O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 17 de outubro de 2015

O custo absurdo da (in)Justica no Brasil - Luciano Da Ros

 A Injusta Justiça 
Custo da Justiça no Brasil: Injustiça Social





Você pode pedir a um Poder que ele próprio faça uma autoreforma? Não, isso é ingênuo, como constatou Giordano Bruno frente à Igreja Católica Romana. Um Poder, como o Judiciário ou o Legislativo, que fixa suas próprias remunerações de maneira irresponsável, tem de ser controlado por quem? Em primeira instância, pelos vetos do Poder Executivo, em última, pela Sociedade.
Como a opinião pública — "a pior entre todas as opiniões" — brasileira está pensando ou agindo no momento? Ataca só a honesta mandatária atual do Poder Executivo e transforma em "herois nacionais" (sic) gente desonesta, como aquele juiz que faz prejulgamentos diários na imprensa e aquele parlamentar que tem dinheiro roubado na Suíça e faz "cara-de-paisagem"...
Claudia Safatle (Valor, 30/09/15) informa que as despesas do Poder Judiciário no Brasil equivalem a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB).Somados a esse percentual o orçamento do Ministério Público, de 0,32% do PIB, e mais 0,2% do custo das defensorias públicas e advocacia pública, o gasto total com o sistema de justiça no país chega a 1,8% do PIB, ou R$ 121 bilhões. Esse sistema consome 0,2% do PIB na França, 0,3% do PIB na Itália, 0,35% do PIB na Alemanhae 0,37% do PIB em Portugal. O PIB usado para o cálculo é o do Banco Central, de R$ 5,73 trilhões, em 12 meses até agosto.
Por todas as formas de análise comparada que se faz, tanto o Poder Judiciário (estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral, além do STF e o CNJ) quanto o sistema mais amplo de justiça no Brasil custam muito caro ao país.
É o que constata o estudo O Custo da Justiça no Brasil: Uma Análise Comparativa Exploratória, elaborado por Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que circula em gabinetes do governo federal. O autor é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS, onde faz pós-doutorado, e doutorado em Ciência Política pela Universidade de Illinois.
O trabalho é um subsídio importante na discussão do gasto crescente do setor público, principalmente considerando-se que o Congresso deve confirmar ou derrubar o veto presidencial ao reajuste de salários do Poder Judiciário.
O projeto de lei 7920/14, aprovado pela Câmara em 25 de março e vetado por Dilma Rousseff em 22 de julho, prevê aumento de salários de até 78,56% aos servidores do judiciário, a ser pago em parcelas entre este e o ano de 2017.
A justificativa para o veto foi que a proposta representa uma despesa adicional de R$ 25,7 bilhões nos próximos quatro anos, ao fim dos quais passa a R$ 10 bilhões por ano. Uma cifra pesada para o Tesouro Nacional bancar em uma situação fiscal precária como se encontra.
Para um orçamento que equivale a 1,3% do PIB, o Poder Judiciário no país é um caso "desviante", segundo o autor, se comparado com os países da OCDE, com os Estados Unidos ou, ainda, os com vários países latino americanos.
Somente El Salvador (1,35% do PIB) tem despesa com o poder judiciário nesse patamar. Tomando a taxa de câmbio de R$ 3,36, isso significa que a despesa per capita desse Poder no Brasil é de US$ 91,15 por ano.
Segundo o estudo de Da Ros, 89% da despesa é consumida com a folha de salários – padrão superior à média de 70% nos países europeus. São 16,5 mil magistrados – ou 8,2 juízes por 100 mil habitantes – o que não destoa dos demais países considerados. Portanto, não é a quantidade de magistrados no Brasil que explica o alto custo do Judiciário, mesmo levando em conta os seus elevados salários
O que foge ao padrão é o corpo de servidores, assessores, terceirizados, dentre outros, que totalizam 412,5 mil funcionários. São 205 funcionários para cada 100 mil habitantes, número muito superior aos 150 na Argentina, 66,9 na Alemanha, 42,1 no Chile, 41,6 na Colômbia ou 40,5 na Itália.
O Ministério Público – na ausência de informações o autor teve que buscar dados nos Estados e demais órgãos federais – teve um gasto de R$ 15,4 bilhões no ano passado, ou 0,32% do PIB. Apesar das dificuldades de se encontrar uma estrutura semelhante nos países comparados, Da Ros obteve informações que evidenciam uma despesa muito menor: é de 0,02% na Alemanha e na Espanha, de 0,06% em Portugal e de 0,09% na Itália.
Segundo cálculos do autor, R$ 9,9 bilhões, ou cerca de 0,2% do PIB, foram dispendidos com as defensorias estaduais e federais, Advocacia-Geral da União, procuradorias Estaduais e com as procuradorias dos dois municípios mais ricos do país (SP e RJ).
O legado de instituições autoritárias, o longo período de incertezas jurídicas decorrentes das crises econômicas dos anos 1980 e 1990, e as desigualdades socioeconômicas ajudariam a explicar por que o Brasil tem um sistema de justiça tão mais caro do que os europeus ou norte-americanos. O autor salienta que o judiciário brasileiro é identificado como um dos melhores da América Latina, mas não é possível desconhecer que seu custo atingiu um patamar além do desejável.
É fato que a carga processual é exorbitante: 95 milhões de processos tramitavam no sistema em 2013, praticamente 1 para cada 2 habitantes e 6.041 por magistrado. Mas a proporção da força de trabalho que auxilia cada magistrado na sua função é também substancialmente maior. No Brasil há 68 novos casos por funcionários anualmente, enquanto que em Portugal são 135 novos casos para cada servidor e 229 na Itália.
"Talvez seja o momento de considerar que o pêndulo orçamentário em relação ao Poder Judiciário tenha ido muito longe, particularmente no momento no qual o Brasil enfrenta difíceis escolhas relativas ao equilíbrio fiscal(...)", conclui Da Ros.

Economia brasileira: um buraco sem fundo - Celso Ming

Poço sem fundo

Desta vez, não são problemas limitados a meia dúzia de setores da atividade econômica ou da indústria; As estatísticas mostram que o problema está espalhado por toda a parte

Celso Ming

16 Outubro 2015 | 21h 00

As condições da economia continuam piorando, como mostraram nesta sexta-feira mais dois indicadores: o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), cuja função é passar o pulso da economia que só será conhecido mais tarde, pela divulgação do comportamento do PIB; e o nível do emprego industrial, divulgado pelo IBGE, que mostra a quantas anda o mercado de mão de obra do setor no País.

Os dois números vieram negativos como mostram os gráficos, ao abaixo e no Confira. O IBC-Br aponta para um desempenho do PIB da ordem de menos 3,0% neste ano, dentro do que vai sendo projetado pela maioria dos analistas econômicos. E mostra, também, que vai sendo deixado um arrasto forte de continuidade da queda em 2016.

Evolução do IBC-Br
Evolução do IBC-Br

E a pesquisa que mede o emprego industrial, do IBGE, apontou queda de 0,8% no número total de assalariados na indústria em agosto ante o patamar de junho, na série com ajuste sazonal.

Desta vez, não são problemas limitados a meia dúzia de setores da atividade econômica ou da indústria. As estatísticas – e não só essas aí – mostram que o problema está espalhado por toda a economia, com as quase únicas exceções do agronegócio e do setor exportador.

O resumo da ópera é o de que, na média, a renda do brasileiro está caindo neste ano cerca de 3,0% a mais do que o bocado comido pela inflação. Se a inflação está chegando aos 10% em 12 meses, pode-se dizer que, em termos nominais, a perda de renda em relação ao ano passado é de aproximadamente 13%.

Pior que tudo, ainda não se vê o fundo do poço. A percepção dos analistas, dos empresários e de tanta gente que depende do desempenho da economia para acertar sua vida e tomar decisões é a de que as coisas devem piorar por meses e meses mais antes de começar a melhorar. Ninguém ousa prever o ponto de virada.

Esta não é aquela situação em que o médico diz ao paciente que a doença vai piorar, mas, digamos, em dois meses virá a melhora, depois a fisioterapia e, seis meses depois, tudo voltará ao normal. É que o doente não está tendo o tratamento econômico adequado, porque as decisões que permitiriam combater a doença e iniciar a recuperação estão encruadas no Congresso. O governo federal tampouco se empenha em derrubar suas despesas. Limita-se a anunciar e, às vezes, a colocar em prática operações meramente cosméticas, que nem algum efeito teatral conseguem produzir.

O quadro político confuso e indefinido não permite prognósticos assim, porque não se sabe quem será governo em questão de meses e qual será a política econômica a partir daí.

De quebra, ainda há essa lenta fritura do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como se ele fosse a causa de todos os males e como se sua substituição contribuísse para mudar tudo.

Essa fritura se intensifica no momento em que se multiplicam as revelações da Operação Lava Jato, quando os maiorais conhecidos precisam de bodes expiatórios e de densas cortinas de fumaça que mudem o foco das atenções.

CONFIRA:

Evolução do emprego industrial
Evolução do emprego industrial

Veja acima a evolução do emprego industrial desde agosto de 2013. É o oitavo resultado mensal negativo consecutivo, de acordo com os levantamentos do IBGE. Nos oito primeiros meses do ano, o índice já acumula queda de 5,6%.

Pessimismo

Nesta sexta-feira, a Associação Paulista de Supermercados, a Apas, divulgou o resultado de pesquisa que aponta para queda recorde de confiança dos empresários do setor. Nada menos que 70% estão pessimistas em relação ao futuro. E este é um setor em que as vendas não param.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Por que o brasileiro não aprova importações, mesmo adorando produtos importados? - Carlos Pio

Mature man holding assorted shopping bags, low section
ECONOMIA

Importações nos deixam mais ricos. Então por que somos contra?


Os brasileiros adoram produtos importados, mas não aceitam a ideia de que todo mundo deve ter a liberdade para importar o que bem entender. Adoram viajar para o exterior — e sempre que retornam ao país trazem as malas abarrotadas de roupas e calçados, aparelhos eletroeletrônicos, bebidas e guloseimas as mais diversas, perfumes, batons e maquiagens.

Em Miami,compram tudo o que encontram pela frente, por preço e qualidade mais vantajosos do que está disponível no mercado brasileiro. Os brasileiros também consomem importados dentro do país — nos supermercados, adegas, restaurantes, petshops, farmácias, shopping centers, feiras populares. Se o importado for melhor ou mais barato que o produto feito no Brasil, os turistas brasileiros compram.

Da mesma forma que o consumidor comum, empresários brasileiros de todos os ramos também importam aquilo que podem para modernizar ou baratear a produção. Do agricultor ao industrial, passando pelos profissionais liberais e pelos fornecedores de todo e qualquer serviço, empresários usam importados para atender melhor (e mais em conta) as exigências dos clientes. Sabem, na prática, que os importados geram economias e ganhos de qualidade fundamentais para ganharem da concorrência.

Não existe “produto nacional”

Definir um produto como nacional é, sem sombra de dúvida, uma arbitrariedade. Na complexa economia em que vivemos, é também cada vez mais difícil definir se um produto ou serviço é “nacional” ou “importado”. Quase nada é inteiramente produzido num único país, sem qualquer uso de matéria-prima ou tecnologia feitas no exterior.

Por que um avião da Embraer (empresa brasileira de construção de aviões) é considerado nacional, se o uso de componentes importados chega a 80% do custo de cada aeronave produzida? E o que dizer de um serviço que, mesmo produzido no país, é realizado por um trabalhador estrangeiro, com insumos importados e numa empresa multinacional?

Se não existem bens ou serviços exclusivamente nacionais, não seria contraditória a disposição de proteger os empresários brasileiros? Algumas importações permitem que praticamente toda e qualquer empresa, dos mais diferentes setores, passe a produzir mais e melhores produtos/serviços com um custo menor. Não seria arbitrário proibir esse tipo de importação? Infelizmente, os obstáculos ao comércio internacional são ainda a regra no Brasil, um dos países com economia mais fechada do planeta.

Voltemos ao paradoxo destacado no início do artigo. Perguntássemos aos compradores de bens e produtos importados se eles seriam favoráveis a uma profunda abertura da economia brasileira às importações, muitos provavelmente expressarão desconfianças e temores, quiçá certezas, de que a abertura da economia não faria sentido algum, seria nociva aos interesses e à soberania nacionais, provocaria desemprego e quebradeira geral de empresas, levaria o país a uma crise em função da sua inundação por produtos importados mais baratos e de melhor qualidade que aqueles produzidos localmente. Muitos assentariam sua defesa da proteção comercial no alegado “fato” de que não há país que não recorra à proteção de sua indústria nacional, de setores estratégicos ou dos empregos. “Olhe para os Estados Unidos”, diriam muitos, “nem eles que são liberais e que têm a economia mais eficiente do mundo praticam uma política dessa natureza.”

O que se perde fechando a porta para as importações?

Há sérios problemas nos argumentos de quem defende a proteção de produtores locais contra importações de insumos, tecnologias e componentes mais baratos e de melhor qualidade. No que se segue, discutirei os mais graves dentre eles.

  1. Importar mais é fundamental para que empresas locais e consumidores economizem recursos preciosos e possam consumir mais  (o que aumenta o bem-estar das pessoas) e investir ou lucrar mais (favorecendo crescimento econômico). Em contraste, obrigar os consumidores e produtores locais a comprarem apenas os bens e serviços de fornecedores locais, mais caros e/ou de pior qualidade que os importados, é antieconômico, provocando queda do bem-estar e do investimento;
  2. Quanto importamos tecnologia a custo mais baixo do que seria possível encontrar no mercado local, a importação aumenta a produtividade das firmas – ou seja, será possível produzir mais riqueza gastando menos recursos. Maior produtividade leva a aumentos na renda, produção, qualidade do produto e salários dos trabalhadores, além de forçar os preços para baixo;
  3. Maior liberdade para importar — menores impostos, fim das proibições e maior simplicidade burocrática — é requisito essencial para a inserção de empresas localizadas no país em cadeias transnacionais de comércio — viabilizando a produção em escalas muito maiores. A maior parte dos produtos manufaturados dependem dos fornecedores de componentes, tecnologias e matérias-primas localizados em diversos países. Não importa se o bem é mais complexo, como aviões, automóveis ou eletroeletrônicos, ou mais simples (pen drives, utilidades domésticas, eletroportáteis, brinquedos, etc). O que importa é a liberdade de cada fornecedor para importar todos os insumos que quiser, de onde quer que eles venham. Sem tal liberdade, será quase impossível garantir que as empresas brasileiras tenham preço e qualidade competitivos internacionalmente;
  4. Importados pressionam produtores locais a manter preços competitivos, contribuindo assim tanto para o combate à inflação (sem a necessidade de aumentar juros) quanto para a modernização das firmas, para que possam reduzir custos e preços;
  5. Acesso a amplo leque de importados mais baratos e de melhor qualidade do que o produto local promove o investimento e o emprego em setores e regiões brasileiras onde é menos custoso e mais lucrativo produzi-los, desconcentrando geograficamente a produção. Além disso, promove mais negócios em todas as partes em função dos menores custos;
  6. Mais importação não leva à crise cambial, o protecionismo é que gera a escassez de divisas. Tudo o mais igual, quanto maior a demanda por importados, mais cara será a moeda estrangeira. Num regime de câmbio flutuante como o atual, a depreciação do real naturalmente desestimula importações, que ficam mais caras na moeda local. Comércio mais livre pressiona o governo na direção de uma política econômica de melhor qualidade, sem manipulação de preços e com equilíbrio fiscal. Todas as crises cambiais vividas no Brasil ocorreram em função de péssima gestão macroeconômica em contexto de forte protecionismo comercial.

Países que impõem tarifas mais altas sobre as importações tendem a participar menos do comercio internacional (veja no gráfico abaixo). Com isso, eles perdem o que economistas chamam de “ganhos do comércio”, isto é, a capacidade de garantir maior bem-estar à sua população e mais eficiência às firmas nele instaladas por meio da ampliação da liberdade de comprar importados e vender para o exterior.

comercio

Sem que todos os cidadãos e empresas tenham total liberdade para importar o que bem entendam, com alíquotas módicas e sem burocracia, a economia nacional se torna cada vez menos produtiva. Os custos de produção ficam mais altos do que os dos concorrentes estrangeiros, diminuindo a competitividade dos produtores locais tanto na economia global, quanto na própria economia nacional, e reduzindo ganhos potenciais de escala; o atraso tecnológico se generaliza e prejudica a qualidade do que se produz localmente; a concorrência cai e os preços sobem, difundindo maiores custos, em cascata, para todas as empresas locais que são obrigadas a comprar de produtores nacionais; por fim, a pressão política por proteção se generaliza e mesmo produtores eficientes acabam por demandar proteção contra importados.

Dinamicamente, numa espiral destrutiva, o protecionismo afunda todo o país (firmas e famílias) num mar de incompetência e privilégios. No entanto, as menores empresas, as famílias mais pobres e as regiões menos avançadas são as que sofrem mais.

PF quebra sigilo bancario de ‘Lula’ e revela operacoes milionarias com empreiteiras (Pensa Brasil)

Blog Pensa Brasil, 13/10/2015 (http://pensabrasil.com/caiu-o-primeiro-tombo-pf-quebra-sigilo-bancario-de-lula-e-revela-operacoes-milionarias-com-empreiteiras/)

PF quebra sigilo bancário de ‘Lula’ e revela operações milionárias com empreiteiras

O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enviou à Polícia Federal e aos integrantes da força-tarefa paranaense, dados estarrecedores sobre a movimentação financeira milionária da LILS, empresa de palestras do ex-presidente Lula.

De acordo com o documento, Lula faturou apenas através da LILS cerca de R$ 27 milhões, desde que ele deixou a presidência da República. Destes, boa parte do dinheiro veio de empreiteiras investigadas na Lava Jato, como Odebrecht (R$ 2,8 milhões), Andrade Gutierrez (R$ 1,5 milhão) e OAS (R$ 1,4 milhão).
Lula é milionário. É o ex-presidente mais rico em toda a história do País.
Essa é apenas uma pequena amostra da movimentação financeira do ex-presidente. Os dados são referentes apenas a conta bancária da LILS e apontam a a destinação de parte dos recursos. De acordo com o relatório, a LILS aplicou R$ 12,9 milhões, fez um plano de previdência privada no valor de R$ 5 milhões, recolheu R$ 3 milhões em impostos e fez transferências de R$ 4,3 milhões.
Após as revelações de sua conta milionária, Lula entrou em pânico e passou toda a noite em claro. Fez dezenas de ligações durante a madrugada e conseguiu marcar uma reunião de emergência com a presidente Dilma Rousseff na manhã deste sábado. Os dois se encontraram a sós, sem a presença de assessores ou testemunhas.
A assessoria de imprensa do Planalto assim como a do ex-presidente Lula não repassaram informações sobre o conteúdo da conversa reservada.
Fontes : Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Polícia Federal. Valores referentes apenas à LILS, empresa de Lula. Há ainda outros milhões doados por empreiteiras ao Instituto Lula, que não teve o sigilo quebrado. Lula terá que depor em inquérito da Operação Lava Jato.

O TPP provoca calafrios em certas autoridades brasileiras (nao todas...) - Matias Spektor

TPP: um dos grandes problemas de analistas acadêmicos é o de achar que o Itamaraty é responsável pela diplomacia brasileira. Não, não é; se foi no passado, isso ficou muito distante no tempo.
Há muito tempo que o Itamaraty deixou de ser o formulador, e por vezes o aplicador, da política externa, sobretudo em sua vertente econômica, ou seja, comercial.
Não há uma relação de causa a efeito, como se costuma dizer, sequer uma correlação...
Paulo Roberto de Almeida

Matias Spektor
 
Em seguida ao anúncio do Tratado Transpacífico (TPP), o ministro das Relações Exteriores disse ter "preocupação sistêmica". Em diplomatês, significa que o problema é grave.
O novo mega-acordo comercial é um golpe duro contra a estratégia brasileira dos últimos 20 anos, quando o condomínio PT-PSDB optou por fazer uma abertura comercial lenta e parcial, sem combate aos grandes interesses protecionistas nacionais.
A preocupação do chanceler se justifica porque o TPP reduz o poder de fogo de grandes países em desenvolvimento e reconcentra a autoridade pelo comércio global nas mãos de um grupo pequeno de países e de suas empresas.
Não surpreende que o TPP reintroduza elementos que o Brasil e seus aliados haviam conseguido eliminar ou neutralizar nas negociações multilateral da última década.
Além de facilitar comércio, o TPP agora estabelece disciplinas de direito trabalhista, proteção ambiental, convergência regulatória, serviços legais, comércio eletrônico, propriedade intelectual e políticas de conteúdo nacional. Um mecanismo de solução de disputas outorga poderes inéditos a investidores estrangeiros diante de Estados nacionais.
A proposta do TPP é tão ambiciosa, e seus signatários tão poderosos, que o efeito do acordo será sentido em todo o mundo. E servirá como balão de ensaio para a introdução de temas polêmicos. Para o Brasil, o saldo de um acordo dessa natureza é muito negativo.
Não se trata apenas de mais um passo em direção ao isolamento na geopolítica do comércio, mas de algo mais grave. Com o Brasil fora de qualquer negociação relevante, os defensores do livre comércio em Brasília perdem força diante de interesses protecionistas representados no Congresso.
O impacto disso é brutal por um motivo simples. O protecionismo brasileiro beneficia um grupo pequeno de grandes indústrias subsidiadas. Elas custam caro à sociedade, embora empreguem cada vez menos trabalhadores, que via de regra são da classe média.
Quem perde é o resto da economia, onde trabalha a maior parte da população. Esta, apesar de ser composta em sua grande maioria por pessoas de renda baixa ou muito baixa, é forçada a pagar caro por produtos de má qualidade que seus impostos subsidiam.
Forças protecionistas utilizarão o TPP para denunciar o imperialismo americano. Afastando o país das cadeias globais de valor, porém, manterão a sociedade brasileira enquistada no atraso tecnológico e na baixa produtividade. Impedirão o surgimento de uma política industrial inteligente.
A retomada da liderança em negociações comerciais deveria ser objetivo central da diplomacia brasileira. Desta vez, o país precisaria fazê-lo pela via da abertura.
 
MATIAS SPEKTOR escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Ah, como deve ser bom, voltar para o Brasil e dar de cara com a Receita Federal

Um exercício dantesco: verificando as regras de tratamento aplicadas à mudança, tal como estabelecidas por esse órgão supergeneroso que se chama Receita Federal:

Preparando a mudança e constatando como a Receita Federal é boazinha:
 
B . BENS NOVOS – isentos de impostos desde que sejam importados somente 1(um) por 
      categoria (ex.: uma TV, um refrigerador, uma lava-louça, etc.)
As notas fiscais de compra, em nome do proprietário da mudança, têm que ser apresentadas à Alfândega.


C. BENS DE CONSUMO (cosmético, bebida alcoólica, sabão, etc.) – sujeitos a cobrança de imposto de importação, ICMS e AFRMN, pois estão excluídos do conceito de bagagem desacompanhada.
(...)
8 - O limite para importar bebidas alcoólicas como bagagem, com isenção do pagamento dos impostos, é de 12 litros no total. Ultrapassado esse volume estará sujeito a cobrança de impostos ou poderá ser confiscado, dependendo da interpretação do auditor fiscal.

9 - A importação de alimentos em geral não é permitida.

10 - Bens de consumo ou bens novos que não forem declarados e forem encontrados na bagagem estarão sujeitos ao Imposto de Importação + ICMS + AFRMN + multa por falsa declaração, inclusive poderão ser confiscados.
11 - Base de cálculo dos impostos:

Imposto de importação (II): 50 % sobre o valor declarado.
Imposto estadual (ICMS) - itens de consumo / novos: valor declarado + I.I. / 0,82 x 18%
Imposto estadual (ICMS) - bebidas: valor declarado + I.I / 0,75 X 25%
Marinha Mercante (AFRMN): aproximadamente 25 % do valor do frete.


Não é uma gracinha?
Ou seja, pagando 50% de tarifa de importação sobre o valor declarado, mais ICMS, mais ICMS bebidas, mais 25% sobre o valor do Frete (???!!!), melhor deixar os bens com o fiscal da receita, não é mesmo? Pois iria sair muito mais caro do que voce pagou. Tem uma solução melhor ainda: destruir na hora, o bem que por acaso for embargado sob esses critérios.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 16/10/2015

A rigidez do gasto publico - Mansueto Almeida

A Rigidez do Gasto Público: Problemas e Soluções

Mansueto Almeida
Revista Interesse Nacional, ano 8, n. 31, outubro-dezembro 2015

De 1991 a 2014, a despesa primária do governo central cresceu 9 pontos de percentagem do PIB, um crescimento da despesa da ordem de R$ 512 bilhões, dos quais 78,7% decorrente da expansão de programas de transferência de renda: Benefício Mensal de Prestação Continuada, seguro-desemprego e abono salarial, Bolsa Família, INSS e aposentadorias de servidores públicos. Essa tendência do crescimento da despesa do governo central foi agravada, nos últimos três anos, com a criação de novos programas, em especial, subsídios setoriais, subsídios para o Minha Casa Minha Vida e desoneração da folha de salários.
Há hoje na economia brasileira dois grandes problemas. No curto prazo, a despesa do governo central continua crescendo acima da sua receita, o que significa que o resultado continua deficitário. A meta de 2% do PIB de superávit primário até 2018 exigirá que o setor público arrecade R$ 200 bilhões a mais do que arrecadou em 2014.
No longo prazo, regras para previdência (INSS), educação e saúde sinalizam um crescimento da despesa de pelo menos seis pontos do PIB até 2030. Controlar o crescimento da despesa pública significa modificar as regras que determinam a dinâmica da despesa. Não há alternativa que não seja uma profunda reforma nas vinculações e regras de crescimento do gasto público para que um maior crescimento da economia não se transforme, automaticamente, no crescimento mais rápido da despesa.
Este texto aborda a questão da rigidez do gasto público, destacando possíveis mecanismos de desvinculação da despesa à receita e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Sem alterações das regras atuais que indexam a despesa pública ao crescimento da receita e ao crescimento do PIB, corre-se o risco da necessidade de um aumento da carga tributária de pelo menos oito pontos de percentagem do PIB até 2030, sem que isso signifique aumento da poupança e do investimento do setor público.
As transferências De renda do governo central
O debate fiscal, algumas vezes, se destaca pela busca de uma saída fácil. Algumas pessoas acreditam que um gestor eficiente poderia, com ações voluntárias, reduzir desperdícios e fazer um ajuste fiscal sem a necessidade de aumentar carga tributária ou rever regras que determinam o crescimento de despesas obrigatórias.

(...)
 Leia a íntegra neste link: http://interessenacional.uol.com.br/index.php/edicoes-revista/a-rigidez-do-gasto-publico-problemase-solucoes-2/

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A caminho de Ítaca: como e por que sou professor - Paulo Roberto de Almeida


A caminho de Ítaca...
como e por que sou professor

Paulo Roberto de Almeida

         De todas as ocupações que fui dado até agora exercer, numa vida nômade e aventurosa da qual guardo não poucos momentos de orgulho, a que mais prezo e valorizo, obviamente, é a de professor, ou melhor de orientador de ensino, uma vez que não sou professor em tempo integral, nem retiro meu principal ganha-pão dessa nobre função de ‘mestre de artes e letras’. Não sei, aliás, se tenho o direito de me considerar professor, no sentido estrito do termo, já que nunca fui treinado para tanto, desconheço as mais elementares noções de pedagogia e não tenho certeza, de fato, se ao exercer esse nobre ofício minha real intenção é a de tentar ensinar algo a outras pessoas ou, como parece mais provável, faço de tudo isso uma grande figuração e estou, de verdade, aprendendo algo novo cada vez que me ocupo dessa absorvente atividade.
         Antes que alguém pense que sou, apenas e tão somente, um grande ‘embromador’, utilizando-me de inocentes alunos para, constantemente, ensinar algo a mim mesmo, desejo retificar minhas palavras, e corrigir essa sensação de improvisação no trato com o corpo discente. Acredito ter realmente algumas coisas úteis a ensinar a outras pessoas, mais por desejo de transmitir coisas novas, que venho aprendendo desde muitos anos, ao longo de constantes e intensas leituras, do que propriamente por necessidade de ter uma segunda profissão (ainda que, de fato, eu a considere a minha primeira e eterna ocupação, ao lado desta mais formal que exerço temporariamente de diplomata). Com efeito, não retiro, como disse, meu sustento dessa atividade que muitos julgam paralela e exercida como uma espécie de hobby ou para complemento de salário. Longe disso, pois que nunca o fiz, pelo menos desde que ingressei no serviço exterior brasileiro, pensando nos retornos pecuniários que retiraria dessa dupla jornada de trabalho, muitas vezes estafante e exercida contra meu lazer pessoal ou dedicação à família, ou em detrimento da ainda mais prazerosa ocupação de simples leitor e escrevinhador de coisas várias.
         Nunca pensei em ser professor, achando que eu tinha, de fato, qualquer coisa de extraordinário para ensinar a “mentes inocentes”, ou que essa minha atividade temporária e fortuita iria fazer alguma diferença na futura capacitação profissional daqueles temporariamente colocados sob minha responsabilidade docente. O que de fato sempre me motivou a ensinar, ou pelo menos a transmitir conhecimentos, foi uma espécie de motivação interior, algo como uma compulsão inata que me impele a sistematizar o meu próprio conhecimento e tentar repassar aquela maçaroca de idéias e conceitos sob uma forma minimamente organizada, de forma a satisfazer minhas próprias necessidades em termos de racionalização do saber adqurido nos livros (e também na observação homesta da realidade) e de “atingimento” de uma nova síntese a partir desses conhecimentos dispersos na “natureza”. Estou parecendo muito dialético?
         Não importa, desejo confirmar e reafirmar que o que me impele a ser professor é mais uma força interna do que uma necessidade externa, quaisquer que sejam as outras motivações aparentemente altruísticas geralmente invocadas nessas circunstâncias (compromisso com o saber, transmissão de conhecimento, desejo de formar os mais jovens, atendimento de uma vocação e outras escusas do gênero). Sou professor porque eu mesmo “preciso” disso, não porque outros possam eventualmente precisar de minhas competências gerais ou habilidades específicas. Se desejar, você pode considerar isso altamente egoísta ou profundamente narcisista: não me importo com as classificações externas, pois minha motivação interior não vai mudar porque se descobriu, aparentemente, algum motivo menos nobre, ou passavelmente autocentrado nesta principal “ocupação secundária”. 
         É esta motivação interna, não necessariamente “espiritual”, que me leva a desviar-me de outras atividades, talvez mais prazerosas – como o próprio lazer pessoal, a convivência familiar ou o simples tempo alocado à minha outra compulsão não tão secreta que é o hábito da leitura –,  para dedicar-me a essas práticas docentes com uma certa regularidade e constância. Nem por isso desprovidas de algum retorno pecuniário: a despeito de já ter aceito dar aulas de mestrado gratuitas em universidade pública – e de dar incontáveis palestras sem nunca ter sequer invocado alguma remuneração em contrapartida, por vezes mesmo tendo incorrido em despesas pessoais de deslocamentos a outras cidades –, o essencial das minhas atividades docentes se faz segundo tradicionais práticas contratuais. Nem poderia ser de outro modo: se eu deixo de ler ou de escrever para dar aulas, que o ‘desvio’ de ocupação me permita ao menos alimentar esse terrível vício da compra de novos livros e periódicos.
         Tampouco eu poderia invocar como motivação ‘nobre’ a própria arte do ensino. Sendo eu mesmo um autodidata radical, não me preocupa tanto o que os alunos possam estar aprendendo, como o próprio conteúdo do que estou ensinando, que pretendo seja o mais claro possível, o mais didático e o mais completo dentro daquele campo de conhecimento. Transmito aquilo que sei, aos alunos, depois, o encargo de reter o novo saber, de complementá-lo com as muitas indicações de leitura que não me canso de fazer ou de interrogar-me sobre algum aspecto pouco claro ou solicitar esclarecimentos adicionais sobre ‘coisas’ passavelmente complexas, quando não prolixas (sim: tenho esse péssimo hábito, talvez pelo excesso de leituras, de “complicar inutilmente” a vida de meus alunos, estendendo-me sobre longos períodos históricos, voltando a um passado remoto para encontrar as causas de algum processo atual ou supondo um conhecimento geral, sobre o Brasil ou o mundo, que simplesmente não existe mais para a maior parte das gerações mais jovens). Nesse sentido, sou mais ‘substância’ do que ‘forma’, ao dar uma densidade no mais das vezes dispensável a um conteúdo de aula que a maior parte dos alunos provavelmente preferiria superficial ou no estrito limite do “necessário para fazer a prova”. Mas, como disse, não estou principalmente preocupado com o que os alunos possam ‘aprender’ e sim com o que eu mesmo possa ensinar.
         Tratar-se-ia, por acaso, de uma “má técnica docente”? Talvez, ou quem sabe até, certamente. Minha didática está em ensinar, ou transmitir conhecimentos, julgando que os alunos, ou ouvintes de alguma palestra, serão suficiente maduros ou responsáveis para procurar, depois, seu próprio aperfeiçoamento cultural ou intelectual, cultivando as boas práticas do autodidatismo que eu mesmo reputo valiosas para mim mesmo (e assim tem sido desde os tempos remotos em que aprendi a ler, na ‘tardia’ idade de sete anos). Tão motivado sou pela necessidade interior e imperiosa de ensinar, que procuro estender a tarefa além das quatro paredes da sala de aulas ou de um auditório ou seminário acadêmico. Pela necessidade de complementar esse ensino fora do período ‘normal’ de atividade docente, criei e mantenho, praticamente sozinho (sem possuir as técnicas para tanto) um site de informação com motivações essencialmente didáticas. Também tenho produzido material impresso como derivação ou complementação das atividades didáticas: praticamente todos os meus livros – com exceção de um grosso ‘tijolo’ de pesquisa histórica – resultaram de aulas dadas, conferências pronunciadas, palestras proferidas, seminários a convite (sim, nunca me ‘convidei’ para qualquer tipo de atividade externa, tanto porque não conseguiria atender a todas essas oportunidades).
         Tanto o site como os livros e trabalhos publicados, bem mais até do que as aulas dadas em caráter necessariamente restrito, constituem, obviamente, oportunidades para aparecer em público, me tornar conhecido, quem sabe até ‘famoso’ em certos meios. Seria, então, por algum secreto desejo de prestígio pessoal, de reconhecimento público, de notoriedade acadêmica, que me obrigo a todas essas atividades cansativas, que não raro penetram fundo na madrugada e ocupam quase todos os fins de semana, para maior angústia familiar e evidente cansaço cotidiano?
         Não posso, honestamente, recusar esse aspecto da ‘necessidade de reconhecimento’, talvez uma demonstração de ‘desvio de personalidade’, buscando na exposição pública e no aplauso dos demais uma satisfação de alguma necessidade ‘secreta’ que o excesso de timidez me impediria de realizar de outro modo. Não creio, todavia, que esse aspecto seja determinante, tanto porque tenho inúmeros outros trabalhos que permanecem rigorosamente inéditos ou porque mantenho, em paralelo, alguma atividade de correspondente dedicado – e não apenas em direção dos muitos alunos que me procuram pedindo ajuda em trabalhos ou projetos de estudos – e algumas colaborações regulares (em matéria de livros, por exemplo) com determinados veículos de divulgação que não necessariamente levam minha assinatura.
         A principal motivação, volto a reafirmar, é interna, e deriva dessa minha inclinação pelo estudo, pela sistematização do conhecimento, pela necessidade de eu mesmo ver claro no emaranhado de informações que recolho diariamente de livros, jornais e revistas, pelo desejo subsequente de organizar o conhecimento adquirido em uma nova ‘síntese combinatória’ e pela motivação ulterior de tentar alcançar um público mais amplo ao colocar no papel, se possível impresso e publicado, essa massa de conhecimentos que adquiro de forma contínua e de modo interminável. Tanto é assim que acabo aceitando, contra a opinião familiar e contra o que seria sensato do ponto de vista profissional, dar palestras em alguns cantos recuados desse país continente que é o Brasil (e até mesmo em outros países), sem outra motivação aparente (e real) do que a de atender à solicitação de algum grupo de estudantes que acabaram descobrindo, na internet ou nas bibliografias, algum livro ou trabalho meu, que estiveram na origem dos convites.
         Sem pretender dar qualquer conotação de ‘épico literário’ a esse meu ativismo docente, algo de “jornada de Ulisses” pode estar escondida nas minhas aventuras didáticas, no mar revolto das instituições de ensino superior e nas enseadas mais movimentadas dos seminários acadêmicos. Com efeito, minha busca incessante de ‘complemento professoral’ às atividades profissionais normalmente desempenhadas no âmbito da carreira diplomática – já por si suficientemente absorvente – pode ter esse sentido de unending quest, de busca incessante de algo mais, ou de itinerário contínuo em direção de algo valorizado, que eu não bem precisar o que seja, exatamente.
         Na verdade, a comparação pode ser enganosa, pois mesmo Ulisses sabia para onde queria ir, e a esse objetivo dedicou todo o tempo do retorno de Tróia, ainda que tivesse sido constantemente desviado de alcançar seu destino final pelas trapaças da sorte e pelos acasos da vida. De minha parte, eu não sei exatamente o que persigo ao me ‘obrigar’, literalmente, a exercer uma ‘segunda’ – ou primeira? – profissão, ao lado daquela que me distingue socialmente, que me define institucionalmente e que me remunera essencialmente.
         Independentemente do destino final, o caminho de Ítaca é, ele mesmo, a aventura de uma vida inteira, uma experiência gratificante (por vezes ‘mortificante’) e, de certa forma, um reconhecimento implícito de uma certa ‘dívida social’ que eu desejaria amortizar da forma mais inconsciente possível. Como seria isso? Sendo eu originário de família modesta, morador, até a adolescência tardia, de uma casa onde eram poucos os materiais de leitura e relativamente raros os ‘livros sérios’, tendo feito toda a minha educação formal em instituições públicas e tendo tido a chance de poder frequentar, desde muito jovem, uma biblioteca infantil, aprendi a valorizar tremendamente o hábito da leitura e o auto-aprendizado. Sou, essencialmente e verdadeiramente, um autodidata, no sentido mais completo e profundo da palavra, algo não necessariamente extraordinário ou excepcional, mas que no meu caso corresponde inteiramente a toda uma realização de vida que devo reconhecer e valorizar honestamente.
         Mas, onde entra Ítaca nessa história de self-made intellectual, de sucesso profissional pelo esforço próprio, de mérito social pelo empenho no estudo e no trabalho? Creio que Ítaca é uma espécie de ‘Santo Graal’ intelectual que persigo por simples desencargo de consciência. Como aprendi por mim mesmo, mas também aprendi porque frequentei escolas públicas que num determinado momento eram ‘boas’ – mas que hoje são passavelmente sofríveis, quando não insuficientes para formar qualquer estudante para o ingresso no terceiro ciclo – e sobretudo aprendi porque tive à minha disposição uma biblioteca repleta de livros interessantes, acredito que ao me obrigar a dar aulas eu esteja, talvez inconscientemente, procurando dar aos outros aquilo que eu mesmo tive como ‘oferta da sociedade’, basicamente uma boa escola pública e uma ‘grande” biblioteca infantil.
         São essas instituições que fizeram de mim o que sou hoje – ademais do esforço próprio no estudo e na leitura, por certo – e aparentemente eu tenho um certo calling, um certo dever de consciência de contribuir em retorno ao que obtive em priscas eras (com perdão pela horrível expressão ‘pasteurizada’). Obviamente não estou retribuindo na justa medida, pois que dou aulas e orientação a ‘marmanjos’ do terceiro ciclo, não a ‘pequenos inocentes’ dos dois ciclos anteriores, mas é o que eu posso fazer, com meu singular  despreparo para aulas de ensino fundamental, e meu (reconheçamos) bom preparo para o ensino especializado, fortemente intelectualizado.
         Voilà, minha ilha de Ítaca é uma espécie de miragem, um ponto não alcançável no horizonte, jamais realizado ou realizável, mas que conforma um objetivo material (e ‘espiritual’) que me traz imensa satisfação pessoal: a necessidade de ensinar, um desejo (agora não tão secreto) de contribuir para o engrandecimento alheio tomando como ponto de partida os conhecimentos que fui adquirindo ao longo de uma vida razoavelmente feliz, ainda que materialmente difícil, feita de muito estudo, de leituras intensas, de escrituras compulsivas, de perorações infinitas, de um constante navegar em busca de mais conhecimento, de mais informação, de um pouco mais de compreensão (no sentido weberiano da Verstehen). 
         Não sei, aliás, se chegarei a alguma Ítaca algum dia: a sensação que mais tenho é a de que sempre há uma nova porção de mar para além do horizonte, de que a busca por conhecimento é infindável e propriamente inesgotável. Mas, pelo menos, não busco o conhecimento pelo conhecimento, não me retiro nos prazeres secretos da leitura pela leitura, como esses leitores de Proust que fazem da busca do tempo perdido um exercício de indeclináveis características de ‘eterno retorno’.
         Eu acredito na ‘flecha retilínea do tempo’ (com os habituais acidentes de percurso), acredito que o saber tem um caráter instrumental, de liberação, de capacitação humana, de engrandecimento social, de aperfeiçoamento da humanidade, de busca de valorização do que é belo, do que é útil e, sobretudo, do que é bom. Nesse sentido, não sou relativista, nem agnóstico: acredito que o exercício das paixões humanas – e, no caso, minhas atividades didáticas ou professorais constituem uma ‘paixão’ – podem e devem servir a algo de valorizado socialmente, não para uma mera satisfação pessoal de fundo egoísta.
         Repito: dou aulas ou orientação com um certo sacrifício pessoal e familiar, e de forma nenhuma motivado pela remuneração ou pelo prestígio vinculado a essas atividades. Eu o faço por necessidade interior e motivado por um sentimento que poderia, honestamente, classificar como ‘nobre’. Retiro satisfação social dos encargos docentes auto-assumidos, mas sobretudo retiro satisfação pessoal pelo fato de estar ensinando algo a mim mesmo: esse algo é a consciência de que pertencemos a uma entidade que nos transcende – sem qualquer espiritualismo aqui – e que precisa melhorar constantemente para que nós mesmos possamos ter motivos contínuos de satisfação social ou pessoal.
         Sou perfeitamente materialista, mesmo correndo o risco de ser incompreendido por causa desse conceito tão carregado de significados obscuros e supostamente ‘vulgares’. Acredito que a elevação da humanidade se dará por força e empenho pessoal de seus componentes irredutíveis, que são os seres humanos como eu e você, que me está lendo neste momento. Eu procuro, modestamente, contribuir com o meu pequeno esforço para a elevação dos padrões materiais e morais da humanidade. Por isso tenho orgulho em ser professor ou orientador, mesmo não necessitando fazê-lo por razões objetivas ou externas.
         Se não me falharem as forças, continuarei a caminho de Ítaca pelo resto de meus dias...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 18 de outubro de 2004

1345. “A caminho de Ítaca”, Brasília, 18 out. 2004, 7 p. Ensaio sobre como e por que sou professor, de caráter autobiográfico. Postado no blog DiplomataZ (23.11.2009; link: http://diplomataz.blogspot.com/2009/11/24-por-que-sou-professor-uma-reflexao.html).