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terça-feira, 16 de abril de 2019

Personagens obscuros que ocupam a linha de frente da História: Joseph Fouché, por Stefan Zweig

De vez em quando, personagens perfeitamente obscuros, que jamais deveriam ter saído dos bastidores (ou das catacumbas) da História, conseguem a ocupar posições de relevo em determinadas circunstâncias e em momentos excepcionais de processos dramáticos de transformação social e política de uma nação, como foi o caso, por exemplo, da Revolução francesa e dos momentosos episódios que se lhe seguiram: Assembleia Constituinte, Convenção, Diretório, Comitê de Salvação Pública no Termidor, consulado, primeiro cônsul, Império, Waterloo, Cem Dias (êpa!), Restauração, fracasso dos Bourbons, nova realeza (e depois a monarquia burguesa, antes de 1848 e sua segunda República, logo substituída por um novo Império).
Tal foi o caso de Fouché, que atravessou pelo menos cinco regimes políticos franceses, entre o Ancien Régime e a monarquia medíocre dos Bourbons – aqueles que, como disse Talleyrand, "nada esqueceram, nada aprenderam" –, e a todos eles serviu de forma subserviente, como muito bem descrito na genial biografia de Stefan Zweig sobre um dos mais execráveis personagens da história da França moderna e contemporânea. A genialidade de Zweig consiste justamente nisso: ter focado num personagem obscuro – que só tinha sido reconhecido como relevante pelo outro genial escritor que foi Balzac – e, através dele, seguir toda a trajetória da França do Antigo Regime até a Restauração. A sua biografia tem validade universal, pois podemos também encontrar na história do Brasil, até recente, personagens tão medíocres, traiçoeiros e nefastos, ainda que menos relevantes, quanto Fouché. Vocês sabem de quem estou falando (mas ele não é chefe da Polícia, ainda bem).
Leiam o Prefácio de Zweig à biografia de um dos maiores personagens menosprezados da história da França, texto que recolhi no site da Casa Stefan Zweig de Petrópolis, que visitei numa rápida estada na cidade serrana do Rio de Janeiro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de abril de 2019


Prefácio de Joseph Fouché – retrato de um homem político

Stefan Zweig

Joseph Fouché, um dos homens mais poderosos de sua época, um dos mais notáveis de todos os tempos, encontrou pouca simpatia entre os contemporâneos e ainda menos justiça na posteridade. Napoleão em Santa Helena, Robespierre entre os jacobinos, Carnot, Barras, Talleyrand em suas Memórias, a pena de todos os historiadores franceses, sejam monarquistas, republicanos ou bonapartistas, enche-se de fel quando escreve seu nome. Traidor nato, intrigante miserável, réptil escorregadio, desertor profissional, alma pequena de policial, amoralista deplorável, não lhe poupam nenhum insulto, e nem Lamartine, nem Michelet ou Louis Blanc tentam seriamente desvendar seu caráter, ou melhor, sua admiravelmente obstinada falta de caráter. Seu retrato em contornos reais aparece pela primeira vez naquela monumental biografia de Louis Madelin, ao qual o presente estudo, como qualquer outro, deve a maior parte do material factual. Com esta exceção, a história empurrou silenciosamente para a última fileira dos figurantes insignificantes um homem que, numa guinada da história, liderou todos os partidos e foi o único a sobreviver a eles, que no duelo psicológico venceu um Napoleão e um Robespierre. Vez por outra, seu espectro ainda ronda numa peça de teatro ou numa opereta sobre Napoleão, porém geralmente como a caricatura gasta de um chefe de polícia astuto, de um Sherlock Holmes anterior à sua época, pois uma caracterização pouco profunda sempre relega a um papel secundário um ator que está em segundo plano, mas é essencial. 

Um único homem vislumbrou a dimensão desta figura ímpar do alto de sua própria grandeza: Balzac. Este espírito elevado e ao mesmo tempo perscrutador, que não observava apenas a cena da época, mas espiava também sempre atrás dos bastidores, reconheceu Fouché sem reservas como a personalidade psicologicamente mais interessante de seu século. Habituado, na sua química dos sentimentos, a contemplar todas as paixões, não só as chamadas heróicas como as consideradas baixas,como elementos de igual valor, habituado a admirar da mesma forma um criminoso perfeito como Vautrin e um gênio como Louis Lambert, sem jamais distinguir entre moral e falta de moral, mas sempre medindo apenas a energia de uma pessoa e a intensidade de suas emoções, Balzac fez sair de sua penumbra intencional este homem que está entre os mais desprezados e difamados da Revolução e do Império. "O único ministro que Napoleão teve", diz ele sobre este "gênio singular", depois “la plus forte tête que je connaisse" [a cabeça mais forte que conheci] e, em outro trecho, "um daqueles personagens com tanta profundidade sob a superfície, que no momento em que agem permanecem impenetráveis e só depois podem ser compreendidos".

Eis uma interpretação bem diferente das ofensas dos moralistas! E no seu romance Une ténébreuse affaire dedica uma página especial a esse"espírito sombrio, profundo e extraordinário, tão pouco conhecido": "Seu gênio particular", escreve ele, "que suscitou uma espécie de temor em Napoleão, não se revelou de uma vez. Este obscuro membro da Convenção, um dos homens mais extraordinários e ao mesmo tempo mais erroneamente julgados de seu tempo, cresceu em meio às crises. No Diretório, alcançou uma altura de onde homens profundos conseguem divisar o futuro por saberem julgar corretamente o passado. Depois, de repente dava mostras de seu talento durante o 18 Brumário, assim como certos atores medíocres que, iluminados por uma súbita inspiração, tornam-se excelentes. Este homem de semblante pálido, educado na disciplina monacal, conhecia todos os segredos da Montanha, facção à qual pertenceu inicialmente, como os dos monarquistas, por cima dos quais finalmente passou. Este homem estudou gradual e silenciosamente as pessoas, as coisas e as práticas do cenário político; descobriu os segredos de Bonaparte, deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas (... ) nem os novos nem os antigos colegas suspeitavam então da extensão de seu gênio, que era essencialmente um gênio de governo: exato em todas as previsões e de uma argúcia inacreditável."

Assim escreveu Balzac. Tal homenagem chamou minha atenção para Fouché, e há anos que me interesso por esse homem de quem Balzac dizia ter "mais poder sobre as pessoas do que o próprio Napoleão". Mas, tanto em vida quanto na história, Fouché sempre conseguiu permanecer nos bastidores: não gostava que lhe vissem o rosto ou as cartas. Quase sempre estava no meio dos acontecimentos, no seio dos partidos, invisivelmente ativo e escondido atrás do véu anônimo de suas funções como o mecanismo de um relógio. Raramente consegue-se fisgar-lhe a silhueta fugidia no tumulto dos acontecimentos e nas curvas mais fechadas de sua trajetória. E o que é mais estranho: à primeira vista,nenhum dos retratos fugazmente apanhados de Fouché combina com outro. Custa algum esforço imaginar que a mesma pessoa, com a mesma pele e os mesmos cabelos, tenha sido professor eclesiástico em 1790, já em 1792 saqueador de igrejas, em 1793 comunista, cinco anos depois multimilionário e outros dez anos mais tarde duque de Otranto. Porém, quanto mais ousadas suas transformações, mais interessante me pareceu o caráter, ou melhor, a total falta de caráter desse mais perfeito Maquiavel da era moderna, mais atraente se me afigurou sua vida política passada nos bastidores e na clandestinidade, mais singular e demoníaca me pareceu sua figura. Foi assim que, de maneira inesperada, por puro prazer psicológico, comecei a escrever a história de Joseph Fouché como contribuição para um estudo biológico ainda inexistente porém necessário dos diplomatas, esta raça intelectual ainda não totalmente examinada, das mais perigosas do nosso mundo.

Sei que uma tal descrição de um homem sem nenhuma moral, de alguém tão singular e importante como Joseph Fouché, vai de encontro ao desejo evidente de nosso tempo. Nossa época quer e ama biografias heróicas, pois, diante da carência de lideranças politicamente criativas, busca no passado exemplos mais elevados. Não desconheço o poder das biografias heróicas de elevar as almas, intensificar as forças, levantar o espírito. Desde Plutarco, elas são necessárias para cada geração em ascensão, para cada nova juventude. Mas é precisamente no âmbito político que elas correm o risco de falsificar a história, ao levar a crer que – naquela época e sempre – os verdadeiros líderes também determinam o destino do mundo. Sem dúvida, por sua própria existência, uma natureza heróica domina a vida intelectual durante décadas e séculos, mas apenas a intelectual. Na vida real, verdadeira, na esfera do poder político – e isto deve ser frisado como alerta contra toda a credulidade política –, raramente são as figuras superiores, as pessoas das idéias puras que decidem, e sim uma categoria muito inferior, porém mais hábil: os personagens dos bastidores.

Em 1914 e 1918, vimos como as decisões de importância histórica universal sobre guerra e paz foram tomadas não conforme à razão ou à responsabilidade, mas por indivíduos ocultos, de caráter duvidoso e inteligência limitada. A cada dia verificamos que, no jogo ambíguo e muitas vezes pecaminoso da política, ao qual os povos ainda confiam cegamente seus filhos e seu futuro, não são os homens de visão ética e de convicções inabaláveis que vencem, mas sim aqueles aventureiros profissionais que chamamos diplomatas, esses artistas de mãos gatunas, palavras ocas e nervos gélidos. Se, como já disse Napoleão há cem anos, a política realmente se tornou "la fatalité moderne", o novo Destino, tentemos reconhecer, em nossa defesa, os homens que estão por trás do poder e, com isso, o segredo perigoso da sua força. Que esta história da vida de Joseph Fouché seja uma contribuição para a análise do homem político.

Salzburgo, outono de 1929

in Joseph Fouché, retrato de um homem político. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999. Tradução de Kristina Michahelles. (publicado com expressa autorização da editora)

Fonte: Site da Casa Stefan Zweig de Petrópolis; link: http://www.casastefanzweig.org/sec_texto_view.php?id=22

terça-feira, 14 de abril de 2015

A vida como ela NAO deveria ser: memorias intimas do Palacio da Alvorada

Teatro com poucos personagens, todos pilantras (para usar uma expressão neutra, digamos assim).
Cenas rápidas, pano baixando a cada vez.
Não, não são as memórias sentimentais de João Miramar.
Está mais para teatro de Plínio Marcos, para quem sabe quem foi esse dramaturgo, não tão bom quanto Nelson Rodrigues, mas suficientemente escabroso para chocar a classe média.
Classe média que continua chocada com o festival de patifarias, desvios de conduta, roubalheira, corrupção, baixaria, inépcia e outros qualificativos que vocês queiram bem pespegar nesses personagens de baixa extração, típicos do bas-fonds de Brasília, do esterco da política, do esgoto do Estado, convivendo com ratos, escorpiões, cobras e lagartos do que há de pior na política nacional.
A crônica não é minha, tampouco é de um novo Nelson Rodrigues.
É apenas de um jornalista bem informado...
Paulo Roberto de Almeida

Lula em discussão com Dilma: "O que fiz de errado foi colocar voce aí"
Ricardo Noblat
O Globo, 13 de abril de 2015

UMA PESSOA QUE não ama seus semelhantes, ou que não sabe expressar seu amor por eles, não pode ser amada. Que o diga Jane, ex-criada do Palácio da Alvorada. Um dia, Dilma não gostou da arrumação dos seus vestidos. E numa explosão de cólera, jogou cabides em Jane. Que, sem se intimidar, jogou cabides nela. O episódio conhecido dentro do governo como "a guerra dos cabides" custou o emprego de Jane.

MAS ELA DEU sorte. Em meio à campanha eleitoral do ano passado, Jane foi procurada pela equipe de marketing de um dos candidatos a presidente com a promessa de que seria bem paga caso gravasse um depoimento a respeito da guerra dos cabides. Dilma soube. Zelosos auxiliares dela garantiram a Jane os benefícios do programa "Minha Casa, Minha Vida" uma soma em dinheiro e um novo emprego. Jane aceitou. Por que não?

LULA SE QUEIXA de Dilma porque ela não segue seus conselhos. Segue, sim. Só que às vezes demora. Para que abdicasse da maioria dos seus poderes, por exemplo, foi decisivo o bate-boca que teve com Lula no Palácio da Alvorada, em março último. A certa altura, Lula disse: "Eu lhe entreguei um país que estava bem..." Dilma devolveu: "Não, presidente. Não estava. E as medidas que estou tomando são para corrigir erros do seu governo"!

A RÉPLICA NÃO demorou. "Do meu governo? Que governo? O seu já tem mais de quatro anos"," disparou Lula. Os assessores de Dilma que aguardavam os dois para jantar e escutaram o diálogo em voz alta, não sabem dizer se ela nesse instante respondeu a Lula ou se preferiu calar. Um deles guardou na memória o que Lula comentou em seguida: "Você sabe a coisa errada que eu fiz, não sabe? Foi botar você aí"

FOI PRESSIONADA por Lula que Dilma entregou o comando da economia ao ministro Joaquim Levy, da Fazenda, que pensa muito diferente dela. Foi também pressionada por Lula que delegou o comando da política a Michel Temer, seu vice, a quem sempre desprezou. Levy está sujeito a levar carões públicos de Dilma, já levou. Temer, não. Levy pode ser trocado por outro banqueiro. Temer, não.

LULA INVENTOU o parlamentarismo à brasileira para tentar impedir o naufrágio de Dilma. É sua última cartada para salvar a chance de voltar à Presidência em 2018.