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terça-feira, 10 de maio de 2011

Crimes de guerra, jurisdicao universal: Ruandeses no banco dos reus na Alemanha

A Test for Universal Jurisdiction
War Crimes in Africa on Trial in Germany
Der Speigel, 9/05/2011

The trial of two Rwandan rebel leaders accused of ordering war crimes in eastern Congo opened in Stuttgart on Wednesday. Human rights activists are watching the proceedings closely. They are seen as a vital test of the principal of universal jurisdiction, which allow war criminals to be tried anywhere in the world.

Congolese soldiers in a military base in early 2009 preparing for an offensive against the Democratic Force for the Liberation of Rwanda.

The first hearing of an unprecedented trial in Stuttgart recessed briefly on Wednesday when the defense team for Ignace Murwanashyaka, 47, and Straton Musoni, 49, questioned the fairness of the proceedings. And they are indeed unusual -- a trial focusing on war crimes committed in Africa is hardly an everyday occurance in Germany.

The court, though, allowed it to proceed -- thus kicking off a significant test of the principle of universal jurisdiction.
Murwanashyaka and Musoni stand accused of ordering atrocities carried out by a Hutu militia, the Democratic Forces for the Liberation of Rwanda (FDLR), in 2008 and 2009. Both men were in Europe at the time. "They stand accused of controlling the strategy and tactics of the FDLR from Germany," a statement by a higher regional court in Stuttgart said. "In this capacity they're supposed to have been responsible for 26 crimes against humanity and 39 war crimes" committed by their militias in the Decmoratic Republic of Congo (DRC).
Another rebel leader, Callixte Mbarushimana, faces similar charges before the International Criminal Court (ICC) in The Hague, Netherlands. He was transferred from French exile to The Hague earlier this year.

Universal Jurisdiction

Both trials rest on the Statute of the International Criminal Court, some aspects of which the German government has written into its national code. Human Rights Watch said the Stuttgart trial will test the principle of universal jurisdiction, which claims that some crimes -- like genocide, extrajudicial executions, and enforced disappearances -- can be tried anywhere in the world "because of their sheer gravity."

Stuttgart prosecutors argue that Murwanashyaka and Musoni directly ordered the burning of Congolese villages, the murder of 200 civilians, "large numbers" of rapes, the recruitment of child soldiers and the use of human shields -- all from Germany, using laptops and mobile phones.
The FDLR is a militia consisting largely of Hutus who fled Rwanda after the genocide of some 800,000 ethnic Tutsis in 1994. (All three accused leaders are Hutus.) The group has consolidated across the Congolese border, where it controls some gold mines and roads. Its aim is to topple the Tutsi-dominated government in Rwanda.

When the atrocities took place, UN-backed Congolese and Rwandan forces had moved against FDLR camps in the Congolese forest.

The Rumsfeld Principle
The "universal jurisdiction" principle was also invoked in a lawsuit brought by a German attorney in 2006 against Donald Rumsfeld, the former US secretary of defense. The suit alleges that he was responsible for violations of the UN Convention Against Torture in prisons at Abu Ghraib and Guantanamo Bay. The Pentagon has belittled the case as a "frivolous lawsuit," and Rumsfeld has never exposed himself to it by visiting Germany.

The Rwandan case is slightly different -- it's a criminal complaint -- but like the Rumsfeld suit it rests on the Code of Crimes Against International Law, a section of German code adopted from ICC law in 2002.

Wolfgang Kaleck is a Berlin lawyer who brought the suit against Rumsfeld and other members of the administration of President George W. Bush. He also runs the European Center for Constitutional and Human Rights, and he commented on the Stuttgart case to SPIEGEL ONLINE. "Of course it's preferable to hold a trial like this in the DRC," he said, "but it's questionable whether the wartime government in Congo can hold a fair trial. So in cases like this it's a positive development that we can try them in Germany, or anywhere in Europe."

He added that the Stuttgart case was made stronger by the fact that the defendants allegedly gave orders from Germany. "In that sense Germany is also a scene of the crime," he said.

domingo, 19 de dezembro de 2010

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condena o Brasil

Meu unico ponto a ser apenas indicado aqui, mas nao evidenciado ou discutido, seria o de saber se fatos anteriores à aceitação da jurisdição da CIDH pelo Brasil (como o da guerrilha do Araguaia) obrigam igualmente o atual governo brasileiro em seu alcance "retributivo" (digamos assim).
Um assunto a ser abordado, e discutido, por juristas e outros especialistas do tema.
Agradeço esclarecimentos a respeito, uma vez que não sou jurista ou especializado nesse campo.
Paulo Roberto de Almeida 

Corte não é bananeira como imagina Jobim
por Wálter Maierovitch
CartaCapital, Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010

Corte Interamericana não é bananeira como imagina Jobim. Suas decisões obrigam o Brasil.

1. A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de condenaro o Brasil. Isto  por ter conferido, — pela sua lei de autoanistia de (Lei n.6683, de 1979)–, um “bill de indenidade” aos responsáveis por assassinatos e desaparecimentos de 62  pessoas, entre 1972 e 1979, na região do Araguaia e em repressão a grupo de contraste à ditadura militar.

Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito dos estados- membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que a aceitaram, como é o caso do Brasil.

O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Essa referida Corte é composta por sete juízes,  eleitos e entre “nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos” (OEA).

Os seus juízes são eleitos a “título pessoal, dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos”.

Uma comparação. Por força da Convenção de Roma de 18 de julho de 1998 foi constituído o Tribunal Penal Internacional (TPI). Apenas sete (7) Estados membros da Organização das Nações Unidas, como por exemplo Estados Unidos, China, Israel e Índia, não aceitam a jurisdição do TPI.

Como consequência da não aceitação, os sete (7) Estados referidos estão fora da jurisdição do TPI. Portanto, o TPI, por falta de legitimação, não pode instaurar processos contra os sete (7) estados. Ainda que tenham sido consumados crimes de genocídio, de guerra,  delitos contra a humanidade e crimes de agressões internacionais: esses crimes estão na competência do TPI.

O Brasil aceita a jurisdição internacional do TPI. Portanto, está sujeito à sua jurisdição. O mesmo acontece com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

E a jurisdição internacional, ocorrida a aceitação pelo estado, prevalece sobre a nacional. É hierarquicamente superior. Por exemplo: num caso de genocídio consumado no Brasil e após a instalação do TPI (1998), uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de atipicidade ficará submetida, por força de hierarquia das normas, a entendimento contrário do TPI.

No caso de conflito entre a decisão nacional  e a de Corte internacional competente, prevalecerá a internacional: o STF recentemente entendeu legítima a Lei de Anistia de 1979 (uma autoanistia preparada e imposta pelo ilegítimo governo militar). A Corte Interamericana, com relação ao Araguaia, entende diversamente. Assim, prevalece a decisão da Corte Interamericana. Sobre essa obviedade, já cansou de explicar o professor Fábio Conder Comparato.

Com efeito. A jurisdição internacional, da Corte Interamericana, é viculante e prevalente. Em outras palavras, vale a decisão da Corte Interamericana relativamente aos 62 desaparecidos do Araguaia.

–2. A Corte Européia de Direitos Humanos, com sede na francesa cidade de Estrasburgo e instituída pela Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos Humanos, tem jurisdição vinculante em todos os Estados-membros da União Européia.

Cesare Batisti, a propósito, foi a esse Corte Européia para anular os processos condenatórios da Justiça italiana e confirmados pela mais alta corte de Justiça daquele país (Corte de Cassação da Itália).

Caso tivesse a Corte Européia dado razão a Btaisti, as decisões da Corte de Cassação (que o Supremo Tribunal da Itália) estariam revogadas.

Como ensinam todos os juristas europeus, sem qualquer divergência e  ao interpretarem a Convenção e a força imperativa das decisões da Corte Européia de Direitos Humanos,  “ as sentenças da Corte Européia dos direitos do homem são diretamente vinculantes para os Estados membros da Convenção”.

–3. Para o ministro Nelson Jobim, a decisão da Corte Interamericana, no caso Araguaia, é política e não prevalece sobre o Supremo Tribunal Federal (STF).

Trata-se de um argumento de autoridade e nada mais. Não é jurídico. É um palpite, sem consistência jurídica mínima, de uma autoridade que responde, às vezes com uniforme militar,  pelo ministério da Defesa.

O entendimento de Jobim demonstra total desconhecimento do que seja o alcance da jurisdição internacional.

Se Jobim, por exemplo, determinar, como ministro da Defesa, a invasão de comunidades indígenas para perpetração de genocídio, estará, ainda que o STF diga que não, sujeito à jurisdição do Tribunal Penal Internacional e poderá, até, ser preso preventivamente. Ficará, no exemplo dado e caso a Força cumpra uma ilegal e inconstitucional ordem jobianiana,  na cela ao lado de Rodovan Karadizic, o carniceiro dos bálcãs.

*Matéria publicada originalmente na coluna do Wálter Maierovicth no portal Terra