Um leitor de meus textos -- e agradeço aqui nominalmente a José Marcelo Rigoni -- colocou no FaceBook -- que eu frequento apenas em anos bissextos, e acho que 2014 é um -- colocou um link para um antigo texto meu, de 2010, do qual já me havia esquecido completamente, mas que me parece apropriado nestes tempos de pós-euforia petista com os 7,5% de 2010, e de desespero do crescimento medíocre dos últimos dois anos e com o provável crescimento baixo de 2014 (e talvez mais além).
O Brasil parece ter entrado numa era de baixo crescimento, de semi-estagnação, mas isso eu já tinha detectado desde 2005, quando escrevi um texto duvidando que o Brasil pudesse crescer a 5% ao ano, como se anunciava naquela conjuntura.
Tendo em vista o estado meio confuso do "debate" -- que na verdade não existe -- sobre as políticas econômicas -- confusas, improvisadas, erráticas, dos companheiros no poder, creio que pode ser útil reproduzir aqui aquele artigo, cujo link é este aqui:
Paulo Roberto de Almeida
Como (Não) crescer a 7%
Paulo Roberto Almeida
Resumo: Comentários a texto de Samuel Pinheiro Guimarães sobre a necessidade de o Brasil crescer a 7% como forma de superar o subdesenvolvimento e de aproximar a renda per capita dos níveis registrados nos EUA. Críticas tópicas das inconsistências econômicas do artigo, manifestadas nas preferências de políticas setoriais, entre elas a leniência com o fenômeno inflacionário, evidenciando lacunas dos argumentos expostos (mais políticos do que econômicos) e indicando, como contraponto, os requisitos do crescimento e as reformas indispensáveis a tal efeito.
Palavras-chave: Crescimento econômico. Políticas macroeconômicas. Inflação. Reformas.
Texto completo: PDF
(neste link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/10517/5795)
A ficha completa do trabalho é esta aqui:
2155. “Como
(Não) crescer a 7%”, Shanghai-Beijing, 20-27 junho 2010, 14 p. Comentários a
texto de Samuel Pinheiro Guimarães sobre o crescimento do Brasil, evidenciado
lacunas de seus argumentos (mais políticos do que econômicos) e indicando os
requisitos do crescimento e as reformas indispensáveis a tal efeito. Publicado Espaço Acadêmico (ano 10, n. 110, julho
2010, p. 73-83; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/10517/5795).
Mas, se vocês não querem ver em pdf "embutido" -- ou seja, dentro do site da Espaço Acadêmico -- eu posso postar o artigo completo aqui, mas posso assegurar que ele é grande, e não sei se as notas de rodapé vão funcionar adequadamente.
Finalmente, antes de postar, gostaria de remeter a um outro texto meu, sobre a possibilidade de o Brasil crescer, não a 7%, mas apenas a 5% (parece que antigamente os petistas eram mais modestos):
Como (Não) crescer a 7%
Paulo Roberto
de Almeida
O
objeto
Sob o título acima, mas sem a partícula
negativa entre parênteses, o atual Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, publicou um artigo opinativo num
boletim eletrônico cujo propósito é o de convencer os leitores, e por extensão
a sociedade brasileira, de que o Brasil é capaz de crescer a 7% ao ano.
A justificativa dada para essa taxa é a de que ela representa o patamar
necessário para vencer o subdesenvolvimento, aproximando o Brasil da renda per
capita dos Estados Unidos, estes tomados como parâmetro de país desenvolvido.
Um outro objetivo paralelo seria o de reduzir as imensas desigualdades que
ainda caracterizam a sociedade brasileira, por meio de “vigorosas políticas” de
distribuição de renda (a serem empreendidas, obviamente, pelas mãos do Estado,
o que recomendaria o uso preferencial da expressão “redistribuição”).
Dito assim, não poderia haver, prima facie, discordância alguma quanto
a esses nobres objetivos, embora dúvidas permaneçam quanto aos meios, as
condições e, sobretudo, as limitações aos fins pretendidos, segundo os
argumentos que vou expor neste pequeno texto analítico. A principal finalidade
deste comentário é, precisamente, o de oferecer contraposições puramente
econômicas aos argumentos do Ministro-chefe da SAE (doravante referido apenas
como SPG), num espírito de diálogo socrático, como convém a um debate acadêmico
digno desse conceito.
Caberia registrar, previamente, que nem
todos os argumentos de SPG são de natureza econômica, o que dificulta o debate,
ao introduzir ele elementos subjetivos na problemática. Por exemplo, depois de
se manifestar extensivamente em favor dos objetivos expressos no primeiro
parágrafo, SPG acrescenta, ao final, de modo algo impressionista que, “caso se
deseje manter o Brasil como país pobre e subdesenvolvido, basta crescer a taxas
modestas, obedecendo a todas as metas e a supostos potenciais máximos de
crescimento, e, assim, lograr manter a economia estável porém miserável.” A
afirmação aponta para uma dicotomia pouco útil ao debate de tipo acadêmico –
embora de nítido propósito político – feita para distinguir aqueles favoráveis
ao crescimento a altas taxas, por definição desenvolvimentistas, daqueles
temerosos do crescimento vigoroso, implicitamente ortodoxos ou liberais. Esse
tipo de divisão binária certamente não contribui para um debate ponderado sobre
as possibilidades do crescimento econômico, vale dizer para uma discussão
serena sobre as condições do desenvolvimento social no Brasil.
O
método
Não interessam muito para esta discussão as
considerações de SPG sobre as características do subdesenvolvimento brasileiro,
tanto porque se trata de um velho debate, como também porque os indicadores são
por demais conhecidos. A referência aos EUA, por sua vez, é totalmente
secundária, inclusive porque, como reconhece SPG, o desenvolvimento é sempre um
conceito relativo, dado que os diversos países se posicionam ao longo de uma
escala com inúmeras gradações de avanço econômico e social. É redutor, contudo,
acreditar que a “heterogeneidade é uma característica central do
subdesenvolvimento”, ainda que as diferenças sejam obviamente maiores nos
países em desenvolvimento do que nos mais avançados. As diferenças entre centro
e periferia, entre regiões urbanas e rurais, entre atividades de maior ou menor
produtividade constituem traços dominantes em qualquer sistema econômico. O que
o subdesenvolvimento apresenta de dominante e de realmente diverso é a baixa
produtividade geral do trabalho humano, em vista da insuficiente qualificação
da mão-de-obra, e isto nos vários ramos e setores da economia e da sociedade.
O que há de estranho – e de político – no
texto de SPG é que ele parece culpar os enclaves modernos, “vinculados a
centros econômicos externos”, pela sua aparente incapacidade de difundir essa
modernidade para o resto da sociedade, como se eles devessem receber a
responsabilidade primária por algum pecado capital. Obviamente, aqueles
centros, dos quais está excluída a “imensa maioria”, dispõem de “uma riqueza da
qual pouquíssimos desfrutam”, o que mais uma vez indica uma análise mais pelo
lado político do que propriamente econômico. SPG também descarta comparações
entre o Brasil e países menores, na suposição de que apenas grandes países
podem ser comparáveis, já que os pequenos ou médios “não têm o mesmo potencial
do Brasil nem têm de enfrentar desafios semelhantes aos nossos”. Esse tipo de
argumento é pelo menos especioso, pois o que interessa num processo de
desenvolvimento qualquer – entre países que sempre se distinguirão por traços
absolutamente únicos na diversidade de situações que todos eles enfrentam – é a
qualidade de suas políticas econômicas e a progressão relativa e absoluta de
seus indicadores econômicos e sociais, e não o tamanho absoluto desses países,
seus recursos naturais ou o volume de “desafios” que eles devem enfrentar. O
mundo comporta todo tipo de situação.
A concepção de SPG, no entanto, constitui
uma espécie de jogo de soma zero na economia e na política mundial, já que ele
escreve que os países com os quais “o Brasil tem de ser comparado são... os
Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia, a Alemanha e a França. Esses têm de
ser o nosso referencial e esses são os nossos competidores (e eventuais
colaboradores) na dinâmica do sistema internacional e na disputa por poder
político e pela apropriação de riqueza”. SPG, no entanto, descarta a maior
parte desses países e fica apenas com a comparação do Brasil com os EUA,
enveredando então por um exercício de seguimento dos PIBs per capita
respectivos, que não apresenta qualquer interesse para o debate em torno da
taxa de crescimento do Brasil. Saber se, em 2022, estaríamos a uma distância de
38 ou de 35 mil dólares do PIB per capita americano, dependendo das taxas de
crescimento dos EUA e do Brasil, é totalmente irrelevante para o exercício que
se pretende conduzir, que é o de desenvolvimento inclusivo da sociedade
brasileira.
A esse respeito, aliás, o tipo de seleção
operada por SPG para fins de comparações internacionais tem o mérito de evocar
a triste época da ditadura militar, quando os dirigentes autoritários falavam
já em “Brasil Grande Potência” com base nos dados absolutos de território,
população, PIB e outros valores absolutos, sem qualquer consideração pelo que
realmente conta num processo de desenvolvimento, que é, obviamente, a
prosperidade individual dos cidadãos, ou seja, qual a disponibilidade de bens e
serviços a que podem ter acesso cada um deles. De nada adianta ser uma grande
potência e ter uma população miserável, o que mais uma vez confirma que o
tamanho absoluto do PIB não pode ser critério de desenvolvimento.
A
substância
Aliás, não se sabe bem por que a taxa de
crescimento do Brasil nos próximos onze ou doze anos teria de ser de 7% ao ano,
e não 6% ou 5%, ou então 8% ou 9%? Em entrevista concedida logo depois da
publicação de seu artigo, SPG confirmou essa cifra absolutamente necessária: “A média histórica do Brasil de
crescimento, por volta de 7%, é a única taxa que permite reduzir a distância
entre nós e os países desenvolvidos. Se não reduzirmos essa distância,
poderemos até fazer crescer e melhorar a situação social do País, mas
continuaremos relativamente subdesenvolvidos. Essa é uma taxa perfeitamente
possível.”
Se SPG consultasse o mais famoso
livro-texto sobre o crescimento econômico, o de Barro e Sala-i-Martin, que tem
precisamente esse título,
constataria que os EUA alcançaram a sua condição como um dos países mais ricos
do mundo crescendo a taxas relativamente modestas durante um longo período de
tempo: considerando-se as fases de recessão ou de baixo crescimento, elas
foram, em média, de apenas 1,8% ao ano, nos 130 anos que se seguiram à guerra
civil.
Para evidenciar a importância e avaliar as
consequências de diferenças aparentemente pequenas nas taxas de crescimento
cumulativo no longo prazo, os dois economistas simularam dois exercícios contra-factuais,
consistindo em aumentar e reduzir de apenas um ponto aquela taxa de
crescimento. No primeiro caso, os EUA teriam chegado a um PIB per capita de US$
127 mil em 2000, e não apenas US$ 33 mil, como ocorreu efetivamente; no segundo
caso, eles estariam com uma renda similar à do México, em torno de US$ 9 mil.
Essas taxas, de 2,8% ou de 0,8% ao ano, não são exercícios arbitrários, pois
foram aquelas experimentadas por países grandes e pequenos ao longo desses 130
anos, como Japão e Taiwan, no primeiro caso, e Índia e Paquistão no segundo.
Isso confirma que o crescimento não tem tanto a ver com o tamanho dos países, e
tampouco com fases especiais de aceleração do crescimento, e sim com qualidade
de suas políticas econômicas e sua manutenção em bases sólidas ao longo do
tempo para manter estabilidade do crescimento, mesmo a taxas modestas.
Deixemos, portanto, as aproximações e
distanciamentos que SPG opera entre os PIBs per capita do Brasil e dos EUA –
que não significam absolutamente nada para fins de avaliação de suas políticas
econômicas respectivas, inclusive porque os valores estipulados por ele são
totalmente arbitrários e meramente ilustrativos – e vejamos o que realmente
interessa nesta discussão: como, ou o quê o Brasil deveria fazer para crescer
mais rapidamente. Estamos saindo, assim, do terreno da metodologia para o da
substância do crescimento propriamente dito, que é o que nos interessa nesta
discussão sobre políticas e condições para o crescimento sustentado.
Aqui, as características da análise
pretensamente econômica de SPG revelam todas as suas deficiências de natureza
política, pois que ele afirma que seria a “prudência monetarista” que
supostamente “nos quer obrigar a crescer a uma taxa de 4,5% a.a”, o que faria
“com que o Brasil continue a ser em 2022 uma sociedade subdesenvolvida,
caracterizada pela extraordinária disparidade de renda e de riqueza.” As razões
de tão sombrio vaticínio estariam, aparentemente, situadas apenas na política
monetária do Banco Central (cujas metas de inflação são, aliás, estabelecidas
não pela instituição, mas pelo Conselho Monetário Nacional, se o autor não
sabe). O tema da inflação predomina sobre os três fatores indicados como
obstáculos à mágica taxa de 7% ao ano estabelecida por SPG para que o Brasil
escape da sina do subdesenvolvimento, e é, portanto, a ele que devemos dedicar
a maior parte dos comentários seguintes.
Contrariamente à opinião da maior parte dos
economistas, e na direção contrária às evidências acumuladas pela própria
experiência histórica brasileira, SPG acredita que, mais do que a inflação, que
afeta os pobres pela erosão de sua renda, “o que afeta os pobres de forma mais
grave é o desemprego, a miséria, a violência, a exclusão e a falta de
oportunidades que resultam do baixo crescimento em uma economia subdesenvolvida
e tão díspar como o Brasil.” Em outros termos, SPG tende a reforçar o grupo dos
formuladores de políticas públicas que, desde Celso Furtado (e na direção
contrária ao que diziam economistas como Eugenio Gudin), pretende que um pouco
de inflação não é tão grave, desde que os estímulos que são feitos do lado da
demanda e do investimento apresentem bons retornos em termos de emprego e renda
para a massa da população trabalhadora. Ele acredita, por exemplo, que a
“tendência inflacionária está presente em qualquer processo de desenvolvimento
acelerado”, o que é uma afirmação pelo menos arriscada no plano teórico e
prático.
Foi exatamente essa concepção leniente da
inflação – sustentada praticamente até o final de sua vida por um dos gurus
dessa corrente, o próprio Celso Furtado – que conduziu o Brasil a um dos mais
devastadores processos inflacionários conhecidos na América Latina, apenas
minimizado por uma inovação institucional – o sistema da indexação, ou correção
monetária – que tinha o seu lado perverso na manutenção de níveis
crescentemente mais elevados de realimentação inflacionária. Todos os
economistas – ou se não quiserem acreditar nos economistas, todos os dados
empíricos – confirmam que a inflação é um dos mecanismos mais nefastos, do
ponto de vista dos pobres, de erosão do seu poder de compra – e, portanto,
daquele fenômeno que os marxistas chamam de “pauperização” – e de transferência
de renda em favor dos mais ricos. O mais incrível é que o próprio Celso Furtado
reconhecia essas “virtudes” redistributivas negativas do mecanismo
inflacionário, mas considerava que isso poderia ser aceitável, pois seria uma
das poucas formas de, numa sociedade de baixa poupança como a brasileira,
transferir renda dos “gastadores” – os trabalhadores – para as mãos (e os
bolsos e as contas) dos “poupadores” empresariais, que seriam supostamente os
investidores e provedores de empregos para os primeiros.
Esse aspecto seria apenas uma “maldade”
involuntária que os supostos amigos dos pobres cometeriam contra aqueles mesmos
que pretendem proteger do desemprego, se a opção preferencial pela inflação não
fosse, também e sobretudo, um mecanismo absolutamente prejudicial do ponto de
vista do objetivo principal que pessoas como SPG querem promover, que é o crescimento
econômico. Certamente ele nunca ouviu falar das pesquisas do mesmo economista
já citado acima, Robert Barro, consolidadas em diversos trabalhos baseados em
pesquisa empírica. Dados recolhidos com base nos indicadores de uma centena de
países durante três décadas a partir dos anos 1960, confirmam que a aceleração
inflacionária reduz o ritmo de crescimento econômico. Mesmo admitindo-se que
uma “pequena inflação” possa ter efeito reduzido nas taxas de crescimento, o
fenômeno afeta negativamente as decisões de investimentos dos empresários
privados e tem um efeito real sobre os padrões de vida, o que leva esse
pesquisador a afirmar que esse efeito justificaria um forte interesse na
estabilidade de preços.
A despeito das evidências acumuladas, SPG
acredita que “é possível preservar os segmentos mais pobres da população dos
efeitos sobre os preços de um desenvolvimento mais rápido”. Se isso for
verdade, o que é amplamente discutível, ele não nos diz como fazer isso; nosso
registro extremamente infeliz de controles de preços, de tabelas de referência,
de intervenção estatal nos mecanismos de oferta e procura de bens e serviços,
deveria nos guardar de afirmações desse tipo, pois em nenhuma experiência
conhecida de aceleração inflacionária os pobres foram poupados de seus efeitos
devastadores sobre seus níveis de renda e de bem-estar.
SPG pretende responder a este dilema real
por dois meios arbitrários, sendo o primeiro uma premissa duvidosa e o segundo
uma falsa evidência. Para responder ao crescimento da demanda, sua única
resposta é o crescimento da oferta, esquecendo que é precisamente a defasagem
temporal entre um e outro que provoca inflação, sendo que esta, a partir de
certo ponto, se torna autossustentada. Ele acredita que “o crescimento do PIB a
7% a.a., quando sustentado a médio e longo prazos, significa que está havendo
uma ampliação da capacidade instalada, da formação bruta de capital fixo, o que
é feito por empresas que decidem investir, isto é, decidem ampliar suas
unidades de produção...”; mas não diz como se consegue garantir o crescimento a
essa taxa e como evitar pressões inflacionárias antes dos resultados esperados.
Quanto às “evidências” de que a inflação pode ser controlada, SPG oferece os
exemplos de “China e a Índia [que] têm crescido a taxas superiores a 7% a.a.
sem que tenha ocorrido inflação significativa”, deixando completamente de lado
aspectos relevantes de qualquer política econômica, como podem ser o lado
fiscal, a poupança disponível para sustentar o investimento, o grau de abertura
da economia, etc.
SPG responde à preocupação com a
insuficiência da poupança no Brasil mediante quatro vias que ele considera
“possíveis”: a primeira seria por meio do próprio Estado brasileiro, e o que
ele tem a indicar não é a diminuição da enorme carga fiscal que caracteriza a
estrutura tributária no Brasil, mas “através de uma política de juros mais
adequada”. Ou seja, o culpado pelo medíocre nível de poupança no Brasil não é a
“despoupança” estatal, ou a elevada carga de recolhimentos compulsórios que
poderiam constituir, se adequadamente canalizados, fontes para o investimento
produtivo de empreendedores privados, mas o Banco Central, conhecido inimigo de
“aceleradores do crescimento” como SPG. A segunda não é bem uma razão ou sequer
uma explicação, mas apenas uma crença, que se pode considerar como válida, ou
não, dependendo da boa vontade do leitor: SPG
acredita que “ainda há vasto espaço para ampliação do crédito
para investimento”, mas não diz nada de onde deveria sair esse crédito, num
mercado de capitais dominado pelo papel do Estado, já amarrado por propostas
orçamentárias totalmente comprometidas com transferências obrigatórias e
pagamentos dirigidos.
A terceira fonte de poupança é mera
confissão de esperança, em lugar de sólidas razões econômicas: “a possibilidade
de descoberta de recursos naturais importantes, como foi o caso das descobertas
no pré-sal”, o que ignora totalmente a necessidade de enormes investimentos
para transformar esses recursos em ativos líquidos suscetíveis de serem mobilizados
por sua vez para investimentos em outras áreas. A quarta fonte seriam os
investimentos estrangeiros, o que, mesmo em “volumes significativos”, nunca
representará a fração mais importante do investimento total, além de integrar
aquela parte do “passivo externo” tão condenado por economistas que partilham
das mesmas crenças que SPG. Em suma, a poupança e os investimentos no Brasil
parecem funcionar, para SPG, como aquelas máquinas medievais do “moto
perpétuo”, que se sustentavam na própria vontade de seu criador.
Finalmente, o terceiro obstáculo ao
crescimento sustentado, a falta de mão-de-obra especializada, poderia ser
resolvida, para SPG, por “programas de formação e de retreinamento de
engenheiros, o que poderia ser feito rapidamente a custo baixo” – desprezando
totalmente os tempos e os custos da formação desse tipo de capacidade – ou pela
importação de mão-de-obra qualificada, desde que fossem respeitados os “padrões
salariais da categoria” (ou seja, não poderia ser a um custo menor para as empresas).
Os
argumentos econômicos para o crescimento
Os argumentos de SPG para “esperar” uma
taxa de crescimento de 7% no Brasil dos próximos dez ou doze anos pertencem,
numa avaliação generosa, a um terreno voluntarista ou puramente impressionista,
já que em nenhum momento tratando dos condicionantes materiais, de natureza
propriamente econômica, que deveriam sustentar esse tipo de esforço produtivo.
Exemplo disso é sua conclusão, que merece ser citada para evidenciar a natureza
puramente subjetiva de sua análise do crescimento brasileiro, um ato de vontade
como outro qualquer: “caso se deseje manter o Brasil como país pobre e
subdesenvolvido, basta crescer a taxas modestas, obedecendo a todas as metas e
a supostos potenciais máximos de crescimento, e, assim, lograr manter a
economia estável porém miserável. Este baixo crescimento corresponderá a um
custo humano e social elevadíssimo para a imensa maioria da população, exceto
para os super-ricos, que se transformarão, cada vez mais, em proprietários
rentistas e absenteístas, distantes e alheios aos conflitos que se agravarão
cada vez mais na sociedade brasileira”. Como esperado nesse tipo de visão, os
ricos sempre estarão bem, mesmo num cenário de baixo crescimento e de
desigualdade.
Torna-se frustrante constatar que, num
ambiente acadêmico já bastante sofisticado como é o brasileiro – pelo menos com
boas faculdades de economia – e tendo em conta a experiência de políticas
públicas acumuladas em instituições do Estado, como o Ipea, que se
caracterizaram, outrora, por trabalhos de boa qualidade, sem qualquer tipo de
politização, se consiga produzir, atualmente, trabalhos tão frágeis do ponto de
vista metodológico e substantivo. Em nenhuma passagem do trabalho citado de SPG
se consegue saber como, exatamente, o Brasil poderá alcançar a taxa milagrosa
de 7% ao ano para superar a barreira do subdesenvolvimento como pretende seu
autor.
Talvez seja o caso, então, de repassar
estes condicionantes para tentar estabelecer uma agenda de crescimento para o
Brasil nos próximos anos. A Comissão do Crescimento, formada por vinte
especialistas convidados pelo Banco Mundial, publicou, em 2008, um relatório
sobre estratégias de desenvolvimento que preconiza um conjunto de cinco “fatos
estilizados” que comporiam uma boa “receita de desenvolvimento sustentado,
curiosamente também fixado num patamar de 7% ao ano: (a) integração à economia
mundial; (b) manutenção da estabilidade macroeconômica; (c) manter altas taxas
de poupança e investimento; (d) alocar recursos mediante mecanismos de mercado,
e (e) dispor de instituições sólidas e de governos capazes e comprometidos com
o desenvolvimento.
Poucos desses “fatos estilizados” são estudados ou discutidos seriamente por
SPG em conexão com o caso brasileiro, ou quando o são a perspectiva adotada é,
justamente, diametralmente inversa às recomendações da Comissão do Crescimento,
como no caso da leniência com a inflação ou a opção preferencial por mecanismos
alocativos dominados pelo Estado, sem qualquer menção à abertura externa ou
integração à economia mundial.
De minha parte prefiro enfatizar um conjunto similar de tarefas, talvez
numa outra ordem de prioridade, mas que consolidam o aprendizado que se pode
obter a partir da experiência brasileira de crescimento errático e de
desenvolvimento não sustentado. Essas tarefas guardam relação com as propostas
da Comissão do Banco Mundial, mas foram elaboradas previamente à sua
divulgação, ainda em 2007.
Elas estão sintetizadas nos
seguintes requisitos para um processo de crescimento sustentado: 1) Estabilidade macroeconômica; 2) Microeconomia
competitiva; 3) Capacidade institucional; 4) Qualidade dos recursos humanos; 5)
Abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros.
Voltei a esses temas em diversos outros trabalhos ulteriores, com maior ou
menor aprofundamento da discussão em torno dos requisitos – ou tarefas – acima
referidos. Gostaria, portanto, de finalizar este ensaio retomando, ainda que
com argumentos mais sintéticos, esses condicionantes, desta vez adaptados ao
presente debate.
1) Estabilidade macroeconômica
Desde o Plano Real, o Brasil tem políticas macroeconômicas relativamente
sólidas, com inflação baixa – mantida corajosamente pelo Banco Central dentro
das metas fixadas pelo CMN, ainda que em patamares que poderiam ser menores,
não fossem as resistências de mentalidades inflacionistas em outras áreas do
governo –, contas nacionais razoáveis – isto é, tendentes ao equilíbrio, mas
ainda caracterizadas por desequilíbrios setoriais ameaçadores, previdenciários,
sobretudo – e, desde 1999, uma taxa de câmbio competitiva, a despeito da
valorização (de 1995 e 1999 e a partir de 2003), o que, de toda forma, induz
ganhos de produtividade e ajuda a combater a inflação. Cabe registrar, en passant, que o câmbio sempre foi a bête noire dos mesmos críticos que
taxavam a política do governo de ser neoliberal e acusavam-na de praticar
“populismo cambial”, pecado em que o governo atual também é suspeito de
incorrer, na medida em que valoriza salários, minimiza pressões inflacionárias
e aumenta proporcionalmente o PIB brasileiro nas comparações internacionais.
O que o governo atual fez efetivamente de diferente foi acumular enormes
reservas em divisas, provavelmente em proporção exagerada às reais necessidades
da economia brasileira, silenciando inclusive quanto ao enorme custo fiscal, a
cargo do Tesouro, de seu carregamento (em torno de 10% de seu valor,
aproximadamente). Mas, a despeito de ter superado o histórico problema da
vulnerabilidade financeira externa, o Brasil ainda sofre de grande fragilidade
no comportamento futuro de suas finanças públicas, marcadas, como se sabe, por
gastos exagerados em relação ao crescimento do PIB. Com efeito, os gastos
públicos têm crescido duas vezes mais do que o PIB e do que a inflação,
acarretando enorme pressão sobre o orçamento e, consequentemente, sobre a
dívida. Uma projeção das tendências atuais indica, infelizmente, o crescimento
contínuo das despesas públicas, sendo as políticas do governo e a própria
Constituição em grande medida responsáveis por “gastos encomendados”. Derivam
desses gastos excessivos requerimentos elevados de financiamento público, que
por sua vez induzem a patamares elevados da taxa de juros, fator derivado,
portanto, do dispêndio exacerbado do Estado nessa rubrica, não sua causa, como
pretenderia a análise de SPG, que inverte completamente os dados do problema.
Os juros são altos não porque assim o desejam os “monetaristas” do Banco
Central, mas porque o Estado brasileiro é um gastador compulsivo.
2) Microeconomia competitiva
Uma microeconomia competitiva significa uma estrutura de mercados aberta e
desprovida de barreiras a novos negócios, que devem ser o mais possível
concorrenciais, ou seja, com a defesa efetiva da competição pelas autoridades
governamentais encarregadas institucionalmente do setor, a ausência quase
completa de cartéis e oligopólios setoriais e um mercado de capitais amplo e de
fácil acesso. Infelizmente, o Brasil conhece diversos oligopólios setoriais e o
ambiente de negócios é próximo do horroroso, se considerarmos a estrutura
tributária, não apenas extremamente pesada, mas sobretudo ineficiente e
altamente burocratizada. Conhecendo-se as tendências predominantes no Estado
brasileiro, parece pouco provável que esse ambiente venha a mudar
substancialmente no futuro previsível. Ao contrário, ele vem sendo agravado
pelo pouco discreto apoio governamental a grandes corporações, comprometendo o
equilíbrio do BNDES e o próprio perfil da dívida pública administrada pelo
Tesouro, sem mencionar as enormes transferências feitas em favor da Petrobras e
do Banco do Brasil, empresas perfeitamente capazes de se abastecer no mercado
comercial de financiamento a custos inclusive menores do que o próprio governo.
A concentração do setor bancário em poucos grandes oligopólios é notória no
Brasil, assim como é conhecida a enorme concentração dos créditos em poucas
instituições públicas, o que contribui ainda mais para o aumento de juros.
3) Capacidade institucional
Uma governança eficiente significa, em princípio, a remoção de incertezas
políticas e a mudança no quadro de instabilidade legal, que desestimulam os
investimentos e prejudicam o crescimento. O Brasil conhece, indubitavelmente,
uma situação de democracia estável, ainda que caracterizada por sua baixa
qualidade institucional, com comportamentos rentistas inaceitáveis por parte de
políticos e de altos burocratas do Estado. A capacitação institucional de
muitos quadros da burocracia pública apresenta deficiências preocupantes.
Determinados serviços públicos apresentam uma situação deplorável de
ineficiências e desvio de funções. O mau funcionamento da justiça, por exemplo,
é responsável pelo agravamento dos custos de transação e sua decorrência em
termos de perdas no PIB potencial. A situação é tanto mais preocupante que o
Brasil, no contexto dos países em desenvolvimento – e aqui cabe reconhecer o
legado da era militar –, havia conseguido construir um Estado relativamente
eficiente, dotado de uma burocracia bem organizada e “produtiva” (para os
padrões desses países). Não é preciso ser um especialista em gestão pública
para reconhecer que a capacidade indutora do Estado em diversas áreas deixa
muito a desejar, mas ainda assim SPG confia em que ele pode fazer melhor do que
o mercado na alocação de recursos e nas decisões quanto a investimentos. Para
que o Estado brasileiro cumpra ainda mais tarefas, como provavelmente pretende
SPG, seria preciso que ele extraísse ainda mais recursos na sociedade, o que o
converteria, de uma anomalia – o que ele efetivamente já é, com uma carga
fiscal superior a qualquer outro país dessa faixa de renda – em uma verdadeira
bizarrice na economia mundial.
4) Qualidade dos recursos humanos
A qualidade da mão-de-obra, como sabem todos os economistas, é essencial
para ganhos de produtividade. No Brasil, existe uma boa capacitação científica
e gerencial, mas o ambiente legal deixa muito a desejar. A despeito do maior
acesso educacional nos últimos dez anos, continuam a existir muitas diferenças
regionais e sociais nos resultados de desempenhos exibidos nos diferentes
ciclos da educação pública. Não é preciso lembrar que estamos muito atrasados
na educação de massa e que a universalização foi seguida da baixa qualidade nos
padrões. O Brasil tem desafios imensos nessa frente, uma vez que nossa
mão-de-obra ostenta poucos anos de estudo – cerca de 6 anos, em média,
comparados aos 11 anos, ou mais, em países dinâmicos – e os resultados dos
exames internacionais de desempenho escolar nos colocam nos últimos lugares da
lista. Nossa educação pública é calamitosa! Ela não será aperfeiçoada pela obrigatoriedade
do ensino de estudos afrobrasileiros e de espanhol no primário e de sociologia
e filosofia nos cursos médios, em detrimento de uma concentração necessária no
estudo da língua pátria, de matemáticas e ciências elementares, os três
componentes responsáveis por nossa catastrófica colocação nos últimos lugares
dos exercícios internacionais de avaliação escolar. A situação não será
resolvida apenas com a alocação de maiores recursos para o setor, e sim
mediante a avaliação constante dos alunos e dos professores em função de um
sistema baseado no mérito individual, inclusive para o quesito remuneração dos
mestres.
5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos
diretos estrangeiros
Como sabem também os economistas, o desempenho econômico de um país – isto
é, os seus ganhos de produtividade – responde rapidamente ao maior incremento
tecnológico de sua base produtiva e a uma maior inserção no intercâmbio global
de mercadorias. Nesse particular, os progressos nessas áreas têm sido muito
lentos, com a persistência de baixa inserção internacional no comércio de
produtos mais demandados no mercado mundial. Atraimos poucos investimentos
relativamente ao tamanho de nossa economia, realizamos, basicamente, exportação
competitiva de commodities – e,
futuramente, energia renovável – mas somos fracos nas manufaturas mais
dinâmicas. Não é segredo para ninguém que os economistas mais identificados com
as concepções desenvolvimentistas defendidas por SPG também são os mais
consistentes defensores de políticas protecionistas no plano comercial e
adeptas dos chamados “espaços de políticas nacionais”, pelas quais os
investimentos estrangeiros seriam estritamente controlados e impedidos de serem
aplicados em áreas ditas “estratégicas” do ponto de vista do interesse
nacional. Se tais políticas representassem uma garantia de sucesso e de avanço
econômico, os países da América Latina, que mais consistentemente as aplicaram
durante décadas, seriam hoje potências econômicas e grandes comerciantes
globais, não o fracasso que foram em termos de perdas de espaço no comércio
internacional – invertendo a posição com países asiáticos que eram bem mais
pobres quatro décadas atrás – e de inflação renitente e crises fiscais e de
balanço de pagamentos.
Infelizmente,
o texto de SPG não trata em nenhum momento dos requisitos indispensáveis ao
crescimento econômico sustentado do Brasil, assim como ele passa absolutamente
ao largo das reformas que seriam necessárias para promover um ambiente mais
favorável a esse crescimento. Dentre essas reformas, as quais permaneceram
totalmente dormentes nos últimos oito anos, podem ser citadas as seguintes: (a)
tributária (reconhecidamente difícil, por causa da
organização federativa); (b) educacional (até aqui obstaculizada pelas
corporações sindicais existentes); (c) previdenciária (que se choca com
privilégios remanescentes no setor público); (d) trabalhista (uma das mais
difíceis, dado que o Brasil se converteu praticamente em uma “república
sindical”); (e) administrativa e política, ou reforma da governança (ainda mais
difícil que as precedentes, em vista do perfil deformado da representação
política no atual sistema representativo e eleitoral brasileiro). Não menos
importante seria a reforma do Judiciário, em especial nos códigos processuais,
fator responsável por perdas inaceitáveis nas interações do setor privado e
deste com a esfera pública.
Estas são as tarefas, certamente
complexas, que compõem uma agenda mínima de reformas macro e microestruturais,
sem as quais o Brasil dificilmente terá condições de crescer mais de 5% ao ano.
Cabe ver como os próximos dirigentes do Brasil – ou seja, o presidente e sua
equipe econômica e política – enfrentarão esses desafios a partir de 2011, uma
vez que essas reformas ficaram congeladas até aqui. Se o Brasil quiser crescer
a taxas mais vigorosas do que aquelas conhecidas nas duas últimas décadas – que
ficaram bem abaixo de suas médias históricas anteriores e bem abaixo da média
mundial, com exceção do período recente, que foram anos de crise econômica
mundial –, quaisquer que sejam essas taxas, não poderá contornar essas
reformas. Talvez não todas ao mesmo tempo, nem todas elas, mas algumas são
absolutamente indispensáveis para aumentar suas taxas de poupança e de
investimento produtivo e, portanto, seu ritmo de desenvolvimento.
Shanghai-Beijing,
20-27 de junho de 2010.
Resumo: Comentários
a texto de Samuel Pinheiro Guimarães sobre a necessidade de o Brasil crescer a
7% como forma de superar o subdesenvolvimento e de aproximar a renda per capita
dos níveis registrados nos EUA. Críticas tópicas das inconsistências econômicas
do artigo, manifestadas nas preferências de políticas setoriais, entre elas a
leniência com o fenômeno inflacionário, evidenciando lacunas dos argumentos expostos
(mais políticos do que econômicos) e indicando, como contraponto, os requisitos
do crescimento e as reformas indispensáveis a tal efeito.
Palavras-chave: Crescimento econômico. Políticas
macroeconômicas. Inflação. Reformas.