Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sábado, 1 de maio de 2010
2110) Nosso Guia descobriu o Brasil...em 2003
Pessoas que se pretendem salvadoras do mundo, e iniciadoras de um ciclo completamente novo na história do País, estão enganando a si mesmas, e tentando enganar os outros. Como nem todos os brasileiros são idiotas, como certos propagandistas das ideias alheias, esse tipo de demagogia, na verdade mentira deslavada, não cola, embora muita gente desinformada acabe acreditando que, sim, o Nosso Guia salvou a pátria e praticou a bondade universal.
Pobres de espírito, ou gente de má fé, podem, eventualmete, acreditar nesse tipo de bobagem.
Pessoas inteligentes, como aquelas que lêem este blog, sabem separar a verdade da mentira.
Abaixo um artigo de Mailson da Nobrega sobre essa exata questão.
Paulo Roberto de Almeida
Quem descobriu o Brasil?: Lula ou Cabral?
Maílson da Nóbrega
Revista Veja, edição 2163 - 5 de maio de 2010
"A história reconhecerá Lula pelas corajosas decisões de preservar a política econômica – que condenava – e de não buscar o terceiro mandato"
Os menos avisados que escutam Lula podem pensar que fomos descobertos em 2003, e não em 1500. Seus discursos buscam deslustrar seus antecessores e propagandear o que entende como seus feitos. Não exagera a ponto de reivindicar a glória do descobrimento, mas chega perto. Diz que mudou o Brasil.
Lula se gaba de ser o autor das boas transformações do país. É o que disse na Bahia, em março passado: "Este país começou a mudar, e isso incomoda muita gente". Bajuladores não faltam, como o que lhe atribuiu o epíteto de "nosso guia".
No lançamento do PAC 2, Jaques Wagner, governador da Bahia, disse que "Lula está refundando o Brasil". Para a então ministra Dilma Rousseff, "este é o Brasil que o senhor, presidente Lula, recuperou para nós e que os brasileiros não deixarão escapar de suas mãos". Adulado e popular, Lula se imagina o marco zero.
Mudanças como essas não acontecem em curto prazo. A Europa começou a emergir no século XV – suplantando a China e o mundo islâmico, até então centros de inovação e poder –, mas o processo de sua ascensão se iniciara muito antes, com destaque para a Carta Magna inglesa (1215) e para o Renascimento, que começou no fim do século XIII.
Antes, mudanças ocorreram em áreas cruciais: cultura, sociedade, economia, política e religião. Copérnico, Vesálio e Galileu criaram a ciência moderna, abrindo caminho para o avanço tecnológico. Gutenberg revolucionou a imprensa. Depois, a reforma protestante de Lutero (século XVI) e a Revolução Gloriosa inglesa (1688) se tornaram fonte do moderno sistema capitalista e do predomínio econômico e militar do Ocidente.
Indivíduos à frente de seu tempo contribuíram para mudanças ciclópicas. Entre 1776 e 1787, os pais fundadores da nação americana – os que participaram da Declaração de Independência, da Revolução ou da elaboração da Constituição – moldaram os princípios formadores dos alicerces sobre os quais se erigiria seu grande futuro.
Felipe González, o governante socialista espanhol (1982-1996), abandonou velhas ideias e conduziu reformas estruturais, incluindo ampla privatização. Preparou seu país para a integração europeia e para longo ciclo de crescimento. Margaret Thatcher reverteu a trajetória de declínio da Inglaterra. Ronald Reagan renovou o capitalismo americano.
O Brasil tem seus líderes transformadores. Entre outros, José Bonifácio, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. No período militar, sobressaem Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, este em grande parte responsável pelo fim pacífico do autoritarismo.
Ao proclamar-se o início de tudo, o presidente presta um mau serviço à história e aos brasileiros que gostam de ouvi-lo. Despreza o papel de Tancredo Neves na transição para a democracia, sem a qual não teria chegado ao poder. Obscurece a participação de Fernando Henrique Cardoso na construção da plataforma de lançamento da qual decolou.
Lula gostaria de ser lembrado como um Getúlio ou um Juscelino, mas creio que a história – a quem cabe apontar o lugar dos atores políticos – o reconhecerá pelas corajosas decisões de preservar a política econômica – que condenava – e de não buscar o terceiro mandato. Evitou, assim, o retorno da inflação e o abalo das instituições políticas, que precisam de tempo para se consolidar.
A continuidade deu tempo para o amadurecimento de mudanças anteriores. Permitiu-nos colher frutos da expansão da economia mundial e da emergência da China, hoje forte demandante de nossas commodities. Crescemos acima da média dos últimos 25 anos. As exportações triplicaram. Com estabilidade, crescimento e baixa inflação, foi possível alargar políticas sociais e assim reduzir as desigualdades sociais e a pobreza.
Lula é um líder de massas sem paralelo na América Latina. Politicamente populista, não foi desastrado na economia, embora deixe más heranças, como o aparelhamento do estado, a piora da qualidade do regime fiscal e os efeitos da inconsequente política externa.
Lula não descobriu o Brasil nem foi um líder transformador, mas não fez o estrago que se temia. Não é pouco. Não precisava, todavia, desconstruir as realizações do passado para marcar seu lugar na história, que parece garantido.
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