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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Junto com o populismo econômico, vem também o populismo ambiental? - Ana Carolina Amaral (FSP)

 Lançada para europeu ver, gestão ambiental de Lula promete hesitação Brasil adentro

Uso da pauta climática para protagonismo internacional implicará a petista uma compra de brigas políticas em casa

FSP, 28.dez.2022 às 23h15
Ana Carolina Amaral

SÃO PAULO - A hesitação de Lula sobre a nomeação para o comando do Ministério do Meio Ambiente fala mais alto sobre os desafios ambientais do país no próximo ano do que o discurso feito na COP27 do clima da ONU, no Egito, quando o presidente eleito anunciou ao mundo que priorizaria a pauta climática em seu governo.

Enquanto garantiu o controle de pastas fundamentais para sua gestão, como foi o caso do Desenvolvimento Social, Lula cogitou acomodar no Meio Ambiente uma aliada sem trajetória na área —Simone Tebet, agora indicada para o Planejamento. Comum na política, porém recente em órgãos ambientais, a oferta está na origem da precarização da agenda e da abertura das boiadas.

Foi esse tipo de jogada política que criou o antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O advogado então filiado ao PP estreou na área ambiental como secretário estadual de meio ambiente de São Paulo, em 2016. Ele foi nomeado pelo governador Geraldo Alckmin uma semana após o Progressistas ter aderido ao candidato do PSDB, João Doria, na campanha pela prefeitura da capital.

"Para conter as taxas de desmatamento, uma pessoa com uma forte agenda ambiental e com determinação deve liderar o Ministério do Meio Ambiente", afirmou à Folha a eurodeputada Anna Cavazzini.

Vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu, ela defende a renegociação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul para fortalecer as garantias ambientais.

Cavazzini aguarda sinais de implementação da política ambiental no Brasil. Para além de recuperar o que foi desmontado sob Bolsonaro, ela cita a preocupação com a liberação de pesticidas agrícolas —algo que o bloco europeu busca banir.

O uso da pauta climática como trampolim para o protagonismo internacional implicará a Lula comprar brigas políticas dentro de casa —e evitar rifar órgãos ambientais.

"Vou fazer tudo. O Meio Ambiente depende da Agricultura e a Agricultura depende do Meio Ambiente, então pode ficar tranquila", Lula se limitou a dizer à Folha, ainda nos corredores da COP27, quando questionado sobre como equacionaria o comando das duas pastas.

Se Lula quer que o mundo acredite no discurso levado à COP27 —quando afirmou que a produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado— seu governo precisará assumir a aposta diante de aliados políticos. Porém, boa parte deles tem prioridades antiambientais.

De acordo com o índice do Instituto Democracia e Sustentabilidade, a bancada antiambiental pode ter 61% dos votos da Câmara dos Deputados, considerando aqui os partidos que votaram contra a proteção ambiental em pelo menos três quartos das matérias na última legislatura.

Ao mirar 2023, a gestão Lula ainda terá o desafio de aproximar o discurso diplomático —feito "para europeu ver"— das prioridades dos brasileiros.

Isso significa ir além da reversão do patamar de desmatamento da Amazônia, cujas taxas são acompanhadas pelo mundo todo, afinal indicam qual será a capacidade planetária de conter o aquecimento global.

Brasil adentro, o desafio é outro: a adaptação às mudanças climáticas. Aqui já se sente na pele os efeitos do eventos climáticos extremos nas cidades, nas florestas e no campo. Segundo pesquisa do ITS/Ipec publicada em março, 75% dos brasileiros afirmam que o aquecimento global pode prejudicar suas famílias.

Nas cidades de todo o país, as chuvas intensas e as inundações ameaçam diretamente a vida das pessoas, enquanto o agronegócio perde safras por extremos climáticos como chuvas excessivas ou secas prolongadas. De 2020 para 2021, as indenizações pagas no seguro rural aos produtores brasileiros aumentaram 94%, segundo dados da CNSeg, a Confederação Nacional de Seguros.

A água é termômetro das crises ambiental e climática. Impactada por diversos vetores, como desmatamento, pesticidas, garimpo e uso industrial, a desregulação dos regimes hidrológicos implica em desabastecimento hídrico e de energia elétrica, com efeitos em cadeia para a economia e toda a vida do país.

Berço das águas, o cerrado, que abriga nascentes de 8 das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras, sofre desmatamento acelerado. Só neste ano foram mais de 10 mil km2, segundo o Prodes/Inpe.

Apesar do potencial de garantir resiliência climática ao país —uma condicionante inexorável do desenvolvimento em tempos de crise do clima—, o destino do bioma está ameaçado pelo avanço descontrolado de monoculturas voltadas à exportação, como soja e milho, principalmente na região do Matopiba, entre as fronteiras dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

No oeste baiano, um estudo do Imaterra mostrou que o governo estadual tem concedido licenças irregulares ao agronegócio para desmatamento até mesmo em áreas protegidas por lei, em uma configuração de política de Estado. Há oito anos, a Bahia é governada por Rui Costa (PT), futuro ministro da Casa Civil de Lula.

Para tocar uma nova governança ambiental em 2023, o governo eleito precisará reposicionar politicamente os limites ambientais. Em vez de figurarem em um polo da dicotomia que opõe a proteção ambiental ao desenvolvimento, as condicionantes ambientais precisam entrar como denominador comum na equação das pressões econômicas, políticas e internacionais.

O próximo ano é crucial para definir a capacidade de o país fazer uma guinada rumo a um desenvolvimento resiliente ao clima, que só será possível se o país cumprir a meta do Acordo de Paris de zerar o desmatamento até o fim da década. Com prazos ambientais cada vez mais curtos, sobra ao Brasil pouco tempo entre a hesitação e o êxito.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

sábado, 26 de março de 2022

Desgoverno miliciano: O presente de R$ 167 bilhões para abrir na eleição - Jaqueline Mendes (IstoÉ Dinheiro)

O presente de R$ 167 bilhões para abrir na eleição

 

Ano eleitoral é sempre o período em que o mandatário da nação precisa preparar o caminho para o pleito de outubro. Com medidas requentadas e desviando de uso de dinheiro público, Guedes anuncia um pacote para tentar turbinar Bolsonaro.

ÚLTIMO LIBERAL Paulo Guedes quer reforçar agenda liberal ao tentar estimular a economia sem usar dinheiro público. 

 

Jaqueline Mendes

ISTOÉ DINHEIRO, 25/03/22

 

Depois de três anos de hibernação na economia, o surto populista do presidente Jair Bolsonaro (PL) está a pleno vapor. Às vésperas do início oficial da corrida eleitoral pela presidência, o governo anunciou, na sexta-feira (18), um pacote de bondades para reaquecer a atividade econômica e, ao mesmo tempo, tentar reverter à desvantagem do atual chefe do Executivo até as eleições de outubro. A ofensiva, no entanto, se utiliza de medidas antigas e o pacote elaborado por Guedes para o presidente abrir em outubro pode deixar a desejar, a depender do andamento de outros indicadores macroeconômicos.

 

Mas o “presente” de Guedes foi uma reação, e se deu logo após o Banco Central aumentar a taxa básica de juros (Selic) de 10,75% para 11,75% ao ano, o patamar mais elevado desde abril de 2017. Com a escalada dos juros, a economia tende a se contrair. Para tentar amortecer esse movimento, a decisão foi dar sinal verde a saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a antecipação do 13º dos aposentados.

 

As mesmas propostas já haviam sido adotadas pelo governo durante a pandemia e pelos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer. A equipe econômica também endossou medidas de estímulo à oferta de crédito para microempreendedores e empréstimos consignados para aposentados e beneficiários de programas assistenciais, como Benefício de Prestação Continuada (BPC), Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e Auxílio Brasil. Nos cálculos do governo, serão injetados na economia recursos na ordem dos R$ 167 bilhões.

 

Para quem olha de fora, o afago econômico de Bolsonaro é uma tentativa de virar o jogo nas pesquisas de intenção de voto, que mostram o ex-presidente Lula à frente com 43%, contra 29% do Messias. Na avaliação de Ricardo Ismael, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), as movimentações recentes estão vinculadas à tentativa do chefe do Executivo de reduzir a rejeição e pavimentar a disputa à reeleição. Para ele, o pacote de ajuda às indústrias, o incentivo a moradias, a liberação do FGTS para quitação de dívidas, entre outras medidas, tem repercussão positiva e impacto, mas Bolsonaro acumula rejeição de forma geral e coleciona uma série de problemas. Ismael avalia que o pacote pode ajudar a tentar reduzir um pouco a rejeição em certos grupos e ajuda na tentativa de ir ao segundo turno, mas há poucas chances de reverter a rejeição acumulada ao longo tempo de maneira a vencer no segundo turno.


PRONTOS PARA SACAR Liberação do resgate do FGTS anunciada pelo governo não é medida nova, mas injeta dinheiro na economia. 

 

Apesar da injeção bilionária à economia, ainda há dúvidas se o montante será concretizado. Os R$ 77 bilhões referentes ao crédito consignado, quase metade do valor do pacote, não estão garantidos porque dependerá dos bancos públicos e privados. Com desemprego elevado e aumento do endividamento, economistas temem uma disparada da inadimplência. “Os juros altos, a inflação fora de controle e o achatamento do poder de compra das famílias, os bancos não vão se expor demais a riscos”, disse o economista Ricardo Bonatelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Hoje, 76,6% das famílias, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), estão endividadas ou sem poder captar novos empréstimos.

 

NOME SUJO Para seduzir essa parcela da população, em especial os com o CPF negativado nas instituições de proteção de crédito, Guedes, e o ministro do Trabalho e Previdência (MTP), Onyx Lorenzoni, anunciaram que a proposta inclui oferecer crédito até para negativados e a ampliação do comprometimento da renda, de 35% para 40% com juros baixos. “A medida funciona como uma alternativa para famílias evitarem agiotas, que cobram juros de 10%, 15% ou 20% ao mês.”

 

Na mesma ocasião, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, afirmou que a nova modalidade de microcrédito do banco, com taxas de 1,99% ao mês, foi inspirada no Grameen Bank, concebido pelo bengalês Muhammad Yunus, Nobel da Paz de 2006. O executivo garantiu que, no atual ritmo de crescimento do banco estatal na liberação de crédito, a Caixa deverá ultrapassar o Banco do Brasil em dois anos. Um outro pacote, segundo integrantes da equipe econômica, está sendo elaborado e pode ser divulgado nas próximas semanas. Entre as iniciativas estão a redução do Imposto de Renda para investidores estrangeiros e um programa voltado a estimular a reciclagem. Até outubro, quando Bolsonaro vai ver se o “presente” de Guedes valeu a pena ou não.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Populismo econômico e estelionato eleitoral - Miriam Leitão (23/02/2021)

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Míriam Leitão - Bolsonaro escancara populismo econômico

- O Globo

A interferência na Petrobras é mais grave do que o mercado refletiu ontem no banho de sangue dos pregões. Ao fim, a Petrobras tinha perdido R$ 98 bilhões em dois dias. Outras estatais também caíram. O que Bolsonaro quer? Ele busca ganhos políticos. Faz demagogia com os caminhoneiros para usá-los politicamente, faz populismo com todos os que sentem no bolso o preço da gasolina ou do diesel, cria um inimigo e ainda manipula o imaginário brasileiro com a frase “o petróleo é nosso”. São estratégias conhecidas.

A ditadura chilena dos anos 1970 usou os caminhoneiros como arma política. A ditadura da Venezuela usou a gasolina barata, o inimigo externo e o nacionalismo para se eternizar. O jogo é conhecido dos candidatos a ditador.

Enquanto isso, para acalmar os investidores locais e internacionais, a equipe econômica tenta usar uma arma de destruição em massa de princípios da Constituição. A proposta é aprovar uma PEC como condição para dar o auxílio emergencial. Pela versão divulgada ontem ela elimina todas as vinculações constitucionais para saúde e educação. Veja-se este ponto que parece incompreensível. “Revogar o caput e os §§ 1º e 2º do art. 212 da Constituição.” Isso mata o Fundeb. Simples assim. E está lá como se fosse inofensivo no item quarto do artigo quarto da PEC. Todo o esforço brasileiro de criar um fundo de valorização do ensino básico, que foi debatido intensamente no ano passado, seria apagado com uma penada. Ora, senhores da equipe econômica, na democracia uma mudança dessa profundidade não pode ser feita na chantagem da necessidade de um auxílio emergencial, nem no afogadilho de uma votação marcada para daqui a dois dias.

Mas há outras encrencas nas últimas decisões de Bolsonaro que vão bater no bolso do contribuinte. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 14) qualquer aumento de subsídio tem que ser compensado com elevação de imposto. Não basta cortar uma despesa. Está na lei que a compensação tem que ser: “aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributos.” Então aqueles R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões a mais de gasto pela redução dos tributos do diesel e do gás de cozinha terão que ser compensados com novo imposto. E mais. Pela Lei das Estatais, se qualquer estatal tiver prejuízo por uma medida tomada pelo governo, o Tesouro terá que compensar a empresa. Se a Petrobras tiver perdas de caixa com uma nova política de preços o Tesouro terá que compensá-la. No fim, quem pagará a conta do populismo econômico de Bolsonaro é o contribuinte.

Trocar presidente de estatal é natural. Passar por cima de leis, normas e estatutos e ainda acusar o que sai de “jogar contra o país” não é natural. A ironia é que Roberto Castello Branco fez parte do trio inicial do programa econômico do candidato Jair Bolsonaro. Era Paulo Guedes, ele e Rubem Novaes, ex-Banco do Brasil. Castello Branco entregou exatamente o que foi pedido a ele. Isso é que deixou economistas do mercado perplexos:

— Se Bolsonaro fizer metade do que ele falou nos últimos dias, o risco fiscal vai aumentar e o BC será forçado a subir juros em março pela confusão causada pelo presidente da República — avaliou um economista que influencia muita gente no mercado.

O consumidor está bravo porque o combustível subiu muito este ano. Gasolina 34%, e diesel, 27%. Mas no passado, com a pandemia, houve queda de 13% no diesel e redução de 4% na gasolina. Em parte, os preços estão subindo agora por causa do câmbio. O real é uma das moedas que mais perdem valor diante do dólar e isso é resultado direto das crises criadas pelo próprio presidente. O dólar sobe e bate em diversos preços que batem no bolso dos consumidores. Veja-se o caso da energia de Itaipu até agora presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, que vai para a Petrobras. A energia de Itaipu subiu entre 35% e 40%. Ela é corrigida pelo dólar. O assunto não gerou polêmica porque Itaipu reajusta os preços automaticamente, a distribuidora repassa para o consumidor, que culpa a concessionária. A Itaipu do general Luna subiu seus preços pela mesma lógica que Castello Branco.

Bolsonaro desde o início sabotou o projeto liberal que vendeu na eleição. Agora foi além no estelionato. Ele escancarou seu populismo econômico, um caminho que sempre termina em crise.