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terça-feira, 25 de maio de 2010

Politica Nuclear do Iran (8): duas opinioes sobre o "acordo" tripartite

O Irã, o Brasil e as armas nucleares
Opinião - José Goldemberg *
Correio Brazilienze, 23/05/2010

O Itamaraty tem a reputação de ser um ministério competente, mas o imbróglio em que ele se envolveu no Irã não vai contribuir para aumentar essa reputação. Uma negociação bem-sucedida na área internacional envolve dois componentes: definir claramente o interesse do país e conhecer os detalhes técnicos ou administrativos do que se está negociando.

Na área interna, o presidente Lula deu inequívocas demonstrações de que é um excelente negociador desde os tempos em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Defendia claramente os interesses dos trabalhadores contra os patrões e negociava salários e outros benefícios que são fáceis de definir.

No caso da negociação em que o Itamaraty e o presidente se envolveram em Teerã, recentemente, essas duas componentes estiveram ausentes. Em primeiro lugar é difícil ver qual o interesse do Brasil em mediar acordos do Irã com as grandes potências e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a não ser o de aumentar a presença do país no cenário internacional.

Tem havido dezenas dessas oportunidades sem qualquer beneficio claro para o país, salvo excelentes fotografias e captura das manchetes dos jornais. Sucede que o Irã tem sérios problemas de credibilidade no que se refere ao cumprimento de suas obrigações com a Agência Internacional, já foi objeto de sanções do Conselho de Segurança e está na iminência de receber outras.

Ele tem uma longa história de atividades semiclandestinas que não são aceitas pelos países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mais ainda: as exaustivas negociações que tem tido durante os últimos cinco anos com os países europeus são consideradas uma estratégia para ganhar tempo e aumentar a sua capacidade de, eventualmente, produzir artefatos nucleares. Associar-se a ele nessas condições chama a atenção para o fato de que o Brasil poderia também ter interesses nessa linha. Essa não é uma hipótese vaga, porque, há cerca de 20 anos, estávamos exatamente na posição que o Irã está hoje — sob suspeitas de desenvolver um “programa paralelo” de energia nuclear para fins militares ao lado de um programa de fins pacíficos, como a instalação das centrais nucleares de Angra dos Reis. Foi preciso muito esforço para convencer a comunidade internacional que esse não era o caso, apesar de o país ter dominado a tecnologia de enriquecimento de urânio. A recente visita ao Irã ameaça jogar por terra esse esforço.

Em segundo lugar o “acordo” que o Brasil mediou não contribui em nada para resolver o conflito com a Agência Internacional e as grandes potências, que decorre do fato de o Irã continuar a enriquecer urânio a 20%, índice muito superior ao nível de 3% necessários para reatores nucleares. Ninguém nega o direito do Irã de enriquecer urânio, mas chegar ao nível superior ao necessário no uso para fins pacíficos cria serias suspeitas. Como os especialistas bem sabem é mais fácil passar de 20% de enriquecimento aos 80%, necessários para fazer armas nucleares, do que enriquecer de 3% a 20%. O Irã se recusa a limitar o enriquecimento, o que levanta suspeitas de que realmente está ganhando tempo. Enquanto negocia ele aumenta o número de centrifugas e o estoque de urânio que já enriqueceu.

O “acordo” que o presidente Lula assinou nem toca nesse assunto, como os próprios iranianos tiveram a indelicadeza de proclamá-lo publicamente antes que a tinta do “acordo” secasse, embaraçando o presidente. O que o Irã fez foi trocar uma pequena parte do seu urânio enriquecido a 3% por urânio enriquecido a 20% como combustível de um reator médico, o que, aliás, deveria ter feito há mais de seis meses, se o seu interesse real fosse a medicina.

Se o Itamaraty julgava que negociar com o Irã daria o Prêmio Nobel da Paz ao presidente Lula, ele se equivocou. Provavelmente, o papel do Brasil será visto como o de um “inocente útil” e, pior que isso, chamará a atenção para as próprias atividades nucleares do país.

* Professor emérito da Universidade de São Paulo

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O Brasil e a questão nuclear iraniana
Entrevista com o Embaixador Marcos Azambuja
Christian Carvalho Cruz
O Estado de São Paulo - Caderno Aliás, 23.05.2010

Uma moldura pesada demais
Para embaixador, Brasil deveria conter seu excesso de protagonismo em região tão complicada e em assunto tão turvo.

Para resumir o que se passou nessa semana na questão nuclear iraniana, com forte participação brasileira na assinatura de um acordo com o governo de Teerã, o embaixador Marcos Azambuja diria o seguinte, no popular: "Se meter no Oriente Médio é muita areia pro nosso caminhãozinho". Ou ainda: "Procuramos sarna pra nos coçar".
É claro que a elegância diplomática e pessoal - ele usa gravata borboleta e chapéu panamá - não lhe permite o apelo a tão baixo calão. Então, o embaixador do Brasil na Argentina (1992 a 1007) e na França (1997 a 2003), chefe da Delegação do Brasil para Assuntos de Desarmamento e Direitos Humanos em Genebra (1989 a 1990) e atual vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais disse verdadeiramente assim: "O acordo que o Brasil fez não foi ruim, mas era preferível que ele tivesse sido mais prudente ao entrar numa região tão complicada, onde seus interesses vitais não estão em jogo". E mais: "Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos".
A seguir, trechos da entrevista em que Azambuja fala dos possíveis desdobramentos da situação, de um mundo sem armas nucleares, de direitos humanos e do samba atravessado com os Estados Unidos.

O Irã quer ter a bomba atômica ou não?
Não queria até a invasão do Iraque pelos americanos. Depois, chegou à conclusão de que ter uma capacidade nuclear, por menor que fosse, lhe daria garantias de sobrevida. O Irã acha que se o Iraque tivesse armas nucleares não teria sido invadido. Mas não estou convencido de que os iranianos estejam a caminho da bomba. Eles assinaram o Tratado de Não Proliferação (TNP) em 1968. É coisa de safra recente ter aquilo que julgam ser garantias adicionais de soberania. Há quem diga que, num mundo em que tantos países têm a bomba, o Irã também tem o direito de construir a sua. Discordo. Nessa questão, se levarmos adiante a velha máxima do "olho por olho, dente por dente" acabaremos todos cegos e banguelas.

O que o sr. achou do acordo com o Irã patrocinado por Brasil e Turquia?
Foi uma boa coisa, não se pode negar. Mas nos envolvemos num assunto complicado no lugar mais complicado da Terra. Ninguém entra nas questões do Oriente Médio sem o risco de sair chamuscado. Não temos ali poder nem experiência que nos credenciem como grandes atores diplomáticos. O que o Brasil fez não foi ruim, repito. Mas era preferível que tivesse sido mais prudente ao se meter numa região onde seus interesses vitais não estão em jogo. Não sou contra o Brasil mostrar mais sua cara e flexionar mais seus músculos. Apenas teria preferido que não tivesse escolhido o Irã para isso. Deveríamos fazê-lo nas Américas, que é nosso território, no Atlântico Sul, na África Ocidental, enfim, onde o Brasil tem projeções naturais de seu poder. No Oriente Médio nós não temos tradição, presença e, agora que somos autossuficientes em petróleo, não temos nem interesse energético.

Por que o Brasil se meteu lá, então? O sr. acredita na tese de que o presidente Lula esteja tentando ganhar um Nobel da Paz?
Não acho que o personalismo esteja envolvido. E não creio que naquela situação tão turva haja um Nobel a ser dado. O que ocorreu foi mais uma tentativa do Brasil de reforçar seus títulos para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil vai ter seu assento, mas não por um excesso de ativismo aqui e acolá. Ele vai conseguir porque seu peso e sua influência globais vão determinar, em certo momento, que o mundo o queira como membro permanente. Não é o resultado de uma campanha brasileira e sim o resultado de uma realidade brasileira que fará com que o País atinja esse objetivo.

Mas a atuação no Oriente Médio não faz parte desse processo?
Não ajuda. Não vejo de que maneira isso reforce amplamente nossas credenciais. O Brasil foi excessivamente protagonista nessa questão. Eu sou a favor de o Brasil se engajar no Irã em níveis menos íntimos, fazendo acordos de cooperação comercial, técnica, exportação de bens e serviços. Vejo um universo de cooperação entre Brasil e Irã que não deveria ter como fundamento uma área controvertida como a questão nuclear. Convinha ao Brasil, que tem um programa de enriquecimento de urânio para fins pacíficos, não se assemelhar ao Irã. Nós temos um programa aceito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma Constituição que proíbe armas nucleares, um acordo com a Argentina, somos sócios de boa-fé do TNP e estamos numa região do globo, o Hemisfério Sul, em que não há uma bomba atômica sequer. Em vez de nos assemelhar ao Irã nós devíamos é sugerir que somos farinha de outro saco.

Já que se propôs a ir além, o País não poderia ter incluído no acordo tópicos relacionados aos direitos humanos no Irã?
Nesse caso não haveria diálogo. O Irã é um país que se move por motivos diferentes. O Brasil é uma democracia multirracial, tolerante, laica. O Irã tem uma série de características que correspondem a outra visão de mundo. Se você trouxer direitos humanos à mesa, o diálogo nem começa.

Os EUA ignoraram o acordo e propuseram novas sanções, sob o argumento de que o Irã não irá cumpri-lo. Em diplomacia, um governo pode desqualificar as intenções de outro por não achá-las críveis?
Não se pode prejulgar o outro. Não se pode garantir se o Irã cumprirá ou descumprirá um acordo internacional que assinou. Só que no Oriente Médio a suspeita é a moeda de troca. No clima de desconfiança em que ali se opera, a presunção é a de que todos tenham motivos ulteriores. A desconfiança não é sobre o estrito cumprimento desse acordo. Ninguém duvida que o Irã vá mandar o urânio para ser enriquecido na Turquia. A suspeita é que outra quantidade de urânio esteja sendo enriquecida internamente em posições não declaradas. Essa é a insinuação americana. Insinuações são terrenos pouco sólidos para se construir algo, mas a desconfiança é da essência da relação nesse caso. O que está sendo julgado não é a virtude do acordo patrocinado por Brasil e Turquia, mas o desejo que tinham os EUA de punir o Irã por sua política nuclear ambígua. O samba atravessou.

A relação Brasil-EUA perde algo com isso?
No curto prazo o que era uma lua de mel se transformou numa relação complicada. Semanas atrás havia uma disposição americana afetuosa de reconhecer o Brasil como potência global, havia boas relações pessoais do Lula com o Obama, do Celso Amorim com a Hillary Clinton. Houve o episódio do algodão, retaliações comerciais, mas isso faz parte da ação de duas potências com interesses contraditórios. Agora surgiu um elemento de irritabilidade. Os EUA acharam que o Brasil agiu de maneira a dar ao Irã mais credibilidade e mais prazo quando eles queriam o oposto. Ao fazer isso, o Brasil forçou os americanos, que tinham outro cronograma, a agir mais depressa para que um rascunho de resolução fosse apresentado. Há um pequeno dano. Mas não creio que ele afete de maneira profunda e duradoura as relações entre duas democracias maduras. Tudo vai depender do voto brasileiro no Conselho de Segurança para as sanções adicionais. O Brasil tem sido um membro bem comportado da comunidade internacional. Costuma concordar com tudo o que o Conselho recomenda. Além disso, os países que promovem as sanções são grandes parceiros nossos: EUA, Inglaterra, França, e dois colegas do Bric, Rússia e China. Pelas alianças tradicionais e pelas novas amizades, o Brasil não deveria contrariar uma resolução do Conselho de Segurança.

Mas aí o País estaria indo contra o acordo que se gaba de ter feito.
Há na diplomacia uma série de recursos para evitar parecer isso. Uma abstenção com uma declaração de voto inteligente e articulada, por exemplo. Eu volto ao ponto que é para mim uma obsessão: o Brasil se envolveu demais numa região em que nos convinha usar o multilateralismo para expressar nossos interesses, ou seja, atuando como membro temporário do Conselho de Segurança para influenciar um projeto de resolução que nos parecesse bom e votar de uma maneira que nos parecesse adequada. Nós não temos ali castanhas a tirar do fogo tão intenso que justifique um envolvimento direto nesse nível.

Os iranianos foram sinceros ao assinar o acordo ou só querem ganhar tempo para construir a bomba, como sugerem os EUA?
O Irã agora foi constrangido a reiterar suas intenções pacíficas. Se burlá-las, corre o risco de ficar totalmente isolado. Estaria se opondo não só a seus adversários, mas enganando os países que o ajudaram. Isso é um dado. Mas não há garantias de que se possa confiar somente em intenções. Em matéria de desarmamento as coisas funcionam com inspeções de alto rigor e não anunciadas. É isso o que vale. Os EUA e seus sócios estão convencidos de que o acordo é uma manobra dilatória e opaca do Irã para continuar fazendo o que bem entender. Daí a insistência em novas sanções (bloqueio de transações financeiras, interceptações de navios, congelamento de bens no exterior, entre outras). Só tem um problema: elas me parecem cosméticas. A única sanção que faria o Irã mudar seria uma que afetasse a sua capacidade de exportar petróleo. E isso não está em discussão, é claro, porque mexeria com os mercados mundiais. Se as sanções tocassem no petróleo iraniano a China não teria aderido a elas. Em outras palavras, o Oriente Médio está sendo exatamente o que costuma ser: complexo, teatral, perigoso. Particularmente, eu não creio que as sanções sozinhas resolvam. Elas são indutoras de um processo de negociação. Os países que as defendem acham que, se não houver mais penalização, o Irã não fará nada, continuará com o projeto que pode levar à construção de uma capacidade militar nuclear.

Nesse caso, há possibilidade de um ataque militar ao Irã?
Não creio. A intensa campanha no Conselho de Segurança por mais sanções traduz o fato de que a hipótese militar está descartada. Os EUA, intensamente engajados no Iraque e no Afeganistão e com problemas econômicos enormes, não me parecem com disponibilidade e vontade para agir. E o Irã não é o Iraque. O Irã não é um pequeno país, é o descendente do grande Império Persa. Suas instalações nucleares, se as houver, estão espalhadas e profundamente protegidas. O Irã não tem reatores nucleares industriais que possam ser alvos naturais em uma retaliação armada. Uma ação por parte de Israel seria um tanto arriscada e contraproducente. Todas as tensões existentes na região se amplificariam. Em diplomacia a gente nunca exclui totalmente nada, mas eu colocaria a retaliação militar numa posição muito baixa na minha hierarquia de possibilidades.

Estima-se que Israel tenha até 200 ogivas nucleares. O país se recusa a aderir ao TNP e não permite supervisão a AIEA em seu território. Por que o país não é tão pressionado como o Irã?
Aí precisamos entrar no âmago do relacionamento EUA-Israel, na culpa ocidental pelos episódios da 2ª Guerra Mundial, do Holocausto. Há toda uma história atrás de tudo isso, mas de fato o tratamento é díspar. Eu defendo que Israel abra mão de suas armas nucleares e caminhe para o estabelecimento de uma zona militarmente desnuclearizada no Oriente Médio. É obrigação dos signatários do TNP que não têm armas nucleares pressionar os que têm a declarar a posse, no caso de Israel, e a eliminar seus estoques, no caso de todos os outros.

O sr. vê alguma possibilidade de os países que têm a bomba desmancharem seus arsenais? Ou ainda vamos morrer disso?
Já vivemos num mundo sem o uso de armas nucleares. Elas deixaram de ser parte do arsenal das grandes potências para se tornar uma ambição da Coreia do Norte, da Líbia em certo momento... Houve uma degradação da importância estratégica das armas nucleares. EUA e Rússia acordaram em reduzir seus estoques recentemente. É claro que estão aperfeiçoando seus arsenais, porque 3 mil ogivas de hoje equivalem a 8 mil de 30 anos atrás. Mas estamos a caminho de uma sanidade crescente. Hoje, os países poderosos temem mais que as armas caiam nas mãos de terroristas, de países desqualificados, do que a hipótese inicial de um enfrentamento de superpotências. A arma nuclear será em breve um projeto de subpotências.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns ao Sr. Embaixador Azambuja!
Discurso eloquente e lucidez diáfana!

Vale!