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sábado, 17 de dezembro de 2016

Como o Paraguai foi suspenso do Mercosul - Paulo Roberto de Almeida

Este pequeno artigo meu, escrito aproximadamente no final de abril ou no começo de maio de 2016, foi publicado no blog Cidadãos do Mundo, cujo episódio descrito mereceria ser ampliado e melhor explicado, com base em documentação pertinente (se houver), agora que o governo podre e corrupto dos companheiros já faz parte do passado de nossa diplomacia.
Paulo Roberto de Almeida 

Como o Paraguai foi suspenso do Mercosul em 2012 – Por Paulo Roberto de Almeida*

mercosul

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)
[Uma nota sobre um episódio diplomático ainda obscuro]

A suspensão do Paraguai do Mercosul, em junho de 2012, obtida por pressão conjunta da Argentina e do Brasil sobre o presidente José Mujica, do Uruguai (que relutava em aceitar uma decisão já tomada pelas duas presidentes), e na ausência de autoridades do Paraguai, constitui um dos episódios mais bizarros da diplomacia partidária dos companheiros no poder, que ainda cabe esclarecer, se isso for possível (pois aparentemente não existem documentos explicitando a exata sucessão de fatos).

O processo paraguaio, obviamente, está bem documentado, pois existem atas do Senado do Paraguai que registram como se deu o impeachment de Fernando Lugo, segundo disposições da Constituição do país guarani, ainda que num ritmo acelerado (mas não havia uma previsão quanto aos ritos e etapas, e o presidente teve seu direito de defesa assegurada).

Menos conhecida é como se obteve, na cúpula do Mercosul de Mendoza, em junho de 2012, essa suspensão, supostamente ao abrigo do Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática, mas de fato em total desrespeito a ela, que previa consulta com todas os Estados partes ao Tratado de Assunção. A delegação do Paraguai, seja em nível técnico, preparatório, seja em nível ministerial, seja ainda pela presença do próprio chefe de Estado, foi impedida de comparecer à reunião de cúpula, o que representa uma grave violação dos acordos existentes e uma descortesia diplomática jamais vista no bloco.

Na verdade, a decisão já estava tomada, desde antes da cúpula, como revelado pelas memórias, relativamente sinceras, do presidente do Uruguai José Mujica, publicadas depois que ele deixou o poder.

Transcrevo aqui as palavras de meu amigo Ricardo Seitenfus, historiador, que retoma trechos das “memórias autorizadas” do ex-presidente uruguaio, tal como constantes do livro publicado no ano passado:

Andrés Danza y  Ernesto Tulbovitz:

Una oveja negra al poder: confesiones e intimidades de Pepe Mujica

(Montevideo: Editora Sudamericana, 2015)

“Nas páginas 225-227, o ex-Presidente uruguaio relata de maneira surpreendentemente franca, como foi construído, sob a liderança de Dilma Rousseff, o ‘indispensável consenso’.

Sentindo-se herdeiro dos responsáveis pela destruição de uma das principais economias latino-americanas quando da Guerra da Tríplice Aliança no século XIX, Mujica se opunha à adoção de sanções que suspendessem o Paraguai do Mercosul. O episódio narrado a seguir o fará mudar de ideia. Deixemos a palavra com Pepe Mujica.

[tradução livre de Ricardo Seitefus]:

“Uma das pessoas de maior confiança de Mujica recebeu um telefonema de Marco Aurélio Garcia, braço direito de Dilma, que informa:

– Dilma quer transmitir uma mensagem muito importante ao Presidente Mujica, disse o funcionário brasileiro.

– Não há problema. Os colocamos em comunicação, respondeu o uruguaio.

– Não, não pode haver comunicação nem por telefone nem por mail,argumentou Garcia.

Um encontro tão fugaz e repentino entre Presidentes seria suspeito. Assim, o Governo brasileiro resolveu enviar um avião a Montevideo para conduzir o emissário de Mujica à residência de Dilma, em Brasília.

Na reunião o funcionário uruguaio apanhou uma caderneta para fazer anotações e Dilma o obrigou a rasgar os papéis.

– Sem anotações. Esta reunião nunca aconteceu, disse ela.

Durante a conversa, Dilma mostrou fotos, gravações e relatórios dos Serviços de Inteligência brasileiro, venezuelano (sic) e cubano (sic) que registravam como foi articulado um “golpe de Estado” contra Lugo por um grupo de “mafiosos” que a partir da queda do Presidente assumiriam o poder.

– O Brasil necessita que o Paraguai fique fora do Mercosul para que logo sejam organizadas eleições, concluiu Dilma”.

Para Pepe Mujica a lição do episódio é clara: “prevaleceram as relações pessoais. Às vezes é mais importante uma boa sintonia entre um grupo de Presidentes do que os mecanismos jurídicos que foram construídos durante anos. Isso foi o que aconteceu no Mercosul”.

Retomo (PRA):

Mujica ainda relutou, em Mendoza, na aplicação da sanção ao Paraguai, aconselhado por seu ministro das relações exteriores, quanto ao não seguimento do ritual previsto no Protocolo de Ushuaia. Cristina Kirchner e Dilma Rousseff obtiveram de Mujica que todos os chanceleres fossem afastados da reunião, e sozinhas, as duas presidentes conseguiram dobrar Mujica até que ele concordasse com a suspensão.

Este episódio precisa ser esclarecido totalmente, pois constitui uma das muitas zonas de sombras da diplomacia partidária conduzida, ao arrepio do Itamaraty, nos últimos treze anos, quando muitas iniciativas e episódios se fizeram à margem e no desconhecimento da diplomacia profissional.

Um episódio mais recente, que também pede esclarecimento, é o do levantamento da questão de eventual consideração da suspensão do próprio Brasil, ao abrigo das chamadas “cláusulas democráticas” da Unasul e do Mercosul, quando o assessor presidencial para assuntos internacionais, um apparatchik da PR (aliás o mesmo que atuou no caso do Paraguai e em diversos outros casos obscuros também), tentou fazer com que esses órgãos abordassem o caso do pedido de impeachment no Brasil. Não se sabe quais ordens foram dadas pela presidência à chancelaria brasileira, e a seu assessor presidencial, para que tal iniciativa fosse tomada.

A história da diplomacia brasileira nos anos obscuros do lulopetismo tem muitas incógnitas e episódios bizarros, como esses. Um dia eles serão esclarecidos.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado do Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

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