O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Transformacoes da ordem economica mundial do seculo 19 a Segunda Guerra - Paulo Roberto de Almeida

Um artigo meu promovido no Twitter da RBPI:

Revista Brasileira de Política Internacional

On-line version ISSN 1983-3121

Rev. bras. polít. int. vol.58 no.1 Brasília Jan./June 2015

http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201500107 

ARTIGOS
Changes in the world economic order, from the end of the 19th century up to the Second World War
Paulo Roberto de Almeida *  
*Ministério das Relações Exteriores, Brasília, DF, Brasil (pralmeida@me.com)
Ensaio de caráter histórico sobre as grandes mudanças ocorridas na economia mundial, da belle époque a Bretton Woods, enfatizando elementos de continuidade e de ruptura, tanto no plano do comércio, como no das finanças internacionais, bem como aspectos institucionais. Dentre os primeiros elementos se situam a permanência de um mesmo grupo de nações de economia avançada no pelotão das potências dominantes que formulam e determinam a agenda política internacional, bem como a importância do poderio tecnológico e industrial para apoiar a projeção estratégica e militar dessas potências; dentre as rupturas podem ser citadas a derrota dos emergentes, em especial Japão e Alemanha, que desafiaram a ordem política e econômica mundial mediante tentativas de projeção imperial que destoavam dos esforços de interdependência global que estavam sendo construídos pelas principais economias de mercado, todas de orientação política liberal democrática. A outra potência emergente no período, a União Soviética, foi relativamente marginal economicamente no período e só projetaria poder, verdadeiramente, no final da Segunda Guerra Mundial.
Palavras-Chave: comércio mundial; entre-guerras; finanças internacionais; guerras globais; mudanças estruturais; ordem econômica internacional
Historical essay dealing with the relevant changes in the world economy, from the belle époque to Bretton Woods, emphasizing elements of continuity and its ruptures and discontinuities, in trade, finance as well as in institutional aspects. Among the continuities, appears the resilience of a core group of advanced economies, which is able to draft and define the international policy agenda, and the importance of the industrial and technological capabilities to support any exercise of strategic and military projection by those big powers; among the discontinuities is the failure of some emerging powers, namely Germany and Japan, in their challenging of this world order by means of an imperial-like power projection outside of the core group of market economies aiming to create a global interdependence based on democratic and liberal principles. Another emerging power during that period, Soviet Union, was essentially economically irrelevant and was not able to project its own power before the end of the World War II.
Key words: international trade; inter-war period; world finance; global wars; structural changes; world economic order

Grandes tendências da economia mundial, de 1890 a 1944
A economia mundial, no meio século que vai do final do século 19 a meados do século 20, se apresentava como um sistema não muito bem articulado de economias nacionais e de dependências coloniais ou semicoloniais, interligadas por intercâmbios voluntários ou compulsórios de bens, serviços, capitais, mão de obra e tecnologia; elas o faziam num contexto de crescentes assimetrias estruturais entre as nações do capitalismo avançado e entre essas e seus territórios coloniais, nações semicoloniais ou países dependentes. Os elementos estruturais de divergência são provavelmente mais relevantes do que aqueles de continuidade, entre o começo e o final do período, mas, no plano geopolítico, o mundo não deve ter se alterado tão radicalmente nesse período de pouco mais de meio século.
No plano estritamente econômico, o mundo passou por fases caracteriza damente distintas ao longo do período: saltos tecnológicos, representados pelos grandes avanços da segunda revolução industrial; mudanças dramáticas nos sistemas monetários nacionais, a partir de violentas crises financeiras, de surtos violentos de inflação em diversos países, com ruptura dos regimes monetários e cambiais, a começar pelo do padrão ouro; fases de crescimento sustentado, seguidas por conjunturas de estagnação; surtos de liberalização setorial, alternando com impulsos de protecionismo comercial; incorporação de novos atores econômicos, com preservação de velhas desigualdades estruturais; fases de fechamento e de abertura aos movimentos de pessoas e aos fluxos de capitais; redistribuição dos fluxos de renda em direção de novos centros de acumulação e confirmação de antigos mecanismos de concentração e de acumulação; enfim, uma gama variada de tendências estruturais, de rupturas conjunturais e de ciclos econômicos tão diversos quanto os processos políticos que marcaram esse século ao mesmo tempo exemplarmente criador, no plano das ciências e das técnicas, mas também extremamente destruidor em termos de vidas humanas e padrões civilizatórios.
(...)

domingo, 1 de janeiro de 2017

Deirdre McCloskey contesta solucoes de liberais para a liberalizacao economica - entrevista

 Interview  DeirdreMcCloskey
The wrong anti poverty recipes of the left according to Deirdre McCloskey
Monica Straniero


Economist Deirdre McCloskey challenges the theories of liberal pundits such as Stiglitz and Piketty and takes a swipe at foreign aid and universal basic income.

The liberal solutions to fight inequality and poverty reuduction championed by liberal economists are wrong. Deirdre McCloskey explains why to Vita International.
Joseph Stiglitz pronounced the “experiment” of the “market economy” over the past 30 years a failure. Is it true?
No, unless you think a doubling of world real incomes per head, a sharp rise in literacy and life expectancy, a dramatic improvement in access to drinking water, and on and on, all from liberal markets, is a "failure." Joe is a nice fellow, but believes that income comes from consuming more instead of producing more, and that restricting employment will raise the demand for workers, and that "struggle" is what explains rising real wages, and all manner of other fairy tales from the political left. The biggest "experiments" have been in China and India, which moved away from the policies Joe favors---slow, or fast, socialism---towards a market economy.
Even in the old countries, when the governments have not crushed market-tested betterment with regulation ("not": Ireland, Switzerland, the UK, the USA; but "crushing": Italy, France, Greece), real incomes measured to include quality improvements have risen. The longer "experiment"---Joe is a short-run sort of economist---is the new liberalism of Europe and its offshoots and then its imitators after 1800. Moving away from guilds and protectionism and mercantilist tales of aggregate demand arising from money flows raised the incomes of the poorest people in the countries that made the move by 3,000 percent. Not 300 percent, my dear students, but a factor of 30, near three thousand percent over the base in 1800. Thus Italy. Some "failure."
You say economists such as Thomas Piketty and politicians such as Bernie Sanders have been stressing the dangers of economic inequality. What do you argue?



Deirdre McCloskey vs Piketty
I argue that, for one thing, important inequality has not increased. Equality of basic goods, such as housing and food and medical care and education, is much greater in Italy, say, than it was in 1960. For another, why would one care that Liliane Bettencourt, the richest woman in the world and one of Piketty's black beasts, has an absurdly large number of chateaux and yachts? I am sure that I don't. Only a silly and sinful envy would make one care. Her riches made no one poorer. For still another, Piketty and Sanders do not include the main capital in the modern world, human capital. They imagine we still live in 1848, the year of the Communist Manifesto, when indeed labor was uneducated and the bosses 
had all the land and factories. Now the significant factories are mainly inside your head and mine. We own them. For another, inheritance is a very small factor even in financial-asset inequality. For another, policies introduced to stop inequality routinely work to increase it. The Duke of Westminster just died, the richest man in England. Why so rich? Because restrictions on planning permission in London have made land rents soar---as his name implies, he owned much of the land on which London is built.

However the gap between the rich and the poor keeps widening. Over half of the top 1% of the richest people in the world are from US, UK and Japan, a quarter of the poorest 20% are in India, shows Credit Suisse’s global wealth report. How do you explain it?
No it doesn't keep widening. You need to stop believing everything you read in the newspapers! The gap even inside countries such as Italy or the USA or France was vastly larger in 1800 or 1900 or 1950 than it is now, in terms that matter for people's lives. I explain your figures by pointing out that they are financial capital (bonds and the like), not human capital, which is much more evenly spread. And income earned from physical and human capital, as against wealth, is still more equally spread. And consumption again still more. You and the poor woman down the street can put on only one dress at a time. The significant change is that she now has more than one dress, even though you, shamefully, have thirty. Worldwide even the income gap between rich and poor has radical declined. If you arrange individual incomes in a Gini-coefficient manner, in the past 30 years inequality has declined sharply. Enriching Indians and Chinese explain a good deal of it, but these days even sub-Saharan Africa is growing.
If the problem is poverty, not inequality, how to fight it?



 Yes, the great problems humanity faces are not inequality or environmental decay, despite what you read, or write, in the newspaper. The great problem is poverty. But let's stop using these leftist metaphors of "fighting," s.v.p. Running out into the street and shouting at people, much less kidnapping businessmen and murdering them (listen up, Antonio Negri.), is not how the workers get better off, economically or spiritually. They get better off by living in a better functioning economy. How to get it? As the businessmen or Paris said in 1681 when Colbert asked them what the government could do for them, "Laissez-nous faire." That was the "experiment" of the 19th century, to use Joe's term. Leave ordinary people pretty much alone, let them open shops or enter occupations, and you get gigantic betterment--electric lights, railways, radio, espresso machines, containerization, dropped ceilings, books, newspapers. Or as I put it in my books, what enriched us was the Bourgeois Deal: "Let me, une bourgeoise, start a business bettering some activity, and let me in the first act keep the profits (in the second act the irritating imitators of my success enter and spoil my profits), and in the third act I will make you [voi] better off, gigantically." And it happened, and goes on happening, if we let it.
Can foreign aid reduce poverty?
Foreign aid does not work. Read anything by William Easterly, the American economist who gave out foreign aid for decades at the World Bank. What helps is nothing "we" can do, except encourage foreign governments to stop sitting on top of their citizens and stealing from them and jailing them if they do better business. Liberalism enriches people. Most of the various governmental "programs," of which the Italian people have extensive experience with, result in autostrade to nowhere, so to speak.
Universal Basic Income, UBI, has seen a surge in popularity over the last few years. The basic idea is that people should be able to receive a certain amount of money as a guaranteed source of income. Is it a viable solution to end poverty and inequalities?
A selective, only-to-the-poor minimum income is a fine idea, if we get rid of all the other "programs." Poor people are poor because they are poor. It doesn't end the inequalities that foolishly worry Piketty, but a basic minimum income---not for every Italian, but for those who are struggling, and an minimum income "taxed" gradually as the poor get more income from wages---would eliminate the worst of poverty. I repeat: poverty is the problem, largely solved already in places like Italy and the United States. The problem is not how many Rolexes Liliane Bettencourt has.
Recently, public attention has increasingly focused on the corporate tax dodging as a strategy based on the exploitation of gaps and divergences in tax rules in order to transfer profits to low or no-tax countries. The result? Cuts for essential public programs, from education, to health care, and to clean air and drinking water…
Yes, well, if you provide everything through the government, you are going to worry if the government does not get its taxes. But if the government is "governo ladro," then one can reasonably have another attitude.
I am amazed that all thinking Italians are not members of the liberal Istituto Bruno Leoni. If Italians were Swedish, with a competent and honest state, I would not wonder. But every sentient Italian knows that it is a terrible idea to send more money and power to Rome. Most Americans, especially in a corrupt state like my own Illinois, know the comparable truth. I am in favor of tax competition among countries, because I do not want the government to provide education, health care, clean air, drinking water, roads, and so forth. All these, even clean air, can be provided, with a few moderate taxes on carbon and some exclusively governmental activities such as going after the Mafia, by private firms. Clean water is widely provided worldwide by private companies. Sweden introduced in the 1990s educational vouchers for everybody. Le Autostrade could easily be privatized, with transponders in cars to pay the peak price. And so forth. I cannot weep that Ireland's corporate tax rate is lower than yours, or that of the USA---especially as every competent economist agrees the corporate taxes are double taxation and their incidence (that is, which people actually end up paying them) is utterly unclear, after seventy years of research on the topic.

The Economist discuss the challenges to a Liberal Order

The future of liberalism

How to make sense of 2016

Liberals lost most of the arguments this year. They should not feel defeated so much as invigorated

FOR a certain kind of liberal, 2016 stands as a rebuke. If you believe, as The Economist does, in open economies and open societies, where the free exchange of goods, capital, people and ideas is encouraged and where universal freedoms are protected from state abuse by the rule of law, then this has been a year of setbacks. Not just over Brexit and the election of Donald Trump, but also the tragedy of Syria, abandoned to its suffering, and widespread support—in Hungary, Poland and beyond—for “illiberal democracy”. As globalisation has become a slur, nationalism, and even authoritarianism, have flourished. In Turkey relief at the failure of a coup was overtaken by savage (and popular) reprisals. In the Philippines voters chose a president who not only deployed death squads but bragged about pulling the trigger. All the while Russia, which hacked Western democracy, and China, which just last week set out to taunt America by seizing one of its maritime drones, insist liberalism is merely a cover for Western expansion. 

Faced with this litany, many liberals (of the free-market sort) have lost their nerve. Some have written epitaphs for the liberal order and issued warnings about the threat to democracy. Others argue that, with a timid tweak to immigration law or an extra tariff, life will simply return to normal. That is not good enough. The bitter harvest of 2016 has not suddenly destroyed liberalism’s claim to be the best way to confer dignity and bring about prosperity and equity. Rather than ducking the struggle of ideas, liberals should relish it.

Advertisement

Mill wheels

In the past quarter-century liberalism has had it too easy. Its dominance following Soviet communism’s collapse decayed into laziness and complacency. Amid growing inequality, society’s winners told themselves that they lived in a meritocracy—and that their success was therefore deserved. The experts recruited to help run large parts of the economy marvelled at their own brilliance. But ordinary people often saw wealth as a cover for privilege and expertise as disguised self-interest.

After so long in charge, liberals, of all people, should have seen the backlash coming. As a set of beliefs that emerged at the start of the 19th century to oppose both the despotism of absolute monarchy and the terror of revolution, liberalism warns that uninterrupted power corrupts. Privilege becomes self-perpetuating. Consensus stifles creativity and initiative. In an ever-shifting world, dispute and argument are not just inevitable; they are welcome because they lead to renewal.

What is more, liberals have something to offer societies struggling with change. In the 19th century, as today, old ways were being upended by relentless technological, economic, social and political forces. People yearned for order. The illiberal solution was to install someone with sufficient power to dictate what was best—by slowing change if they were conservative, or smashing authority if they were revolutionary. You can hear echoes of that in calls to “take back control”, as well as in the mouths of autocrats who, summoning an angry nationalism, promise to hold back the cosmopolitan tide.

Liberals came up with a different answer. Rather than being concentrated, power should be dispersed, using the rule of law, political parties and competitive markets. Rather than putting citizens at the service of a mighty, protecting state, liberalism sees individuals as uniquely able to choose what is best for themselves. Rather than running the world through warfare and strife, countries should embrace trade and treaties.

Such ideas have imprinted themselves on the West—and, despite Mr Trump’s flirtation with protectionism, they will probably endure. But only if liberalism can deal with its other problem: the loss of faith in progress. Liberals believe that change is welcome because, on the whole, it is for the better. Sure enough, they can point to how global poverty, life expectancy, opportunity and peace are all improving, even allowing for strife in the Middle East. Indeed, for most people on Earth there has never been a better time to be alive.

Large parts of the West, however, do not see it that way. For them, progress happens mainly to other people. Wealth does not spread itself, new technologies destroy jobs that never come back, an underclass is beyond help or redemption, and other cultures pose a threat—sometimes a violent one.

If it is to thrive, liberalism must have an answer for the pessimists, too. Yet, during those decades in power, liberals’ solutions have been underwhelming. In the 19th century liberal reformers met change with universal education, a vast programme of public works and the first employment rights. Later, citizens got the vote, health care and a safety net. After the second world war, America built a global liberal order, using bodies such as the UN and the IMF to give form to its vision.

Nothing half so ambitious is coming from the West today. That must change. Liberals must explore the avenues that technology and social needs will open up. Power could be devolved from the state to cities, which act as laboratories for fresh policies. Politics might escape sterile partisanship using new forms of local democracy. The labyrinth of taxation and regulation could be rebuilt rationally. Society could transform education and work so that “college” is something you return to over several careers in brand new industries. The possibilities are as yet unimagined, but a liberal system, in which individual creativity, preferences and enterprise have full expression, is more likely to seize them than any other.

The dream of reason

After 2016, is that dream still possible? Some perspective is in order. This newspaper believes that Brexit and a Trump presidency are likely to prove costly and harmful. We are worried about today’s mix of nationalism, corporatism and popular discontent. However, 2016 also represented a demand for change. Never forget liberals’ capacity for reinvention. Do not underestimate the scope for people, including even a Trump administration and post-Brexit Britain, to think and innovate their way out of trouble. The task is to harness that restless urge, while defending the tolerance and open-mindedness that are the foundation stones of a decent, liberal world.

sábado, 31 de dezembro de 2016

Minhas previsoes imprevidentes para 2017 - Paulo Roberto de Almeida


Minhas previsões imprevidentes para 2017: já estou sentindo saudades dos companheiros

Paulo Roberto de Almeida
[Dando continuidade à série, com novas e jocosas previsões impossíveis]


Desde o início do milênio atual, com absoluta constância desde 2003, dei início a esta série que denominei, provocativamente, de “previsões imprevidentes”, ou seja, o contrário daqueles chutes bem informados que todo astrólogo amador, ou profissional, faz a cada final ou começo de ano. A diferença de minhas previsões, em relação a essas afirmações científicas dos adivinhos de plantão, é que as minhas não estão de modo algum destinadas a serem confirmadas pelo carro sempre balouçante da História: ao contrário, elas foram expressamente concebidas para, justamente, não se realizarem.
Devo dizer que desde o início da década passada, eu vinha sendo ajudado – e como! – pelos companheiros e suas políticas tresloucadas: cada vez que eles expunham um programa, uma nova política, uma medida macro ou setorial, eu sempre apostava exatamente o contrário. E pimba!: não hvia nenhuma chance das coisas acontecerem, da forma como eles queriam. Alto lá: corrijo imediatamente: a coisa sempre se desenvolvia de modo totalmente inverso ao pretendido. Os companheiros eram infalíveis nesse jogo.
Confesso que fiquei repentinamente órfão: com o afastamento totalmente injusto dos companheiros do poder, por meio desse golpe aplicado pela direita, pelos tucanos neoliberais, pela grande mídia, pelos capitalistas mancomunados com o perverso imperialismo, pelos banqueiros conspirando com o capital financeiro monopolista internacional – enfim, por todos aqueles que não são companheiros, ou pecedobistas, ou psolistas, ou gramscianos de academia, ou teólogos da libertação, ou saúvas freireanas e pedagogos da conscientização, os que não são progressistas, esquerdistas, modernistas, pós-modernos, partidários do politicamente corretos, enfim, toda essa fauna, que lutou bravamente contra os golpistas organizados por aquele ex-presidente da Câmara, ufa!, retomo –, com esse atentado fundamental contra a democracia companheira fiquei totalmente sem a ajuda dos ditos companheiros na minha elaboração regular, anual, destas previsões imprevidentes. Eu estava ameaçado de ficar agora sem previsões.
Estava até disposto a apoiar um movimento de novas eleições, só para ter um pequeno laivo de esperança no retorno dos companheiros ao poder, especialmente do chefão mafioso, e com isso poder voltar a elaborar minhas previsões com plena certeza de que nunca vou acertar, ou melhor, sabendo que vou acertar errando redondamente (ou quadradamente, como poderia ser o caso em se tratando desse pessoal de apoio).  
Antes, porém, de me debruçar sobre minhas novas previsões imprevidentes e imprevisíveis para o ano da graça de 2017, vamos fazer um pequeno retrospecto. Aliás, que graça tem esse ano que começa? Depois de dois anos de recessão, vamos continuar recuando no poder de compra, pois o fraquíssimo crescimento da economia, previsto pelos gurus habituais, ficará bem abaixo da inflação, pela primeira vez, não dentro da meta, como andam anunciando, mas dentro da banda, que já é larga. Então, vamos ver o que é que eu que tinha previsto para este ano de 2016, nesta tresloucada profissão?

Previsões imprevidentes para 2016: pela primeira vez a imprevisão ganha da previsão (Brasília, 31 de dezembro de 2015)
1) Criação do programa Pedaladas Legais
2) Cristo Redentor entra no programa de concessões companheiras
3) Companheiros aderem ao livre comércio... de talentos
4) Protocolo aditivo à convenção da ONU sobre corrupção
5) O governo companheiro vai conseguir equilibrar as contas nacionais
6) Os companheiros renovam sua promessa de não mais roubar
7) A Justiça aumenta sua produtividade em 350%
8) Os industriais da FIESP param de reclamar do aumento de juros
9) O PSOL reconhece que Cuba pode não ser um modelo para o Brasil
Como todos podem constatar, eu errei todas, ou seja, acertei a totalidade das minhas previsões, sucesso a 100% portanto. (Quem quiser conferir o detalhe de cada uma dessas previsões destinadas fatalmente ao fracasso completo, pode ver neste link: http://www.diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/previsoes-imprevidentes-para-2016.html).

OK, chega da enrolação típica dos preguiçosos. Mesmo sem a contribuição que sempre considerei fundamental dos companheiros, vou tentar arriscar novas previsões imprevidentes para o ano que está começando. Fazer esse tipo de chute contra o futuro imediato apresenta um alto risco, pois nas condições surrealistas do Brasil atual – quando não se sabe quem é situação, quem é oposição, que deu golpe e quem o sofreu – as coisas mais surpreendentes podem ocorrer, até minhas previsões darem certo, ou melhor, errado, e tudo se realizar contra os prognósticos. Vamos portanto dar a partida nos chutes, em mais um exercício de surrealismo futurista na total irresponsabilidade dos adivinhadores improvisados, assim como quem faz esporte com uma bola de ferro amarrada numa das pernas, com uma mão amarrada nas costas, com um olho tapado.

1) Companheiros aderem definitivamente à honestidade teórica
Depois de tentar todas as demais maneiras ter sucesso no mundo da política e dos negócios em famiglia, os companheiros decidiram anunciar que estavam, formal e oficialmente, renunciando a qualquer intermediação escusa com grandes companhias estatais e privados, et pour cause: com todos os seus principais operadores e executivos temporariamente fora de combate – com uma única e grande exceção – e com todos eles colocados na mesa de escuta de companheiros outrora aliados na causa da justiça social, eles decidiram enveredar por novas formas de empreendedorismo político e social, caçando as sandálias da humildade, prometendo ir à missa todos os domingos e comer o pão bento da honestidade. Não sabemos ainda se eles conseguirão refrear seus instintos adquiridos ao longo de anos e anos de treinamento intenso nas artes que o Padre Vieira já encontrava insuperáveis nestas paragens de Pindorama, mas o fato é que eles parecem sinceramente engajados no novo jogo da castidade política. Vai ser difícil, sobretudo com respeito aos companheiros que ainda ocupam cargos públicos, e que podem, por isso mesmo, fazer um por fora), mas o comitê central (ops, a direção) já avisou que a ordem, por enquanto, é se mostrar bem comportado, pelo menos enquanto a República de Curitiba estiver alerta e lépida nos procedimentos. (Atenção: eu disse “teórica”.)

2) Governo golpista anuncia anistia preventiva, com validade de dez anos
Um imenso alívio ouviu-se nos mais diferentes recantos do país: do Oiapoque ao Chuí, a chusma respirou aliviada com essa promessa de cheque em branco, quero dizer, de vale habeas-corpus com prazo delongado de validade, até, pelo menos, que consigam aprovar a tal lei do “pega leve” no propinoduto. A medida (ainda provisória, mas que deve ser rapidamente aprovada pelos garotos em plenário) não concede total liberdade preventiva aos meliantes políticos, apenas alivia os processos, solicitando documentos em cartório, em três vias cada um, devidamente legalizados, antes de passar por três comissões parlamentares e obter pelo menos dois relatórios favoráveis, o que deve fazer com que cada processo demore três legislaturas, tempo suficiente para que cada um em perigo possa repousar na doce aposentadoria congressual. Estava sendo esperada essa medida, pois do contrário não seria possível votar mais nada na Santa Casa legislativa.

3) Odebrecht passa a operar unicamente com o banco do Vaticano
A caminho de uma difícil regeneração, com seu patrimônio diminuído em vários bilhões de dólares, e governos arredios a continuar operando com uma empresa que parece ter o DNA da malversação, ou seja, ser geneticamente corrupta, a outrora maior construtora do país liquidou todas as suas 3.547 contas em 189 bancos em 25 países, e anunciou solenemente que, doravante, e em conformidade com seu espírito cristão, vai trabalhar única e exclusivamente com o Istituto per le Opere dei Religione, mais vulgarmente conhecido como Banco do Vaticano (antigamente Ambrosiano, mais do que centenário), indiferente ao fato de que o banco já foi colhido mais de uma vez em lavagem de dinheiro pelo Fisco italiano. O que vale, no entanto, são as boas intenções: a Odebrecht e o IOR devem fazer uma bela dupla a caminho do paraíso fiscal. As duas empresas prometem se sustentar mutuamente, e até combinaram que vão fazer confissões conjuntas, desde que essas delações premiadas mereçam indulgência eterna, o que o papa peronista prometeu examinar. Como diria Santo Agostinho, “Uma virtude simulada é uma impiedade duplicada: à malícia une-se a falsidade. (Quem duvidar da total correção e da fidelidade desta frase aparentemente debochada pode ver aqui: http://www.frasesfamosas.com.br/frases-de/agostinho/).

4) Teremos candidatos absolutamente honestos sendo preparados para 2018
A palavra do momento é aquela famosa frase – provavelmente mentirosa – sobre a “mulher de César” (quem era ela, mesmo?). Segundo essa hipocrisia cansativamente repetida por 11 jornalistas entre cada 10, ela deveria não só ser, como parecer honesta. Ninguém conferiu, no entanto, se era isso mesmo que ocorria naqueles tempos de traições e golpes baixos E alguém de fato acreditava nessa coisa? Repetida a frase, todo mundo seguia adiante, como se nada tivesse acontecido, e assim segue a vida. Em todo caso, já aquecendo os músculos para a maratona do ano seguinte, os principais candidatos a qualquer coisa, estão em busca de novos laranjas naquele cantinho da Ucrânia cuja soberania ainda permanece indeterminada, pelo menos enquanto durar o reinado do neoczar. Vão precisar de um dicionário de bolso russo-português, mas nada que a Amazon não possa encontrar, inclusive em formato Kindle, o que facilita um bocado os negócios. Estima-se novo equilíbrio no balanço de pagamentos da Ucrânia oriental, a ponto de poderem até emprestar para a pátria-mãe, caso as sanções se agravem no futuro imediato.

5) PEC dos Gastos ganha Emenda constitucional: banda da inflação
Com o agravamento da situação fiscal dos estados e municípios, e sem a possibilidade de criar novos ou amentar os impostos já existentes, os parlamentares resolvem fazer um favor a seus amigos governadores e aprovam uma emenda à emenda constitucional (de número 117, na sequência linear) sem mudar o vínculo dos gastos públicos à inflação, mas criando uma banda para o número, que deixa de ser um número e passa a ser um espaço flexível, com trezentos pontos-base para lá e mais trezentos para cá. Chamado de “nova banda diagonal endógena”, o sistema, engenhoso, como se vê, vai permitir salvar “gregos e goianos”, empurrando as obrigações futuras para os tataranetos dos atuais estudantes do ensino fundamental. Trata-se de um novo conceito de ajuste gradual e seguro, compatível com a qualidade reconhecida dos melhores economistas da UniCamp e adjacências. Os brasileiros, sobretudo os desempregados, podem dormir tranquilos: não há que os economista da UniCamp não imaginem que os bravos representantes do povo deixam de aproveitar em seus labores parlamentares.

6) Trump propõe um pacto de não agressão ao Estado Islâmico
Ops, esse tipo de previsão internacionalista não costuma fazer parte do menu habitual de previsões imprevidentes (e irresponsáveis) já tradicionais neste blog, mas como é preciso exercer todas as competências que a divina providência nos concedeu, aqui vamos nós pelos terrenos sempre pantanosos das relações internacionais. O fato é que o novo, imprevisível e imprevidente, presidente da maior potência planetária (depois da torcida do Barça, claro) ainda em estado de propor qualquer coisa fez uma oferta aparentemente irrecusável ao califa-chefe do Daesh, também conhecido como EI: parar com o mercado de escravas brancas em troca de deixar estacionados na Turquia os drones ditos inteligentes. O EI ficou de pensar, e ao que parece só vai parar com seu departamento de operações estruturadas se a OTAN enviar um suprimento adequado de garotas de programa, de maneira a aquietar os ardores belicistas dos seus combatentes do profeta. Não se sabe, no momento do fechamento destas previsões, se negociações sérias poderiam ser estabelecidas num terreno apropriado, em Genebra ou Viena, de preferência, com interrupções para algumas escapadas no Folies Bergères.

Voilà: é tudo que eu posso prometer para o novo ano que pronto se inicia, mesmo sabendo que minhas previsões imprevidentes são tudo, menos seguras. Não se pode oferecer certezas num país no qual sequer sabe se vamos terminar o ano com o mesmo governo. Em todo caso, eu desejo a todos e a todas (ou a todxs, como quer certo pessoal chatérrimo), um feliz início, um ótimo desenvolvimento e uma excepcional finalização de um ano altamente incerto, como são, aliás, estas minhas previsões imprevidentes. Nisso 2017 também me ajuda, já que nem toda bola de cristal funciona.
Numa coisa, portanto, estou alinhado com eles: sem os companheiros eu estava me sentindo, como direi?, órfão, sem qualquer indício de que poderia contar com eles para errar em toda a linha (ou seja, acertando 100% dos chutes formulados ao longo dos últimos treze anos durante os quais fui por eles maltratado). Eu lhes sou, de verdade, devotamente reconhecido: sem sua proverbial inépcia, sua incompetência, aa tradicional improvisação, a tremenda burrice, a estupidez contumaz e a sua ignorância crassa, eu teria corrido o risco de acertar algumas, pelo menos, de minhas previsões ao longo de todo este milênio tão rico de babaquices por eles perpetradas. Se vocês duvidam do que estou dizendo, basta conferir a série completa:

Previsões anteriores:
2016:
2912. “Previsões imprevidentes para 2016: pela primeira vez a imprevisão ganha da previsão”, Brasília, 31 dezembro 2015, 5 p. Continuidade do exercício, com apenas quatro previsões imprevisíveis. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/12/previsoes-imprevidentes-para-2015-pela.html), e disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1061451080585008). Revisão ampliada, 14 de janeiro de 2016, 8 p. Postado novamente no Diplomatizzando (link: http://www.diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/previsoes-imprevidentes-para-2016.html) e no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1069196793143770).

Para as previsões anteriores a 2016, ver estas duas postagens:
Preparando as previsões imprevidentes para 2016: conferindo as de 2015:
e
Preparando as previsões de 2016: algum retrospecto pode ser útil:

A despeito de tudo, e desculpando qualquer erro de previsão, feliz 2017 a todos!

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 31 de dezembro de 2016

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

ABRI anuncia novo numero de Carta Internacional, vol. 11, n. 3/2016

Caros leitores,

A revista Carta Internacional acaba de publicar seu último número, disponível em https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta. Convidamos a navegar no sumário da revista para acessar os artigos e outros itens de seu interesse.

Agradecemos seu interesse e apoio contínuo em nosso trabalho,
Administrador da Carta Internacional
Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)
cartainternacional@abri.org.br

Carta Internacional
v. 11, n. 3 (2016)
Sumário
https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/issue/view/35

Artigos
--------
A identidade internacional do Brasil: uma síntese da literatura (5 - 31)
    Rafael Mesquita
Rumo à cooperação e ao desenvolvimento: as políticas brasileiras para a faixa de fronteira (32 - 55)
    Marcio Scherma
A Política Externa do Império no Prata e a Missão Bellegarde ao Paraguai (1848 - 1852) (56 - 76)
    Pedro Henrique Verano
Enriquecimento de animosidades: o início da política nuclear brasileira (77 - 98)
    Túlio Sérgio Henriques Ferreira,    Vanessa Horácio Lira
Comunidades epistêmicas e de prática em Defesa na Argentina e no Brasil: entre a organicidade e a plasticidade (99 - 123)
    Samuel Alves Soares
As razões de ser do Conselho de Defesa Sul-Americano da UNASUL (124 - 148)
    Tamires Aparecida Ferreira Souza
O Brasil e o acender das luzes das independências de Angola e Moçambique (1974-1975) (149 - 171)
    Jose Alejandro Sebastian Barrios Diaz
Reconsidering the consistency between principles and practices for Technical Cooperation between Developing Countries: A critical analysis of ProSavanah. (172 - 198)
    Niels Søndergaard
O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China: “arquipélago de economias de mercado” ou palco da competição interestatal capitalista? (199 - 222)
    Isabela Nogueira,    Bruno Hendler
O Brasil como potência regional: uma análise de sua liderança na América Latina no início do século XXI (222 - 252)
    Patricia Nasser de Carvalho,    Fernanda Cristina Izidro Nanci Gonçalves
============
Edição Completa (1 - 252)
--
Editoria da Revista Carta Internacional
http://www.cartainternacional.abri.org.br
cartainternacional@abri.org.br
Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI

Venezuela: mercado negro de alimentos controlado pelo Exercito

Na escassez, tudo é motivo de superlucros. Já detendo boa parte do mercado de drogas, que costumava garantir grandes ganhos, o Exército bolivariano se dedica agora ao mercado negro de produtos básicos, que garante lucros ainda mais extraordinários.
Como, quando, onde isso vai parar, não sabemos. O que se sabe é que a Venezuela deixou de existir como nação organizada: virou um caos total, um país sem lei, sem ordem, sem moral, sem respeito, sem futuro...
Paulo Roberto de Almeida


Exército venezuelano controla venda clandestina de alimentos
O Estado de S. Paulo, 30/12/2016
De acordo com investigação da agência Associated Press, em meio à grave crise econômica o tráfico de alimentos tornou-se uma indústria no país caribenho; preços cobrados em mercados paralelos gerenciados pelos militares são até 100 vezes maiores que o tabelado pelo governo
PUERTO CABELLO,VENEZUELA - Encarregado pelo presidente Nicolás Maduro de controlar a distribuição de comida após uma série de protestos no meio do ano contra a escassez de alimentos, o Exército venezuelano tem usado essa prerrogativa para vender mantimentos no mercado negro, revela uma investigação publicada nesta quarta-feira, 28, pela agência Associated Press.
Em meio à grave crise econômica provocada pela queda de reservas em moeda estrangeira, inflação e redução drástica no preço do petróleo, o tráfico de alimentos tornou-se uma indústria na Venezuela. Documentos e entrevistas feitos com mais de 60 membros do governo, empresários, trabalhadores do setor e ex-militares, mostram que as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) estão no coração desse processo.
Os generais de Maduro controlam desde a venda de arroz e manteiga até a farinha de milho, ingrediente principal para a arepa - o prato nacional dos venezuelanos -, com preços até 100 vezes maiores que o tabelado pelo governo. Dono de um mercado em Caracas, José Campos tentou reabastecer sua venda em um mercado ilegal comandado por militares. "Os militares acompanhavam tudo e ganhavam sacos de dinheiro", disse. "Eles sempre tinham o que eu precisava."
Como resultado do tráfico de alimentos, a comida importada pelo governo com os escassos dólares provenientes do petróleo não chega a quem precisa. "Ultimamente a comida tem se tornado um negócio melhor que as drogas", disse o general da reserva Cliver Alcalá, que costumava vigiar as fronteiras.
O Ministério da Alimentação foi criado em 2004 pelo então presidente Hugo Chávez. Desde então, nacionalizou fazendas e fábricas de produtos alimentícios. Com isso, a produção privada de alimentos no país diminuiu drasticamente. Hoje, quase tudo que é consumido vem de fora da Venezuela.
"Se a Venezuela pagasse valores de mercado, poderíamos dobrar nossas importações. Em vez disso as pessoas estão passando fome", disse o professor de agronomia da Universidade de Zulia, Werner Gutierrez.
Preocupados com a alta incidência da cobrança de propinas, as três principais empresas que importam alimentos no mundo, todas sediadas nos Estados Unidos, deixaram de vender diretamente para o governo da Venezuela.
Um empresário sul-americano do ramo disse à AP ter pago milhões de dólares em propina a autoridades venezuelanas depois que a escassez de alimentos se agravou. Só o Ministro de Alimentação, o general Rodolfo Marco Torres, teria recebido US$ 8 milhões. O empresário falou sem se identificar porque não queria admitir publicamente seu envolvimento em corrupção.
Ainda de acordo com ele, as propinas são volumosas porque os empresários conseguem construir margens de lucro igualmente altas em negociações com o governo. Um desses contratos obtidos pela AP mostra que o governo venezuelano pagou US$ 52 milhões na compra de milho. Por esse contrato, foi pago um suborno de US$ 20 milhões.
O ministro não quis se pronunciar sobre as denúncias. No passado, ele declarou que não iria se envolver em brigas com a "oposição apátrida", que o governo acusa de travar uma "guerra econômica" contra o chavismo.
Alguns dos contratos envolvem empresas sem experiência com a produção de alimentos e outras que existem apenas no papel. Documentos mostram que Marco Torres fechou um negócio com a panamenha Atlas Systems International, uma empresa de fachada, assim como a J.A. Comércio de Gêneros Alimentícios, registrada na Grande São Paulo num endereço fantasma.
Foto: AP Photo/Ricardo Nunes
Soldado venezuelano vigia o tráfego de caminhões em Puerto Cabello, que recebe a maior parte dos mantimentos importados pelo país
As duas empresas enviaram US$ 5,5 milhões em 2012 para uma conta em Genebra, na Suíça, controlada pelos cunhados do então Ministro da Alimentação, o general Carlos Osório. O general, hoje responsável pela corregedoria da FANB, não respondeu às acusações, mas costuma vinculá-las também à oposição.
"O Estado tem a obrigação de combater a corrupção em todos os níveis do governo", disse o ministro da Defesa Vladimir Padrino. Ainda assim, o tráfico de alimentos transcorre entre os portos e mercados do país. Em Puerto Cabello, que recebe a maior parte dos mantimentos importados, é comum oficiais da alfândega segurarem navios até o pagamento de propinas, segundo estivadores locais.
Depois que a carga é entregue, funcionários da alfândega cobram a sua parte da propina e às vezes se recusam a dar prosseguimento aos trâmites sem pagamento.
Se os importadores se negam a participar, é normal ver a comida apodrecer.  "No ano passado enterramos contêineres com frango, carne e feijão estragado", disse o operador de guindaste Daniel Arteaga.
Depois que sai dos portos, os militares cobram propinas em postos de controle nas estradas, principalmente de caminhões de carga. No fim da cadeia de corrupção, alguns oficiais tomam conta eles mesmos de mercados clandestinos.
José Ferreira, dono de uma padaria, disse que tem que fazer sempre dois pagamentos para comprar seus produtos, como o açúcar, por exemplo: enquanto o primeiro paga o preço oficial do produto, o segundo cobre a propinas cobrada pelo militares, neste caso, 30 vezes maior que o preço oficial. "Não temos outra opção", disse. / AP


Crise venezuelana faz Cuba entrar em recessão pela 1ª vez em 20 anos
O Estado de S. Paulo, 30/12/2016
Em meio ao caos econômico, governo de Caracas teve de reduzir fornecimento de petróleo para ilha
Abalada pela crise da Venezuela, Cuba entrou em recessão pela primeira vez em mais de duas décadas, ao registrar uma queda de 0,9% do PIB em 2016, após um crescimento de 4,4% no ano passado. “As limitações no fornecimento de combustíveis e as tensões financeiras se agravaram no segundo semestre, levando à queda do PIB de 0,9%”, afirmou ontem o presidente Raúl Castro.
“Em 2017, persistirão as tensões e os desafios que podem até mesmo recrudescer em determinadas circunstâncias.” Esta é a primeira vez desde 1995 que o governo socialista prevê um resultado negativo do PIB, de acordo com a série estatística. No início dos anos 90, a ilha enfrentou sua pior crise com o colapso do comunismo na Europa e a dissolução da União Soviética, com contrações da economia que chegaram a 15% em apenas um ano.
Em meio ao recuo global no preço das matérias-primas, Cuba experimenta queda em suas exportações de níquel, produtos refinados de petróleo e de açúcar, além de uma redução nos ingressos de recursos pela venda de serviços médicos a países aliados exportadores de petróleo como Venezuela e Angola.
De acordo com analistas, a economia cubana foi prejudicada especialmente pela redução nas vendas de petróleo para a Venezuela, que está mergulhada em uma grande crise econômica. Caracas reduziu este ano em 40% o fornecimento de petróleo a Cuba. Por ouro lado, a retomada nas relações entre Cuba e Estados Unidos impulsionou o turismo e deve sustentar no curto prazo um crescimento maior do setor privado em razão de um aumento de remessas financeiras de expatriados.
Especialistas, contudo, temem que esse crescimento vá se reduzindo em razão das políticas do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, que prometeu “terminar” com a reaproximação entre os dois países caso Havana não ofereça a Washington o que ele chama de “um melhor acordo”.
Avanço. Na terça-feira, o ministro da Economia e Planejamento de Cuba, Ricardo Cabrisas, reconheceu, em um encontro com jornalistas a portas fechadas, que a principal razão para a contração deste ano foi uma redução das exportações para nações aliadas produtoras de petróleo afetadas pela queda no preço da commodity.
O porcentual sugere que a economia centralizada pelo Estado caiu com força no segundo semestre do ano, após uma drástica redução das importações, dos investimentos e do uso de combustível em razão de uma crise de liquidez. Para o primeiro semestre, o governo cubano anunciou uma previsão de crescimento tímido de apenas 1%.
Recentemente, Cabrisas garantiu, em pronunciamento feito na Assembleia Nacional de Cuba, que o panorama econômico havia melhorado, estimando crescimento sólido em 2017 para o turismo e a indústria açucareira, de acordo com artigos publicados por meios de comunicação oficiais. “Para o ano de 2017, prevemos um crescimento do PIB de 2%”, afirmou Cabrisas.