Você pode pedir a um Poder que ele próprio faça uma autoreforma? Não, isso é ingênuo, como constatou Giordano Bruno frente à Igreja Católica Romana. Um Poder, como o Judiciário ou o Legislativo, que fixa suas próprias remunerações de maneira irresponsável, tem de ser controlado por quem? Em primeira instância, pelos vetos do Poder Executivo, em última, pela Sociedade.
Como a opinião pública — "a pior entre todas as opiniões" — brasileira está pensando ou agindo no momento? Ataca só a honesta mandatária atual do Poder Executivo e transforma em "herois nacionais" (sic) gente desonesta, como aquele juiz que faz prejulgamentos diários na imprensa e aquele parlamentar que tem dinheiro roubado na Suíça e faz "cara-de-paisagem"...
Claudia Safatle (Valor, 30/09/15) informa que as despesas do Poder Judiciário no Brasil equivalem a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB).Somados a esse percentual o orçamento do Ministério Público, de 0,32% do PIB, e mais 0,2% do custo das defensorias públicas e advocacia pública, o gasto total com o sistema de justiça no país chega a 1,8% do PIB, ou R$ 121 bilhões. Esse sistema consome 0,2% do PIB na França, 0,3% do PIB na Itália, 0,35% do PIB na Alemanhae 0,37% do PIB em Portugal. O PIB usado para o cálculo é o do Banco Central, de R$ 5,73 trilhões, em 12 meses até agosto.
Por todas as formas de análise comparada que se faz, tanto o Poder Judiciário (estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral, além do STF e o CNJ) quanto o sistema mais amplo de justiça no Brasil custam muito caro ao país.
É o que constata o estudo O Custo da Justiça no Brasil: Uma Análise Comparativa Exploratória, elaborado por Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que circula em gabinetes do governo federal. O autor é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS, onde faz pós-doutorado, e doutorado em Ciência Política pela Universidade de Illinois.
O trabalho é um subsídio importante na discussão do gasto crescente do setor público, principalmente considerando-se que o Congresso deve confirmar ou derrubar o veto presidencial ao reajuste de salários do Poder Judiciário.
O projeto de lei 7920/14, aprovado pela Câmara em 25 de março e vetado por Dilma Rousseff em 22 de julho, prevê aumento de salários de até 78,56% aos servidores do judiciário, a ser pago em parcelas entre este e o ano de 2017.
A justificativa para o veto foi que a proposta representa uma despesa adicional de R$ 25,7 bilhões nos próximos quatro anos, ao fim dos quais passa a R$ 10 bilhões por ano. Uma cifra pesada para o Tesouro Nacional bancar em uma situação fiscal precária como se encontra.
Para um orçamento que equivale a 1,3% do PIB, o Poder Judiciário no país é um caso "desviante", segundo o autor, se comparado com os países da OCDE, com os Estados Unidos ou, ainda, os com vários países latino americanos.
Somente El Salvador (1,35% do PIB) tem despesa com o poder judiciário nesse patamar. Tomando a taxa de câmbio de R$ 3,36, isso significa que a despesa per capita desse Poder no Brasil é de US$ 91,15 por ano.
Segundo o estudo de Da Ros, 89% da despesa é consumida com a folha de salários – padrão superior à média de 70% nos países europeus. São 16,5 mil magistrados – ou 8,2 juízes por 100 mil habitantes – o que não destoa dos demais países considerados. Portanto, não é a quantidade de magistrados no Brasil que explica o alto custo do Judiciário, mesmo levando em conta os seus elevados salários
O que foge ao padrão é o corpo de servidores, assessores, terceirizados, dentre outros, que totalizam 412,5 mil funcionários. São 205 funcionários para cada 100 mil habitantes, número muito superior aos 150 na Argentina, 66,9 na Alemanha, 42,1 no Chile, 41,6 na Colômbia ou 40,5 na Itália.
O Ministério Público – na ausência de informações o autor teve que buscar dados nos Estados e demais órgãos federais – teve um gasto de R$ 15,4 bilhões no ano passado, ou 0,32% do PIB. Apesar das dificuldades de se encontrar uma estrutura semelhante nos países comparados, Da Ros obteve informações que evidenciam uma despesa muito menor: é de 0,02% na Alemanha e na Espanha, de 0,06% em Portugal e de 0,09% na Itália.
Segundo cálculos do autor, R$ 9,9 bilhões, ou cerca de 0,2% do PIB, foram dispendidos com as defensorias estaduais e federais, Advocacia-Geral da União, procuradorias Estaduais e com as procuradorias dos dois municípios mais ricos do país (SP e RJ).
O legado de instituições autoritárias, o longo período de incertezas jurídicas decorrentes das crises econômicas dos anos 1980 e 1990, e as desigualdades socioeconômicas ajudariam a explicar por que o Brasil tem um sistema de justiça tão mais caro do que os europeus ou norte-americanos. O autor salienta que o judiciário brasileiro é identificado como um dos melhores da América Latina, mas não é possível desconhecer que seu custo atingiu um patamar além do desejável.
É fato que a carga processual é exorbitante: 95 milhões de processos tramitavam no sistema em 2013, praticamente 1 para cada 2 habitantes e 6.041 por magistrado. Mas a proporção da força de trabalho que auxilia cada magistrado na sua função é também substancialmente maior. No Brasil há 68 novos casos por funcionários anualmente, enquanto que em Portugal são 135 novos casos para cada servidor e 229 na Itália.
"Talvez seja o momento de considerar que o pêndulo orçamentário em relação ao Poder Judiciário tenha ido muito longe, particularmente no momento no qual o Brasil enfrenta difíceis escolhas relativas ao equilíbrio fiscal(...)", conclui Da Ros.
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