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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Uma critica minha a keynesianos e unicampistas, de 2005 - Paulo Roberto de Almeida

No início do primeiro mandato do governo Lula, ante à continuidade das mesmas linhas gerais de política econômica adotadas na gestão anterior de FHC-2, economistas keynesianos e unicampistas em geral se desdobraram em críticas acérrimas ao suposto modelo "neoliberal", pretendendo fazer algo que eles finalmente conseguiram fazer a partir do segundo mandato de Lula e sobretudo no primeiro mandato de sua sucessora, ou seja, aplicar as suas receitas keynesianas e unicampistas à gestão econômica. Eles publicaram um livro com suas receitas no final de 2003.
Deu no que deu, e contemplamos hoje (2015-2016) toda a extensão do desastre, que eu chamo de A Grande Destruição.
Pois bem, em 2005 eu efetuei uma longa resenha -- na verdade uma glosa de extratos do livro, seguida de comentários meus -- jamais publicada, desse livro que prometia oferecer uma política econômica alternativa à que era seguida pelo então ministro Palocci.
Não que eu tivesse a pretensão de defender o então ministro que caiu por corrupção ao final do primeiro mandato, mas é que as receitas dos "desenvolvimentistas" eram por demais rústicas para o meu espírito crítico.
Como essa resenha crítica nunca foi publicada, eu a posto aqui para demonstrar que os keynesianos de botequim e os unicampistas de circo nunca desistiram de aplicar suas receitas. Eles finalmente conseguiram, no mandato de uma outra unicampista que provou, sobejamente, que essa turma é capaz de tudo para destruir a economia brasileira.
Conseguiram, parabéns.
Mas não foi por falta de alertas e advertências.
Pelo menos da minha parte.
Eis o que eu escrevia então...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de janeiro de 2016


Um novo modelo econômico para o Brasil

Comentários e observações de Paulo Roberto de Almeida ao livro Agenda Brasil
(destacados entre parênteses e iniciadas com a sigla PRA)
Brasília, 26 de dezembro de 2005.

Sumário do livro:
João Sicsú, José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula (orgs.)
Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços
(Barueri-Rio de Janeiro: Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p)

O texto apresentado a seguir é um sumário das principais proposições contidas no livro "Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços", publicado pela Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer, 2003, 390 p., tendo como organizadores e autores, João Sicsú (UFRJ), José Luís Oreiro (UFPR) e Luiz Fernando de Paula (UERJ) e os demais autores: Carmem Feijó (UFF), Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Fernando Ferrari-Filho (UFRGS), Guilherme Jonas (UFPR), Helder Ferreira de Mendonça (UFF), Jennifer Hermann (UFRJ), Marco Crocco (UFMG), Renaut Michel (UCAM), Rogério Sobreira (EBAPE/FGV) e Sidney de Castro Oliveira (UFRJ).

O livro Agenda Brasil foi lançado no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro de 2003 (na livraria Letras & Expressões) e, posteriormente, em Campinas, Curitiba e Belo Horizonte. Algumas fotos do lançamento do Rio, assim como a capa, o sumário e opiniões dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira, João Sayad e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o livro, podem ser encontradas no site www.ie.ufrj.br/moeda


1. Alguns pressupostos do Agenda Brasil
Agenda Brasil é um livro de diagnósticos e propostas para transformação da realidade econômica brasileira. Foi concebido por iniciativa do Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro, grupo de natureza interinstitucional (UFRJ, UERJ, UFPR, UFF, EBAPE/FGV, UFMG e UFRGS) sediado no Instituto de Economia da UFRJ. Propõe-se no livro uma alternativa de modelo de política econômica factível que, portanto, pode e deveria ser adotado no País. Não se propõe um modelo de ruptura - o que se propõe é uma transição processual e reformista.
(PRA: a despeito da ressalva, o livro e o conjunto de propostas formuladas por seus autores constituem, sim, um modelo de ruptura, não com o capitalismo, obviamente, pois subsistem muito poucos defensores de qualquer modo de produção alternativo ao existente, mas uma ruptura com a gestão “conservadora” em economia, que na verdade nem chega a ser uma proposta “revolucionária”, mas sim “passadista”, reacionária, no sentido em que se propõe a volta com receitas e recomendações seguidas no passado e que já provaram ou sua inocuidade ou sua nocividade do ponto de vista da boa gestão macroeconômica do país. Não se deve ter nada contra, em princípio, promessas de “ruptura”, pois por vezes elas são necessárias, mas seria importante assumi-las pelo que elas são, não negar-lhes o caráter de profunda inversão do modelo econômico seguido pelo país nos últimos dez anos, que é o que propõem, justamente, este livro e os seus autores. Não se deve ter medo de assumir a responsabilidade intelectual por propostas de ruptura: eu, por exemplo, também proponho a ruptura com esse “modelo” – vá lá, o termo, com o qual não concordo – mas entendo que a minha proposta vá num sentido contrário ao pretendido pelo grupo autor do livro, já que não proponho mais intervenção estatal na economia – que é, basicamente, o que nos estão prometendo esses autores, mas sim uma liberação geral dos entraves colocados pelo Estado para o livre jogo de mercado e a criação de condições institucionais e estruturais para o investimento privado e a intensificação dos intercâmbios globais, sem os controles que eles ainda pretendem impor, contra todas as evidências de sua ineficiência no passado.)

Agenda Brasil tem como ponto de partida dois pressupostos fundamentais. O primeiro é que o modelo de política econômica adotado a partir de meados da década de 1990 pelo governo brasileiro não conseguiu eliminar os entraves ao crescimento sustentado da nossa economia, que estão fundamentalmente no setor externo.
(PRA: O primeiro pressuposto já parte de um diagnóstico errado, uma vez que ele parte de uma afirmação não fundamentada, que consiste em acusar um suposto modelo, não definido e não formalizado explicitamente, por um suposto fracasso, a de superar os entraves ao crescimento econômico do país, cuja responsabilidade vai muito além de um simples “modelo” de política econômica, e toca nas próprias instituições do país, atingindo sua estrutura econômica e as condições nas quais se movem os agentes econômicos. Por outro lado, esse “pressuposto” parte de uma “constatação” no mínimo incorreta, e em grande medida equivocada ou exagerada, que seria a transferência de nossos fracassos em manter um ritmo de crescimento sustentado para o plano externo, descurando por completo sua natureza essencialmente interna. O chamado “estrangulamento externo” constitui a mais freqüente “obsessão” dos nossos economistas ditos “estruturalistas”, desde a era Prebisch, pelo menos. Se, em algum momento, esse “estrangulamento externo” representou algum tipo de entrave ao processo de desenvolvimento do Brasil, há muito tempo ele deixou de desempenhar esse papel, e a ênfase exagerada em sua importância recorrente constitui a mais notável miopia analítica desse conjunto de economistas. Nossos entraves ao crescimento não estão, como afirmado, “fundamentalmente no setor externo”, mas são, em sua maior parte, localizados no próprio Brasil. Não reconhecer isso, quando o mundo cresce muito mais do que o Brasil, é de uma miopia incompreensível para economistas supostamente bem informados.)

Em outras palavras, o tripé de política econômica adotado a partir de 1999 – baseado na geração de superávits primários elevados (atualmente em 4,25% do PIB a.a.), metas de inflação e regime de câmbio flutuante – não tem garantido o crescimento sustentado. De fato, a tendência da economia brasileira nos últimos anos tem sido de semi-estagnação, com crescimento médio de 2,0% a.a. no período 1996/2002.
(PRA: Os autores não reconhecem a existência de um problema fiscal no Brasil. Para eles, a geração de superávits é uma mera perversão das autoridades econômicas, algo como uma maldade gratuita, como se os líderes políticos gostassem de infligir ao país sofrimento desnecessário. Da mesma forma, metas de inflação e regime de câmbio flutuante são condenáveis em si, apenas pelo fato de não “entregarem” crescimento sustentado, como se medidas de política monetária, em seu sentido estrito, tivessem a obrigação de fazer algo mais do que são supostas fazer, isto é, garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, e como se o crescimento tivesse de ser o resultado obrigatório de sua implementação, na ausência de quaisquer outras políticas ou práticas associadas ao meio ambiente macroeconômico que deve embasar o processo de crescimento, que também requer condições institucionais e infra-estruturais, inclusive no plano microeconômico para sua manifestação adequada.)

Em segundo lugar, a economia tem se caracterizado por ciclos da conhecida forma stop-and-go cujos ritmo e amplitude são determinados essencialmente pelos humores, vontades e expectativas dos mercados financeiros doméstico e, principalmente, internacional.
(PRA: Não é principalmente “internacional” o condicionante essencial do atual ciclo de stop-and-go da economia brasileira, e sim de ordem interna. Por outro lado, não são os humores dos mercados financeiros que determinam seu comportamento, e se fossem, eles seriam favoráveis, pois a oferta de liquidez tem sido adequada, assim como a disponibilidade de investimentos externos. As razões devem ser buscadas em outra parte, mas suspeito que os autores do livro partiram da “idéia fixa” das limitações externas, e financeiras, ao crescimento econômico. Tal obsessão deveria merecer um pouco mais de fundamentação empírica.)


2. As Linhas Gerais de um Novo Modelo Econômico
2.1)-O Brasil é um caso relativamente singular dentre os países chamados emergentes, já que as políticas liberais-conservadoras sugeridas pelo Fundo Monetário Internacional eram e são adotadas voluntariamente pelos nossos governos – até recentemente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma eventual reorientação da política econômica doméstica só seria possível com a liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo. A principal proposição relativamente ao FMI é precisamente a não submissão às suas idéias, não renovando acordos, especialmente aqueles que não são necessários e recuperando, desta forma, a autonomia de decisão doméstica sobre políticas macroeconômicas e reformas institucionais.
(PRA: Ao contrário do que dizem os autores, as políticas recomendadas pelo FMI não foram e não são adotadas voluntariamente pelas autoridades econômicas, mas apenas in extremis, na iminência de um crise econômica ou de uma ruptura de pagamentos externos. O qualificativo de “liberais-conservadoras” dado a essas políticas já revela o ânimo dos autores de mais acusar do que de explicar, ou de justificar o apelativo, que em si não quer dizer absolutamente nada, pois da mesma forma se poderia qualificar suas propostas de “intervencionistas-revolucionárias”, sem que isso acrescente qualquer coisa de útil ao debate econômico.
            Em segundo lugar, a “liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo” não muda absolutamente nada o caráter e o conteúdo das políticas econômicas internas, que não são determinadas pelo Fundo, mas decididas pelas autoridades com base numa avaliação da situação concreta. Tanto é assim que a não recondução do acordo com o FMI, em março de 2005, e a “liquidação” antecipada das amortizações devidas não significou nenhuma mudança fundamental, não na orientação, mas na situação econômica do Brasil. O Brasil tem autonomia “recuperada”, mas o que isso implica em termos de condições macroeconômicas concretas? Nada além disso: podemos decidir nós mesmos o que fazer com as orientações de política econômica. Isso não muda em nada a situação fiscal e a natureza dos entraves ao nosso processo de crescimento, que continuam pesando sobre nós mesmos como antes.
A tentativa de “externalizar” nossos problemas fundamentais constitui a mais notória, e a mais ineficiente, escapatória aos nossos problemas básicos, que são todos “made in Brasil”. Não reconhecer isso é querer jogar areia nos olhos de quem deve participar desse debate de forma consciente e bem informada. Não preciso reafirmar aqui que essa ênfase exagerada no caráter externo dos nossos problemas constitui o mais sério impedimento a seu encaminhamento de modo satisfatório.)


2.2)-Com relação a política antiinflacionária, defende-se que se evite utilizar a taxa de juros para controlar a inflação. A elevação da taxa de juros básica (a taxa Selic) somente é capaz de reduzir a inflação se causar redução dos gastos de consumo e investimento, gerando desemprego, reduzindo a demanda e inibindo, em conseqüência, o empresariado a reajustar seus preços - já que o contexto torna-se bastante desfavorável. Utilizar a taxa de juros para combater a inflação é o mesmo que gerar desemprego para combater a inflação, o que não é aceitável dentro de um novo modelo econômico que visa o crescimento sustentável com equidade social. Assim, propõe-se elaborar um conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços. Por exemplo, proibir a indexação de quaisquer preços da economia, entre esses, tarifas de serviços públicos, aluguéis, salários etc. Organizar câmaras setoriais para sincronizar aumentos salariais e/ou margens de lucro com aumentos de produtividade.
(PRA: Os autores pretendem retirar a cobra da cesta tocando flauta. Propõem que não se use a taxa de juros para combater a inflação, mas não têm nada a propor em troca, a não ser a proibição da indexação de preços e a negociação entre setores interessados, justamente, na alta de seus “preços” relativos, que são os salários e os lucros. Poucos preços são indexados hoje na economia brasileira, e esses que o são deveriam, de fato, sofrer um processo de desindexação, com base numa maior abertura da economia à concorrência, pois eles estão, justamente, em setores relativamente oligopolizados ou cartelizados, que mereceram tal “proteção” no passado, em virtude dos processos de privatização e desestatização, para criar as condições de atratividade aos investimentos, o que hoje não se justifica mais.
            Esse “conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços” que eles pregam não têm nenhum sentido, a não ser que pretendam a volta aos controles de preços ou, justamente, essas “câmaras setoriais”, que nunca resolveram nada, a não ser estabelecer um “pacto perverso” pelo qual os atores em pauta transferem para o resto da sociedade sua avidez por salários e lucros maiores. Já vimos esse filme no passado, ele não resolveu nada e não pode resolver, a não ser manter o ímpeto inflacionário.
            O alegado objetivo do “crescimento sustentável com equidade social” não quer dizer absolutamente nada, pois ninguém seria a favor do não crescimento com aumento das desigualdades. É o que se chama de proposta inócua, pois apenas essa afirmação não constitui um novo “modelo econômico”. Modelos, em princípio, não existem, mas se os autores pretendem propor algum precisariam sair do nível de generalidade em que se situam. A renúncia à alavanca dos juros, por exemplo, pode ser uma proposta concreta, mas se eles não dizem o que vão colocar no seu lugar, isso tem tanta consistência quanto um pudim de clara de ovos. Os “instrumentos”que eles propõem são risíveis ou ineficientes como “controle de preços”: já provaram no passado não funcionar e continuarão não funcionando no presente e no futuro.)

Ademais, seria necessário substituir importações, estabelecer um novo regime cambial e controlar o movimento internacional de capitais financeiros para reduzir a "importação de inflação", que contamina a economia doméstica seja pelo aumento do preço do dólar, seja pelo aumento do preço em dólar de produtos adquiridos no exterior.
(PRA: os autores nos garantem aqui um conjunto de medidas que seriam inflacionárias e “produtoras” de fuga de capitais, sem assumir nenhuma responsabilidade pelos efeitos deletérios que essas medidas teriam sobre o conjunto da economia. Há praticamente dois anos o país convive com a baixa do preço do dólar, o que também para eles deve ser deletério, pois pretendem um “câmbio administrado”. Faltou dizer em benefício de quem, pois qualquer “preço cambial” produz “ricos” e “pobres” numa ou noutra ponta da equação, que o que se presume que resultaria da sua política de administração cambial seria uma transferência de renda do conjunto da sociedade para os exportadores brasileiros, que assim se veriam desobrigados de investir em ganhos de produtividade e melhorias na sua competitividade internacional. Trata-se de um Robin Hood às avessas, pois a erosão cambial torna a todos mais pobres, e apenas alguns mais ricos.
“Substituir importações” é apenas um novo nome para protecionismo tarifário, “defesa” cambial e outros mecanismos defensivos em política comercial. Trata-se de um “tiro no pé”, da mesma forma como o controle de capitais, que só consegue impedir o ingresso de investimentos, mas não a saída de capitais – nacionais – da economia.)


2.3)-No que se refere ao regime cambial, propõe-se substituir o regime atual de flutuação cambial pura e livre por um regime de minidesvalorizações programadas da taxa de câmbio (ou seja, crawling-peg ativo com regras implícitas e flexíveis). A livre e plena flutuação da taxa de câmbio, num contexto de grande mobilidade de capitais, gera uma grande volatilidade da taxa de câmbio, a qual, por um lado, dificulta a gestão da política macroeconômica e, por outro, aumenta a incerteza entre os tomadores de decisão a respeito de valores futuros, tais como, custo de produção/comercialização e receitas de exportação. Essa incerteza adicional desestimula o investimento, reduzindo o crescimento econômico.
(PRA: O que os autores propõem é um mecanismo automático e regular (isto é, recorrente) de realimentação da inflação, ademais de um “prêmio” aos ineficientes que não gostam de competir com ofertantes externos. Quem não gosta de volatilidade na taxa de câmbio prefere, certamente, a promessa de uma pressão permanente sobre os preços, o que faz com que todos os agentes tenham certeza de que podem corrigir os seus preços num determinado patamar, o que, pela “lei” das antecipações, se traduz por uma correção preventiva maior do que a estabelecida no mecanismo oficial de crawling-peg. Os autores devem adorar exportadores ineficientes e gostam de infligir sofrimento ao conjunto da população.)

 Neste contexto, é necessário a adoção, por parte do Banco Central do Brasil, de um regime cambial que: (i) permita a manutenção da taxa real de câmbio num patamar consistente com a obtenção de grandes superávits na balança comercial, (ii) auxilie na redução da volatilidade da taxa de câmbio e (iii) auxilie na manutenção da estabilidade do nível de preços. Esse regime necessariamente deve ser apoiado por medidas de controles sobre o fluxo internacional de capitais e pela formação de um montante considerável de reservas por parte do Banco Central.
(PRA: Pretender fixar a “taxa real de câmbio” é como ter uma bola de cristal, o que não parece estar ao alcance desses autores, nem do próprio Banco Central. Em lugar de grandes superávits na balança comercial, o que qualquer país deve pretender são grandes fluxos em ambos os sentidos das transações correntes, pois isso assegura um nível adequado de irrigação da economia em divisas, o que diminui, ipso facto, o grau de volatilidade no setor externo. Esse fluxo ampliado também contribui para gerar maior estabilidade nos preços internos, pois a concorrência na oferta é a melhor garantia de que os ofertantes internos não possam impunemente aumentar os seus preços.)


2.4)-No contexto de uma nova arquitetura de política econômica, em que se introduzem
controles de capitais e uma política antiinflacionária não-monetária, e considerando o nível corrente relativamente alto da capacidade ociosa da industria brasileira, sustenta-se que é possível fazer uma redução firme e gradual na taxa básica de juros (taxa Selic) para um patamar real de 6% (ou um pouco menos) ao ano - patamar necessário e compatível com um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. A taxa de juros é muito alta no Brasil porque o governo atribui a mesma múltiplas funções: combate a inflação, equilíbrio do balanço de pagamentos e rolagem da dívida pública.
(PRA: Diagnóstico exemplarmente equivocado. A taxa de juros é alta no Brasil porque acumulamos muitos passivos não cobertos pelos orçamentos correntes, o que é na essência um problema fiscal. O problema dos autores é que eles não reconhecem a existência de um problema fiscal no brasil. Ainda que se admita que os juros no Brasil são absurdamente altos, e que o BC exagera na dose, não há como resolver o problema dos juros no Brasil sem corrigir as distorções fiscais, sem abrir o sistema de crédito a mais concorrência e sem diminuir a pressão “extrativa” do Estado brasileiro sobre o conjunto da economia.)

2.5)-Defende-se uma estratégia de sustentabilidade da dívida pública e de política fiscal ativa gerando-se – inicialmente - um superávit primário de 3,0% do PIB. A estabilização da dívida pública como proporção do PIB não depende apenas do superávit primário, mas na realidade da combinação entre superávit primário/crescimento do produto/taxa real de juros.
(PRA: Os comentários anteriores permanecem válidos aqui também. Um superávit primário de apenas 3% será suficiente quando a dívida pública no Brasil tiver caído para menos de 30% do PIB. O crescimento é importante, mas o problema brasileiro é justamente o de ter crescimento insuficiente, e isso tem outros fatores que não apenas os juros.)

(PRA: Pretender isso é magia econômica, sem dar os meios.)

Nossas estimativas indicam que um superávit primário de 3,0% do PIB, em conjunto com uma taxa real de juros de 6% e um crescimento econômico de 5,0% ao ano, seria suficiente para reduzir a dívida para menos de 50% do PIB até 2011 e para possibilitar a implementação de políticas fiscais ativas com a realização de obras de infra-estrutura e programas sociais abrangentes.
(PRA: Correto, mas o problema é que já estamos com 51% do PIB na dívida e o esforço fiscal tem de ser bem maior. O crescimento nesse nível não virá e a taxa de juros não será reduzida apenas politicamente.)

Contudo, deve-se reconhecer que a meta 3% do PIB para o superávit primário que foi sugerida para um período tão longo é bastante cautelosa, já que o superávit primário deve ser determinado por um conjunto de fatores que se alteram ao longo dos anos: capacidade ociosa existente, taxa de desemprego etc. Em outras palavras, esta meta poderia ser revista caso as condições fossem extremamente favoráveis, como um crescimento continuado do PIB superior a 5% ao ano ou, alternativamente, caso as condições fossem desfavoráveis, isto é, diante de uma taxa de desemprego muito elevada.
(PRA: O problema é que as condições são extremamente desfavoráveis...)


2.6)-A introdução de controles na entrada e saída de capitais é uma medida fundamental para viabilizar um novo modelo econômico. Os objetivos fundamentais da proposta de política de controles de capitais para o Brasil são: (i) permitir maior autonomia da política monetária, fiscal e cambial; (ii) garantir o equilíbrio do saldo em transações correntes do balanço de pagamentos, ao impedir que a entrada de grandes fluxos de capital no país gere uma forte apreciação da taxa real de câmbio; (iii) reduzir a volatilidade da taxa de câmbio. A mudança do regime cambial e a redução da taxa de juros para patamares compatíveis com o crescimento a um ritmo de 5,0% ao ano requer a redução do grau de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos brasileiro. Isso pode ser obtido com medidas como a introdução de depósitos compulsórios não remunerados por um período de 1 ano sobre os capitais externos que entram no país e pelo aumento considerável do IOF sobre todas as aplicações financeiras de não-residentes no Brasil, além de outras medidas complementares, como limitação a exposição dos bancos ao risco cambial e o estabelecimento de limites e regras para a movimentação de recursos da Conta CC5.
(PRA: A política proposta redundaria não apenas em que não teremos mais capitais entrando, como os capitais nacionais procurariam rapidamente a porta de saída. Trata-se de retrocesso inacreditável na política econômica.)


2.7)-A compatibilidade entre uma nova política macroeconômica com políticas setoriais (política industrial e tecnológica, política de investimentos em infra-estrutura, etc.) é vital para viabilizar um crescimento econômico sustentável, de modo a superar tanto o estrangulamento externo quanto possíveis gargalos no processo de crescimento (ex: energia elétrica). Para tanto, deve-se construir a confiança no desempenho futuro da economia através de políticas macroeconômicas e industriais apropriadas. A responsabilidade pela criação de um ambiente seguro e positivo ao crescimento econômico depende do Estado que deve desenvolver instrumentos e mecanismos de coordenação entre os agentes econômicos em torno de um projeto comum de desenvolvimento.
(PRA: Nada contra “políticas adequadas”, mas no Brasil “políticas setoriais” sempre são favorecimento a setores específicos, ou transferência de dinheiro para quem já é rico, como os industriais da FIESP e outros espertos que “provam” que o seu setor é “estratégico” para a economia nacional. Estratégico para mim é educação de qualidade, todo o resto pode ser fornecido pelo mercado, inclusive educação aliás.)


2.8)-Neste contexto, deve-se estimular e criar condições para a retomada do investimento produtivo de forma sustentada. A retomada do investimento deve visar a redução da dependência de capitais externos e o aumento da produtividade, do salário real e do nível de emprego. Por exemplo, a política industrial deve ser discricionária, tendo como norteador a necessidade do país gerar superávits comerciais para diminuir a nossa vulnerabilidade externa. A política de emprego deve simultaneamente promover o aumento dos postos de trabalho, via aumento do investimento e do gasto público, e reduzir o grau de informalidade, através de políticas de apoio às pequenas e médias empresas, incluindo a agricultura familiar.
(PRA: Parece que os autores nunca ouviram falar de constrangimento fiscal. O Estado não tem dinheiro nem para os gastos correntes, quanto mais para aumentar investimentos públicos em setores geradores de emprego. Reduzir “dependência” de capitais externos é outra obsessão desses economistas, quando apenas países com contas desequilibradas apresentam essa dependência.)


O livro "Agenda Brasil" contém ainda propostas em outros campos cruciais para a construção de um novo modelo econômico, tais como, a necessidade de instituição de mecanismos privados de financiamento de longo prazo na economia, o reordenamento dos instrumentos de financiamento para o desenvolvimento regional e a implantação de instrumentos que visam a melhora da distribuição da renda no País.
(PRA: Pela primeira vez se fala em mecanismos privados de financiamento, o que é de certo modo surpreendente, quando ele deveria estar na base do processo de crescimento. “Construção de um novo modelo econômico” é uma frase de efeito, que não quer dizer absolutamente nada, ou tudo, depende de como se olha o processo. Os autores, por exemplo, acreditam em mais intervencionismo estatal, em controles de capitais, em papel primordial do Estado como investidor primário e coisas do gênero. Acho que eles vão continuar ensinando nos bancos universitários, pois parecem pouco preparados para administrar o país real.)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de dezembro de 2005.

E ja que falei do Premio Nobel "uniCampista" Joseph Stiglitz, aqui vai mais uma critica (2006)

Recordar é viver, dizem. Como estou simplesmente selecionando textos meus sobre política econômica ao longo da era do lulopetismo (essa mesma que provocou a Grande Destruição que estamos vivendo atualmente), e como outro dia falei desse prêmio Nobel que ainda precisa aprender economia, acabei descolando este outro, que ainda está disponível num antigo site meu.
Tem até um comentário ao final de um aluno leitor, que lamenta não poder usar meus argumentos contra o seu professor...
Lamentável, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12/01/2016


1526. “Cinco mitos econômicos mistificados por um prêmio Nobel”, Brasília, 8 janeiro 2006, 3 p. Observações tópicas a resenha-artigo de André de Melo Modenesi (Valor Econômico, 06.01.06, pág. A8), em torno de posições de Joseph Sitglitz no livro Os exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história. Postagem n. 139, no meu primeiro blog, homônimo, link: http://paulomre.blogspot.com/2006/01/139-cinco-mitos-econmicos-mistificados.html.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Prioridades possiveis em uma administracao racional - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Existe algum risco de que a atual administração dos petralhas se converta em algo próximo do racional? Nenhum. Portanto, esqueçam. Mas eu já tinha descoberto isso em 2006, e vai aqui reproduzido um artigo de ocasião.
Paulo Roberto de Almeida


Prioridades possíveis em uma administração racional

Paulo Roberto de Almeida

Todo mundo tem a sua pequena lista de tarefas urgentes e inadiáveis a serem feitas no Brasil: se consultarmos os representantes do povo, eleitos para isso mesmo, eles já têm pronta uma lista enorme de projetos a serem implementados com a máxima urgência possível, com a particularidade de que são todos nas respectivas circunscrições eleitorais, obviamente. Se perguntarmos a um conclave de universitários, reunidos, por exemplo, numa dessas conferências anuais da SBPC, eles também terão a sua lista de prioridades, geralmente vinculadas à ciência e tecnologia, ao investimento em educação, incentivo à pesquisa, aumento de salário aos professores – notoriamente defasados –, financiamento às universidades e coisas do gênero. Se falarmos com os industriais, ou aos agricultores ou, ainda, aos simples trabalhadores do campo e da cidade, cada uma dessas categorias terá uma lista de medidas urgentes a serem tomadas pelo governo, sob risco de desemprego, insuficiência alimentar, deterioração das condições de vida ou sabe-se lá o que mais.
Recursos orçamentários são, por definição, escassos, como mais de um governo “comprometido com o povo” descobriu no dia ou nas semanas seguintes à vitória nas eleições. Não dá, obviamente, para fazer tudo ao mesmo tempo ou sequer no tempo total do mandato. Como já disse alguém, “não espere que eu faça em quatro anos aquilo que não foi feito nos últimos 500 anos”. Elementar, não é mesmo? O problema é que as pressões emergem de todo lado, cada grupo de interesses, cada categoria social berrando pela sua fatia do orçamento e os políticos estão aí para isso mesmo: para fazer chantagem com o governo de plantão, só dando o seu voto depois de ter assegurado o financiamento para o seu projeto particular. O resultado é o pior possível, com a fragmentação total do orçamento público em uma miríade de pequenos projetos, quando não, o esquartejamento puro e simples dos recursos escassos em uma variedade de pequenos gastos, que não resolvem qualquer dos grandes problemas sociais do país, e mantém intactos os pequenos problemas com sua resolução parcial mediante uma parte da verba originalmente pedida.
Pois bem, a intenção do presente exercício é outra. Seria a de tentar concentrar os recursos disponíveis mediante sua focalização nos melhores projetos disponíveis. O critério básico é o de encontrar as prioridades sociais efetivas, isto é, aquelas ações que redundam no maior efeito social possível, alcançando o maior volume de pessoas que exibem carências detectáveis que redundam em perdas sociais mensuráveis. A aplicação dos recursos disponíveis – por definição, escassos, como sempre – tem de ser feita com a melhor eficácia possível no dispêndio, o que os economistas usualmente chamam de custo-benefício, ou seja, o maior retorno alcançável pelo dinheiro aplicado. Por fim, a ação visada precisa apresentar eficiência; em outras palavras, estender benefícios ao maior número com efeitos permanentes de bem-estar, contribuindo para a elevação dos índices de produtividade social (direta ou indiretamente).
Com base nessa trilogia – prioridades efetivas, custo-eficácia e eficiência – podemos traçar uma escala de ações prioritárias que poderiam ser implementadas por um governo interessado em corrigir as distorções mais gritantes existentes na sociedade brasileira, quais sejam, a desigualdade, a má educação, a infraestrutura precária e uma baixa produtividade geral no sistema produtivo. Não consideremos, aqui, demandas de grupos ou, mesmo, a escassez de recursos. Vamos simplesmente supor que temos um volume de recursos dado, mas que precisamos escolher apenas as ações mais prioritárias dentre as prioridades governamentais, deixando para depois as menos prioritárias. Numa segunda etapa, pode-se discutir a disponibilidade de recursos. Não vamos, tampouco, considerar o sistema político, mas sim uma organização a mais racional possível, que aja com base na já mencionada eficácia e eficiência máximas dos investimentos feitos.

Escala de prioridades com o máximo de retorno social e econômico

1) Melhoria da qualidade da educação com gerenciamento eficiente dos recursos
     (a) alcançar a cobertura máxima de crianças escolarizáveis, entre 2 e 17 anos, o que implica ampliar a pré-escola e redimensionar a rede escolar espacialmente; concentrar recursos no básico (fundamental e médio) e no técnico-profissional;
     (b) ampliar a permanência escolar no ciclo fundamental público, estendendo o período de estudo efetivo na escola; vincular programas do tipo bolsa-escola aos programas de assistência social;
     (c) aperfeiçoar a formação dos professores dos ciclos infantil, fundamental, médio e técnico-profissional públicos, com incentivos financeiros segundo o desempenho, medido pelo aproveitamento efetivo do estudante (abolido o critério da aprovação automática); recursos de tecnologia de informação devem estar concentrados no professor e nos centros de documentação e bibliotecas das escolas;
     (d) mudanças curriculares de molde a reforçar o núcleo básico de estudos (língua nacional, ciências, matemáticas e estudos sociais), com opções de disciplinas suplementares disponíveis segundo os recursos apresentados, e decisão a ser tomada de forma descentralizada pelos conselhos de educação em nível municipal e associações de pais e mestres nos diversos centros escolares;
     (e) eficiência na gestão escolar, com estímulos financeiros e funcionais em função da melhoria no desempenho (mais em escala relativa do que absoluta).

2) Melhoria dos padrões de saúde da população mais carente
     (a) ampliar a rede de serviços básicos de saúde, num sentido preventivo e educativo; integração dos serviços de saneamento básico para prevenir doenças infectocontagiosas e prover água de qualidade a todas as comunidades;
     (b) programa nacional de nutrição e alimentação, com seguimento das crianças, integrado aos serviços escolares; formação de recursos humanos em economia doméstica e produção local de alimentos;
     (c) rede integrada de saúde familiar e de hospitais comunitários; equipes volantes permanentes para o controle das doenças transmissíveis e contagiosas; vigilância integrada das gestantes e crianças na primeira idade;
     (d) programas permanentes de riscos de gravidez – com ampla oferta de meios preventivos – e seguimento integral em casos de parto não desejado; programas integrados de abrigo e adoção de crianças;
     (e) melhoria da gestão das redes de saúde e hospitalar, para reduzir a corrupção e os desvios e aumentar a eficiência dos recursos disponibilizados; transparência total das despesas efetuadas, com seguimento integral das operações financeiras e transferências de recursos via Siafi, aberto ao nível das unidades.

3) Eficiência na gestão estatal, com redução da carga fiscal
     (a) Reforma tributária para a redução da carga total sobre o sistema produtivo, segundo programa progressivo em dez anos, com redução de dez pontos do PIB, sendo meio ponto a cada semestre;
     (b) Combate à corrupção no sistema público, por meio de redução ampla da mediação dos recursos pela via política e ampliação da transparência dos gastos públicos, com seguimento integral pela internet; elaboração e execução orçamentárias igualmente disponíveis na internet;
     (c) ampliação do sistema de parcerias público-privadas (PPPs), para o maior número possível de setores envolvidos nos serviços públicos (que não necessitam ser estatais); privatização de atividades que não sejam tipicamente estatais ou públicas;
     (d) consolidação da independência da autoridade monetária como guardiã exclusiva da estabilidade da moeda e da defesa do poder de compra da população;
     (e) ampliação e aprofundamento da legislação sobre responsabilidade fiscal, com desdobramento dos mecanismos preventivos de controle de desequilíbrios potenciais;
     (f) reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, redução dos gastos com os corpos legislativos federal, estaduais e municipais e da própria representação política, hoje superdimensionada; atribuição de diversas funções estatais a novas agências reguladoras independentes; início progressivo do fim da estabilidade no serviço público, com exceção de algumas carreiras de Estado, estritamente definidas; reforma do sistema judiciário para melhoria de sua eficiência.

4) Reformas microeconômicas para a melhoria do ambiente de negócios
     (a) ampla reforma trabalhista num sentido mais contratualista do que com base no diploma legal; eliminação do imposto sindical e da justiça trabalhista, com amplo recurso ao sistema arbitral e criação de varas especializadas na justiça comum;
     (b) redução da informalidade empresarial e trabalhista mediante reformas tributária, regulatória e burocrática; redução dos custos de transação impostos pelo Estado;
     (c) descentralização dos sistemas de compras públicas, com uso ampliado dos mecanismos eletrônicos de oferta, aquisição e controle dos gastos efetuados;
     (d) eliminação dos tratamentos diferenciados entre setores, de maneira a eliminar distorções e competição fiscal danosa aos orçamentos públicos e aos regimes tributários;
     (e) ampliação da competição interna e externa, com eliminação de cartéis e setores oligopolizados, redução do protecionismo alfandegário e maior integração à economia mundial, com abertura ampliada aos investimentos estrangeiros.

5) Segurança pública
     (a) reformulação dos aparelhos policial, penitenciário e de justiça, num sentido preventivo, repressivo e restaurativo;
     (b) diminuição da idade de imputabilidade legal;
     (c) redução dos casos de prescrição de pena e ampliação dos prazos;
     (d) integração do sistema preventivo com os mecanismos de assistência social e de incorporação escolar, para diminuir a delinquência juvenil e a criminalidade envolvendo crianças.

Creio que bastam esses cinco conjuntos de tarefas como indicativo de um esforço concentrado numa agenda transformadora, pois eles me parecem cobrir o essencial dos problemas mais prementes do Brasil atual. Obviamente que se está falando em concentrar a maior parte dos recursos nesses programas, exatamente definidos como “prioridades prioritárias”, sem querer ser redundante. Se isso é verdade, obviamente será preciso deslocar recursos de outros programas, que passam então a ser prioridades secundárias ou “terciárias”. Alguns critérios simples para operar essa “separação” entre “urgências relativas” podem ser usados, como por exemplo:
1) preferir investimentos nos jovens (ou seja, escola e formação) do que nos “velhos” (isto é, a previdência);
2) preferir investimentos na formação básica, média e técnico-profissional, do que gastar sempre mais recursos com o ensino universitário, até agora privilegiado;
3) priorizar a infraestrutura – e dentro dela as possíveis PPPs – do que políticas setoriais que redundem em dar créditos e facilidades para setores já privilegiados, como os industriais ou a agricultura capitalista;
4) priorizar o investimento na pesquisa tecnológica vinculada ao sistema produtivo;
5) reduzir, sempre, os gastos com as atividades-meio – inclusive as de natureza política, já superdimensionada – e concentrar os recursos nas atividades diretamente finalísticas;
6) adotar o perfil competitivo para definir ofertas de serviços “públicos” nos mais diversos setores, inclusive fazendo o Estado funcionar com mecanismos similares aos de mercado.

Estes são alguns dos critérios funcionais e operacionais que poderiam ser mobilizados para estabelecer, e depois implementar, um conjunto bastante restrito, isto é, extremamente seletivo, de políticas públicas a serem detalhadas em programas, projetos e medidas dotadas de continuidade e de sustentação política durante mais de uma gestão presidencial (se possível, estendendo-se por pelo menos dois PPAs, ou mais), de maneira a produzir efeitos transformadores permanentes. Como esses procedimentos envolvem ganhos e perdas para grupos sociais específicos, recomenda-se trabalhar primeiro com um grupo restrito de “tecnocratas” com vistas ao “desenho” global das medidas, para depois levar os temas à discussão pública, com exposição clara quanto aos custos e benefícios de cada uma delas e o sentido político que se pretende imprimir a cada uma.
Como disse ao início deste trabalho, aliás, no próprio título, trata-se de escolher prioridades num sentido absolutamente racional, visando ao melhor custo-benefício de cada uma delas e seu maior efeito social possível. Custos e benefícios podem ser medidos e discutidos de maneira racional, como convém a um governo inteligente e a uma sociedade consciente de seus problemas e desejosa de encontrar as melhores soluções possíveis, em bases igualmente racionais.
Por certo a política nem sempre é racional, uma vez que feita de emoções e de apelos aos sentimentos humanos. Mas é dever do estadista liberar-se das contingências do momento e das pressões dos grupos particularistas para ver a sociedade da perspectiva da próxima geração. A pergunta a se fazer é muito simples: como eu gostaria que a geração passada tivesse me entregue o país? As respostas fluirão naturalmente...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de julho de 2006.

Raizes do colapso brasileiro, um texto de 2006 - Paulo Roberto de Almeida

Um texto de 2006, que na verdade atendia a um pedido de jornalista para comentar o livro de Jared Diamond, sobre o colapso de civilizações, para oferecer comentários à obra e aplicá-la ao caso brasileiro. A despeito dos dez anos decorridos, creio que o diagnóstico e as prescrições se mantêm quase integralmente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/01/2016


Raízes do Colapso

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais. Diplomata.
Respostas a perguntas colocadas por jornalista
do jornal do agronegócio Raízes (São Paulo, SP).


Perguntas e respostas, tendo como referência o livro:
Jared Diamond
Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso
2ª edição; Rio de Janeiro: Record, 2005.

1) Gostaria de contextualizar o livro de Jared Diamond, para o empresário do agronegócio entender porque este livro é nossa referência aqui e por que o senhor foi chamado a analisá-lo. Em sua opinião, o que esta obra trouxe de novo e por que se tornou tão comentada? Por que ela chamou a sua atenção especificamente?

PRA: Eu já conheço a obra desse autor americano, um cientista-pesquisador da área da biologia evolutiva, desde muitos anos, como editor da revista de divulgação científica Discover, da qual eu tinha assinatura nos anos 1980. Mais recentemente li o seu primeiro best-seller Armas, Germes e Aço (ainda na primeira versão americana), que aprecio particularmente, ainda que eu possa criticar a ênfase talvez excessiva nos fatores ambientais, e menos naqueles sócio-culturais ou econômicos, que explicam como as sociedades humanas evoluíram de maneira diferenciada ao longo dos últimos dez mil anos. Trata-se, em todo caso, de uma pesquisa original, de amplo escopo explicativo, trazendo uma macro-história ecológica global da humanidade, nesse percurso muitas vezes milenar que conduziu algumas sociedades à abundância e à liderança tecnológica e outras ao atraso relativo ou mesmo à miséria temporária. Um livro brilhante, sem dúvida, mesmo descontando a já referida ênfase no meio ambiente, em detrimento dos fatores moldados pelo próprio homem.
Era natural, assim, que eu me interesse por este novo livro, sobretudo contendo um título tão accrocheur, como diriam os franceses, ou appealing, no dizer dos americanos. Sempre somos fascinados pelos desastres, pelos fracassos, tanto quanto pelo sucesso e pela prosperidade. Este livro trata do “lado errado” das sociedades, que deveria ser estudado tanto quanto os motivos de sucesso, pois aprendemos mais pelos erros do que pelos acertos. Como se diz, a vitória tem muitos pais, o fracasso tem uma só mãe, quando não é órfã, ou solitária. Casos de insucesso nos negócios, de fracasso completo nos empreendimentos deveriam ser estudados nos cursos de administração, de forma tão detalhada, ou talvez até mais, do que os casos de executivos brilhantes ou de grandes realizações no mundo dos negócios, pois é pelos fracassos que podemos medir nossas chances de sucesso futuro, ou evitar os erros mais comuns.
Como eu acho que o Brasil configura, nos últimos anos, um notório caso de “fracasso” econômico, com um baixo crescimento cumulativo há praticamente duas décadas, fui buscar no livro alguns motivos de reflexão que poderiam me dar algumas luzes sobre as razões do nosso insucesso no crescimento econômico e na inclusão social.

2) O que o senhor destacaria como principais pontos do livro?

PRA: No plano metodológico, a visão macro-histórica já destacada, pois ela permite ver o mundo evoluindo no longo prazo, a trajetória das civilizações, que reproduzem certo ciclo de vida. Ainda no plano metodológico, a perspectiva comparada, que permite ver como algumas sociedades enfrentam problemas de modo criativo, enquanto outras não conseguem superar problemas prosaicos, como pode ser o do simples equilíbrio ecológico, ou da subsistência em meios materiais, que deveria ser objeto de simples planejamento elementar.
No plano substantivo, o livro fornece um amplo painel sobre diferentes caminhos de sociedades do passado e algumas do presente, mostrando, finalmente, que nada é muito novo na trajetória do homem e que os mesmos problemas sempre se colocam de forma recorrente, ainda que os meios técnicos e as paisagens se tenham alterado por vezes de maneira fundamental ou radical, desde a antiguidade, ou na era dos descobrimentos, e em nossa própria época.

3) Que paralelos podemos estabelecer entre a realidade brasileira e os exemplos bem-sucedidos e catastróficos descritos por Diamond?

PRA: O Brasil, como economia ou sociedade, não está exatamente apontando para algum colapso iminente, ainda que “pequenos colapsos” possam ocorrer, talvez nas contas públicas, como resultado dos crescentes déficits previdenciários, ou no terreno dos investimentos em infra-estrutura, onde obras importantes deixaram de ser feitas nos últimos anos por insuficiência orçamentária ou, mais exatamente, por incapacidade administrativa. Mas, o Brasil não está na iminência de uma grande catástrofe como as descritas no livro de Diamond, problemas de tal monta que acabam desestruturando toda a sociedade de forma irremediável. Nossos problemas são de natureza cumulativa, basicamente de organização, mais do que falta de meios ou de inteligência.
O que chama a atenção na experiência brasileira dos últimos vinte anos ou, praticamente, no último quarto de século, é a incapacidade do país de crescer de modo sustentável, primeiro pela aceleração inflacionária e pelo descontrole econômico ocorrido nos anos 1980 e na primeira metade dos 90, depois pela ausência de poupança e de investimentos produtivos, justamente. O que mais chama a atenção, de fato, é a nossa própria cegueira, mais exatamente da classe política, em continuar aprovando aumento de gastos públicos, não para fins produtivos, mas para alimentação dos “meios” tão simplesmente, em total descompasso com o crescimento da economia ou com a disponibilidade de recursos. A classe política tem demonstrado uma brutal insensibilidade para os efeitos cumulativos do baixo crescimento, do acúmulo de despesas obrigatórias sob responsabilidade do próprio Estado, do tributarismo e do regulacionismo excessivos, que na verdade “empurram” milhares de pessoas e de pequenas e médias empresas para o lado informal da economia, não porque elas ali queiram estar, mas porque não podem fazer de outro modo, em vista dos constrangimentos que teriam nos planos fiscal, tributário, regulatório. se desejassem, por acaso, ascender ao plano da formalidade e da plena legalidade.
Nossas pequenas “grandes” catástrofes estão nessa miríade de regulamentos burocráticos, de obrigações legais e, sobretudo, de regimes tributários que tornam a vida do empreendedor um inferno digno de Dante.

4) O Brasil está destinado ao fracasso ou há caminhos que indicam uma luz no fim do túnel? Ou ainda: que saídas temos para reverter nosso "colapso"?

PRA: O Brasil, certamente, não está, a priori, condenado ao colapso. Emprego este conceito num sentido bem mais metafórico do que real. Mas, o Brasil está, sim, condenado ao baixo crescimento, a uma quase estagnação do crescimento per capita, a uma deterioração sensível e contínua das instituições públicas, a uma erosão continuada da qualidade de sua educação, tudo isso ao mesmo tempo e cumulativamente, a persistirem os mesmos sintomas que indicam baixo crescimento da produtividade, desrespeito à lei, carga fiscal muito elevada, pesadas barreiras à entrada para novos negócios, corrupção generalizada no setor público, caixa 2 no setor privado – geralmente mantido mais em função do excesso de tributos de origem estatal do que por “necessidades” da própria empresa – e uma pesada herança do burocratismo de outras eras que ainda não foi extirpado de nossa cultura. Todos esses fatores podem não levar, exatamente, ao fracasso do Brasil, enquanto sociedade ou economia, mas indicam, sim, uma incapacidade desta nação de se adaptar ao mundo dinâmico da globalização contemporânea e podem, ao contrário, levar uma indefinição persistente quanto às reformas necessárias para superar esse tipo de impasse.
No campo das reformas, eu indicaria um conjunto de tarefas que nos permitiriam superar os problemas apontados, mas confesso desde já que sou totalmente pessimista quanto à capacidade dos governos – quaisquer que sejam eles – e da própria sociedade de aprová-las e implementá-las. Essas reformas, sinteticamente expostas, seriam as seguintes:
1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Em vista dos seus custos para o País e os cidadãos (que pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis (federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.

2. Reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado (estritamente definidas).

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista.

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional, cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento (diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).

6. Prosseguimento da abertura econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

5) Se é possível escolher entre o fracasso ou sucesso, como observa Diamond, temos exemplos acertados do Brasil em direção ao sucesso?

PRA: Certamente. O Brasil é uma sociedade extremamente maleável, receptiva a quaisquer inovações que possam ocorrer no resto do mundo, capaz de adaptar e incrementar bens, serviços, modas ou quaisquer outras coisas que surgem nos mais diferentes quadrantes do globo, geralmente melhorando o próprio original. Começamos que somos uma verdadeira sociedade multirracial, o que é uma qualidade e um atributo extremamente positivos no plano interno, ainda que isso possa não ser ainda devidamente valorizado em outros países. Nossa proverbial tolerância e acolhimento da chamada “alteridade” também é um valor que devemos preservar e ampliar.
No quadro dos países em desenvolvimento, fomos uma das sociedades mais bem sucedidas na construção de um sistema produtivo industrial e agrícola de excelente qualidade geral. Nosso establishment científico também rivaliza, em qualidade intrínseca, com os melhores do mundo, faltando apenas maiores investimentos na pesquisa para levá-la a patamares ainda superiores de descoberta e inventividade. Temos sérios problemas quanto à transposição do conhecimento científico para o plano de suas aplicações tecnológicas, mas poderemos melhorar esse aspecto também, uma vez que as condições técnicas parecem já estar dadas para tanto.
Destruímos muito nossa natureza no passado e, de certa forma, continuamos ainda a dilapidar nossos recursos naturais, mas a sociedade já se conscientizou dos problemas e parece pronta para inverter o ritmo e a direção da “insustentabilidade” que estava sendo criada. Mais um pouco e teremos estabelecido um padrão de convivência com os recursos da biodiversidade que nos colocará no caminho do desenvolvimento dito “sustentável” (com toda a carga de “politicamente correto” que esse conceito possa ter).
De certa forma, a maior parte do establishment científico, dos técnicos de alta formação, dos formadores de opinião, dos pesquisadores sociais em políticas públicas e, certamente, muitos quadros governamentais, todos esses personagens da nossa vida social e governamental têm perfeita consciência dos problemas brasileiros, da origem de nossos problemas macroeconômicos, setoriais, das deficiências educacionais, enfim, dos “males de origem”, e já traçaram diagnósticos corretos e até “manuais de correção” dos problemas detectados. Os obstáculos parecem situar-se muito mais no plano político-institucional, do que no âmbito da própria sociedade civil, que poderia estar disposta a enfrentar um programa de reformas, desde que bem explicadas e justificadas como necessárias, para retomar antigos patamares de crescimento e de desenvolvimento econômico e social.

6) Quais as principais lições a serem tiradas desta obra, tendo em vista a situação do país?

PRA: A principal lição é a de que a persistência no erro é o caminho mais rápido para a decadência, a estagnação e, possivelmente, o colapso. Antes do Brasil, outras sociedades declinaram durante décadas, senão séculos: nos três séculos que se seguem ao Iluminismo europeu e à emergência de sociedades avançadas e conquistadoras na Europa, a China constituiu um desses exemplos de notável declínio, mais até do que econômico ou tecnológico, propriamente civilizacional. No século XX, tanto a Grã-Bretanha “imperial” e a Argentina “periférica” passaram por décadas de lento mas constante declínio econômico, industrial e, para esta última, até político, processo que neste caso não está totalmente revertido. Em todos esses casos de retrocesso ou de estagnação, o que primeiro experimenta disfuncionalidades são as próprias instituições públicas, que deixam de operar em condições de racionalidade aceitável, passando a acumular problemas operacionais e algumas vezes até conceituais que impedem essas sociedades de conduzir as reformas necessárias para reverter o declínio (que é sempre relativo, no começo, antes de converter-se em absoluto).
Deve-se dizer que a maior parte dos exemplos citados por Jared Diamond se refere a desequilíbrios das sociedades estudadas com o seu próprio meio ambiente natural ou social e geográfico, o que não é absolutamente o nosso caso. O Brasil tem, mais precisamente, disfuncionalidades institucionais, de natureza essencialmente política, que inviabilizam atualmente a continuidade de um processo de reformas que de certa forma foi conduzido com sucesso no decorrer dos anos 1990 – estabilização macroeconômica, por exemplo, ou privatizações e criação de agências regulatórias – mas que encontra muitas resistências para ser levado adiante naquilo que se refere ao espectro de contratos sociais – reforma trabalhista, por exemplo – ou naquilo que se refere ao controle dos gastos públicos – aqui envolvendo toda a classe política, nos três níveis da federação –, além de diversas outras reformas que tocam nos famosos “direitos adquiridos” (como a questão previdenciária).
Se não estamos (ainda?) em desequilíbrio com o nosso meio ambiente, estamos há muito em desequilíbrio com as contas públicas e com a qualidade (deplorável) da educação pública. Esses problemas graves precisam ser revertidos urgentemente.

7) - Esteja à vontade para acrescentar outras informações e comentários.

PRA: Tenho absoluta consciência de que existe uma enorme distância entre a amplitude dos problemas brasileiros, tal como detectados de modo breve nos parágrafos acima, e as modestas possibilidades de seu encaminhamento satisfatório por meio de um processo de reformas racionais e totalmente voltadas para os fins desejados: a retomada do crescimento em bases sustentáveis, socialmente inclusivo, com transformação produtiva e inserção na economia internacional.
Ao não acreditar que isso seja possível no futuro previsível, só posso antecipar que o Brasil continuará a “patinar” no baixo crescimento e na deterioração ainda maior de suas instituições públicas – entre elas os diversos legislativos, o próprio Judiciário, as polícias, as universidades e as escolas, de modo geral –, com o irremediável comprometimento da qualidade de vida de nossos filhos e netos, que certamente terão de enfrentar um problema fiscal ainda maior do que o que temos hoje. Em vista dos bloqueios persistentes existentes na sociedade brasileira – que não devem ser confundidos com alguns exemplos de “inconsciência societal”, tal como detectados no livro de Jared Diamond – minhas previsões são moderadamente pessimistas, para não dizer virtualmente “declinistas”. Meu maior desejo, sinceramente, é o de ser desmentido pelos fatos e pelos processos futuros.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de agosto de 2006

Como criar uma nacao de assistidos - Paulo Roberto de Almeida (2007)


Como criar uma nação de assistidos

Paulo Roberto de Almeida

Segundo anúncios feitos por quem de direito, o Brasil comportava, em 2007, em seu programa oficial de assistência social, mais de 11,1 milhões de famílias inscritas, ou perto de 46 milhões de pessoas, formalmente dependentes da ajuda governamental. A primeira formatação do programa, nos idos de 2003, era de que se tratava de um “fome zero”, ou seja, existia um número enorme de brasileiros que não dispunham de recursos para se alimentar decentemente. Ninguém duvida que o Brasil exibisse um volume anormalmente grande de pobres e miseráveis, mas o que não se sabia, ao certo, era que esses pobres e miseráveis estavam morrendo de fome.
Dito assim, de chofre, seria difícil que alguém se opusesse a uma iniciativa que visava, ao que parece, aplacar a fome desse imenso contingente de miseráveis. Muitos desses eram visíveis, nos semáforos das grandes cidades, nas favelas das metrópoles, nos arrabaldes das aglomerações menores e, sobretudo, nas regiões rurais do imenso interior do país. Mas, salvo engano, não se tinha a impressão, de que estivessem todos morrendo de fome, inclusive porque o instinto de sobrevivência parece inato no homem, como entre os animais diga-se de passagem. Esses pobres, andrajosos que fossem, pareciam aplacar a sua fome mediante estratégias diversas: xepa nas feiras das cidades, pequena produção de subsistência nas zonas rurais, trabalhos precários aqui e ali, enfim, não se tinha notícia de que pessoas estavam morrendo de fome nas cidades e nos campos do Brasil. Claro, sempre havia o problema da insegurança e da carência alimentar, mas mesmo os mais pobres deviam ter estratégias de sobrevivência, pois os registros disponíveis não indicam um morticínio muito grande pela privação alimentar, salvo casos localizados em fases de desequilíbrio climatológico em certas regiões do país.
Como é que se pôde chegar, então, a esse número preciso de 11,1 milhões de famílias carentes que necessitavam absolutamente da ajuda governamental? Suspeito que por cálculos aproximados quanto à renda disponível dos cidadãos, renda essa que é sempre subestimada para as faixas inferiores de rendimentos. Seja como for, se montou no Brasil um imenso programa de ajuda oficial que talvez não encontre paralelo no mundo: trata-se, afinal de contas, de toda uma “Argentina” vivendo no cartão magnético, segundo um cadastro que é conduzido pelos prefeitos e pelos órgãos oficiais (federais e locais) de assistência pública. Acredito, pessoalmente, que a tentação de superestimar o número de necessitados é enorme, nas diversas pontas do processo: políticos que queiram constituir uma clientela eleitoral, intermediários que queiram incluir o maior número de “necessitados” para demonstrar “produtividade” e os próprios interessados, enfim, pessoas pobres que não teriam nada contra receber mensalmente 50 ou 80 reais, um maná dos céus em face da sua pobreza real, independentemente de a quanto se eleve a sua pobreza efetiva (ou falta de renda). Devem existir, claro, aqueles que não são exatamente “sem renda”, mas aos quais não falta a cara de pau de se inscrever num programa absolutamente generoso de distribuição de verbas públicas, aparentemente quase sem contrapartidas: basta ser pobre e, plim-plim, pinga aquela verbinha no final (ou no começo?) do mês, apta a comprar o trivial costumeiro no empório da esquina.
Em condições normais, presumo que a massa de novos consumidores – desobrigados, ao que parece, de lutar pelo seu próprio alimento – poderia provocar certa inflação sobre os preços dos alimentos, pois o movimento corresponderia a uma elevação da demanda por esses bens de primeira necessidade sem que os próprios interessados estivessem participando do processo produtivo (uma vez que suspeito que, mesmo a agricultura familiar de subsistência, ficaria “prejudicada”, dispondo-se da alternativa de compra direta dos alimentos no empório da aldeia). Não parece ter ocorrido essa pressão inflacionista, uma vez que a oferta alimentar no Brasil permanece abundante, graças, em grande medida, à pujança da agricultura de mercado.
Mas, entendo, com meus modestos conhecimentos de economia, que a pressão sobre os mercados de trabalho já estejam se exercendo com toda uma sinalização negativa para a demanda de trabalho não especializado. Colhedores de algodão, de cana, de café podem se tornar arredios a um trabalho vil e mal pago, o que obrigará os produtores – capitalistas gananciosos, por certo – seja a elevar os salários pagos, seja empreender um movimento que redundará na mecanização ampliada de suas culturas, elevando, portanto, as cifras de desemprego (se é verdade que os contemplados do programa de ajuda freqüentam essas listas, do que duvido). As conseqüências serão, de todo modo, igualmente nefastas no plano da previdência social, pois um contingente enorme de trabalhadores que poderia ser formalizado no mercado de trabalho permanecerá à margem dos registros oficiais, sem deixar, contudo, de se bater às portas da previdência, quando a ocasião se apresentar. Já nos níveis mais baixos de salário isso ocorre com grande intensidade: por que contribuir agora sobre um salário mínimo – diminuindo a renda pessoal em 10%, aproximadamente – se a aposentadoria virá inevitavelmente, no futuro, exatamente no mesmo valor da remuneração de base? Os pobres podem não ter educação formal, mas não deixam de ser espertos...
Em qualquer hipótese, um programa como esse parece fácil de ser criado, mas deve ser uma das coisas mais difíceis de terminar, ou diminuir. Ainda que os pobres não tenham acesso aos meios de comunicação e não costumam vir a Brasília reclamar “direitos”, eles votam, pelo menos a cada dois anos, e esse fator é um poderoso indutor político para a continuidade, e até a ampliação, de programas desse tipo. Finalmente, não se pode desprezar um contingente de algo como 20 milhões de votos, segundo calculo, incluindo ai os organizadores e os que capitalizam em cima da ajuda que eles não recebem, mas que ajudam a prestar.
Independentemente da existência de pobres e muito pobres no Brasil, o que não nego, tenho por mim que estamos criando um exército de assistidos que se constituirá em fator bastante negativo na conformação futura das políticas públicas, sobretudo setoriais. A nação está sendo dividida em “pagadores” e “recebedores” e isso não me parece bom no plano dos “costumes” sociais. Sempre achei que o trabalho deveria merecer remuneração adequada e que as pessoas devem encontrar uma forma de sustento pelo seu próprio trabalho, não pela benemerência pública, à exceção, obviamente, dos incapazes e necessitados absolutos. O país está assistindo à lenta elaboração de um novo tipo de apartheid, os do Bolsa-Família – um quarto, ao que parece, da população – e todos os demais, alguns até pobres, mas que não tiveram a “sorte” de entrar no programa oficial (mas que fariam algum esforço para entrar, suspeito, aumentando a pressão para a continuidade e a expansão do programa, a partir de seus níveis atuais).
Tenho por mim que ainda se aplica aquele antigo versinho de um nordestino também saído de uma região muito pobre, mas que se fez pelo seu esforço na grande cidade:
“Meu sinhô, uma esmola, para um pobre que é são,
Ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão...”

Brasília, 25 de agosto de 2007