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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Goia: a arte como refúgio de criminosos - Marcílio Franca e Marcelo Franca (Conjur)

OPINIÃO

Máfia, tráfico de obras de arte e a resposta da Polícia Federal


Conjur, 19 de janeiro de 2023


No último dia 16 de janeiro, depois de 30 anos de perseguição implacável, o capo di tutti i capi da Cosa Nostra Matteo Messina Denaro foi preso em Palermo, Sicília, pelos Carabinieri, a polícia italiana. Nascido em Castelvetrano, Sicília, em 1962, Matteo Messina Denaro é filho do padrinoFrancesco Don Ciccio Messina Denaro e sucedeu o mítico Salvatore TotòRiina na liderança do clã corleonese, após a prisão deste último em 1993. Matteo Messina Denaro chegou a ser um dos dez fugitivos mais procurados do mundo.

Além de uma longa lista de crimes, que inlcui extorsão, descarte ilegal de lixo, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, assassinatos, atentados terroristas e sequestros, Matteo Messina Denaro e sua família estavam particularmente envolvidos com crimes com obras de arte. Seu pai, Don Ciccio, já traficava obras de arte e legou ao filho não apenas a crueldade mas também uma certa paixão por bens culturais — tanto que obras de arte foram uma das pistas seguidas pelos policiais para chegar a Matteo Messina Denaro. 

Don Ciccio ficou famoso por roubar, em Castelvetrano, em 1962, a estátua conhecida como o Efebo de Selinunte, um Adónis em bronze, de 400 aC, recuperada em Foligno em 1968, graças à atuação do agente secreto e crítico de arte Rodolfo Siviero. Segundo a Direzione Investigativa Antimafia da Itália, por trás desse crime estava Giovanni Franco Gianfranco Becchina, conterrâneo dos Messina Denaro e famoso traficante internacional de arte. De tão importante, Becchina, dono de cinco armazéns repletos de obras de arte no Freeport de Genebra, tem direito até a verbete na famosa base de dados Sherloc, do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime. 

Um dos maiores crimes da história da arte, o roubo da gigantesca tela Nativitàde Caravaggio, do Oratorio di San Lorenzo, em Palermo, em 1969, jamais encontrada, também teria as digitais dos Messina Denaro.

O mafioso pentito Giovanni Brusca delatou que, no início dos anos 1990, o chefão Totò Riina o encaminhou a Matteo Messina Denaro quando ele quis obter algum importante achado arqueológico para oferecê-lo ao Estado italiano em troca de benefícios prisionais para seu pai. Matteo Messina Denaro também esteve envolvido no assalto à Galleria Estense, de Módena, em janeiro de 1992, quando bandidos levaram pinturas de Velázquez, Correggio e El Greco que seriam trocadas por benefícios carcerários para o boss Felice Maniero, preso oito anos antes. Nestes e em outros casos, a arte roubada foi utilizada em secretas negociações entre o Estado e a Máfia.

No final dos anos 90, Matteo Messina Denaro comandou o roubo do Sátiro Dançante de Mazara del Vallo, um precioso bronze grego atribuído a Praxiteles. A obra foi recuperada quando já estava prestes a ser comercializada a peso de ouro, através de canais suíços, a um colecionador estrangeiro.

Pizzinu, em dialeto siciliano, é o bilhetinho de papel que a máfia utiliza para comunicações entre os chefões. Em um famoso pizzinu apreendido pela polícia, Matteo Messina Denaro escreveu: "Con il traffico di opere ci manteniamo la famiglia". Com o tráfico de obras de arte se mantém a famiglia, seja ela a Cosa Nostra, a Camorra, a 'Ndrangheta, a Banda della Magliana ou a Sacra Corona Unita.

Artefatos de valor histórico e cultural, além de significar poder e prestígio para um capo e valiosa moeda de troca, são ainda especialmente susceptíveis a operações de lavagem de dinheiro, entre outros fatores, devido à alta subjetividade do valor desses itens, à tradicional confidencialidade das transações nesse mercado e ao baixo nível de controle estatal sobre os atores do segmento. O tema não é novo

Ao longo das múltiplas fases da operação "lava jato", por exemplo, mais de 200 obras de arte de alto valor foram apreendidas pela Polícia Federal em residências e escritórios associados a figurões da política nacional, megaempresários e operadores financeiros. Obras de arte foram encontradas também pela Polícia Federal em casos envolvendo a falência do Banco Santos, o superfaturamento de obras na antiga Avenida Água Espraiada (hoje Jornalista Roberto Marinho) e a prisão do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia.

Nesses e outros casos em que artefatos culturais são adquiridos por criminosos com dinheiro "sujo", ou mesmo quando as próprias obras são objeto de crimes, como o furto e o tráfico internacional, a legislação criminal brasileira autoriza sua apreensão e perdimento.

No entanto, dar concretude ao comando legal não é tarefa fácil. Para possibilitar a apreensão de pinturas, esculturas, antiguidades e outros itens, é preciso que os policiais estejam aptos a investigar operações espúrias, identificar obras valiosas, periciar e apontar corretamente seu preço de mercado e dar adequada destinação aos artefatos, ao fim da investigação.

Ciente da importância e da dificuldade dessas tarefas, a Polícia Federal inaugurou em agosto de 2021 o projeto Goia, acrônimo para Guarda, Observação, Investigação e Análise de Patrimônio Histórico, Bens Culturais e Obras de Arte — e, claro, homenagem a Francisco José de Goya y Lucientes, o estupendo pintor espanhol. O projeto tem como missão funcionar como facilitador em todas as etapas da investigação que envolverem peças, sítios e imóveis de patrimônio histórico e bens culturais, desde o planejamento da operação até a destinação dos bens. 

O Goia tem orientado investigadores em relação à formalização de apreensões, transporte, nomeação de depositários, execução dos trabalhos periciais, cooperação internacional e repatriação de obras. O grupo já capacitou mais de cem policiais federais para trabalhar com a temática e visa ampliar ainda mais a difusão de conhecimento sobre a matéria na Polícia Federal.

Outro foco do grupo são acordos de cooperação com outras instituições, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e universidades, com a finalidade de ampliar a expertise da Polícia Federal, receber auxílio técnico e criar uma rede de instituições dispostas a custodiar provisoriamente os bens apreendidos. 

Em janeiro de 2021, por exemplo, a Polícia Federal entregou ao Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, integrante da rede Goia, mais cem obras de artistas renomados, decorrentes de 11 mandados de busca e apreensão cumpridos na 79ª fase da operação "lava jato", denominada Vernissage. No acordo, o museu fica integralmente responsável pelos de armazenamento e conservação das peças. 

Em seus planos para o futuro, o Goia trabalha para a criação de um grande banco de dados com informações de peças roubadas, desaparecidas e dados de análises técnicas, contando, para isso, com o apoio dos parceiros integrantes da própria rede, bem como da Interpol. O crime organizado, além de nos roubar a liberdade e a esperança, rouba também o nosso patrimônio cultural, e a criação do Goia é uma excelente resposta à luta contra esse tipo de criminalidade.

 é procurador-chefe da força-tarefa do Patrimônio Cultural do Ministério Público de Contas da Paraíba, professor de Direito da Arte da Universidade Federal da Paraíba, árbitro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Genebra), da Corte de Arbitragem para a Arte e do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, ex-professor visitante nas universidades de Turim, Pisa e Ghent, tendo sido, ainda, Calouste Gulbenkian Fellow no Instituto Universitário Europeu de Florença.

Marcelo Franca é delegado da Polícia Federal, aprovado em primeiro lugar no concurso mais recente, e autor do livro Aprovados - Delegado de Polícia Federal (Ed. Juspodivm).

Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2023, 21h16


terça-feira, 24 de maio de 2016

De onde vem a riqueza dos mais ricos? Estudo da Forbes e reflexao sobre o Brasil (Paulo Roberto de Almeida)

Meus comentários iniciais sobre a matéria abaixo baseada em pesquisa da revista Forbes.

Que a maior parte da riqueza acumulada na América Latina, ou especialmente no Brasil, seja o resultado de herança, ou seja, de patrimônio mantido na família, é absolutamente normal no plano econômico, sendo maior nesta região apenas porque ela é absolutamente improdutiva, parada, estagnada, pois em outros países é riqueza produzida continuamente.
    Agora, achar que isso é ilegítimo significa apenas que todos os que pensam assim, querem expropriar essa riqueza, pela taxação da herança ou do patrimônio. A única coisa que vão produzir é a exportação dessa riqueza para paraísos fiscais ou para outros países que promovem criação da riqueza a partir da própria riqueza.
    Filosofia pikettyana, ou seja, completamente maluca.
Paulo Roberto de Almeida

Notas de dólar
 MERCADO FINANCEIRO IMPULSIONA FORTUNA DOS BILIONÁRIOS NO MUNDO
 
Anualmente a revista “Forbes” publica o seu ranking de bilionáriosdo mundo. Apesar do crescimento lento da economia mundial, em 2015, o clube dos super-ricos atingiu a marca 1.826 pessoas, superando o recorde anterior, estabelecido em 2014. Mas quem são esses bilionários e de onde sua riqueza vem?

O estudo “As origens dos Super-ricos”, realizado pelas pesquisadoras Caroline Freund e Sarah Oliver, do Peterson Institute for Internacional Economics, instituição de pesquisa sem fins lucrativos baseada em Washington, usa esses dados para entender os super-ricos.

O trabalho busca responder a algumas questões que estão ligadas à concentração de renda no globo. Por exemplo: esses bilionários são herdeiros ou construíram as próprias fortunas? Sua riqueza vem do setor produtivo ou do mercado financeiro?

Segundo o estudo, o clube dos super-ricos é mais dinâmico do que se pensa. Atualmente, a maior parte dos bilionários construíram as próprias fortunas. O Brasil não é representativo dessa tendência mundial. No país, a maior parte da riqueza é herdada.

Como funcionou o trabalho?#

A pesquisa se baseia em informações coletadas entre 1996 e 2015 no ranking de bilionários da revista “Forbes”. Essa organiza dados sobre participação acionária em empresas, declarações financeiras das companhias, e reuniões com candidatos para listar todos os indivíduos do mundo com mais de US$ 1 bilhão em patrimônio líquido em determinado ano.

O trabalho agregou esses bilionários de acordo com o setor da indústria que melhor representa a origem de suas fortunas, nas seguintes categorias: setores ligados a recursos naturais (como minérios ou petróleo), setores novos (que incluem, por exemplo, a indústria de tecnologia), setores produtores de bens exportáveis (que inclui bens industriais e alimentos, por exemplo), setores produtores de bens não exportáveis (como o setor de mídia e de construção) e setor financeiro.

O dólar se desvalorizou desde 1996, o que significa que US$ 1 bilhão na época representa mais dinheiro do que US$ 1 bilhão em valores atuais. O estudo levou isso em conta e fez as mesmas comparações excluindo os super-ricos cuja fortuna não somaria US$ 1 bilhão se os valores de 1996 fossem corrigidos pela inflação. Em linhas gerais, as diferenças não foram relevantes, mesmo com essa ressalva.

A riqueza dos super-ricos vem de suas famílias?#

Não necessariamente. Em todas as regiões do mundo, o volume total de fortunas aumentou principalmente por causa do surgimento de novos super-ricos, e não através do aumento da riqueza de quem já era super-rico. Essa distinção é importante porque diz respeito à forma como a renda tem se concentrado, se com mobilidade social ou apenas através da concentração de mais dinheiro nas mãos de quem já era rico.

Nem sempre foi assim. Em 1996 a maior parte das fortunas eram herdadas. Mas já em 2001, 58% dos bilionários tinham construído as próprias fortunas, uma mudança em grande parte explicada pelo boom do setor de tecnologia, diz o trabalho.

A parcela de bilionários que herdaram as próprias fortunas é maior na Europa (35,8%) do que nos Estados Unidos (28,9%).

ORIGEM DA RIQUEZA (%)#



Na década seguinte essa tendência se intensificou com o crescimento acelerado do número de bilionários de países em desenvolvimento. O boom dessas economias foi acompanhado pela criação de novas fortunas. Em 1996 a China não tinha nenhum bilionário, e o Japão, 40. Em 2015 a China tinha 213 bilionários, e o Japão, 24.

Na Europa, a concentração de bilionários se moveu para o leste. Na Rússia, novas fortunas foram criadas no setor petrolífero, por exemplo. Em 1996, a Alemanha tinha 47 bilionários, e a Rússia, nenhum. Em 2015, a Alemanha tinha 103 e a Rússia, 88.

A importância do papel dos novos bilionários não significa que aqueles que já eram ricos não tenham ficado ainda mais endinheirados. Cerca de 20% do aumento da riqueza nas mãos de bilionários no período se deve ao enriquecimento de quem já fazia parte do clube.

De onde vem a riqueza dos super-ricos?#

O estudo analisa o que gerou o aumento do número de bilionários e da riqueza total na mão deles nos Estados Unidos, na Europa e em outros países desenvolvidos - como o Japão e Coreia do Sul, por exemplo.

Entre 1996 e 2014 o mercado financeiro respondeu por 40% do crescimento no número de bilionários nos Estados Unidos. Na Europa, o setor exportador responde pela maior parte dos novos ricos: 43,4%. O setor financeiro responde por apenas 13,5%.

ALTA DO NÚMERO DE BILIONÁRIOS (%)#



Fundos de hedge - que têm autorização para realizar operações financeiras mais arriscadas e em geral recebem aplicações de alto valor de investidores experientes - tiveram um papel fundamental nos Estados Unidos. Eles respondiam por menos de 10% da riqueza do setor financeiro americano em 2000, e por 22% em 2015.

ALTA DAS FORTUNAS (%)#



Setor de tecnologia
As fortunas nos Estados Unidos também tendem a ser menos ligadas a heranças porque há no país uma proporção maior de bilionários do setor de tecnologia, diz o estudo. Eles são 56 pessoas, ou 12% dos bilionários. Na Europa são 17 pessoas, ou 5% dos bilionários.

Os “novos setores”, que englobam o setor de tecnologia, responderam por 19% do aumento no número de bilionários nos Estados Unidos, e na Europa, por 12,7%.

E o Brasil?#

O trabalho não analisa o caso brasileiro especificamente, mas traz dados sobre os bilionários do país. Em 2014 eles responderam por 3,9% dos bilionários do mundo.

47,7%
Dos bilionários brasileiros são herdeiros

18,5%
Vêm do setor financeiro

21,5%
Fundaram as próprias companhias

4,6%
Enriqueceram com base em conexões políticas ou em áreas ligadas a recursos naturais. Segundo o estudo “um bilionário é identificado como politicamente relacionado se houver notícias conectando sua riqueza a posições que ocupou no governo, parentes no governo ou concessões questionáveis”.

Há no país uma proporção maior de super-ricos herdeiros do que no mundo. A distribuição está em linha com aquela do resto da América Latina.