golpistas. Ali, o oficial era o Exército.

Perguntas sem respostas

Desde segunda-feira a coluna tenta falar com o coronel, sem sucesso.

Ao Exército e ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, perguntamos se ele permanece no posto. Sobre isso, não houve resposta oficial.

Extraoficialmente, nesta quinta um militar da ativa ligado ao comando do Exército disse que Paulo Jorge da Hora segue no comando do BGP.

Esse mesmo militar tratou de defender o coronel. Disse que os ânimos estavam exaltados e que o colega “não impediu” a prisão dos invasores.

Em nota, o Exército limitou-se a dizer que “os fatos estão sendo apurados pelas autoridades competentes”.

A “guerra fria” entre GSI e Exército

Embora todas as evidências corroborem a impressão de Lula e de seu entorno de que a ação dos criminosos foi facilitada, inclusive pelos militares, para o Planalto adotar providências como a saída imediata do coronel e de outros integrantes de sua cadeia de comando poderia agravar ainda mais a tensão com a cúpula das Forças Armadas.

Na prática, a medida seria entendida como uma condenação ao Exército.

Em outra frente, igualmente ilustrativa da tensão reinante neste momento, o Exército e o GSI, comandado desde 1º de janeiro pelo general da reserva Marco Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, têm tratado com dedos tudo o que diz respeito às responsabilidades pela proteção do palácio.

Desde segunda, a coluna enviou uma série de perguntas tanto ao comando do Exército quanto ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência para tentar entender, com precisão, a sucessão de erros que permitiu a invasão.

Sem dar detalhes, o Exército jogou a responsabilidade para o GSI: ao responder se houve demora ou inação do BGP, afirmou em nota que “a segurança do Palácio do Planalto é coordenada pelo Gabinete de Segurança Institucional” e que “todas as demandas do GSI nesse sentido, apresentadas ao Exército Brasileiro, foram atendidas oportunamente na ocasião”. O GSI não respondeu.

José Múcio e a cara da crise

Outro faceta da crise entre Planalto e militares (leia mais aqui) envolve o ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, que nos bastidores tem sido torpedeado por petistas graduados e outros aliados do governo.

A leitura desses críticos é a de que Múcio, escolhido por ter perfil moderado e ser bem aceito entre os comandantes militares, está agindo para blindar as Forças Armadas e deixando de levar em conta os interesses do governo.

Nos últimos dias, petistas e seus satélites fizeram circular o rumor de que o ministro estaria demissionário. Múcio negou. Lula também — até porque perder o ministro a esta altura seria outro fator capaz de degradar ainda mais o já deteriorado ambiente.

À coluna, uma pessoa próxima do ministro disse que ele está trabalhando “na conciliação”. Um general que até pouco tempo cerrava fileiras com o núcleo do bolsonarismo e transita bem entre os integrantes da atual cúpula militar dá a medida do ponto da crise: “A sociedade precisa se unir e jogar água na fervura”. Fervura define.


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Que governo é esse? - Ivan Alves Filho (Cidadania 23)

 Que governo é esse?

Ivan Alves Filho

Para alguns democratas, o Governo Lula precisa se sair bem para não alimentar o retorno do bolsonarismo

Acho difícil esse governo dar certo. Por uma razão: não tem programa, não tem linha. Quase quarenta ministérios não é lá muito sério. É um governo para acomodar os conchavos. Gostaria de estar enganado. E essa declaração do Presidente criticando o teto de gastos é, no mínimo, irresponsável.

Sem falar que o clima de polarização se mantém.

Não corremos o menor risco de o Governo Lula, esse terceiro Governo Lula, representar algo parecido sequer com uma Frente Ampla. Alguns observadores têm se apressado nesse julgamento. Na verdade, estamos diante de mais um governo do PT e nada além disso.

O Governo Bolsonaro não se pautou pelo respeito às normas democráticas. Mas também não conseguiu reverter a Democracia, essa é que é a verdade. E isso se deve à reação das instituições democráticas. O ministro Alexandre Moraes teve um papel central nesse processo.

Muitos votaram em Lula temendo um retrocesso democrático ou uma volta da ditadura militar. Essa é que é a verdade também. Ou seja, votaram na Democracia e não em Lula ou no PT. Os petistas parecem ter dificuldades em lidar com esse quadro.

O fato disso ter ocorrido não transforma Lula da Silva em democrata de uma hora para outra. As circunstâncias é que foram determinantes. Getúlio Vargas não tinha sequer catinga de democrata, mas foi levado a abrir o país com o término da Segunda Guerra Mundial, anistiando os comunistas e outros opositores. Décadas depois, João Figueiredo trilhou o mesmo caminho. Nenhum dos dois era propriamente comprometido com a ordem democrática. Como Lula da Silva tampouco.

Lula e o PT tiveram várias oportunidades de afirmar seu comprometimento com a Democracia e não o fizeram. A lista é grande, desde que o PT foi legalizado pela ditadura militar, contrariamente aos comunistas do PCB e do PC do B, sem esquecer os socialistas do PSB. Só para lembrar, o PT se recusou a comparecer ao Colégio Eleitoral, em 1984. Era puro demais para isso. Mais: boicotou a votação da nova Constituição Federal, em 1988. E ainda foi contrário ao parlamentarismo, no plebiscito de 1993, instituiu o chamado mensalão e classificou de Golpe de Estado o impeachment de Dilma Rousseff, fiscalizado o tempo todo pelo Supremo Tribunal Federal. Esse pano de fundo nos obriga a, pelo menos, manter um pé atrás em relação a esse quinto governo do PT.

Para alguns democratas, o Governo Lula precisa se sair bem para não alimentar o retorno do bolsonarismo. Penso o contrário: a única maneira de impedir a volta do populismo dito de “direita” consiste em lutar, desde já, pela formação de um Campo Democrático de oposição progressista e crítica ao lulismo, ao populismo dito de “esquerda”.

Ivan Alves Filho, historiador


terça-feira, 22 de novembro de 2022

Uma estratégia para as Américas - Marcos Magalhães (Metrópoles)

 Uma estratégia para as Américas (por Marcos Magalhães)

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança
Marcos Magalhães
Metrópoles, blog Guga Noblat, 22/11/2022

De volta do Egito, onde conquistou simpatias ao apresentar ao mundo uma nova versão do Brasil, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva tem pela frente as delicadas tarefas de compor o ministério e tecer a estratégia de inserção do país em um mundo em transformação.

A escalação dos colaboradores mais diretos vai esboçar a face da nova administração. Os sinais estarão claros nas indicações de nomes para pastas emblemáticas como Fazenda, Planejamento, Justiça, Relações Exteriores e Educação.

Ao público interno esses sinais dirão muito sobre as alianças preferenciais de Lula, as suas opções sobre política econômica, as suas apostas em áreas sensíveis como meio ambiente e os reposicionamentos que pretende promover em setores como educação e política externa.

Ao mesmo tempo que analisará cada detalhe desse processo de composição do governo que assume em primeiro de janeiro, um outro público – composto por observadores internacionais – também vai começar a coletar sinais de uma nova geopolítica.

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança nas negociações mundiais sobre o tema ambiental e, especialmente, sobre a questão climática. A viagem foi a mensagem.

A partir de agora, porém, cada movimento ou declaração de Lula será acompanhado em detalhes por analistas empenhados em decodificar as opções preferenciais da futura gestão em um conturbado cenário global.

É verdade que algumas das mais importantes opções estarão ligadas a temas como as negociações de um acordo com a União Europeia, a guerra na Ucrânia e o modelo das novas relações com dois importantes parceiros do Brics, a Rússia e a China.

Mas é aqui mesmo nas Américas que se encontram desafios e oportunidades capazes de moldar uma parte significativa da nova inserção do Brasil no mundo.

Entre os principais desafios estão as relações com dois vizinhos da América do Sul – Argentina e Venezuela. Entre as mais promissoras oportunidades, por outro lado, está a construção de uma parceria inovadora com os Estados Unidos de Joe Biden.

Tradicionalmente a política externa ocupa discreto espaço nas campanhas presidenciais brasileiras. Neste ano, porém, o atual presidente, Jair Bolsonaro, a inseriu em sua tentativa de disseminar temores sobre os efeitos de uma vitória nas urnas de seu oponente.

A Venezuela foi o bicho papão mais frequente. A volta ao poder de Lula, repetiu Bolsonaro ao longo de toda a campanha, poderia levar o Brasil a seguir o mesmo modelo autoritário de esquerda adotado por Nicolás Maduro. Um modelo, ressaltou o atual presidente, que levou centenas de milhares de venezuelanos a buscar a sobrevivência em países vizinhos.

Em sua versão 3.0, Lula terá a dupla oportunidade de marcar suas diferenças com o modelo venezuelano – do qual já foi bastante próximo – e de relançar seu papel de liderança regional ao estimular negociações já em andamento com a oposição que levem à realização de eleições livres e transparentes no país vizinho, preferencialmente antes da data prevista de 2024.

As deficiências democráticas na Venezuela não são novas. O pedido de ingresso do país no Mercosul, do qual está suspenso justamente por causa do autoritarismo, chegou a ser debatido durante um ano no Senado antes da concessão do aval brasileiro.

Como o próprio Lula se elegeu neste ano a bordo de uma ampla frente democrática, contra as tendências autoritárias da gestão Bolsonaro, a participação ativa em um esforço pela volta da democracia à Venezuela poderia reforçar seu papel moderador na região.

Sobre a Argentina, os fantasmas são outros: alta inflação e estagnação econômica. O atual presidente brasileiro recorreu várias vezes aos números do insucesso argentino para advertir os eleitores dos riscos para a economia de uma vitória da oposição no Brasil. Algo como o antigo Efeito Orloff: eu sou você amanhã.

A presença heterodoxa na equipe de transição instalada em Brasília serviu para estimular os temores disseminados durante a campanha eleitoral. A falta de uma política clara de responsabilidade fiscal, repetem os críticos, poderia levar à volta de índices inaceitáveis para a inflação.

As respostas a essas inquietações começarão a ser elaboradas a partir da indicação da futura equipe econômica, nas próximas semanas. Enquanto isso, no país vizinho, as autoridades tentam evitar que a inflação alcance os 100% anuais. Os brasileiros mais velhos lembram bem o que é isso.

Também aqui Lula tem a chance da renovação. Pode mostrar que é possível retomar o crescimento com baixa inflação, como já fez em seu primeiro mandato. E pode retomar em novas bases um projeto de integração regional largamente desprezado por Bolsonaro.

Rumo ao Norte neste que os norte-americanos gostam de definir como o Hemisfério Ocidental, restará definir o novo modelo das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Durante os dois primeiros anos do atual mandato, Bolsonaro tinha no então presidente Donald Trump não apenas um colega, mas um ídolo. Ou um modelo a ser seguido no Brasil, com todo seu conteúdo de arrogância, mentiras e enfrentamentos. A direita da direita.

Bolsonaro apostou em Trump até o fim, o que ajudou a tornar quase gélido o relacionamento bilateral após a vitória de Joe Biden. Agora, em Washington, assessores do atual presidente e acadêmicos ligados às questões políticas das Américas apostam em uma reaproximação.

E aqui residem, talvez, algumas das boas oportunidades que se podem oferecer ao novo governo brasileiro. Lula já teve um primeiro encontro no Egito com o representante de Washington para a questão climática, John Kerry.

O novo governo brasileiro tem sido visto pelos norte-americanos como parceiro preferencial na questão ambiental e na definição de novos modelos econômicos.

Como disse ao jornal O Globo a diretora para os Andes da ONG Escritório em Washington para a América Latina (WOLA), Gimena Sánchez-Garzoli, os Estados Unidos querem, junto ao Brasil de Lula, ser os líderes globais do meio ambiente. “Querem ser parceiros numa relação verde e numa economia verde”, definiu.

A oportunidade está ao alcance do futuro governo brasileiro.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Nacionalização os hidrocarburos pela Bolívia em 2006: o que dizia o embaixador Rubens Ricupero

 Resumo aqui a postura do embaixador Rubens Ricupero sobre a questão da nacionalização dos hidrocarburos pelo Morales, da Bolívia, em 2006. Não preciso dizer que confirmo e ratifico cada um dos argumentos, que podem ser conferidos nesta postagem que eu fiz na ocasião: 

79) Ainda o problema boliviano... 

quarta-feira, maio 10, 2006

http://textospra.blogspot.com/2006/05/79-ainda-o-problema-boliviano.html


(...)

16 PONTOS PRINCIPAIS DAS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS DO EMBAIXADOR RICUPERO COM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DO ITAMARATY
1. Nunca negociamos sob uma posição de força.
2. Nunca pautamos a política externa por razões ideológicas.
3. Nunca fomos frouxos ou mostramos falta de firmeza.
4. É um absurdo considerar que a Bolívia está defendendo sua soberania nacional.
5. Na realidade, houve expropriação de ativos e rompimento de acordos internacionais negociados entre Estados.
6. Não se trata, portanto, de apenas uma questão empresarial em jogo, não é apenas um prejuízo para a Petrobrás, pois esta empresa realizou investimentos sob a égide de acordos internacionais firmados entre ambos os Estados.
7. Estão sendo ofendidos, assim, os interesses nacionais, e não apenas os da Petrobrás.
8. A Petrobrás está na Bolívia em condições diferentes de outras empresas petrolíferas, pois fundamentou suas iniciativas numa série de acordos negociados logo depois da Guerra do Chaco entre ambos os Estados.
9. Com base nesses acordos, o Brasil construiu um gasoduto de 3.000 km, ao custo de US$ 8,0 bilhões.
10. Governo brasileiro tem de deixar clara sua revolta e mostrar a indisposição para aceitar desaforos, pois foram violados compromissos internacionais.
11. Porém, o Governo brasileiro se mostrou simpático à iniciativa de Evo Morales, ao comparar a decisão boliviana à nossa campanha do " Petróleo é nosso". Nada mais enviesado ideologicamente e estúpido.
12. O gás natural é da Bolívia, mas lá uma empresa estatal, que já havia vendido todos os seus ativos à Petrobrás, tomou tudo de volta e mais os investimentos adicionais, ocupando as instalações com tropas militares.
13. Não se pode aceitar negociar quando o outro lado está numa posição de força.
14. Quando se rasga um contrato, se perde a razão.
15. É aberrante a participação de Hugo Chávez nas negociações em curso em Puerto Iguazu.
16. Nunca nos distanciamos tanto de nossa tradição diplomática.

Rubens Ricupero, maio de 2006

terça-feira, 16 de março de 2021

Relações Brasil-Africa, dos anos Lula à atualidade - livro de Mathias Alencastro e Pedro Seabra

 Livro relata altos e baixos na relação recente entre Brasil e África

Obra reúne artigos que tratam de investimentos, cooperação e papel da sociedade civil

Folha de S. Paulo | 15/3/2021, 15h 13

Em 2003, o ex-primeiro-ministro de Moçambique Mário Machungo fez um discurso empolgado, em razão da promessa do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, de construir uma fábrica de medicamentos contra a Aids no país.

“É uma confirmação eloquente de que a cooperação com o Brasil ocorrerá entre parceiros iguais, sem o paternalismo ou a busca de hegemonia que caracterizam as relações de Moçambique com países desenvolvidos”, afirmou.

Sete anos depois, quando Lula estava de saída da Presidência, a fábrica ainda não estava pronta. Aflitos para que o presidente brasileiro pudesse inaugurar alguma coisa, diplomatas sugeriram que ele pelo menos acompanhasse presencialmente o início do treinamento de profissionais que trabalhariam no local.

Este ciclo de promessa e realidade na relação entre Brasil e África permeia o livro “Brazil-Africa Relations in the 21st Century: from Surge to Downturn and Beyond” (Relações Brasil-África no século 21: do crescimento à desaceleração e além”), recém-lançado (editora Springer).

A obra, lançada em inglês, é uma coletânea de artigos de vários autores, cobrindo diversos aspectos de uma relação tão próxima quanto inconstante. Os textos tratam de temas como o papel das empreiteiras, as relações comerciais, cooperações nas áreas da agricultura e saúde, acordos militares e o papel da sociedade civil.

Os organizadores são Mathias Alencastro, pesquisador do Cebrap e colunista da Folha, e Pedro Seabra, professor-associado do Instituto Universitário de Lisboa. Por enquanto, há apenas edição em inglês, que pode ser adquirida pela Amazon. Uma versão brasileira está prevista para 2022, com capítulos adicionais sobre o futuro das relações.

Nesta terça (16), o livro será debatido em seminário virtual organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso (mais informações abaixo).

O subtítulo do livro descreve bem o que foi a relação do Brasil com a África nas últimas duas décadas. Primeiro, houve um período de frenesi no governo Lula, com aumento de embaixadas, contratos grandiosos na área de infraestrutura e projetos de cooperação, como a fábrica de medicamentos moçambicana.

Como motor dessa estratégia, havia um ciclo de commodities em alta que dava fôlego econômico ao governo brasileiro, além de um presidente com uma estratégia ambiciosa de expandir os horizontes geopolíticos do país.

No governo Dilma Rousseff, a equação começou a se inverter, com a economia desacelerando, a Lava Jato pressionando as empresas que investiam na África e uma presidente claramente sem o mesmo interesse que o antecessor pela arena externa.

Esse processo se intensificou sob Michel Temer e Jair Bolsonaro, dois presidentes sem muito tempo ou paciência para a retórica Sul-Sul.

Dois exemplos citados no livro ilustram esse desinteresse: em 2013, Dilma saiu mais cedo de um evento da União Africana na Etiópia; cinco anos depois, Temer fez o mesmo numa reunião do bloco de países emergentes Brics na África do Sul.

Com essa guinada, dizem os autores, “uma das consequências mais visíveis foi a reorientação das prioridades geográficas [do Brasil] para longe do Sul e mais uma vez em direção ao Norte, particularmente os EUA”.

O período de expansão na relação bilateral deixou marcas transformadoras. Talvez a mais relevante delas tenha sido o novo papel do setor privado na formulação da política externa brasileira, um processo que viveu seu ápice no governo Lula.

“Diplomatas notam que o setor privado começou a intervir de maneira mais consistente nas decisões de política externa nos anos 2000, à medida que empresas como Vale e Odebrecht expandiam seus investimentos estrangeiros”, diz um dos artigos.

Lula gostava de se definir como um “mascate”, levando a tiracolo empresas brasileiras em suas muitas viagens pela África e dando todo o suporte financeiro possível para que fechassem contratos no continente, não importa se com democratas ou ditadores.

Como é sabido, esse expansionismo teria consequências políticas graves para ele, com a deflagração da Operação Lava Jato.

Talvez o melhor exemplo desse modelo tenha sido Angola, que merece um capítulo exclusivo no livro.

Na ex-colônia portuguesa, a presença brasileira se fazia sentir sobretudo pela empreiteira Odebrecht, mais até do que pela embaixada. A relação da empresa com o governo na verdade data de obras na década de 1980, quando o país vivia uma guerra civil.

No governo Lula, essa participação foi anabolizada pelo BNDES, que financiou megaconstruções como a usina de Laúca. A Odebrecht chegou a ser chamada pelo governo para ajudar a reerguer uma cadeia de supermercados estatais que estava prestes a falir, embora nunca tenha vendido um pãozinho na vida.

Lula, por sua vez, passou a ser usado pelo então presidente angolano, José Eduardo dos Santos, como uma espécie de rede de segurança para prolongar seu regime, que durou 38 anos. “As elites políticas de Angola invocavam Lula, em razão de seu prestígio internacional e papel de tutor na política brasileira, para justificar a perpetuação de Dos Santos no poder”.

A primeira década do século foi também o momento em que a imagem do Brasil sofreu seus abalos mais sérios junto à opinião pública africana.

A proximidade com ditadores cobrou seu preço, às vezes em razão de decisões que beiravam o surrealismo, como a defesa de que a Guiné Equatorial, uma ex-colônia espanhola governada há 42 anos por Teodoro Obiang, entrasse na CPLP, uma comunidade de países que falam português. O motivo eram as jazidas de petróleo descobertas em seu território.

Simultaneamente, a reputação do Brasil como uma presença benigna no continente, em oposição ao colonialismo europeu e à sanha predatória da China, sofreu um abalo por causa da mobilização da sociedade civil.

Em Moçambique, como mostra o livro, uma rede de ONGs e agricultores se organizou para torpedear o ProSavana, programa de incentivo ao agronegócio com participação brasileira, no norte do país. O Brasil passou a ser associado a uma espécie de “sub-imperialismo”.

Se a segunda década do século mostrou retração na presença brasileira, isso não significa a retirada completa do palco africano. Ainda há um estoque considerável de obras e projetos de cooperação no continente.

As próximas décadas verão a África seguir no processo de crescimento demográfico e econômico iniciado precisamente quando Lula colocou o continente em seu radar de prioridades, o que inevitavelmente atrairá interesse de empresas e do governo do Brasil.

Se puder ser uma relação mais madura e menos afeita a ciclos de euforia e fracasso, teremos aprendido algo.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/03/livro-relata-altos-e-baixos-na-relacao-recente-entre-brasil-e-africa.shtml

 

sábado, 19 de dezembro de 2020

A Companhia (Odebrecht) - Malu Gaspar (Companhia das Letras); Apresentação, Paulo Roberto de Almeida


 Impressionante o relato da Malu Gaspar, como reportagem, como história, como análise da maior fraude corporativa do Brasil, do continente, e possivelmente uma das maiores do mundo. Só perde para a cleptocracia do Putin, que dispõe, digamos assim, de métodos mais expeditivos. 

Mas o trabalho dela é um modelo de reportagem-histórica. Mereceria um prêmio Pulitzer, se houvesse algo do gênero no Brasil, ou o próximo Jabuti. Realmente, a anatomia de uma organização que talvez só tenha concorrente em alguma super máfia, que, na verdade, possui o seu próprio Código de Ética. 

Sob o Marcelo, parece que ele aposentou o código de ética do avô, para construir o seu manual de corrupção, por meio do Departamento de Operações Estruturadas, um modelo, digamos assim, de organização perfeita para os fins desejados. Mas sempre tem algum incidente de percurso: encontraram procuradores e um juiz motivados para perseguir a quadrilha até o fim, mesmo com meios pouco ortodoxos. 

E sempre tem uma secretária que fala, e abre a chave do cofre. Sempre é assim. 

Daria um bom roteiro para um filme, que serviria também de manual para os "inquisidores", um pouco como aquele filme "Catch me if you can...". 

Marcelo poderia trabalhar para alguma SEC americana... 

O livro é uma espécie de romance da corrupção corporativa. O esquema da Odebrecht mereceria teses e teses de doutorado em Business Administration.

A "organização" montou um sistema ainda mais sofisticado do que o da Enron – talvez a maior corrupção corporativa nos EUA – e desses cartéis que são regularmente desmantelados pelas autoridades europeias de defesa da concorrência. 

O esquema corrupto da Odebrecht era muito mais elaborado e o lado mais prosaico, digamos, o mais "romanceavel", era a relação de pseudônimos que adotava para identificar os políticos que ela corrompia ou pelos quais ela se deixava corromper. Essa lista, completa, deveria ser divulgada amplamente, para informação dos eleitores no próximo encontro do calendário eleitoral.

Para terminar o exercício, e ficar mais explícito, tanto na forma de "business administration", quanto de romance mafioso, seria interessante dispor de um quadro, sob forma de contabilidade em dupla partida, colocando cada um dos projetos de um lado, com o custo real avaliado, e o cobrado de fato, e do outro lado, os pagamentos efetuados para funcionários governamentais e políticos intermediários. 

A diferença entre ativos e passivos seria monumental, o que talvez explique o crescimento do faturamento sob a presidência criminosa de Marcelo Odebrecht, de meros 40 bilhões para mais de 120 bilhões anuais. 

Um desempenho fantástico, que mereceria uma espécie de prêmio Nobel dos negócios, se não fosse pelo lado obscuro da coisa.

Paulo Roberto de Almeida


A Organização

A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo

Malu Gaspar

São Paulo, Companhia das Letras, 2o20

ISBN: 978-85-359-3399-4 


Sumário

Nota da autora , 11 

Personagens, 13 

Prólogo, 25 

1. Marcelo sobe, 31 

2. Na lama, de terno branco,  46 

3. Apocalipse perfeito, 60 

4. No olho do furacão, 83 

5. O novo amigo, 106 

6. Questão de sobrevivência,  119 

7. O príncipe,  135 

8. Mais coragem do que análise,  141 

9. Nova ordem,  157 

10. Decolando, 175 

11. O príncipe na trincheira, 194 

12. “Tudo que é fácil, não é para nós”, 217 

13. Boca de jacaré,  237 

14. Pacto de sangue, 264 

15. Servindo ao rei, 274

16. Vivendo perigosamente, 294 

17. Organizando a suruba, 315 

18. Uma general autista, 332 

19. Higienizando apetrechos, 359 

20. A casa cai, 383 

21. A rendição,  418 

22. A mesa, 442 

23. Aos 46 minutos do segundo tempo, 468 

24. Deus perdoa o pecado, mas não o escândalo, 487 

25. “Enquanto tiver bala, atire”, 513 

Epílogo,  554 

Agradecimentos,  561 

Notas, 563 

Créditos das imagens, 619 

Índice remissivo, 621


Nota da autora

A Odebrecht tem uma longa trajetória de conquistas e de realizações, mas será sempre lembrada como a empresa que engendrou o maior esquema de corrupção já descoberto. Reconstituir sua história foi um mergulho nos meandros do relacionamento do empresariado com o Estado na última metade do século xx, no Brasil e na América Latina. Foi, também, um dos desafios mais difíceis que um repórter pode enfrentar. A Organização Odebrecht se autointitula uma “sociedade de confiança”, e isso forjou uma cultura do segredo que não pereceu com a delação. Bem ao contrário. A confissão à Lava Jato alcançou governos e autoridades de variadas orientações ideológicas, em todos os níveis, em doze países nas Américas e na África. Mas também deixou lacunas — fortuitas e propositais. Tal contingência, mais as cicatrizes deixadas pelo episódio, fizeram com que muitos na organização preferissem simplesmente esquecer tudo. Para outros, era o caso de lutar a guerra de narrativas até o final. Felizmente encontrei quem acredite, como eu, que conhecer essa história é essencial para entender o Brasil. A própria empresa também se dispôs a prestar informações, e o fez ao longo de todo o processo, mesmo tendo ficado claro desde o início que não se tratava de um livro chapa-branca. Para mover-me entre tantos e tão diversos interesses e chegar à versão mais acurada possível dos fatos, não havia outro recurso que não a apuração exaustiva. O conteúdo das delações da Odebrecht e de muitas outras foi só o ponto de partida. Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias. Contaram histórias sobre si próprios e sobre os outros, e em todas elas fiz dupla ou tripla checagem: em novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, em centenas de páginas de documentos, disponíveis ao público ou exclusivos, obtidos por mim ao longo do trabalho de pesquisa. 

Dada a sensibilidade dos temas envolvidos, que até hoje mexem com a política brasileira e suas paixões, a maior parte consistiu em declarações prestadas em off , protegidas pelo sigilo da fonte. Pela grande quantidade de pessoas consultadas para confirmar cada cena ou diálogo, o leitor não deve supor que seus personagens foram, necessariamente, as fontes daquela informação. Em alguns casos sim, em outros não. Como se verá ao longo deste livro, a cultura do segredo não sobrepujou o jogo de interesses e a disputa de narrativas naquela que durante décadas foi a empreiteira mais poderosa do Brasil. Muitos dos episódios retratados neste livro deram origem a ações judiciais em que se digladiaram Ministério Público e as defesas de centenas de acusados. O texto seguiu o caminho da apuração e dos fatos, independentemente do que digam ou concluam os processos. Mas as versões divergentes também foram contempladas, ou no corpo do texto ou em notas de rodapé. Afinal, elas também fazem parte da história. O que certamente não se encontrará, nestas páginas, são julgamentos peremptórios baseados em tópicos do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reportagem. É vida real, com todas as suas nuances e imperfeições. A saga de pessoas que influenciaram os rumos do país e do continente ao longo de décadas, e assim nos ajudaram a chegar onde estamos.


Apresentação da Companhia das Letras:

Em 2015, quando a força-tarefa da Lava Jato fulminou o "clube" de empreiteiras que controlava os contratos com a Petrobras, a Odebrecht liderava com folga o ranking das empresas de engenharia nacionais. Delatados por colaboradores da Justiça, alguns de seus principais executivos foram presos, acusados de uma volumosa coleção de crimes.
Para tentar sobreviver à hecatombe, a organização -- era assim que os controladores e funcionários se referiam à companhia -- e seus dirigentes confessaram um longo histórico de práticas escusas que abalou a República e chocou o mundo, envolvendo propinas a centenas de políticos, de prefeitos a presidentes. Emilio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, cujo relacionamento sempre fora difícil, romperam publicamente em meio a um duelo de denúncias.
Neste livro sobre a glória e a desgraça da Odebrecht, Malu Gaspar desvenda as engrenagens de um sistema de corrupção que parecia inviolável, e lança luz sobre as espúrias relações entre Estado e empresas que condicionaram por muito tempo uma espécie de "capitalismo à brasileira".