Reeleição de Bolsonaro seria uma calamidade climática
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 24 de outubro de 2022
Reeleição de Bolsonaro seria uma calamidade climática - Mathias Alencastro (Folha de S. Paulo)
quinta-feira, 27 de maio de 2021
Relações América Latina com os EUA e a China - Mathias Alencastro (FSP)
O FIM DA UNIPOLARIDADE!
Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford
Folha de S. Paulo, 24/05/2021
Nenhuma dimensão da diplomacia contra a pandemia parece tão estruturante quanto o avanço da China na América Latina. Após atingir um milhão de mortos e com apenas 3% da população vacinada, a região depende, na quase totalidade, da alavancagem econômica e da cooperação sanitária promovida por Pequim para ter chance de sair da crise.
O caso da Colômbia, fortaleza de Washington e membro da OCDE, é o mais ilustrativo desse novo momento geopolítico. A China enviou milhares de insumos e de ventiladores empacotados em campanhas com mensagens de Xi Jinping. Arrasado por uma explosão social, o governo de Bogotá não resistiu à operação de charme e desviou de décadas de alinhamento ocidental em nome da nova amizade.
A solidariedade chinesa é calibrada para atingir objetivos práticos. No caso do Paraguai e de Honduras, a China está aproveitando a pandemia para aprofundar o isolamento de Taiwan, independente desde 1949. Assunção chegou perto de aprovar o fim da aliança com Taipé no ano passado, e Tegucigalpa ameaça seguir o mesmo caminho.
Não deixa de ser curioso que a China avance com tanta facilidade numa região historicamente associada aos EUA. Afinal, uma das premissas das relações internacionais é que uma superpotência precisa, primeiro, controlar a sua própria sub-região. Essa visão tem orientado o projeto hegemônico dos EUA nas Américas desde a Doutrina Monroe.
Como explicar a crise do sistema unipolar? Entre outros fatores, a diplomacia de "alinhamento automático" promovida por Donald Trump e Jair Bolsonaro criou a ilusão de que Brasília atuaria como o primeiro defensor dos interesses de Washington na América Latina. Essa aposta desastrada nos talentos de Ernesto Araújo e de Eduardo Bolsonaro abriu espaço para a China. Na ausência do Brasil e de um poder moderador como o Mercosul, Pequim teve total liberdade para ampliar suas parcerias bilaterais. A administração Biden corre para reverter o desgaste, mas a América Latina parece ter entrado de forma irreversível numa nova era.
Resta saber como os governos latino-americanos vão tirar proveito da competição entre superpotências. O balanço atual é cheio de contrastes.
Enquanto o Chile conseguiu emergir como o "Israel do Sul Global" da vacinação graças à cooperação com a China, Bolsonaro continua infantilizando a política externa brasileira. As últimas semanas foram dedicadas a superar mais um surto verborrágico do presidente, que associou, de novo, a pandemia a uma "guerra química" dos chineses.
Outros já experimentam mudanças nos sistemas políticos. A virada autoritária do governo de extrema direita de El Salvador, criticada pelo governo Biden, não parece trazer constrangimento à China. Da mesma forma, a aproximação do país com Honduras ganhou outro significado desde que o irmão do presidente Juan Orlando Hernández foi condenado por tráfico nos EUA em 2019.
Num passado recente, Pequim deu respaldo decisivo a um projeto de poder antidemocrático na Venezuela. Para os progressistas, o desafio será fazer com que a presença da China potencialize a autonomia da América Latina sem agravar a crise democrática que corrói a região.
terça-feira, 16 de março de 2021
Relações Brasil-Africa, dos anos Lula à atualidade - livro de Mathias Alencastro e Pedro Seabra
Livro relata altos e baixos na relação recente entre Brasil e África
Obra reúne artigos que tratam de investimentos, cooperação e papel da sociedade civil
Folha de S. Paulo | 15/3/2021, 15h 13
Em 2003, o ex-primeiro-ministro de Moçambique Mário Machungo fez um discurso empolgado, em razão da promessa do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, de construir uma fábrica de medicamentos contra a Aids no país.
“É uma confirmação eloquente de que a cooperação com o Brasil ocorrerá entre parceiros iguais, sem o paternalismo ou a busca de hegemonia que caracterizam as relações de Moçambique com países desenvolvidos”, afirmou.
Sete anos depois, quando Lula estava de saída da Presidência, a fábrica ainda não estava pronta. Aflitos para que o presidente brasileiro pudesse inaugurar alguma coisa, diplomatas sugeriram que ele pelo menos acompanhasse presencialmente o início do treinamento de profissionais que trabalhariam no local.
Este ciclo de promessa e realidade na relação entre Brasil e África permeia o livro “Brazil-Africa Relations in the 21st Century: from Surge to Downturn and Beyond” (Relações Brasil-África no século 21: do crescimento à desaceleração e além”), recém-lançado (editora Springer).
A obra, lançada em inglês, é uma coletânea de artigos de vários autores, cobrindo diversos aspectos de uma relação tão próxima quanto inconstante. Os textos tratam de temas como o papel das empreiteiras, as relações comerciais, cooperações nas áreas da agricultura e saúde, acordos militares e o papel da sociedade civil.
Os organizadores são Mathias Alencastro, pesquisador do Cebrap e colunista da Folha, e Pedro Seabra, professor-associado do Instituto Universitário de Lisboa. Por enquanto, há apenas edição em inglês, que pode ser adquirida pela Amazon. Uma versão brasileira está prevista para 2022, com capítulos adicionais sobre o futuro das relações.
Nesta terça (16), o livro será debatido em seminário virtual organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso (mais informações abaixo).
O subtítulo do livro descreve bem o que foi a relação do Brasil com a África nas últimas duas décadas. Primeiro, houve um período de frenesi no governo Lula, com aumento de embaixadas, contratos grandiosos na área de infraestrutura e projetos de cooperação, como a fábrica de medicamentos moçambicana.
Como motor dessa estratégia, havia um ciclo de commodities em alta que dava fôlego econômico ao governo brasileiro, além de um presidente com uma estratégia ambiciosa de expandir os horizontes geopolíticos do país.
No governo Dilma Rousseff, a equação começou a se inverter, com a economia desacelerando, a Lava Jato pressionando as empresas que investiam na África e uma presidente claramente sem o mesmo interesse que o antecessor pela arena externa.
Esse processo se intensificou sob Michel Temer e Jair Bolsonaro, dois presidentes sem muito tempo ou paciência para a retórica Sul-Sul.
Dois exemplos citados no livro ilustram esse desinteresse: em 2013, Dilma saiu mais cedo de um evento da União Africana na Etiópia; cinco anos depois, Temer fez o mesmo numa reunião do bloco de países emergentes Brics na África do Sul.
Com essa guinada, dizem os autores, “uma das consequências mais visíveis foi a reorientação das prioridades geográficas [do Brasil] para longe do Sul e mais uma vez em direção ao Norte, particularmente os EUA”.
O período de expansão na relação bilateral deixou marcas transformadoras. Talvez a mais relevante delas tenha sido o novo papel do setor privado na formulação da política externa brasileira, um processo que viveu seu ápice no governo Lula.
“Diplomatas notam que o setor privado começou a intervir de maneira mais consistente nas decisões de política externa nos anos 2000, à medida que empresas como Vale e Odebrecht expandiam seus investimentos estrangeiros”, diz um dos artigos.
Lula gostava de se definir como um “mascate”, levando a tiracolo empresas brasileiras em suas muitas viagens pela África e dando todo o suporte financeiro possível para que fechassem contratos no continente, não importa se com democratas ou ditadores.
Como é sabido, esse expansionismo teria consequências políticas graves para ele, com a deflagração da Operação Lava Jato.
Talvez o melhor exemplo desse modelo tenha sido Angola, que merece um capítulo exclusivo no livro.
Na ex-colônia portuguesa, a presença brasileira se fazia sentir sobretudo pela empreiteira Odebrecht, mais até do que pela embaixada. A relação da empresa com o governo na verdade data de obras na década de 1980, quando o país vivia uma guerra civil.
No governo Lula, essa participação foi anabolizada pelo BNDES, que financiou megaconstruções como a usina de Laúca. A Odebrecht chegou a ser chamada pelo governo para ajudar a reerguer uma cadeia de supermercados estatais que estava prestes a falir, embora nunca tenha vendido um pãozinho na vida.
Lula, por sua vez, passou a ser usado pelo então presidente angolano, José Eduardo dos Santos, como uma espécie de rede de segurança para prolongar seu regime, que durou 38 anos. “As elites políticas de Angola invocavam Lula, em razão de seu prestígio internacional e papel de tutor na política brasileira, para justificar a perpetuação de Dos Santos no poder”.
A primeira década do século foi também o momento em que a imagem do Brasil sofreu seus abalos mais sérios junto à opinião pública africana.
A proximidade com ditadores cobrou seu preço, às vezes em razão de decisões que beiravam o surrealismo, como a defesa de que a Guiné Equatorial, uma ex-colônia espanhola governada há 42 anos por Teodoro Obiang, entrasse na CPLP, uma comunidade de países que falam português. O motivo eram as jazidas de petróleo descobertas em seu território.
Simultaneamente, a reputação do Brasil como uma presença benigna no continente, em oposição ao colonialismo europeu e à sanha predatória da China, sofreu um abalo por causa da mobilização da sociedade civil.
Em Moçambique, como mostra o livro, uma rede de ONGs e agricultores se organizou para torpedear o ProSavana, programa de incentivo ao agronegócio com participação brasileira, no norte do país. O Brasil passou a ser associado a uma espécie de “sub-imperialismo”.
Se a segunda década do século mostrou retração na presença brasileira, isso não significa a retirada completa do palco africano. Ainda há um estoque considerável de obras e projetos de cooperação no continente.
As próximas décadas verão a África seguir no processo de crescimento demográfico e econômico iniciado precisamente quando Lula colocou o continente em seu radar de prioridades, o que inevitavelmente atrairá interesse de empresas e do governo do Brasil.
Se puder ser uma relação mais madura e menos afeita a ciclos de euforia e fracasso, teremos aprendido algo.
segunda-feira, 8 de março de 2021
Itamaraty: o navio da morte - Mathias Alencastro (FSP)
O autor desta matéria pergunta se os diplomatas - na verdade, o chanceler acidental e poucos auxiliares — conseguem dormir de noite, tendo participado ativamente do empreendimento macabro dirigido por Bolsovirus.
Eu também me pergunto o que deve se passar na cabeça de EA, um burocrata como outro qualquer da diplomacia profissional, sem qualquer preeminência na carreira, mas que escolheu se vender ao bando de aloprados perversos que estão destruindo o Brasil e a sua imagem internacional, com um entusiasmo digno de sua mente perturbada. Ele não deve dormir tranquilo de noite, pois deve ter perfeita consciência de que é desprezado e objeto de zombarias de seus colegas, pela gestão destrutiva que tem feito contra o infeliz Itamaraty.
Paulo Roberto de Almeida
Itamaraty, o navio da morte
Israel vai jogar com o desespero do governo brasileiro para extrair benefícios
Mathias Alencastro
Folha de S. Paulo, 8/03/2021
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor da governo em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
A diplomacia da tranqueira entre Brasil e Israel conheceu mais um episódio bizarro. Depois de prometer uma máquina que "extrai água do ar" no começo do ano passado, Jair Bolsonaro encontrou na brinquedoteca um spray que poderia curar pacientes com Covid-19 em poucos dias.
Essa fantasia medicamentosa foi demais até para o Tribunal de Contas da União, que questionou a pertinência de uma viagem para conhecer um forte candidato a nova cloroquina. Para se proteger, o Planalto corrigiu o tiro, e a comitiva descobriu na sala de embarque que, afinal, a prioridade da missão era buscar parcerias de "ciência e tecnologia".
À imagem do que aconteceu com República Tcheca e Honduras, as autoridades israelenses vão jogar com o desespero do governo brasileiro para extrair benefícios diplomáticos em troca das sobras da sua triunfal campanha de vacinação. Ernesto Araújo não hesitará em chamar esse escambo de vitória.
Como é hábito no bolsonarismo, os embustes revelam um mal profundo. Muito se especulou sobre o caráter do personagem de Werner Herzog responsável por transformar o Itamaraty no navio da morte. Mas o "caso do spray" diz algo novo sobre a sua equipagem.
Do Chile à Nigéria, passando pela Noruega, os diplomatas estão sendo tratados como heróis da pandemia, ao mesmo título que os médicos e enfermeiros, por seu papel na disputa pelos parcos estoques de imunizante no mercado global. Embaixadores de países da União Europeia rebelaram-se contra a política de aquisição de vacinas centralizada por Bruxelas e passaram a negociar em nome das suas capitais com Rússia e China.
Enquanto isso, no Brasil, o alto escalão do Itamaraty passou a última semana organizando uma viagem que tinha como único propósito alimentar o delírio negacionista. Durante esse período, morreram 10 mil brasileiros. A sociedade quer saber como esses diplomatas conseguem dormir à noite.
A transformação do Itamaraty na secretaria de comunicação do bolsonarismo terá consequências nefastas para a instituição. Manifestações como a tentativa de aquisição de vacinas por governadores e prefeitos podem ser vistas como tentativas caóticas de sobrevivência, mas também são movimentos em direção a uma federalização da política externa. Essas instituições regionais vão acabar se emancipando dos canais da diplomacia tradicional.
Uma das vocações do bolsonarismo é a vandalização das instituições. Poucas estão sendo tão atingidas como o Ministério das Relações Exteriores.
Os diplomatas são a elite do serviço público, homens e mulheres preparados com muito rigor e experientes. Mesmo nos piores momentos da história brasileira, eles souberam manifestar a sua individualidade e independência.
Seus antecessores jamais assistiriam passivamente a um chanceler normalizar a morte de milhares de brasileiros. Os diplomatas precisam, urgentemente, resgatar seu amor-próprio e encontrar uma forma de expressar seu desconforto com a promiscuidade entre o Itamaraty e a ideologia governamental.