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terça-feira, 11 de junho de 2019

Pensamento brasileiro: conservador, pela ordem - Pesquisa Fundação Tide Setubal (FSP)

Noção de ordem e igualdade norteia eleitor conservador não radical
Folha de S. Paulo, 11/06/2019
 - Imagine-se um grupo de brasileiros “intermediários”. Não estão entre aqueles de renda mais baixa ou alta; não são adeptos mais extremos de opiniões tidas como conservadoras, mas certamente não são de esquerda ou seus eleitores recentes. Uma pesquisa da Fundação Tide Setubal, em parceria com a empresa Plano CDE, procurou saber o que pensam esses cidadãos em tempos de escolhas políticas de direita e debates ainda mais extremados no Brasil. Para tratar de “Conservadorismo e Questões Sociais”, os pesquisadores entrevistaram longamente 120 pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. 
Esses brasileiros dizem que a desigualdade econômica é estrutural e o maior problema do país. Julgam que há privilégio para os mais ricos no acesso a educação, saúde, transporte, segurança, Justiça e melhorias urbanas. Afirmam que há preconceito contra negros, além de violência policial; machismo, em particular no trabalho. Geralmente aceitam o reconhecimento oficial da união estável de casais homossexuais e testemunham e criticam também discriminações e violências contra pessoas LGBT. 
Na maioria, têm uma crença profunda na ideia de igualdade. Essas pessoas são também muito críticas de políticas afirmativas, como cotas raciais, ou de militantes feministas, pelos direitos LGBT ou defensores de direitos humanos em geral e de presidiários em particular. Criminosos “merecem” o tratamento desumano que recebem da polícia e do sistema prisional; de resto, agem como “bandidos” em virtude de seu mau caráter.
A militância ou políticas públicas focalizadas em grupos sociais desfavorecidos, mesmo o Bolsa Família, são vistas com desconfiança ou causam repulsa aberta por violarem a premissa de igualdade dessas pessoas, mais universalista e menos identitária, por assim dizer. Isto é, aquelas políticas e militâncias seriam discriminatórias e uma injustiça: favorecem arbitrariamente alguns grupos em detrimento de outros tão ou mais necessitados. 
O “cidadão de bem”, “batalhador”, “pagador de impostos”, se sente, pois, negativamente discriminado. Feministas, defensores de LGBT e partidos de esquerda são vistos como arrogantes, desrespeitosos ou imorais, “lacradores” pouco propensos ao diálogo e mais à doutrinação. Por falar nisso, os entrevistados geralmente temem a doutrinação de professores e mídia tradicional. 
A internet é a alternativa de informação, embora reconheça-se o risco de por aí se disseminarem “fake news” e conteúdos impróprios para jovens. Acreditam que a superação das desigualdades passa mais pelo aperfeiçoamento individual e menos por movimentos coletivos que procurem tratar de problemas estruturais, até porque o preconceito e a violência teriam fundamento individual, “psicológico”, e não em relações sociais. Melhorias na sociedade e pessoais dependem intensamente do aperfeiçoamento moral, missão primordialmente da família, que deveria ter papel mais relevante do que o da escola, decadente. 
Tal melhoria no plano individual depende, claro, de condições como oportunidades de educação e de acesso a serviços básicos, emprego, salários melhores, além de mais competitividade e eficiência na economia, maré que também elevaria os barcos em que estão negros, mulheres e LGBTs. Mas há grande desconfiança na política, ao menos na partidária, e na ação do Estado. A maioria dos entrevistados não se diz de direita, mas votou em Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno da eleição presidencial, resultado algo esperado porque os eleitores que votaram em Fernando Haddad (PT) nos dois turnos foram excluídos do grupo objeto de estudo. Nas conversas, era muito comum a afirmação de que se votou no “menos pior”, embora Bolsonaro fosse considerado político “diferente” e capaz de conduzir “mudança”. 
Partidos de esquerda são identificados com estatismo, correção política doutrinadora, defesa de bandidos/direitos humanos, do aborto e da distorção de valores familiares (em especial relacionados à sexualidade). Tais opiniões estão baseadas em um sistema de valores “organizado em torno de um eixo central: ordem”, escrevem os autores do estudo. Falta ordem dentro de famílias, escolas, ruas e na política, pois há “decadência moral generalizada”: mais crime, violência em geral e corrupção na política, relacionada ao “jeitinho brasileiro” e com a ineficiência geral do Estado. Faltam autoridade, disciplina, respeito e honestidade, em parte também porque o convívio familiar é menos intenso, prejudicado, entre outros fatores, pela entrada da mulher no mercado de trabalho (que em si não é malvista, ressalte-se).

METODOLOGIA TEVE FILTRO DE RENDA E OPINIÃO POLÍTICA
O estudo “O Conservadorismo e as Questões Sociais” foi baseado em entrevistas de três horas, em conversas com trios masculinos ou femininos, em suas casas. Procurou-se uma amostra de brasileiros “intermediários”, tanto no aspecto político quanto econômico, embora algo enviesado para o espectro conservador. Os entrevistados não poderiam ter vínculos com organizações políticas. Um filtro aplicado foi de opinião. Foram selecionados os que concordassem com não menos do que 3 e não mais do que 8 de um total frases de teor conservador (exemplos: “Adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos”; “O Bolsa Família faz com que os mais pobres tenham mais filhos”; “Direitos humanos não deveriam valer para bandidos”). Foram excluídos os que votaram em Haddad (PT) nos dois turnos em 2018. Ficaram de fora pessoas cujo rendimento pessoal era inferior ao dos 25% mais pobres ou superior ao dos 25% mais ricos. A amostra incluiu quem tivesse rendimento mensal entre R$ 469 e R$ 1.499.
+++ A visão distorcida sobre a esquerda é consequência da forma de atuação dos meios de comunicação que isolam os setores progressistas e fazem de tudo para impedir que as opiniões desses grupos cheguem aos seus públicos. Essa não é uma prática recente. Ela ocorre há décadas. 
*”Conservadores não radicais falam sobre como pensam o Brasil hoje”* - Para uma pesquisa sobre conservadorismo no Brasil, a Fundação Tide Setubal, em parceria com a empresa Plano CDE, entrevistou 120 cidadãos brasileiros considerados “intermediários”, que não estão entre aqueles de renda mais baixa ou alta; não são adeptos mais extremos de opiniões tidas como conservadoras, mas certamente não são de esquerda ou seus eleitores recentes. Os resultados da pesquisa foram apresentados durante o debate O Conservadorismo e as Questões Sociais, realizado pela Fundação Tide Setubal, com apoio da Folha, no auditório do jornal, na segunda-feira (10). Para reportagem sobre o evento, a Folha colheu depoimentos de brasileiros com perfil semelhante ao dos que aparecem na pesquisa, e que vivem nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife (PE).

LEONARDO GONÇALVES FRANÇA
Carioca, Leonardo Gonçalves França, 41, trabalhava até o ano passado como vendedor. A empresa, segundo ele mal-administrada, fechou durante a crise. Gonçalves vive agora do táxi. Casado há dois anos, tem um filho e um enteado. O taxista diz que o brasileiro não se tornou mais conservador, sempre foi. Viemos de vários governos onde as coisas foram ficando mais difíceis: a criminalidade, a economia, a corrupção. O Bolsonaro foi uma aposta, feita para ver se conseguimos mudar um pouco. Não acredito que o Brasil tenha se tornado mais conservador. Sempre fomos. As pessoas falam que apoiam os filhos mesmo que sejam gays ou usuários de drogas. Apoiam mesmo. Mas não gostariam que fosse assim. São mães que gostariam de ter netos e vê-los crescer perto da nora ou do genro. No fundo sempre fomos conservadores. O que houve foi que aumentou essa história de politicamente correto, com novelas com casais que sempre soubemos que existiram, mas que nunca haviam sido mostrados em rede nacional. As pessoas começaram a reagir. Por mais de 20 anos fui ateu. Vários acontecimentos me fizeram voltar a acreditar em Deus e Jesus. Hoje sou espírita, mas isso não influencia o meu voto. Procuro ver um pouco da história de cada político. Fiquei anos, mais de quatro eleições sem votar. Não tinha vontade, achava que não tinha uma opção que me agradasse, não me identificava com nenhum político. Então não votava, depois ia lá e pagava a multa. Em 2005, os políticos nos deram um golpe: quase 64% da população era contra o Estatuto do Desarmamento, mas mesmo assim o Congresso fez a pauta. Eu sou favor da posse, porque hoje qualquer bandido armado sabe que se ele não esbarrar com um policial, bombeiro, agente penitenciário ou delegado, ele não vai encontrar resistência. Mas sou contra o porte. Hoje a direita assumiu o poder depois de décadas de governos de esquerda. O tempo que tivemos até agora, de cinco meses, o governo está enxugando os gastos, fechando algumas torneiras. Acho que eu esperava algo maior, ou melhor. Mas não dá para fazer uma avaliação do Bolsonaro, ainda está muito cedo.
NATALY GOMES DA SILVA
Nataly Gomes da Silva tem 27 anos e está desempregada há três. Já foi auxiliar administrativa e porteira. Nascida em Ferreiros, no interior de Pernambuco, veio com a família para São Paulo aos cinco anos. Cresceu e mora até hoje na favela São Remo, ao lado da USP, na zona oeste. Não tem religião. Frequenta um cursinho popular e estuda para passar em pedagogia —quer trabalhar com crianças pequenas. Seu marido, segurança de prédio, acha que ainda não está na hora de ter filhos. Os dois votaram em Bolsonaro nos dois turnos no ano passado. Não sou muito de ver política. Votei no Bolsonaro para colocar uma pessoa nova no poder. É difícil votar várias vezes na mesma pessoa e ver que não está resolvendo. Ele chegou ao poder sem dinheiro e tem quatro anos para arrumar o país. Se não, ninguém vota nele de novo. Eu votei na Dilma, votei bastante no PT, que fez muitas coisas boas. Onde a avó do meu marido mora, no interior da Bahia, não tinha luz nem água antes do PT. Mas teve coisas ruins que nós temos que falar também. Não me considero nem de esquerda, nem de direita. O que importa é o bem da sociedade. Se o cara do PT tivesse vencido, eu apoiaria para ele fazer o que tivesse de fazer para mudar. O pessoal critica muito o Bolsonaro, dizem que ele não faz nada. Você tem que pensar que o outro partido ficou sei lá quantos anos no poder, e um monte de coisa foi cortado, só que ninguém reivindicou. Aí o cara fala que vai cortar verba porque não tem dinheiro e a gente sabe que tem muito estudante que vai na universidade mas não é para estudar. É muito fácil falar, ‘Ah, ele é machista’. Qualquer um pode ser machista hoje. Tudo que acontece de ruim cai sobre o presidente. Eu acho que não é machista, não. Não vejo nada que me desagrade.
A mídia manipula muito o Bolsonaro, dizendo que ele não gosta de negro, não gosta de gays. Não acho que é verdade. Cada um tem o seu gosto. Quantos aí também não gostam de negro, não gostam de gay? Não é porque ele é presidente que ele não pode dar a opinião dele. Meu marido é negro e votou nele. Tem muita gente negra que votou nele sem essa burocracia de racismo. Se ele não gostasse dos gays, não ia botar essa lei que ele aprovou agora, da homofobia. Como também concordo que a maioridade penal deveria diminuir. Se uma pessoa de 11 anos matou [alguém], ela tem que ficar lá [na prisão] pelo resto da vida. Para mim não tinha nem que ter visita íntima, só do pai e da mãe. Vejo muita gente não fazendo nada [na Fundação Casa], voltam cada vez piores. Acho que, quanto mais polícia na rua, menos bandido vai ficar à solta. Porque eles não vão botar a cara a bater. Tem que ter controle do policiamento, controlar a corrupção dentro da polícia, dentro da política, de todos. Igual esse Coaf, que tiraram do Moro. Por que o pessoal tirou dele? Porque quem é corrupto não quer ser pego. O povo acha que ele [Bolsonaro] vai aprovar a lei da arma e você vai achar na prateleira do supermercado. É o que muitos acreditam! A violência está ruim. O armamento não vai adiantar em nada. Não sou contra nem a favor, fico no meio-termo. Os policiais é que devem ter arma, nós não. A pessoa já é estressada no dia-a-dia. Com uma arma na mão, ela só vai fazer mais cagada. A arma mais barata deve ser a partir de R$ 5 mil. Eu não tenho nem R$ 2 mil! Então quem tem dinheiro [para comprar]? Quem é classe média-alta, né. Porque na comunidade vai ser muito difícil você achar alguém armado. Quando a gente parar de criticar e fizer, o mundo vai para frente. Tem que fazer pelo próximo, e não esperar o próximo fazer pela gente.
SEVERINO GONÇALVES DA SILVA​
Evangélico, o servidor público Severino Gonçalves da Silva, 45, acredita que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) está sendo criticado por contrariar interesses históricos no âmbito político. Agente de ressocialização na secretaria estadual de Pernambuco, ex-segurança privado, Silva é a favor de flexibilizar a posse de armas, acredita que a família tradicional é a base da sociedade e defende que a educação sexual fique longe do ambiente escolar. Eleitor de Bolsonaro nos dois turnos, diz que a religião é o fundamento de tudo. Divorciado e pai de uma adolescente de 17 anos, Severino ganha R$ 1,3 mil e tem esperança em dias melhores para a economia brasileira. A família é uma instituição divina que precisa ser bastante sólida. É a base necessária para enfrentarmos os problemas individuais e coletivos. Temos atravessado uma fase muito difícil no nosso país, com diversos escândalos nos mais variados setores. Os políticos fazem promessas durante a campanha e aproveitam o pouco esclarecimento da população e ausência de meios de fiscalização para perpetuar esta enganação. De uma maneira genérica, é assim que os vejo. É decepcionante para o eleitor quando promessas não são cumpridas. Acho que, de certa maneira, o presidente Jair Bolsonaro, como tem pouco tempo ainda, está sendo muito firme e determinado naquilo que propôs ao país. Ainda não é possível fazer uma análise profunda. Até agora, têm aparecido críticas em relação a diversas coisas.
Dizem que ele atua com radicalismo. Não vejo assim. Ele tem contrariado certos interesses no âmbito político e enfrenta obstáculos para executar suas ideias. A flexibilização da posse de armas é um dos pontos. Eu não sou contra. Evidente que requer bastante cuidado. Em que mãos essas armas estarão? O controle é necessário para não ser algo que gere mais violência. Defendo os direitos humanos. Acho que são valores importantes. A gente escuta muita gente falar que direitos humanos só servem para defender bandidos. Não é bem assim. Tudo precisa ter ligação com a religião. É a nossa ligação com Deus. O homem que não tem Deus em sua vida pratica aberrações. Os homossexuais, por exemplo, do ponto de vista bíblico, estão errados. O homossexualismo desconstrói a base da família. Não pode existir família constituída entre pessoas do mesmo sexo. A palavra de Deus criou o homem e a mulher. Criou Adão e Eva. Não criou Adão e Ivo. A sociedade quer impor uma mudança radical contra os princípios bíblicos. Daí a gente observa situações difíceis porque os princípios morais não são preservados. A questão da educação sexual, por exemplo, não deve ser tema do ambiente escolar. Educação sexual deve ser papel da família, do pai e da mãe. Não da escola.
"Progressistas devem reinventar diálogo com conservadores”
Os conservadores moderados brasileiros estão dispostos a dialogar, mas para que isso aconteça, é necessário que quem está no campo progressista repense a abordagem, as falas e esteja realmente pronto para ouvir. “É preciso que o campo progressista se desloque do lugar da fala para o da escuta”, disse a socióloga Esther Solano, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), durante o debate O Conservadorismo e as Questões Sociais, realizado pela Fundação Tide Setubal, com apoio da Folha, no auditório do jornal, na segunda-feira (10). No evento, foram apresentados os resultados da pesquisa homônima, realizada pela fundação em parceria com a empresa Plano CDE. O levantamento, feito a partir de 120 entrevistas com eleitores conservadores moderados de quatro capitais brasileiras, mostrou, entre outros pontos, que essas pessoas enxergam desordem e decadência no mundo hoje. De acordo com Solano, o rápido avanço das pautas modernizadoras dos costumes provocou uma reação algumas vezes violenta de quem não se reconhece dentro dessa nova ordem. “O conservador ordena o mundo com uma visão heteronormativa, patriarcal, masculina e branca. Ele está assistindo à subversão de tudo isso. Há uma insegurança existencial do conservador, que se sente perdido e tem dificuldade para se enxergar em um mundo que passou por mudanças plurais”, afirmou. “Essa insegurança faz com que ele sinta um medo que pode ser transformado em ódio. Isso tem uma potência eleitoral muito forte”, completou. Em meio à polarização política e à estigmatização do que defendem os progressistas, estes teriam perdido a capacidade de comunicação, de acordo com a socióloga. “Temos de nos colocar como interlocutores. Nossa linguagem deve ser depurada se queremos conversar com quem está fora da nossa bolha.” Termos como feminismo, gênero e LGBT, que fazem referências a questões identitárias, devem ser usados com cautela para furar o bloqueio da resistência conservadora, segundo os debatedores. “A gente acha que está conversando, mas na verdade está apenas querendo convencer. Devemos fazer uma escuta ativa, fazer mais perguntas do que levar respostas. É necessário encontrar algo em comum para iniciar a conversa”, afirmou Mafoane Odara, psicóloga, coordenadora de projetos no Instituto Avon.
Para o teólogo e pastor Henrique Vieira, líder da Igreja Batista do Caminho, do Rio, a conversa pode começar por assuntos como família, amor e vida, que teriam sido deixados para os conservadores nos últimos anos. “Em determinados ambientes progressistas, parece que a palavra família é um problema. Dessa maneira você não vai dialogar com a maioria da população. Família tem a ver com moradia, saúde e educação também. Se deixarmos esses conceitos para os conservadores, não sobra nada para a gente falar.” De acordo com o pastor, que faz parte de uma safra pequena de líderes evangélicos mais abertos às mudanças na sociedade, grande parte dos evangélicos brasileiros são negros e estão nas periferias das cidades. “Podemos falar com essas pessoas sobre transporte, segurança ou salário mínimo. São temas do cotidiano que geram conexão.” Uma releitura da Bíblia com um viés progressista é parte do processo, segundo Vieira. Para ele, nas discussões com religiosos mais fundamentalistas, que veem o texto sagrado como verdade absoluta e imutável, é improdutivo citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos ou a Constituição Federal, por exemplo. “É fundamental retomar a leitura comunitária e coletiva da Bíblia para, a partir disso, fomentar noções de dignidade humana e respeito à diversidade. Mostrar que Jesus impediu a violência e que tinha mulheres como protagonistas de seu movimento”, sugeriu.
O conservadorismo que se manifesta no país, porém, não depende dos evangélicos, segundo o pastor. O crescimento desse segmento teve início nas últimas décadas, mas o pensamento que não reconhece as lutas de mulheres e negros é estrutural e histórico. “Eleger o campo evangélico como um monstro significa fazer uma generalização preconceituosa”, disse. Vieira lembrou que há um segmento evangélico fundamentalista que tem poder econômico e de mídia, o que dá visibilidade para suas ideias. Entre os conservadores, há uma percepção de que os problemas estruturais do Brasil são a desigualdade e a pobreza, segundo Solano. “Muitas pessoas falavam, nas entrevistas, que não queriam a reforma da Previdência, mas que não viam uma alternativa. Há um anseio por retomar pautas clássicas do campo progressista, como a redução da desigualdade e da pobreza”, concluiu.