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terça-feira, 8 de outubro de 2019
China: mini-reflexão sobre um caso de sucesso - Paulo Roberto de Almeida
A China vem da mais antiga tradição cultural de toda s trajetória humana sobre a Terra, mais ou menos em paralelo com a tradição judaica, que se preservou em sua essência, mas que nunca teve continuidade territorial, política e econômica, por ser um pequeno povo, sem pretensões ecumênicas, logo derrotado e disperso no mundo por um grande império. Mas, proporcionalmente, o povo judeu foi o que mais contribuiu para os avanços culturais da Humanidade, ainda que em ordem dispersa e não organizada institucionalmente, como a China, o antigo despotismo hidráulico de que falava Karl Wittfogel.
Ela esteve na vanguarda do mundo, sem pretensões universalistas, durante muitos séculos, mas por causa de um faux-pas de um imperador da dinastia Qing, ela se descolou do resto do mundo, e falhou na passagem a uma civilização industrial, que ela só alcançou no pós-maoísmo, o mais demencial episódio de desgoverno de sua história, e depois de quase dois séculos de decadência e de humilhações ocidentais.
Graças a um modesto imperador, Deng Xiaoping, ela ressurgiu para o mundo e sobretudo para si mesma, ainda que conservando traços de autocracia, que sempre foi a sua forma de governo habitual.
O mais importante, para o resto da humanidade, é que ela desempenha um papel eminentemente positivo no plano econômico, ao impulsionar o crescimento de outros países, e no plano dos progressos sociais. Ela já é a locomotiva econômica do mundo, a promotora da globalização e da interdependência.
Eu costumo dizer que, depois do grande conflito global (e ideológico) dos anos 1947-1991, que foi a Guerra Fria geopolítica EUA-URSS, estamos assistindo hoje (mas isso vem desde o final dos anos 1990, justamente) a uma Guerra Fria geoeconômica, mas que a China já venceu, inclusive por erros primários dos EUA, que de forma paranoica elegeram a China como adversária, e não como parceira, como deveria ser, não apenas com vantagens mútuas, mas em benefício de toda a humanidade. Em 2025, os chineses terão realizado o seu projeto Made in China — que não é nacionalismo tacanho, e sim liderança tecnológica, encerrando a fase de pirataria, contrafação e simples cópia— e estarão na liderança dos progressos tecnológicos mundiais.
Serão uma democracia? Provavelmente não, mas isso não tem importância para o resto da humanidade, pois a China não pretende impor a ninguém, a nenhum país, o seu modelo político, que pode ser uma espécie de “despotismo esclarecido”, em todo caso baseado na globalização, no livre comércio e na interdependência ativa, de que é exemplo o BRI, a maior iniciativa de infraestrutura de toda a história da humanidade. A China faz o mundo se tornar verdadeiramente global.
Pena que o outro grande império da atualidade, os EUA, tenham retrocedido tanto no caminho da civilidade política e dos progressos culturais, e estejam hoje sob a administração caótica de um déspota ignorante (bem mais do que isso: estúpido e megalomaníaco), e tenham elegido a China — sob a influência arrogante dos paranoicos do Pentágono—como “inimiga”, em lugar de parceira, no grande empreendimento globalizador — e GLOBALISTA —que seria benéfico para toda a humanidade. Espero que os eleitores americanos recomponham uma administração racional dentro em breve.
Pena que a Europa ocidental, esse grande cadinho cultural civilizatório, permaneça ainda um mosaico de povos e de culturas, sem grandes condições de liderar um projeto globalista democrático. E pena também que a Rússia tenha retornado ao seu padrão autocrático neoczarista, um império com pés de barro e sem as tradições humanistas da ponta ocidental da Eurásia.
Também é uma pena que o Brasil e a América Latina tenham permanecido na letargia dos progressos lentos e descontinuados, por força de elites medíocres e corruptas, que aprofundam seu atraso no plano global. Atualmente o Brasil enfrenta um retrocesso em todos os planos, jamais visto em toda a sua história de 200 como nação independente, sob uma administração mais que ignara, inepta e estúpida, sectária e doentia, próxima de bárbaros desvairados.
Quanto à China, eu espero que Hong Kong resista aos avanços despóticos do novo imperador, e que, em 2047, ela seja bem mais parecida com a pequena ilha de bravos lutadores pela democracia, do que Hong Kong se pareça com a atual administração do continente.
Espero não estar errado em meus prognósticos, que de toda forma não assistirei.
Boas reflexões a todos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de setembro de 2019