Minhas previsões imprevidentes para 2017: já estou
sentindo saudades dos companheiros
Paulo Roberto de Almeida
[Dando continuidade à série, com novas e jocosas
previsões impossíveis]
Desde o início do
milênio atual, com absoluta constância desde 2003, dei início a esta série que
denominei, provocativamente, de “previsões imprevidentes”, ou seja, o contrário
daqueles chutes bem informados que todo astrólogo amador, ou profissional, faz
a cada final ou começo de ano. A diferença de minhas previsões, em relação a
essas afirmações científicas dos adivinhos de plantão, é que as minhas não
estão de modo algum destinadas a serem confirmadas pelo carro sempre balouçante
da História: ao contrário, elas foram expressamente concebidas para, justamente,
não se realizarem.
Devo dizer que desde o
início da década passada, eu vinha sendo ajudado – e como! – pelos companheiros
e suas políticas tresloucadas: cada vez que eles expunham um programa, uma nova
política, uma medida macro ou setorial, eu sempre apostava exatamente o
contrário. E pimba!: não hvia nenhuma chance das coisas acontecerem, da forma como
eles queriam. Alto lá: corrijo imediatamente: a coisa sempre se desenvolvia de
modo totalmente inverso ao pretendido. Os companheiros eram infalíveis nesse
jogo.
Confesso que fiquei
repentinamente órfão: com o afastamento totalmente injusto dos companheiros do
poder, por meio desse golpe aplicado pela direita, pelos tucanos neoliberais,
pela grande mídia, pelos capitalistas mancomunados com o perverso imperialismo,
pelos banqueiros conspirando com o capital financeiro monopolista
internacional – enfim, por todos aqueles que não são companheiros, ou pecedobistas,
ou psolistas, ou gramscianos de academia, ou teólogos da libertação, ou saúvas
freireanas e pedagogos da conscientização, os que não são progressistas,
esquerdistas, modernistas, pós-modernos, partidários do politicamente corretos,
enfim, toda essa fauna, que lutou bravamente contra os golpistas organizados
por aquele ex-presidente da Câmara, ufa!, retomo –, com esse atentado fundamental
contra a democracia companheira fiquei totalmente sem a ajuda dos ditos
companheiros na minha elaboração regular, anual, destas previsões
imprevidentes. Eu estava ameaçado de ficar agora sem previsões.
Estava até disposto a
apoiar um movimento de novas eleições, só para ter um pequeno laivo de
esperança no retorno dos companheiros ao poder, especialmente do chefão
mafioso, e com isso poder voltar a elaborar minhas previsões com plena certeza
de que nunca vou acertar, ou melhor, sabendo que vou acertar errando
redondamente (ou quadradamente, como poderia ser o caso em se tratando desse
pessoal de apoio).
Antes, porém, de me
debruçar sobre minhas novas previsões imprevidentes e imprevisíveis para o ano
da graça de 2017, vamos fazer um pequeno retrospecto. Aliás, que graça tem esse
ano que começa? Depois de dois anos de recessão, vamos continuar recuando no
poder de compra, pois o fraquíssimo crescimento da economia, previsto pelos
gurus habituais, ficará bem abaixo da inflação, pela primeira vez, não dentro
da meta, como andam anunciando, mas dentro da banda, que já é larga. Então,
vamos ver o que é que eu que tinha previsto para este ano de 2016, nesta tresloucada
profissão?
Previsões imprevidentes para 2016: pela primeira vez a
imprevisão ganha da previsão (Brasília,
31 de dezembro de 2015)
1) Criação do programa
Pedaladas Legais
2) Cristo Redentor entra
no programa de concessões companheiras
3) Companheiros aderem
ao livre comércio... de talentos
4) Protocolo aditivo à
convenção da ONU sobre corrupção
5) O governo companheiro
vai conseguir equilibrar as contas nacionais
6) Os companheiros
renovam sua promessa de não mais roubar
7) A Justiça aumenta sua
produtividade em 350%
8) Os industriais da
FIESP param de reclamar do aumento de juros
9) O PSOL reconhece que
Cuba pode não ser um modelo para o Brasil
OK, chega da enrolação típica
dos preguiçosos. Mesmo sem a contribuição que sempre considerei fundamental dos
companheiros, vou tentar arriscar novas previsões imprevidentes para o ano que
está começando. Fazer esse tipo de chute contra o futuro imediato apresenta um
alto risco, pois nas condições surrealistas do Brasil atual – quando não se
sabe quem é situação, quem é oposição, que deu golpe e quem o sofreu – as
coisas mais surpreendentes podem ocorrer, até minhas previsões darem certo, ou
melhor, errado, e tudo se realizar contra os prognósticos. Vamos portanto dar a
partida nos chutes, em mais um exercício de surrealismo futurista na total
irresponsabilidade dos adivinhadores improvisados, assim como quem faz esporte
com uma bola de ferro amarrada numa das pernas, com uma mão amarrada nas
costas, com um olho tapado.
1) Companheiros aderem definitivamente à honestidade
teórica
Depois de tentar todas
as demais maneiras ter sucesso no mundo da política e dos negócios em famiglia, os companheiros decidiram
anunciar que estavam, formal e oficialmente, renunciando a qualquer
intermediação escusa com grandes companhias estatais e privados, et pour cause: com todos os seus principais
operadores e executivos temporariamente fora de combate – com uma única e
grande exceção – e com todos eles colocados na mesa de escuta de companheiros
outrora aliados na causa da justiça social, eles decidiram enveredar por novas
formas de empreendedorismo político e social, caçando as sandálias da
humildade, prometendo ir à missa todos os domingos e comer o pão bento da
honestidade. Não sabemos ainda se eles conseguirão refrear seus instintos
adquiridos ao longo de anos e anos de treinamento intenso nas artes que o Padre
Vieira já encontrava insuperáveis nestas paragens de Pindorama, mas o fato é
que eles parecem sinceramente engajados no novo jogo da castidade política. Vai
ser difícil, sobretudo com respeito aos companheiros que ainda ocupam cargos públicos,
e que podem, por isso mesmo, fazer um por fora), mas o comitê central (ops, a direção) já avisou que a ordem,
por enquanto, é se mostrar bem comportado, pelo menos enquanto a República de
Curitiba estiver alerta e lépida nos procedimentos. (Atenção: eu disse
“teórica”.)
2) Governo golpista anuncia anistia preventiva, com
validade de dez anos
Um imenso alívio
ouviu-se nos mais diferentes recantos do país: do Oiapoque ao Chuí, a chusma
respirou aliviada com essa promessa de cheque em branco, quero dizer, de vale
habeas-corpus com prazo delongado de validade, até, pelo menos, que consigam
aprovar a tal lei do “pega leve” no propinoduto. A medida (ainda provisória,
mas que deve ser rapidamente aprovada pelos garotos em plenário) não concede
total liberdade preventiva aos meliantes políticos, apenas alivia os processos,
solicitando documentos em cartório, em três vias cada um, devidamente
legalizados, antes de passar por três comissões parlamentares e obter pelo
menos dois relatórios favoráveis, o que deve fazer com que cada processo demore
três legislaturas, tempo suficiente para que cada um em perigo possa repousar
na doce aposentadoria congressual. Estava sendo esperada essa medida, pois do
contrário não seria possível votar mais nada na Santa Casa legislativa.
3) Odebrecht passa a operar unicamente com o banco do
Vaticano
A caminho de uma difícil
regeneração, com seu patrimônio diminuído em vários bilhões de dólares, e
governos arredios a continuar operando com uma empresa que parece ter o DNA da
malversação, ou seja, ser geneticamente corrupta, a outrora maior construtora
do país liquidou todas as suas 3.547 contas em 189 bancos em 25 países, e
anunciou solenemente que, doravante, e em conformidade com seu espírito
cristão, vai trabalhar única e exclusivamente com o Istituto per le Opere dei
Religione, mais vulgarmente conhecido como Banco do Vaticano (antigamente
Ambrosiano, mais do que centenário), indiferente ao fato de que o banco já foi
colhido mais de uma vez em lavagem de dinheiro pelo Fisco italiano. O que vale,
no entanto, são as boas intenções: a Odebrecht e o IOR devem fazer uma bela
dupla a caminho do paraíso fiscal. As duas empresas prometem se sustentar
mutuamente, e até combinaram que vão fazer confissões conjuntas, desde que
essas delações premiadas mereçam indulgência eterna, o que o papa peronista
prometeu examinar. Como diria Santo Agostinho, “Uma virtude simulada é uma impiedade
duplicada: à malícia une-se a falsidade.” (Quem
duvidar da total correção e da fidelidade desta frase aparentemente debochada
pode ver aqui: http://www.frasesfamosas.com.br/frases-de/agostinho/).
4) Teremos candidatos absolutamente
honestos sendo preparados para 2018
A palavra do momento é aquela famosa frase – provavelmente mentirosa –
sobre a “mulher de César” (quem era ela, mesmo?). Segundo essa hipocrisia
cansativamente repetida por 11 jornalistas entre cada 10, ela deveria não só
ser, como parecer honesta. Ninguém conferiu, no entanto, se era isso mesmo que
ocorria naqueles tempos de traições e golpes baixos E alguém de fato acreditava
nessa coisa? Repetida a frase, todo mundo seguia adiante, como se nada tivesse
acontecido, e assim segue a vida. Em todo caso, já aquecendo os músculos para a
maratona do ano seguinte, os principais candidatos a qualquer coisa, estão em
busca de novos laranjas naquele cantinho da Ucrânia cuja soberania ainda
permanece indeterminada, pelo menos enquanto durar o reinado do neoczar. Vão
precisar de um dicionário de bolso russo-português, mas nada que a Amazon não
possa encontrar, inclusive em formato Kindle, o que facilita um bocado os
negócios. Estima-se novo equilíbrio no balanço de pagamentos da Ucrânia
oriental, a ponto de poderem até emprestar para a pátria-mãe, caso as sanções
se agravem no futuro imediato.
5) PEC dos Gastos ganha Emenda constitucional: banda
da inflação
Com o agravamento da
situação fiscal dos estados e municípios, e sem a possibilidade de criar novos
ou amentar os impostos já existentes, os parlamentares resolvem fazer um favor
a seus amigos governadores e aprovam uma emenda à emenda constitucional (de
número 117, na sequência linear) sem mudar o vínculo dos gastos públicos à
inflação, mas criando uma banda para o número, que deixa de ser um número e
passa a ser um espaço flexível, com trezentos pontos-base para lá e mais
trezentos para cá. Chamado de “nova banda diagonal endógena”, o sistema,
engenhoso, como se vê, vai permitir salvar “gregos e goianos”, empurrando as
obrigações futuras para os tataranetos dos atuais estudantes do ensino
fundamental. Trata-se de um novo conceito de ajuste gradual e seguro,
compatível com a qualidade reconhecida dos melhores economistas da UniCamp e
adjacências. Os brasileiros, sobretudo os desempregados, podem dormir
tranquilos: não há que os economista da UniCamp não imaginem que os bravos
representantes do povo deixam de aproveitar em seus labores parlamentares.
6) Trump propõe um pacto de não agressão ao Estado
Islâmico
Ops, esse tipo de
previsão internacionalista não costuma fazer parte do menu habitual de
previsões imprevidentes (e irresponsáveis) já tradicionais neste blog, mas como
é preciso exercer todas as competências que a divina providência nos concedeu,
aqui vamos nós pelos terrenos sempre pantanosos das relações internacionais. O
fato é que o novo, imprevisível e imprevidente, presidente da maior potência
planetária (depois da torcida do
Barça, claro) ainda em estado de propor qualquer coisa fez uma oferta aparentemente irrecusável ao califa-chefe do Daesh,
também conhecido como EI: parar com o mercado de escravas brancas
em troca de deixar estacionados na Turquia os drones ditos inteligentes. O EI
ficou de pensar, e ao que parece só vai parar com seu departamento de operações
estruturadas se a OTAN enviar um suprimento adequado de garotas de programa, de
maneira a aquietar os ardores belicistas dos seus combatentes do profeta.
Não se sabe, no momento do fechamento destas previsões, se negociações sérias
poderiam ser estabelecidas num terreno apropriado, em Genebra ou Viena, de
preferência, com interrupções para algumas escapadas no Folies Bergères.
Voilà:
é tudo que eu posso prometer para o novo ano que pronto se inicia, mesmo
sabendo que minhas previsões imprevidentes são tudo, menos seguras. Não se pode
oferecer certezas num país no qual sequer sabe se vamos terminar o ano com o
mesmo governo. Em todo caso, eu desejo a todos e a todas (ou a todxs, como quer
certo pessoal chatérrimo), um feliz início, um ótimo desenvolvimento e uma
excepcional finalização de um ano altamente incerto, como são, aliás, estas minhas
previsões imprevidentes. Nisso 2017 também me ajuda, já que nem toda bola de
cristal funciona.
Numa coisa, portanto,
estou alinhado com eles: sem os companheiros eu estava me sentindo, como
direi?, órfão, sem qualquer indício de que poderia contar com eles para errar
em toda a linha (ou seja, acertando 100% dos chutes formulados ao longo dos
últimos treze anos durante os quais fui por eles maltratado). Eu lhes sou, de
verdade, devotamente reconhecido: sem sua proverbial inépcia, sua incompetência,
aa tradicional improvisação, a tremenda burrice, a estupidez contumaz e a sua ignorância
crassa, eu teria corrido o risco de acertar algumas, pelo menos, de minhas
previsões ao longo de todo este milênio tão rico de babaquices por eles
perpetradas. Se vocês duvidam do que estou dizendo, basta conferir a série
completa:
Previsões anteriores:
2016:
Para as previsões anteriores a 2016, ver estas duas
postagens:
Preparando as previsões imprevidentes para 2016:
conferindo as de 2015:
e
Preparando as previsões de 2016: algum retrospecto
pode ser útil:
A despeito de tudo, e
desculpando qualquer erro de previsão, feliz 2017 a todos!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 de dezembro de 2016
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