Subserviência nunca foi boa conselheira
Embaixador Cesario Melatonio Neto
O presidente norte-americano Joe Biden sugeriu a quebra de patentes das empresas farmacêuticas que produzem as vacinas contra o novo coronavírus.
A medida foi saudada por cerca de uma centena de países, mas não pelo Brasil. O Brasil já foi mais lúcido, ousado e civilizado em outros tempos, como o da ação do então ministro da saúde, José Serra, para quebrar patentes de medicamentos de combate ao HIV.
O mundo médico e científico-acadêmico foi unânime em reconhecer a importância dessa política sanitária para a sobrevivência dos afetados pelo vírus da AIDS.
Há muitos acadêmicos hoje que estudam a questão da propriedade intelectual e suas consequências para o bem-estar dos cidadãos que vivem no sistema do capitalismo moderno.
É urgente uma renúncia, em caráter emergencial, das regras de propriedade intelectual da organização Mundial do Comércio (OMC).
As corporações farmacêuticas estão concentradas em seus lucros e menos na saúde global, com uma tática de preservar o máximo poder no mercado, com o objetivo de maximizar os benefícios financeiros.
Apenas os governos podem intervir na solução do problema para salvar milhões de vidas. Dezoito farmacêuticas acumularam 588 milhões de dólares de lucro, entre 2009 e 2018. No período, essas empresas recompensaram seus acionistas com 92% sobre os benefícios acumulados. As empresas farmacêuticas poderiam reinvestir mais os lucros em pesquisa e inovação, mesmo que haja diminuição na distribuição de dividendos.
A escassez de vacinas contra o novo coronavírus, em muitos continentes, é consequência dos esforços de laboratórios de porte para preservar seu controle e os lucros.
O Brasil pode estar na contramão da história ao opor-se à mencionada quebra das patentes das vacinas anticovid-19.
Essa subserviência a interesses inconfessáveis pode ser má conselheira e isolar ainda mais o nosso país no panorama mundial. A diplomacia brasileira sempre se caracterizou pela solidariedade com as nações mais pobres e granjeou respeito e credibilidade por essa postura.
Uma revisão dessa postura, contrária aos interesses nacionais, se impõe até mesmo pelo isolamento internacional acarretado pela submissão às empresas farmacêuticas.
Em oposição, no caso da quebra de patentes, a três membros do BRICS (China, Índia e África do Sul), enfraquecemos a unidade do grupo e ainda abrimos confronto com Moscou no caso da vacina russa.
A proteção abusiva e exagerada aos monopólios farmacêuticos demonstra uma passividade ou subserviência diante de extorsões indecentes.
Uma das maiores conquistas dos laboratórios foi o Acordo Internacional sobre a propriedade intelectual na Organização Mundial do Comércio. Com este mecanismo as potentes as patentes de remédios conseguiram a proteção dos mecanismos de solução de controvérsias da OMC e de seus dispositivos de retaliação.
Esse acordo TRIPs denota uma pequena referência insignificante do proprietário das patentes com relação à sociedade, dando ênfase à proteção dos direitos empresariais. Algumas patentes, por exemplo, podem ter vigência por cerca de três décadas.
A pandemia demonstrou a fragilidade e dependência tecnológicas da indústria brasileira de vacinas.
Será que a missão a cumprir, ou cumprida, pelo governo federal é a defesa dos lucros das empresas farmacêuticas, ou a proteção sanitária dos cidadãos brasileiros?
Donald Trump já deixou a casa Branca e Joe Biden se posicionou, neste tema, contra a postura do antigo mandatário.
Errar é humano, mas insistir no erro parece inaceitável. Até o governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, repito, juntou-se no início do mês a países em desenvolvimento, como Índia e África do Sul para solicitar uma quebra temporária de patentes para vacinas contra a Covid-19, na esperança de que essa medida aumente a produção e permita uma distribuição mais justa em todo o mundo.
Em 21 do mês corrente, em Roma, na Cúpula Global de Saúde, este assunto voltou a ser debatido em um dos principais eventos deste ano para coordenar ações globais contra a pandemia.
A China já anunciou o apoio à quebra da patente das vacinas contra covid-19. Com isso, muitos países pobres e menos desenvolvidos poderão ter acesso e sua população vacinar-se com mais facilidade.
Este é mais um gesto histórico em direção da suspensão dessas patentes. Durante a pior pandemia em 100 anos, o Itamaraty foi usado como instrumento de promoção ideológica abandonando os esforços internacionais para combater o novo coronavírus e enfraquecendo uma resposta global à pandemia.
Chegou a hora de rever esta hesitação em fazer parte da coalizão internacional por vacinas e deixar de lado medidas deliberadas para pôr a política e a ideologia acima da saúde pública.