O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador mentiras. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mentiras. Mostrar todas as postagens

sábado, 12 de abril de 2014

Capitalistas ingenuos, inconscientes ou estupidos? Ou tudo isso junto?

O Brasil definitivamente não é um país normal: um presidente de uma máfia patronal aderindo a um partido socialista?
OK, puro oportunismo eleitoreiro, logo "corrigido", ou não.
Mas todos esses patrões apoiando um líder de partido cujo objetivo é depená-los continuamente?
Difícil compreender, não é mesmo?
Ou seja: não terei nenhum retorno para a proposta de uma fronda empresarial.
Eles pretendem continuar a seguir o partido anti-capitalista.
Nossos capitalistas não gorjeiam como os de lá...
Paulo Roberto de Almeida

Registro de um retrocesso

CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 11/04/2014

Defesa do controle da mídia fere imagem de Lula

O que mais impactou empresários que nutrem simpatia pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e compartilham do coro "Volta Lula", na entrevista que ele deu para um grupo de blogueiros que apoiam o governo, na terça feira, foi a forma dura e insistente com que o ex-presidente defendeu o controle da imprensa. "Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país", disse Lula. "Temos que retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade", completou, deixando claro que advoga a censura de conteúdo.

A perplexidade pode ser conferida em uma reunião habitual na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no dia seguinte à entrevista. Segundo relato de um dos presentes, "a entrevista causou mal-estar". Até então se imaginava que a discussão sobre instrumentos de controle da mídia fosse somente uma proposta de um ou dois assessores do ex-presidente. "Mas não, é do Lula!", disse.

No Congresso, o divulgador da ideia que agora passou a ser vista como uma medida de força que conta com o apoio do ex-presidente, era o deputado André Vargas (PT-PR) que, por força de denúncia de corrupção, renunciou ao cargo de vice-presidente da Câmara.

Não foi só pelo ataque frontal que o ex-presidente fez à mídia que a entrevista "assustou" mas, também, pelo fato de que Lula "mostrou que fechou os olhos: não há Petrobras e não houve o mensalão", comentou a fonte.

Na tentativa de compreender os reais motivos que o estimularam a subir o tom da defesa do controle do que é divulgado pela meios de comunicação, concluiu-se que pode ter sido um "erro grosseiro" do ex-presidente que, no entanto, é capaz de criar uma resistência não desprezível "junto a pessoas que estão com ele".

Não é segredo que parte do setor privado é contra a reeleição de Dilma Rousseff e torce para que Lula se coloque como candidato ao Palácio do Planalto este ano.

Logo no início da entrevista de mais de três horas aos blogueiros, ele disse: "Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm que começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça".

Como exemplo de supostas inverdades, o ex-presidente citou: "Vejo alguns números colocados por pessoas da Petrobras e os números colocados pela imprensa e eles não batem entre si", referindo-se aos dados divulgados sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, em uma operação muito controversa e obscura da estatal brasileira. "Estamos sendo conduzidos por uma massa feroz de informações deformadas", acusou o ex-presidente.

No decorrer da entrevista ele voltou ao tema e aumentou os decibéis. "No fundo, no fundo, e vocês todos são pessoas informadas, a imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento [do mensalão]. Eu me pergunto como é possível uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [os Correios ], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT? É indescritível!".

Alguns minutos depois, retomou o assunto: "Espero que a história do mensalão seja recontada nesse país e, se eu puder, vou ajudar a reconta-la. Como uma CPI que começou por causa de R$ 3 mil nos Correios terminou no mensalão? Temos que mostrar qual foi o papel da imprensa!". Antes de encerrar, disse: "O mensalão foi o mais forte processo político desse país em que a imprensa teve papel de condenação explícita antes de cada sessão, de cada ato" E concluiu: "Nunca vi nada igual! O massacre era apoteótico!"

Dilma Rousseff, tão logo assumiu a Presidência, em janeiro de 2011, deixou claro que não apoiaria a ideia de um março regulatório da mídia que assessores do ex-presidente deixaram como herança para o novo governo. Dilma foi firme ao negar seu apoio à proposta: "Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".

As críticas à condução da economia que os meios de comunicação veiculam também seriam, em boa parte, fruto de "notícias deformadas", na visão de Lula. Ele contou que em 2007, em um encontro com Mário Soares, ouviu deste que não estava entendendo o que estava acontecendo no Brasil. Com uma pilha de jornais e revistas do exterior debaixo do braço, o ex-presidente de Portugal disse: "Os jornais do mundo dizem que o Brasil é coqueluche, um país extraordinário, e nos jornais brasileiros vejo que o país está acabado!".

Lula convocou Dilma e todos os ministros a partirem para a ofensiva, irem para cima. "Hoje a gente não está só, a gente tem a internet. Cadê o blog da Petrobras que foi tão importante na CPI de 2009?". Ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que deu um conselho: "Guido, você tem que ter uma equipe de alerta. Saiu uma mentira, você tem que falar, usar o direito de resposta". Ele ressaltou alguns bons indicadores econômicos do país - reservas cambiais, a dívida líquida e bruta que diz não serem altas, o aumento da classe média, o crescimento que não é tão ruim. Mas, nesse caso, admitiu: "Poderíamos estar melhor e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha, como é que a gente vai melhorar a economia".

Se o ex-presidente pretendeu colocar um freio de arrumação no governo e na campanha de Dilma, os excessos do seu discurso vistos até por alguns de seus colaboradores pode ter fragilizado sua intervenção.

O fato de ele dizer que "a Dilma é minha candidata" pesou pouco para os que estão convencidos de que ela pode perder a reeleição e não vislumbram saída para Lula senão lançar-se em sua própria campanha. Para uma fatia de representantes do setor privado que o apoia, a entrevista de Lula aos blogueiros teria mostrado o retrocesso de um personagem que despertou para a política e para a história impulsionado pela cobertura da imprensa e por mais de uma vez se considerou "um produto da imprensa".

terça-feira, 7 de maio de 2013

Qual deles seria maior?: o cinismo, a mentira, a desonestidade ou a desfaçatez?

Ou todos eles juntos e mais alguma coisa, que nem pretendo mencionar, para não ofender algumas almas sensíveis, que talvez se choquem com a corrupção e aquele velho hábito dos que mandam de praticar um esporte muito conhecido desde sempre, já estigmatizado por Antonio Vieira e outros espíritos mais lúcidos...
Paulo Roberto de Almeida 

Editorial O Estado de S.Paulo, 7/05/2013

É temerária a perspectiva de que “se passe a menosprezar o exercício da democracia e se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais”. Por outro lado, “você pode fazer o jogo político, pode fazer aliança política, pode fazer coalizão política, mas não precisa estabelecer uma relação promíscua para fazer política”. Um petista desavisado que topasse com essas declarações sobre a política brasileira não hesitaria em atribuí-las à conspiração da “mídia conservadora” para “acabar com o Partido dos Trabalhadores (PT)”. Mas são declarações textuais de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande líder do PT. Constam de mais uma publicação destinada a cultivar o mito petista, o livro 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, que será lançado dia 13.
Quem acompanha com um mínimo de espírito crítico a trajetória política de Lula sabe do absoluto descompromisso do ex-presidente com a coerência. Lula fala o que quer, quando quer, movido por notável intuição político-eleitoral e comprovado senso de oportunidade. Não tem o menor escrúpulo de desdizer hoje o que afirmou ontem nem de fazer amanhã o que condenou hoje. Assim, Lula declarar que tem medo da “ditadura de um partido sobre os demais” e reprovar a prática de “relação promíscua para fazer política” não chega a ser surpreendente, mas é de um cinismo de fazer corar um monge de pedra.
Que dizer, então, do comentário do “principal protagonista” do PT a respeito do polêmico episódio da divulgação da Carta ao Povo Brasileiro? Essa proclamação, de cunho essencialmente eleitoral, cumpriu em 2002 o objetivo de, poucos meses antes da eleição presidencial, tranquilizar os setores da opinião pública temerosos diante da determinação dos radicais lulopetistas de reverter a política econômico-financeira “neoliberal” com que o governo FHC lograra acabar com a inflação, promover a estabilidade e retomar o crescimento social e econômico.
Eleito, Lula realmente manteve os fundamentos econômicos “neoliberais”, que permitiram a vigorosa ampliação dos programas sociais iniciados por seu antecessor. E agora, num surto de sinceridade, se dá ao desfrute de fazer blague com aqueles acontecimentos: “Eu era radicalmente contra a carta porque ela dizia coisas que eu não queria falar, mas hoje eu reconheço que ela foi extremamente importante”. Teria sido mais verdadeiro se dissesse “útil”.
De qualquer modo, ao longo das 20 páginas em que o organizador do livro, coadjuvado por outro fiel seguidor do ex-presidente, se empenha em levantar a bola para o entrevistado, Lula faz também uma análise do PT atual a que certamente só se permitiu porque se considera soberano, com direito ao luxo de dizer a mais pura verdade: o Partido dos Trabalhadores está dividido hoje em dois grupos – “o eleitoreiro, parlamentar, o PT dos dirigentes”, e o partido “da base, igualzinho ao que era em 1980″.
O que Lula não chega a admitir é que, dentro da “democracia petista” – que, de resto, não é muito diferente daquela praticada pelos outros partidos -, quem manda de fato são os “dirigentes”, hoje obcecados em perpetuar-se no poder. A base, “igualzinha ao que era em 1980″, continua, é claro, defendendo as mesmas propostas radicais que fizeram Lula ser derrotado em três pleitos sucessivos. E para os “dirigentes” é muito importante que mantenha esse discurso, para que o PT possa continuar ostentando a aura de partido popular.
É isso que explica, por exemplo, a presença do disciplinado Rui Falcão no comando formal da legenda. De vez em quando Falcão reúne a tropa, solta algumas palavras de ordem radicais, vocifera contra a “direita”, os “neoliberais”, a “mídia golpista” e vão todos para casa jubilosos de sua militância “revolucionária”.
Enquanto isso, a nomenklatura petista, refestelada nos altos gabinetes do partido e do governo, cultiva relações cada vez mais promíscuas com as lideranças políticas que combateu durante mais de 20 anos e conspira, nos bastidores do Congresso, para sufocar forças políticas que possam emergir na contramão de seus interesses eleitorais em 2014. 

sábado, 4 de dezembro de 2010

Mentira: um apego patologico, uma obsessao (e minha aversao por tudo isso)...

Sou normalmente tolerante com ideias equivocadas, inclusive porque gosto de aproveitar da ocasião para debater temas relevantes.
Mas tenho uma ojeriza à mentira e à desonestidade que podem até beirar a intolerância, como expresso aqui, imediatamente.
Existem pessoas que têm necessidade psicológica de mentir, é quase uma segunda natureza, e elas já nem percebem mais quando estão cometendo esses desatinos. Mas creio que isso deriva de uma desonestidade que faz parte do caráter das pessoas que assim procedem.
Seja de onde forem, seja que estatuto tiverem, seja que autoridade exibirem, é preciso sempre denunciar a mentira.
Acho até que o editorial do Estadão, abaixo, foi muito delicado, ao falar que os fatos desmentem esse personagem incontornável de nosso panorama político dos últimso 30 anos (e talvez de vários outros mais à frente). Em todo caso, o jornal poderia ter dito simplesmente: trata-se de um mentiroso contumaz
Paulo Roberto de Almeida 

Os fatos desmentem Lula
Editorial - O Estado de S.Paulo,
Sábado, 4/12/2010

Fiel a seu costume de contar a história à sua maneira, sem o mínimo compromisso com os fatos e a verdade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez falou sobre a “herança maldita” recebida em 2003, ao iniciar seu primeiro mandato. Desta vez, o rosário de inverdades foi desfiado perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O evento foi uma das várias despedidas programadas pelo presidente para este mês. De novo ele falou sobre o País quebrado e sobre o mau estado da economia no momento da transição do governo. De novo ele se entregou a uma de suas atividades prediletas, a autolouvação despudorada, atribuindo a si e a seu governo a inauguração de uma economia com fundamentos sólidos, estabilidade e previsibilidade. As pessoas informadas e capazes de discernimento conhecem os fatos, mas talvez valha a pena recordá-los mais uma vez, para benefício dos mais jovens e dos vitimados pela propaganda petista.

A primeira informação escamoteada pelo presidente Lula e pela companheirada é a origem da crise inflacionária e cambial de 2002. Os problemas surgiram quando as pesquisas mostraram o crescimento da candidatura petista. Não surgiram do nada e muito menos de uma perversa maquinação dos adversários. Os mercados simplesmente reagiram às insistentes ameaças, costumeiras no discurso petista, de calote na dívida pública e de outras lambanças na política econômica. Figuras importantes do partido haviam apoiado um irresponsável plebiscito sobre a dívida e mais de uma vez haviam proposto uma “renegociação” dos compromissos do Tesouro.

Tinha sólidos motivos quem decidiu fugir do risco proclamado pelos próprios petistas. A especulação cambial e a instabilidade de preços foram o resultado natural desses temores. A Carta ao Povo Brasileiro, com promessas de seriedade, foi o reconhecimento do vínculo entre a insegurança dos mercados e as bandeiras petistas.

Essas bandeiras não foram inventadas pelas fantasmagóricas elites citadas pelo presidente nas perorações mais furiosas. São componentes de uma longa história. Petistas apoiaram algumas das piores decisões econômicas dos últimos 30 anos. Uma de suas figuras mais notórias aplaudiu entre lágrimas uma das mais desastradas experiências dos anos 80, o congelamento de preços do Plano Cruzado. Nenhum petista ensaiou uma discussão séria quando os erros se tornaram mais que evidentes e o plano começou a esboroar-se.

Naquele período, como nos anos seguintes, petistas continuaram pregando o calote da dívida externa. Ao mesmo tempo, torpedearam todas as tentativas importantes de reordenação política e econômica e resistiram a assinar a Constituição.

O PT combateu as inovações do Plano Real. Foi contra a desindexação de preços e salários. Resistiu ao saneamento das finanças estaduais e municipais. Combateu - como já vinha combatendo - a privatização de velhas estatais, mesmo quando não havia a mínima razão estratégica para manter aquelas empresas sob o controle do Tesouro. Criticou a Lei de Responsabilidade Fiscal e atacou todas as iniciativas de ajuste das contas públicas.

A economia foi retirada do caos e seus fundamentos foram consertados, nos anos 90, contra a vontade do PT. O saneamento e a privatização de bancos estaduais permitiram o resgate da política monetária. Graças a isso foi possível, em 2003, conter o surto inflacionário em poucos meses. O Banco Central simplesmente manejou ferramentas forjadas na administração anterior.

Todos os princípios e instrumentos de política econômica essenciais à estabilidade nos últimos oito anos são componentes dessa herança mais que bendita. Se os tivesse abandonado há mais tempo, o governo Lula teria sido não só um fracasso, mas um desastre. Mas a fidelidade aos princípios do governo FHC nunca foi total. O inchaço da administração, o loteamento de cargos, a desmoralização das agências de regulação e o desperdício são partes da herança deixada à sucessora do presidente Lula, além de compromissos irresponsáveis, como o de um trem-bala mal concebido e contestado econômica e tecnicamente. Esse legado não será descoberto aos poucos. Já é bem conhecido.

sábado, 18 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (29): Revista Veja detona a Casa Civil...

Em qualquer país decente -- por exemplo, os EUA, vários europeus (mas não todos), os nórdicos certamente, e até alguns latinos, do Norte e do Sul -- o governo já teria caído.
Num país com Justiça atuante, com procuradoria independente, com parlamento digno, não apenas todo o governo teria caído, mas o presidente seria provavelmente objeto de processo por crime de responsabilidade, e até condenado a perder o mandato por impeachment. Não necessariamente por participar de qualquer crime, mas simplesmente por mentir.
Obviamente, nada disso vai ocorrer no Brasil.

Eu estava pensando que esta série sobre a república mafiosa do Brasil -- que possui até Constituição (vou repostá-la, ugh, no próximo post -- teria menos de dez posts. Mas ela já vai para 30 e promete nunca acabar. A culpa não é minha...
Paulo Roberto de Almeida

'Caraca! Que dinheiro é esse?'
Diego Escosteguy e Otávio Cabral
Revista Veja, 18.9.2010| 9h04m

Funcionário da Casa Civil recebeu propina dentro da Presidência da República, perto do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a um andar do presidente Lula

Numa manhã de julho do ano passado, o jovem advogado Vinícius de Oliveira Castro chegou à Presidência da República para mais um dia de trabalho. Entrou em sua sala, onde despachava a poucos metros do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de sua principal assessora, Erenice Guerra Vinícius se sentou, acomodou sua pasta preta em cima da mesa e abriu a gaveta.

O advogado tomou um susto: havia ali um envelope pardo. Dentro, 200 mil reais em dinheiro vivo – um “presentinho” da turma responsável pela usina de corrupção que operava no coração do governo Lula.

Vinícius, que flanava na Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, começara a dar expediente na Casa Civil semanas antes, apadrinhado por Erenice Guerra e o filho-lobista dela, Israel Guerra, de quem logo virou compadre.

Apavorado com o pacotaço de propina, o assessor neófito, coitado, resolveu interpelar um colega: “Caraca! Que dinheiro é esse? Isso aqui é meu mesmo?”. O colega tratou de tranquilizá-lo: “É a ‘PP’ do Tamiflu, é a sua cota. Chegou para todo mundo”.

PP, no caso, era um recado – falado em português, mas dito em cifrão. Trata-se da sigla para os pagamentos oficiais do governo. Consta de qualquer despacho público envolvendo contratos ou ordens bancárias. Adaptada ao linguajar da cleptocracia, significa propina. Tamiflu, por sua vez, é o nome do remédio usado para tratar pacientes com a gripe H1N1, conhecida popularmente como gripe suína.

Dias antes, em 23 de junho, o governo, diante da ameaça de uma pandemia, acabara de fechar uma compra emergencial desse medicamento – um contrato de 34,7 milhões de reais. A “PP” entregue ao assessor referia-se à comissão obtida pela turma da Casa Civil ao azeitar o negócio Segundo o assessor, o governo comprara mais Tamiflu do que o necessário, de modo a obter uma generosa comissão pelo negócio.

Até a semana passada, Vinícius era assessor da Casa Civil e sócio de Israel Guerra, filho de Erenice Guerra, ex-ministra da pasta, numa empresa que intermediava contratos com o governo usando a influência da petista. Naturalmente, cobravam comissão pelos serviços.

Depois que VEJA revelou a existência do esquema em sua última edição, Vinícius e outro funcionário do Planalto, Stevan Knezevic, pediram demissão, a ministra Erenice caiu – e o governo adernou na mais grave crise política desde o escândalo do mensalão, e que ronda perigosamente a campanha presidencial da petista Dilma Rousseff.

Lançado ao centro do turbilhão de denúncias que varre a Casa Civil, Vinícius Castro confidenciou o episódio da propina a pelo menos duas pessoas: seu tio e à época diretor de Operações dos Correios, Marco Antonio de Oliveira, e a um amigo que trabalhava no governo. Ambos, em depoimentos gravados, confirmaram a VEJA o teor da confissão.

Antes de cair em desgraça, o assessor palaciano procurou o tio e admitiu estar intrigado com a incrível despreocupação demonstrada pela família Guerra no trato do balcão de negócios instalado na Casa Civil. Disse o assessor: “Foi um dinheiro para o Palácio. Lá tem muito negócio, é uma coisa. Me ofereceram 200 000 por causa do Tamiflu”.

Vinícius explicou ao tio que não precisou fazer nada para receber a PP. “Era o ‘cala-boca". O assessor disse ainda ao tio que outros três funcionários da Casa Civil receberam os tais pacotes com 200 000 reais; porém não declinou os nomes nem a identidade de quem distribuiu a propina. Diz o ex-diretor dos Correios: “Ele ficou espantado com aquela coisa. Eu avisei que, se continuasse desse jeito, ele iria sair algemado do Palácio”.

O cândido ex-assessor tem razão: dinheiro sujo dentro de um gabinete da Presidência da República é um fato espantoso. Nos últimos anos, sobretudo desde que o presidente Lula relativizou os crimes cometidos durante o mensalão, sempre que se apresenta um caso de corrupção à opinião pública surgem três certezas no imaginário popular.

* Primeiro, nunca se viu um escândalo tão escabroso
* Ninguém será punido
* O escândalo que vier a sucedê-lo reforçará as duas certezas anteriores.


A anestesiada sociedade brasileira já soube de dinheiro na cueca, dinheiro na meia, dinheiro na bolsa, dinheiro em caixa de uísque, dinheiro prometido por padre ligado a guerrilheiros colombianos. Mas nada se compara em ousadia ao que se passava na Casa Civil. Ficará consolidado no inverno moral da era Lula se, mais uma vez, esses eventos forem varridos para debaixo do tapete.

Já se soube de malfeitorias produzidas na Presidência, mas talvez nunca de um modo tão organizado e sistemático como agora – e, ao mesmo tempo, tão bisonhamente rudimentar, com contratos, taxas de sucesso e depósitos de propina em conta bancária.

Por fim, o que pode ser mais escabroso do que um grupo de funcionários públicos, ao que tudo indica com a participação de um ministro da Casa Civil, cobrar pedágio em negócios do governo? O mais assustador, convenha-se, é repartir o butim ali mesmo, nas nobres dependências da cúpula do Poder Executivo, perto do presidente da República e ao lado da então ministra e hoje candidata petista Dilma Rousseff.

Na semana passada, quando o caso veio a público, a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, tentou se afastar o quanto pôde do escândalo. Apesar de o esquema ter começado quando Dilma era ministra e Erenice sua escudeira, a candidata disse que não poderia ser responsabilizada por “algo que o filho de uma ex-assessora fez”. Dilma candidata não tinha mesmo outra alternativa. As eleições estão aí e o assunto em questão é por demais explosivo.

Erenice Guerra ganhou vida em razão do oxigênio que Dilma lhe forneceu durante sete anos de governo. Erenice trabalhou com a candidata quando esta comandava a pasta de Minas e Energia e na Casa Civil transformou-se na assessora-mor da petista, assumindo o cargo de secretária-executiva. É possível que em todos esses anos de intenso trabalho conjunto Dilma não tenha percebido o que se passava ao seu redor. É possível que Dilma seja uma péssima leitora de caráter. Mas, em algum momento, ela vai ter que enfrentar publicamente esse enorme contencioso passado.

Obedecendo à consagrada estratégia política estabelecida pelo PT, Dilma não só tentou se distanciar do caso como buscou desqualificar os fatos apresentados por VEJA. “É um factoide”, afirmou a candidata, dois dias antes de Erenice ser demitida pelo presidente Lula. (O governo divulgou que a ministra pediu demissão, o que é parolagem.)

A chefe da numerosa família Guerra caiu na manhã da última quinta-feira, vítima dos vícios da sua turma. Além dos fatos apontados por VEJA, veio a público o atávico hábito da ex-ministra em empregar parentes no governo, que, desde já, dá um novo significado ao programa Bolsa Família. Também se descobriram contratos feitos sem licitação favorecendo parentes da ministra.

Em um dos episódios, o filhote de Erenice cobrou propina até de um corredor de Motocross, que descolara um patrocínio de 200 000 reais com a Eletrobrás, estatal sob a influência de Erenice. Taxa de sucesso paga: 40 000 reais. “Israel chamava a Dilma de tia”, contou o motoqueiro Luís Corsini, o desportista que pagou a taxa de sucesso.

Antes de capitular aos irretorquíveis fatos apresentados por VEJA, o governo fez de tudo para desqualificar o empresário Fábio Baracat, uma das fontes dos jornalistas na revelação do esquema de arrecadação de propina na Casa Civil. Baracat, um empresário do setor aéreo, narrara, em conversas gravadas, as minúcias de suas tratativas com a família Guerra, que tinham por objetivo facilitar a obtenção de contratos da empresa MTA nos Correios.

No sábado, depois de, como disse, sofrer “fortes pressões”, Baracat divulgou uma nota confusa, na qual “rechaçava oficialmente informações" da reportagem, mas, em seguida, confirmava os fatos relatados. Com medo de retaliações por parte do governo, o empresário refugiou-se no interior de São Paulo. Ele aceitou voltar à capital paulista na última quinta-feira, para mais uma entrevista. Disse ele na semana passada: “Temo pela minha vida. Vou passar um tempo fora do país”. O empresário aceitou ser fotografado e corroborou, diante de um gravador, as informações antes prestadas à revista.

Baracat não quis explicar de onde partiram as pressões que sofreu, mas, em uma hora e meia de entrevista gravada, ratificou integralmente o conteúdo da reportagem. O empresário confirmou que, levado por Israel e Vinícius, encontrou-se várias vezes com Erenice Guerra, quando ela era secretária-executiva e, por fim, quando a petista virou ministra.

As primeiras conversas, narra Baracat, serviram para consolidar a convicção de que Israel não vendia falsamente a influência da mãe. Na última conversa que eles tiveram, em abril deste ano, o tom mudou. Israel cobrava dinheiro do empresário por um problema resolvido para ele na Infraero.

Diz Baracat: “Ele dizia que havia pagado na Infraero para resolver”.
Na reunião, disse Erenice, de acordo com o relato do empresário: “’Olha, você sabe que a gente está aqui na política, e a gente tem que cumprir compromissos’. (...) Ficou subentendido (que se tratava da propina). (Ela) foi sempre genérica (nesse sentido). (...) Ela disse: ‘A gente é político, não pode deixar de ter alguns parceiros’”. Baracat diz que não sabe o que a família Guerra fez com o dinheiro.

O misterioso caso da comissão do Tamiflu também merece atenção das investigações iniciadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. O Ministério da Saúde, que já gastou 400 milhões de reais com a aquisição do remédio desde o ano passado, afirma que não houve qualquer ingerência da Casa Civil – e que a quantidade de Tamiflu comprada foi definida somente por critérios técnicos.

A seguir, mais uma história edificante

Em outros episódios, a participação da Casa Civil aparece de forma mais clara. VEJA apurou mais um caso no qual o poder da Casa Civil dentro do governo misturou-se aos interesses comerciais da ex-ministra, resultando numa negociata de 100 milhões de reais. Desta vez, o lobista central da traficância não é o filho, mas o atual marido de Erenice Guerra, o engenheiro elétrico José Roberto Camargo Campos.

Com a ministra Dilma Rousseff na Casa Civil e a esposa Erenice Guerra como seu braço direito, Camargo convenceu dois amigos donos de uma minúscula empresa de comunicações a disputar o milionário mercado da telefonia móvel. Negócio arriscado, que exige muito capital e experiência num ramo cobiçado e disputado por multinacionais. Isso não era problema para Camargo e seus sócios. Eles não tinham dinheiro nem experiência, mas sim o que efetivamente importa em negócios com o governo: os contatos certos – e poderosos.

Em 2005, a empresa Unicel, tendo Camargo como diretor comercial, conseguiu uma concessão da Anatel para operar telefonia celular em São Paulo. Por decisão pessoal do então presidente da agência, Elifas Gurgel, a empresa do marido ganhou o direto de entrar no mercado. De tão exótica, a decisão foi contestada pelos setores técnicos da Anatel, que alegaram que a empresa sequer havia apresentado garantias sobre sua capacidade técnica e financeira para tocar o negócio.

O recurso levou dois anos para ser julgado pela Anatel. Nesse período, Erenice e seu marido conversaram pessoalmente com o presidente da agência, conselheiros e técnicos, defendendo a legalidade da operação. “A Erenice fazia pressão para que os técnicos revissem seus parecereres e os conselheiros mudassem seu voto”, conta um dos membros do conselho, também alvo da pressão da ex-ministra.

A pressão deu certo. O técnico que questionou a legalidade da concessão, Jarbas Valente, voltou atrás e mudou seu parecer, admitindo os “argumentos” da Casa Civil. Logo depois, Valente foi promovido a conselheiro da Anatel. Um segundo conselheiro, Pedro Jaime Ziller, também referendou a concessão a Unicel. Não se entende bem a relação entre uma coisa e a outra, mas dois assessores de Ziller, logo depois, trocaram a Anatel por cargos bem remunerados na Unicel.

Talvez tenham sido seduzidos pelos altos salários pagos pela empresa, algo em torno de 30 000 reais – muito, mas muito mais do que se paga no serviço público. O presidente Elifas foi pressionado diretamente pelo Ministro das Comunicações, mas nem precisava: ele foi colega de Exéricito de um dos sócios da Unicel. Tudo certo? Não. Havia ainda um problema a ser sanado.

A legislação obriga as concessionárias a pagar 10% do valor do contrato como entrada para sacramentar o negócio. A concessão foi fixada em 93 milhões de reais. A empresa, portanto, deveria pagar 9,3 milhões de reais. A Unicel não tinha dinheiro.

Novamente com Erenice à frente, a Unicel conseguiu uma façanha. O conselho da Anatel acatou o pedido para que o sinal fosse reduzido para 1% do valor do negócio, ou seja, pouco mais de 900 000 reais. A insólita decisão foi contestada pelo Ministério Público e, há duas semanas, considerada ilegal pela Justiça.

Com a ajuda estatal, a empresa anunciou o início da operação em outubro de 2008, com o nome fantasia de AEIOU, prometendo tarifas mais baixas para atrair o público jovem, com o compromisso de chegar a um milhão de clientes em dois anos. Como foi previsto pelos técnicos, nada disso aconteceu.

Hoje, a empresa tem 20 000 assinantes, sua única loja foi fechada por falta de pagamento de aluguel e responde a mais de 30 processos por dívidas, que ultrapassam 20 milhões de reais. Mau negócio? Apesar da aparência, não. A grande tacada ainda está por vir.

O alvo do marido de Erenice é o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – uma invenção que vai consumir 14 bilhões de reais para universalizar o acesso a internet no Brasil. O grupo trabalha para “convencer” o governo a considerar que a concessão da Unicel é de utilidade pública para o projeto. Com isso, espera receber uma indenização. Valor calculado por técnicos do setor: se tudo der certo, a empresa sairá com 100 milhões de reais no bolso, limpinhos.

Dinheiro dos brasileiros honestos que trabalham e pagam impostos.
A participação da Casa Civil no episódio ultrapassa a intolerável fronteira das facilidades e da pressão política. Aqui, aparecem diretamente as promíscuas relações entre os negócios da família Guerra e os funcionários que, dentro da Presidência da República, deveriam zelar pelo bem público.

A Unicel contou, em especial, com os favores de Gabriel Boavista Lainder, assessor da Presidência da República e dirigente do Comitê Gestor dos Programas de Inclusão Digital, que comanda o PNBL. Antes de ocupar o cargo, Gabriel trabalhou por oito anos com os donos da Unicel. Mas isso é, como de costume, apenas uma coincidência – como também é coincidência o fato de ele ter sido indicado ao cargo pelo marido de Erenice.

“O marido da Erenice é um cara que admirava meu trabalho. Ela me disse que precisava de alguém para coordenar o PNBL”, diz Laender. E completa: “O PNBL não contempla o uso da faixa da Unicel, mas ela pode operar a banda larga do governo se fizer adaptações técnicas” É um escárnio.

Camargo indicou o homem que pode resolver os problemas de sua empresa. Procurado, o marido de Erenice não quis se pronunciar. Na Junta Comercial, o nome de Camargo aparece como sócio de uma empresa de mineração, que funciona em modesto escritório em Brasília. Um probleminha que pode chamar a atenção dos investigadores: a Unicel está registrada no mesmo endereço, que também era usado para receber empresários interessados em negócios com o governo. Certamente mais uma coincidência.

Com reportagem de Rodrigo Rangel, Daniel Pereira, Gustavo Ribeiro e Fernando Mello

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Como mistificar a Historia e passar por grande jornalista

O exemplo abaixo, do stalinismo, é provavelmente extremo, pois poucos jornalistas chegam a esses excessos de patifaria e de conivência com a mentira.
Mas não devemos nos iludir: a mistificação da história, pela propaganda política, continua o seu curso, mesmo se sob forma menos extremas do que na URSS do papai Stalin.
Aqui mesmo no Brasil, todos os dias leitores são mistificados por jornalistas enviesados politicamente. Mais grave ainda: alunos, inclusive candidatos à diplomacia, são mistificados todos os dias, nas aulas ou em concursos, pela imposição da leitura de um perfeito mistificador que é Eric Hobsbawm...

Os 20 anos de um editorial
Demétrio Magnoli
O Estado de S.Paulo, 24 de junho de 2010

"Você fez um bom trabalho em suas reportagens, embora não seja um marxista, porque tenta contar a verdade sobre nosso país (...). Eu devo dizer que você apostou no nosso cavalo quando outros pensavam que ele não tinha chance - e tenho certeza de que você não perdeu com isso." Estas palavras, dirigidas por Joseph Stalin a Walter Duranty no Natal de 1933, foram reproduzidas há exatas duas décadas num editorial do jornal The New York Times. O editorial representou o reconhecimento tardio de que o jornal publicara, entre 1921 e 1940, algumas das "piores reportagens" de sua venerável história, produzidas por seu correspondente em Moscou. A "verdade" de Stalin, refratada naquelas "piores reportagens", informa até hoje a visão dominante sobre a URSS e o stalinismo no Brasil. Os conceitos propagados por Duranty encontram-se nos manuais históricos mais celebrados e nos livros escolares mais vendidos.

Duranty não era, de fato, marxista. Ele fez sua reputação ao divergir das previsões de que o regime bolchevique cairia pouco após a Revolução Russa. Em seguida, apostou no "cavalo" de Stalin, contra a oposição trotskista, passou a idolatrar o ditador soviético e cunhou o termo "stalinismo". Stalinismo, explicava o correspondente, era um desvio positivo do socialismo, incompatível com as tradições ocidentais, mas adaptado às "características e necessidades raciais" da Rússia, "fundamentalmente mais asiáticas do que europeias". O homem não estava sendo pago pelo Kremlin, embora seus textos lhe assegurassem a oportunidade de continuar em Moscou, enquanto outros correspondentes eram expulsos, e de obter notícias e entrevistas exclusivas.

Era um caso de paixão por uma tese oficialista, útil à carreira profissional. Nesse sentido, Duranty não diferia de tantos jornalistas muito menos talentosos, do passado e do presente, inclusive no Brasil do "lulismo". Mas ele escrevia sobre o grande drama do "socialismo real", o tema mais crucial do século 20, e ensaiava os tons de uma música ideológica que continua a tocar na heterogênea banda do antiamericanismo dos nossos dias. O bolchevismo devolvera à Rússia a "autoridade absoluta não adocicada pela democracia ou o liberalismo do Ocidente". O stalinismo convertia "uma massa informe de escravos submissos, encharcados", numa "nação de ardentes, deliberados trabalhadores". No fim das contas, o totalitarismo soviético corresponderia a algo como um imperativo histórico.

O Pulitzer de 1934 foi parar nas mãos de Duranty, premiando suas reportagens analíticas publicadas três anos antes, que compunham uma das maiores farsas jornalísticas de todos os tempos. No verão de 1929 Stalin proclamara a coletivização forçada da agricultura e a liquidação dos camponeses autônomos. Em 1931 o terror vermelho disseminou-se pelos mais longínquos lugarejos, expropriando e deportando milhões de pequenos agricultores. As vítimas abatiam o gado antes de deixar suas terras, vendiam a carne e faziam botas com o couro. Os jornalistas Gareth Jones e Malcolm Muggeridge infiltraram-se na Ucrânia e reportaram a grande fome para o Times de Londres e o Guardian de Manchester. Dois anos mais tarde, a tragédia matara mais de 6 milhões de pessoas. O Kremlin negava tudo, respaldado por Duranty, que denunciou como falsificações as reportagens de Jones.

O correspondente do New York Times sabia mais sobre a fome pavorosa do que qualquer outro jornalista ocidental, como evidenciaram investigações posteriores. Duranty "viu aquilo que queria ver", segundo o diagnóstico do editorial de junho de 1990. O olhar do jornalista conservou sua seletividade interessada e ele fez a defesa dos Processos de Moscou, reproduzindo as alegações de Stalin sobre fantásticos complôs entre os dirigentes caídos em desgraça e as potências ocidentais. Naqueles anos, às vésperas da eclosão da 2.ª Guerra Mundial, Duranty conferiu forma definitiva à tese de que o stalinismo cumpria uma função histórica progressiva ao preparar a URSS para o embate com a Alemanha nazista.

Stalin aliou-se a Hitler em 1939 para partilhar a Polônia e os Estados Bálticos. A URSS forneceu quase dois terços das matérias-primas e alimentos importados pela Alemanha nos 16 meses iniciais da guerra mundial. Seis meses antes da invasão alemã da URSS, o Kremlin negociava o ingresso da "pátria do socialismo" no pacto do Eixo. Mas as narrativas canônicas sobre o século 20, contadas por "companheiros de viagem" da URSS, reduziram tudo isso a uma nota de rodapé, apegando-se ao núcleo argumentativo formulado por Duranty.

Eric Hobsbawm já militava no Partido Comunista Britânico no tempo dos Processos de Moscou, que não abalaram sua fé na doutrina. Ele nunca ofereceu apoio ao terror stalinista, mas conservou a carteirinha do partido até a implosão da URSS. Escrevendo após o encerramento da guerra fria, quando a abertura dos arquivos secretos do Kremlin já escancarava verdades previsíveis, o historiador não apenas reproduziu as justificativas oficiais de Moscou para o Pacto Germano-Soviético como deu um passo à frente e pronunciou o seguinte veredicto: "A vitória da URSS sobre Hitler foi uma realização do regime lá instalado pela Revolução de Outubro, como demonstra uma comparação do desempenho da economia russa czarista na Primeira Guerra Mundial com a economia soviética na Segunda Guerra (...). Sem isso, o mundo hoje (com exceção dos Estados Unidos) provavelmente seria um conjunto de variações sobre temas autoritários e fascistas, mais que de variações sobre temas parlamentares liberais" (A Era dos Extremos, Companhia das Letras, 1996).

O stalinismo, segundo Hobsbawm, salvou a democracia ocidental. As fontes ocultas do veredicto do aclamado historiador encontram-se nas reportagens do jornalista ocidental hipnotizado por Stalin. Tanto quanto Duranty, ele "viu aquilo que queria ver".

SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O PT exagerou na cara de pau: uma desfacatez muito grande

Este blog não se ocupa diretamente de questões políticas, pelo menos não de temas partidários, ou de eleições e preferências políticas. Ele se ocupa de ideias, entre outras ideias politicas, mas sobretudo de princípios, valores, políticas públicas. Ele pretende preservar a dignidade das boas ideias politicas e contribuir para a melhora dos "costumes políticos" no Brasil.
Eu raramente, ou quase nunca, postaria uma matéria como essa que vai abaixo, se não fosse por uma legítima indignação com a mentira, a desfaçatez, a cara-de-pau e a sem-vergonhice, tão evidentes no tema básica.
Ou seja, o partido que vem usando golpes baixos, que vem montando dossiês e que mente desbragadamente com respeito a suas patifarias pretende acusar os adversários de fazer todas aquelas trapaças às quais ele mesmo recorre e usa extensa e intensivamente.
Como se diz em linguagem popular: é muita cara-de-pau.
Creio que atitudes como essa, merecem denúncia e repúdio indignado, pelo menos da parte de todos aqueles que gostariam de ver uma campanha presidencial de alto nível, com eleições marcadas pela lisura, pelo debate aberto, pela sinceridade de propósitos, enfim.
Minha contribuição à campanha atual, para manter meus princípios e valores, seria confirmar meu total repúdio a esse tipo de atitude, e dizer o que segue:
1) A campanha política será marcada por uma disputa eleitoral entre dois candidatos em torno dos quais se dará o debate político sobre como cada um pretende conduzir a próxima presidência, com base nas suas percepções pessoais sobre os problemas principais do Brasil e suas propostas de soluções. Não estão em causa a administração FHC e sequer a de Lula. As manipulações e tentativas para desviar o foco do debate e orientá-lo em comparações com o passado são a meu ver equivocadas.
2) A acusação de que a oposição aposta no "quanto pior melhor" é de absoluta má-fé e de distorção da verdadeira realidade. Quem recorre a todos os expedientes para tentar ganhar é o PT, que intervem vergonhosamente num diretório estadual para distorcer a vontade de seus militantes e quadros regionais.
3) Acusar alguém de "submissão internacional" é de tão baixo nível que sequer cabe uma rejeição desse inventado propósito, feito de má-fé, numa atitude praticamente criminosa.
4) Finalmente, quando aos grandes temas propostos para campanha -- "reforma agrária, democratização da comunicação social e implantação do imposto sobre grandes riquezas" -- minhas únicas observações são estas: reforma agrária é uma questão praticamente marginal hoje em dia, pertencendo ao Brasil de um passado de agricultura atrasada e pouco capitalizada; "democratização da comunicação social" é um outro nome para a tentativa autoritária e liberticida de controlar a imprensa, criando o que se chama de "grande irmão censor"; imposto sobre as grandes fortunas pode até ser discutido, mas num contexto eleitoral significa pretender fazer demagogia classista, jogando os pobres contra os ricos, para tentar fazer crer que os pobres estariam em melhor situação se esse imposto fosse criado, já que anima a sanha distributivista dos ingênuos, que não sabem que seria mais uma maneira de dar dinheiro a um Estado já superdimensionado, um ogro insaciável em sua extorsão tributária.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 16.06.2010)

PT volta a atacar imprensa e fala em manipulação
Leila Suwwan
O Globo, 16/06/2010

Partido aprova resolução afirmando que oposição usará golpes baixos e grandes meios de comunicação na campanha

Resolução política do PT aprovada na última sexta-feira ataca a imprensa e afirma que a disputa será marcada por "golpes baixos" e "tentativa de manipulação dos meios de comunicação". O documento afirma que a oposição e seus "apoiadores nos meios de comunicação" tentarão influenciar o resultado da eleição. Também conclama a militância a transformar os esforços da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) em uma campanha de massas, e a insistir na comparação entre os governos de Lula e Fernando Henrique Cardoso.

O documentou resultou da reunião do Diretório Nacional do partido, semana passada, em São Paulo, e foi divulgado no site do PT. Na mesma reunião, foi decidida a intervenção no diretório regional do Maranhão para garantir o apoio à reeleição de Roseana Sarney (PMDB) para o governo. O diretório regional havia optado pelo apoio a Flávio Dino (PCdoB).

O documento já antecipava orientações presentes também no discurso do presidente Lula na convenção do partido, no último domingo, quando ele avaliou como "quase absoluta" a chance de vitória. "Devemos estar preparados para uma campanha de golpes baixos. (...) E que sinaliza qual será o comportamento de uma parte da oposição durante nosso futuro governo", diz o texto do partido.

O documento afirma que "a oposição e seus apoiadores nos meios de comunicação já demonstraram, por diversas vezes, estar dispostos a absolutamente tudo para tentar ganhar as eleições". "Farão de tudo para levar a eleição ao segundo turno, apoiando outras candidaturas, estimulando a judicialização da política, usando os grandes meios de comunicação como boletins de campanha, atacando os direitos humanos, torcendo para que a nova etapa da crise internacional altere para pior as condições do Brasil, produzindo crise cambial, alta de juros e primarização de nossa pauta de exportações."

O diagnóstico é baseado em acontecimentos das últimas semanas, sem citar o suposto dossiê e acusando o candidato tucano, José Serra, de usurpar mensagens de continuidade. A análise do partido é de que a estratégia do PSDB não teve êxito. Fala em dianteira nas pesquisas, crescimento de Dilma e "estancamento" de Serra - os candidatos estavam tecnicamente empatados nas últimas sondagens. O PT pede que a militância "não baixe a guarda".

O texto acusa o tucano José Serra de "submissão" internacional: "O candidato da oposição ataca a política externa brasileira, deixando evidente que sua opção é pela submissão aos poderosos de ontem, sem perceber que o mundo está mudando e que nosso país já é um dos protagonistas de uma nova época que está nascendo".

A resolução apresenta uma espécie de manual para discussões eleitorais, ancorado na comparação entre os governos Lula (2003-2010) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

"Interessa explicar as vantagens do modelo de partilha frente ao modelo de concessão; o papel decisivo que os bancos públicos jogaram, para evitar os efeitos mais perversos da crise internacional; o papel da elevação do salário mínimo e de programas de transferência de renda, para estimular um mercado interno que sustentou o crescimento do país", afirma o documento.

O texto pede o envolvimento dos partidos de esquerda, movimentos sociais e intelectuais para aprofundar o caráter popular do governo e alcançar três objetivos: reforma agrária, democratização da comunicação social e implantação do imposto sobre grandes riquezas.

sábado, 1 de maio de 2010

2110) Nosso Guia descobriu o Brasil...em 2003

Parece que só em em 2003 o Guia Genial dos Povos descobriu que o Brasil não foi feito por ele, e que o que tinha vindo antes -- como a estabilização do Plano Real, por exemplo -- era digno de ser mantido, preservado e até ampliado (o que ele não fez, pois que não empreendeu NENHUMA reforma digna desse nome).
Pessoas que se pretendem salvadoras do mundo, e iniciadoras de um ciclo completamente novo na história do País, estão enganando a si mesmas, e tentando enganar os outros. Como nem todos os brasileiros são idiotas, como certos propagandistas das ideias alheias, esse tipo de demagogia, na verdade mentira deslavada, não cola, embora muita gente desinformada acabe acreditando que, sim, o Nosso Guia salvou a pátria e praticou a bondade universal.
Pobres de espírito, ou gente de má fé, podem, eventualmete, acreditar nesse tipo de bobagem.
Pessoas inteligentes, como aquelas que lêem este blog, sabem separar a verdade da mentira.
Abaixo um artigo de Mailson da Nobrega sobre essa exata questão.
Paulo Roberto de Almeida

Quem descobriu o Brasil?: Lula ou Cabral?
Maílson da Nóbrega
Revista Veja, edição 2163 - 5 de maio de 2010

"A história reconhecerá Lula pelas corajosas decisões de preservar a política econômica – que condenava – e de não buscar o terceiro mandato"

Os menos avisados que escutam Lula podem pensar que fomos descobertos em 2003, e não em 1500. Seus discursos buscam deslustrar seus antecessores e propagandear o que entende como seus feitos. Não exagera a ponto de reivindicar a glória do descobrimento, mas chega perto. Diz que mudou o Brasil.

Lula se gaba de ser o autor das boas transformações do país. É o que disse na Bahia, em março passado: "Este país começou a mudar, e isso incomoda muita gente". Bajuladores não faltam, como o que lhe atribuiu o epíteto de "nosso guia".

No lançamento do PAC 2, Jaques Wagner, governador da Bahia, disse que "Lula está refundando o Brasil". Para a então ministra Dilma Rousseff, "este é o Brasil que o senhor, presidente Lula, recuperou para nós e que os brasileiros não deixarão escapar de suas mãos". Adulado e popular, Lula se imagina o marco zero.

Mudanças como essas não acontecem em curto prazo. A Europa começou a emergir no século XV – suplantando a China e o mundo islâmico, até então centros de inovação e poder –, mas o processo de sua ascensão se iniciara muito antes, com destaque para a Carta Magna inglesa (1215) e para o Renascimento, que começou no fim do século XIII.

Antes, mudanças ocorreram em áreas cruciais: cultura, sociedade, economia, política e religião. Copérnico, Vesálio e Galileu criaram a ciência moderna, abrindo caminho para o avanço tecnológico. Gutenberg revolucionou a imprensa. Depois, a reforma protestante de Lutero (século XVI) e a Revolução Gloriosa inglesa (1688) se tornaram fonte do moderno sistema capitalista e do predomínio econômico e militar do Ocidente.

Indivíduos à frente de seu tempo contribuíram para mudanças ciclópicas. Entre 1776 e 1787, os pais fundadores da nação americana – os que participaram da Declaração de Independência, da Revolução ou da elaboração da Constituição – moldaram os princípios formadores dos alicerces sobre os quais se erigiria seu grande futuro.

Felipe González, o governante socialista espanhol (1982-1996), abandonou velhas ideias e conduziu reformas estruturais, incluindo ampla privatização. Preparou seu país para a integração europeia e para longo ciclo de crescimento. Margaret Thatcher reverteu a trajetória de declínio da Inglaterra. Ronald Reagan renovou o capitalismo americano.

O Brasil tem seus líderes transformadores. Entre outros, José Bonifácio, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. No período militar, sobressaem Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, este em grande parte responsável pelo fim pacífico do autoritarismo.

Ao proclamar-se o início de tudo, o presidente presta um mau serviço à história e aos brasileiros que gostam de ouvi-lo. Despreza o papel de Tancredo Neves na transição para a democracia, sem a qual não teria chegado ao poder. Obscurece a participação de Fernando Henrique Cardoso na construção da plataforma de lançamento da qual decolou.

Lula gostaria de ser lembrado como um Getúlio ou um Juscelino, mas creio que a história – a quem cabe apontar o lugar dos atores políticos – o reconhecerá pelas corajosas decisões de preservar a política econômica – que condenava – e de não buscar o terceiro mandato. Evitou, assim, o retorno da inflação e o abalo das instituições políticas, que precisam de tempo para se consolidar.

A continuidade deu tempo para o amadurecimento de mudanças anteriores. Permitiu-nos colher frutos da expansão da economia mundial e da emergência da China, hoje forte demandante de nossas commodities. Crescemos acima da média dos últimos 25 anos. As exportações triplicaram. Com estabilidade, crescimento e baixa inflação, foi possível alargar políticas sociais e assim reduzir as desigualdades sociais e a pobreza.

Lula é um líder de massas sem paralelo na América Latina. Politicamente populista, não foi desastrado na economia, embora deixe más heranças, como o aparelhamento do estado, a piora da qualidade do regime fiscal e os efeitos da inconsequente política externa.

Lula não descobriu o Brasil nem foi um líder transformador, mas não fez o estrago que se temia. Não é pouco. Não precisava, todavia, desconstruir as realizações do passado para marcar seu lugar na história, que parece garantido.