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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Previsoes imprevisiveis para 2019: algo novo no ar? - Paulo Roberto de Almeida


Previsões imprevisíveis para 2019:
Finalmente uma mudança de paradigmas?

Paulo Roberto de Almeida


Pela primeira vez em muitos anos, desde o início da era companheira em nossa política, eu me encontro em um terreno verdadeiramente minado, no que concerne minha série de “previsões imprevisíveis”, que sempre fiz a cada final de ano, para “prever” o que NÃO deveria ocorrer no ano seguinte. Sim, esta minha série tinha exatamente esse objetivo: interrogar os astros, como fazem os astrólogos profissionais, mas com essa peculiaridade que minhas previsões deveriam ser totalmente, ou pelo menos parcialmente, imprevidentes, refletindo, portanto, meu pouco secreto desejo de continuar um contrarianista oficial. Pelo que observo das tendências recentes, os novos tempos vão tornar minha tarefa mais difícil, depois de anos e anos acostumado a tripudiar sobre as idiossincrasias companheiras. Para que vocês tenham uma ideia do que eu costumava apostar como um conjunto sempre confirmados de previsões fracassadas, reproduzo aqui, novamente, o que eu previ, em dezembro de 2004, para o governo companheiro que recém tinha iniciado sua trajetória errática no ano anterior, como promessas válidas para 2005:
1. O governo decreta sua conversão ao capitalismo;
2. O Estado decide retirar-se parcialmente de cena;
3. Radical inversão das políticas sociais;
4. Concentração de recursos na educação fundamental;
5. Acaba a era Vargas: abolida a Justiça do Trabalho;
6. Decretado o fim da reforma agrária; e
7. Maior abertura e inserção econômica internacional.

Ganhei fácil, não só naquele ano como em todos os seguintes, o que, confesso, me era facilitado pelas qualidades singularmente estúpidas do lulopetismo em ação. Querem mais uma prova? Para 2007, eu previa estas rotundas impossibilidades, sempre contando com a proverbial capacidade companheira de fazer as coisas erradas várias vezes seguidas (um pouco como os argentinos, digamos assim):
1. O Brasil crescerá pelo menos 5% a partir de 2007, com queda no desemprego;
2. As contas fiscais caminharão para o equilíbrio, com tendência ao superávit nominal;
3. O Congresso vai conhecer um ano de alta produtividade e baixos gastos correntes;
4. O dólar vai se valorizar e a paridade do real satisfará aos exportadores e agricultores;
5. O déficit da Previdência caminha para o desaparecimento, com um choque de gestão;
6. A infraestrutura brasileira é renovada, com base em investimentos privados;
7. A integração regional avança, com a adesão de Cuba, Bolívia e Equador;
8. O governo demonstra alto grau de coesão política e grande eficiência administrativa;
9. O ensino público dá salto de qualidade e universidades não fazem greve por salários;
10. O MST reconhece que o agronegócio e a biotecnologia são benéficos ao Brasil.

A coisa agora se complica, pois tivemos uma mudança fundamental nas forças políticas que controlarão o poder executivo a partir de janeiro de 2019, o que pode até contribuir para realizar algumas das previsões imprevisíveis que eu fazia para 2007. Será que o governo vai, pela primeira vez em nossa história, deixar o capitalismo florescer no Brasil? É uma aposta difícil de fazer, mas nunca se pode desconfiar da capacidade que possuem certas pessoas de contrariar nossas mais arraigadas tendências desde Cabral até Lula.
Mas, o que dizer da minha última previsão, aquela que eu fiz no primeiro ano completo do governo golpista, válida para o ano que se extinguirá em poucos dias? Eis as previsões feitas em dezembro passado, que vocês podem conferir na minha postagem de 9 de dezembro de 2017, com previsões imprevisíveis de natureza sobretudo política, tendo em vista o ano eleitoral, que foram postadas neste blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/previsoes-imprevisiveis-para-2018.html):
1. Governo promete reduzir a base congressual para apenas 15 partidos;
2. Odebrecht patrocina nova cadeira na FEA-USP: Economia Política da Corrupção;
3. Tucanos se unem para ganhar as eleições de 2018;
4. Petistas se dividem quanto a colaborar na caixinha do chefe com contas bloqueadas;
5. Peemedebistas firmam pacto contra a corrupção;
6. FIESP quer que o Brasil conclua um acordo de livre comércio com a China;
7. Congresso aprova projeto de resolução extinguindo o Fundo Partidário;
8. Candidata da Rede consegue conceder uma entrevista compreensível;
9. Professores da UERJ atravessam o ano sem nenhuma greve;
10. Novo presidente eleito em outubro promete privatizar Petrobras e Banco do Brasil.

Vamos reconhecer, em primeiro lugar que eu acertei – ou seja, fui confirmado no erro – para a maior parte, senão todas as dez previsões imprevisíveis e totalmente imprevidentes. Senão vejamos:
1. A base congressual não só não recuou para apenas 15 partidos, como não cessou de aumentar, ao que parece para quase três dezenas de inutilidades congressuais.
2. A Odebrecht, no seu esforço de arrependimento, não foi tão longe quanto eu sugeria, no sentido de criar uma nova disciplina de Economia Política da Corrupção.
3. Tucanos não só não uniram para ganhar as eleições de 2018, como praticamente se anularam para as quatro ou cinco eleições seguintes; meus parabéns a todos eles.
4. Petistas e petralhas permanecem unidos, apoiando o deus vivo na gaiola de Curitiba, e pretendem continuar assim até o fim dos tempos; minha solidariedade a eles.
5. Peemedebistas renovam o seu tradicional pacto pró-corrupção, com discrição, porém.
6. A FIESP continua a ser o sindicato de ladrões que sempre foi, mas pelo menos oferece algumas exposições interessantes em sua sede luxuosa da Avenida Paulista.
7. Congresso não só aumentou o Fundo Partidário, tremendamente, como criou um Fundo extra, Eleitoral, pornográfico por natureza, pois o que andam fazendo com os contribuintes não pode ser revelado por impróprio a menores; safados.
8. A candidata da Rede conseguiu confirmar minhas melhores (ou piores) previsões.
9. Professores da UERJ atravessaram o ano sem greve? Não sei: confirmem por favor.
10. O presidente eleito já prometeu NÃO privatizar Petrobras e Banco do Brasil.

Nota 10/10, ou seja, sucesso total. Agora a coisa se complica, como já disse, pois o novo governo tem um pouco de tudo para todos os gostos e todas as tendências políticas, econômicas, filosóficas, religiosas, culturais e espirituais. Não, não quero com isso dizer que se trata de um saco de gatos, pois gatos costumam ter um comportamento uniforme, ainda que imprevisível: eles sempre arranham o dono, por mais carinhoso que este seja, e sempre arranham o sofá da sala. Com o próximo governo simplesmente não sabemos o que pode acontecer, mas com os militares representando a parte mais segura, firme, democrática, confiável que se pode ter num governo com metade de amadores, já se trata de uma característica anti-imprevidente. Como os militares são mais ou menos um terço do governo, com isso já temos pelo menos um terço de previsibilidade, o que complica sobremaneira meu exercício de antever o impossível. Como tampouco posso retirar os militares do governo – o que obviamente seria uma loucura, vamos reconhecer –, temos de arriscar previsões imprevidentes nessas novas circunstâncias.
Vamos então ver o que poderia me deixar totalmente otimista e confiável quanto à improbabilidade de minhas previsões imprevidentes. Arrisco algumas poucas.
1. Governo consegue começar a trabalhar de verdade em menos de três meses;
2. Governo cria uma estatal para livrar-se das estatais; começa contratando mais gente;
3. Para livrar-se da imprevisibilidade econômica trumpista, Banco Central aplica metade das reservas em moeda chinesa e mais um terço em bitcoins;
4. República de Curitiba coloca todo o patrimônio do PT em leilão para tentar recuperar 5% do que foi roubado entre 2003 e 2016;
5. MST aproveita seus vínculos multinacionais para criar uma trading especializada em transgênicos;
6. Ministro da Fazenda propõe uma Loteria Patriótica, baseada no jogo do bicho, para resolver o déficit orçamentário;
7. Depois do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, Congresso cria um Fundo Religioso, para financiar renovação dos templos, em geral, pagar curso de internet para pastores, sacerdotes, bispos e catequistas e dar um laptop a cada um;
8. PCdoB faz uma frente com a FIESP e a CNI para se opor às privatizações, à abertura comercial e ao fim das contribuições sindicais em geral;
9. China se oferece para pagar todos os salários atrasados dos funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro, desde que possa explorar o bondinho do Pão de Açúcar durante quarenta anos;
10. STF começa a julgar o Petrolão político, mas seis pedidos de vistas remetem o processo a 2020.

Em todas as minhas previsões imprevidentes, ou  imprevisíveis, dos anos anteriores, eu fui tremendamente bem sucedido, ou seja, errei todas, sem exceção, o que é um tremendo sucesso. Mas eu contava com os companheiros para me confirmar nos equívocos mais flagrantes, tão previsíveis eles eram na sua imprevisibilidade. Agora, confesso não saber se vou acertar – ou seja, errar – ou se o saco de gatos, ops!, perdão, o novo governo, me induzirá a erros, ou seja, a acertos. Não se confundam, por favor, por mais que vocês já estejam confusos com certas coisas que estão ocorrendo atualmente. O Brasil está acima de todos, como vocês já sabem, assim que ele vai de toda forma sobreviver a todos os erros e acertos que venham a ser cometidos por vontade própria, ou por puro acaso, na próxima administração.
Cobrem-me resultados, ou falta deles, em um ano exatamente, na alegria ou na tristeza de ter de acertar – ou seja, me equivocar – por puro acaso, ou seja, um pouco como vão funcionar certas coisas daqui para a frente. Vou sentir falta dos companheiros que sempre me ajudaram nos anos anteriores, e lamentar que alguns deles tenham de cumprir tempo de cadeia, impossibilitados, portanto, de me fornecerem mais matéria prima para exercícios como este. Esperemos que eles sejam substituídos por gente mais competente nessa difícil tarefa de fazer bobagens...
Vale! Até dezembro de 2019.

Brasília, 25 de dezembro de 2018.




segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Transformacoes da ordem economica mundial do seculo 19 a Segunda Guerra - Paulo Roberto de Almeida

Um artigo meu promovido no Twitter da RBPI:

Revista Brasileira de Política Internacional

On-line version ISSN 1983-3121

Rev. bras. polít. int. vol.58 no.1 Brasília Jan./June 2015

http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201500107 

ARTIGOS
Changes in the world economic order, from the end of the 19th century up to the Second World War
Paulo Roberto de Almeida *  
*Ministério das Relações Exteriores, Brasília, DF, Brasil (pralmeida@me.com)
Ensaio de caráter histórico sobre as grandes mudanças ocorridas na economia mundial, da belle époque a Bretton Woods, enfatizando elementos de continuidade e de ruptura, tanto no plano do comércio, como no das finanças internacionais, bem como aspectos institucionais. Dentre os primeiros elementos se situam a permanência de um mesmo grupo de nações de economia avançada no pelotão das potências dominantes que formulam e determinam a agenda política internacional, bem como a importância do poderio tecnológico e industrial para apoiar a projeção estratégica e militar dessas potências; dentre as rupturas podem ser citadas a derrota dos emergentes, em especial Japão e Alemanha, que desafiaram a ordem política e econômica mundial mediante tentativas de projeção imperial que destoavam dos esforços de interdependência global que estavam sendo construídos pelas principais economias de mercado, todas de orientação política liberal democrática. A outra potência emergente no período, a União Soviética, foi relativamente marginal economicamente no período e só projetaria poder, verdadeiramente, no final da Segunda Guerra Mundial.
Palavras-Chave: comércio mundial; entre-guerras; finanças internacionais; guerras globais; mudanças estruturais; ordem econômica internacional
Historical essay dealing with the relevant changes in the world economy, from the belle époque to Bretton Woods, emphasizing elements of continuity and its ruptures and discontinuities, in trade, finance as well as in institutional aspects. Among the continuities, appears the resilience of a core group of advanced economies, which is able to draft and define the international policy agenda, and the importance of the industrial and technological capabilities to support any exercise of strategic and military projection by those big powers; among the discontinuities is the failure of some emerging powers, namely Germany and Japan, in their challenging of this world order by means of an imperial-like power projection outside of the core group of market economies aiming to create a global interdependence based on democratic and liberal principles. Another emerging power during that period, Soviet Union, was essentially economically irrelevant and was not able to project its own power before the end of the World War II.
Key words: international trade; inter-war period; world finance; global wars; structural changes; world economic order

Grandes tendências da economia mundial, de 1890 a 1944
A economia mundial, no meio século que vai do final do século 19 a meados do século 20, se apresentava como um sistema não muito bem articulado de economias nacionais e de dependências coloniais ou semicoloniais, interligadas por intercâmbios voluntários ou compulsórios de bens, serviços, capitais, mão de obra e tecnologia; elas o faziam num contexto de crescentes assimetrias estruturais entre as nações do capitalismo avançado e entre essas e seus territórios coloniais, nações semicoloniais ou países dependentes. Os elementos estruturais de divergência são provavelmente mais relevantes do que aqueles de continuidade, entre o começo e o final do período, mas, no plano geopolítico, o mundo não deve ter se alterado tão radicalmente nesse período de pouco mais de meio século.
No plano estritamente econômico, o mundo passou por fases caracteriza damente distintas ao longo do período: saltos tecnológicos, representados pelos grandes avanços da segunda revolução industrial; mudanças dramáticas nos sistemas monetários nacionais, a partir de violentas crises financeiras, de surtos violentos de inflação em diversos países, com ruptura dos regimes monetários e cambiais, a começar pelo do padrão ouro; fases de crescimento sustentado, seguidas por conjunturas de estagnação; surtos de liberalização setorial, alternando com impulsos de protecionismo comercial; incorporação de novos atores econômicos, com preservação de velhas desigualdades estruturais; fases de fechamento e de abertura aos movimentos de pessoas e aos fluxos de capitais; redistribuição dos fluxos de renda em direção de novos centros de acumulação e confirmação de antigos mecanismos de concentração e de acumulação; enfim, uma gama variada de tendências estruturais, de rupturas conjunturais e de ciclos econômicos tão diversos quanto os processos políticos que marcaram esse século ao mesmo tempo exemplarmente criador, no plano das ciências e das técnicas, mas também extremamente destruidor em termos de vidas humanas e padrões civilizatórios.
(...)