O TransPacific Partnership e seu impacto sobre o Mercosul
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor de Economia no Uniceub
(Brasília).
Doze países da orla do
Pacífico – membros da APEC (Cooperação Econômica da Ásia Pacífico), alguns da
ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), os três do NAFTA (Canadá,
Estados Unidos e México) e três dos quatro membros latino-americanos da Aliança
do Pacífico (Chile, Peru e México, mas a Colômbia também cogita aderir) –
assinaram em 5 de outubro de 2015 um grande acordo de liberalização do comércio
nessa vasta região. As siglas já indicam que não se trata de algo surgido do
nada, mas sim a evolução de um processo que ocorre paralelamente aos progressos
da globalização nas últimas duas ou três décadas. Existem boas perspectivas de
que a Coreia do Sul e outros países da região possam aderir em negociações ulteriores,
embora vários observadores se apressaram em sublinhar o fato de a China ter
sido mantida (por enquanto, pelo menos) à margem desse gigantesco acordo de
liberalização comercial. Esse fato, do qual muitos extraem conclusões
geopolíticas apressadas, pode não significar muito no plano prático: o gigante
asiático, tanto quanto o Japão, um dos grandes signatários, estará de fato
presente nos intercâmbios a serem realizados ao abrigo do acordo, pelos seus
muitos vínculos de investimentos e de integração produtiva já consolidados ao
longo da (e em toda a) imensa bacia do Pacífico.
A decisão de coroar um
difícil processo negociador – que tinha sido iniciado em 2008 – por um acordo
ambicioso de liberalização comercial e de facilitação de diversos outros tipos
de negócios se insere na tendência acelerada nas duas últimas décadas que é
conhecida como “regionalização”. Mas ela também poderia ser identificada ao
chamado “minilateralismo”, por oposição ao formato básico do sistema
multilateral de comércio, regido pelas normas do GATT – o Acordo Geral de
Tarifas e Comércio, de 1947, revisto em 1994 – e administrado pela Organização
Mundial de Comércio (OMC), ela mesma criada nesse último ano, mas que
representa a última das três organizações da ordem econômica mundial, cujo
desenho tinha sido feito pela primeira vez em Bretton Woods, em 1944. A
regionalização constitui, justamente, uma das exceções ao regime geral do GATT,
no sentido em que ela permite, contra os princípios gerais de
nação-mais-favorecida, tratamento nacional e reciprocidade desse instrumento,
que as nações partícipes de esquemas mais restritos de liberalização comercial
não tenham de aplicar o mesmo tratamento a todos os membros do acordo, mas que
possam manter, contrariamente ao artigo primeiro do GATT, certo grau de discriminação
contra parceiros comerciais não membros desse acordo mais restrito.
No caso desse acordo do
Pacífico, como também de outros blocos comerciais em vigor – em geral sob a
forma de áreas preferenciais de comércio ou de zonas de livre comércio, com alguns
poucos casos de uniões aduaneiras, como a UE e, tentativamente, o Mercosul –, a
redução das tarifas aduaneiras aplicadas ao comércio recíproco nem constitui o
aspecto mais importante do esquema: as tarifas comerciais já são, para todos os
efeitos, muito baixas (com possíveis exceções na área agrícola, terreno, aliás,
de muitas das exclusões pontuais à liberalização), ou inexistentes, inclusive
por força de acordos já concluídos, como é o caso do famoso ITA, o acordo que
zera as tarifas para uma imensa gama de bens tecnológicos (geralmente de
informática, ou eletrônicos em geral). Com exceção do Mercosul, e de alguns
outros blocos comerciais incipientes entre países em desenvolvimento, as
tarifas industriais entre parceiros avançados e em vigor nos grandes acordos de
comércio – como os de “associação” patrocinados pela UE – as barreiras
tarifárias não costumam ter a função protecionista que elas assumem no âmbito
do chamado “Sul Global”, embora as exceções pontuais e o tratamento especial
dado a alguns setores (agricultura, em grande medida) possam ser relevantes.
Mas, se as tarifas não são tão importantes nesse acordo do Pacífico, por que,
então, as dificuldades negociadoras, e as relutâncias já expressas por
legisladores (sobretudo nos Estados Unidos) aos seus termos?
Isto se deve a que o
TransPacific Partnership não é um simples acordo de acesso a mercados, ou seja,
tratando apenas de tarifas de bens, e sim um acordo abrangente que se estende
às muitas áreas que, na linguagem da OMC, são introduzidas pela expressão
“aspectos comerciais de...”, ou seja, temas regulatórios e normas. Aqui figuram,
entre outros, investimentos, barreiras técnicas, propriedade intelectual,
normas fitossanitárias, meio ambiente, regulações laborais, compras
governamentais, aperfeiçoamento dos mecanismos de solução de controvérsias, sem
mencionar o importante campo dos serviços (sobretudo os financeiros, onde
atualmente se destacam gigantes como os próprios EUA, mas também
cidades-Estados como Cingapura, ou “enclaves” como Hong Kong). O Vietnã, por
exemplo, terá de atender a alguns dos critérios expressos no acordo que regulam
normas laborais, permitindo a criação de sindicatos independentes, que possam
lutar pelos interesses reais dos trabalhadores, sem a interferência do partido
comunista, que mantêm a postura contrária a sindicatos livres dos marxistas no
poder.
São esses os terrenos que
passarão a ocupar um espaço significativamente maior do que o próprio comércio
de bens nos intercâmbios entre essas economias, que a julgar por estimativas apresentadas
recentemente já representariam 40% do PIB mundial (mas menos de 30% pelo
critério da paridade de poder de compra). Na verdade, os membros do TPP são
ainda mais relevantes do que a simples agregação dos PIBs nacionais, e os seus
números desafiam qualquer comparação com o Mercosul, e ultrapassam até mesmo os
indicadores mastodônticos vinculados à UE com seus 27 membros. O Mercosul,
mesmo incorporando Venezuela e Bolívia (que não poderiam, a rigor, ser considerados
membros plenos do bloco, sendo antes países associados a ele), empalidece em
face dos dois grandes blocos comerciais da atualidade, como também da China, o
novo gigante da economia mundial; o coeficiente de comércio exterior do
Mercosul, por exemplo, representa apenas 19% do PIB, contra 24% da China, 25%
da UE e mais de 31% para o TPP. A tabela abaixo, com estatísticas de PIB
segundo o critério da paridade de poder de compra, apresenta os mais
importantes indicadores vinculados a comércio.
Uma comparação entre esses
blocos em seus respectivos indicadores permite verificar seu potencial impacto
mundial em termos econômicos e comerciais. O TPP, por exemplo, com apenas um
décimo da população mundial realiza mais de 22% das exportações globais, contra
valores respectivos de 7% da população total para a UE com apenas 11% das
exportações mundiais. A China, um gigante populacional, com mais de 18% dos
habitantes do planeta, ultrapassa a UE em matéria de exportações, perfazendo
sozinha 11,8% das vendas mundiais. O Mercosul a seis países, ainda que detendo
mais de 4% da população do mundo, representa apenas 2,3% das exportações totais,
mas apenas 1,8% do total quando reduzido aos seus quatro membros originais.
Em termos do PIB global,
os contrastes são igualmente significativos: o TPP representa 27,12% do valor
agregado mundial (ppp), contra números relativamente similares entre a China (16,47%)
e a UE (16,45); o Mercosul a seis, em contraste, representa apenas 4,07%
do PIB mundial, mas tão somente 3,5% no formato a quatro países. A importância
do comércio exterior na economia de cada um dos blocos é bastante diferenciada,
mostrando o dinamismo relativo de cada economia tal como refletido nas
exportações respectivas: os países do TPP exportam, na média, US$ 6,41 per
capita, ao passo que esse valor cai para US$ 4,27 no caso da UE e para apenas
US$ 1,66 por cada chinês; em contraste, os valores das exportações por
habitante no Mercosul a seis são de apenas US$ 1,44 e ainda inferior no caso do
bloco reduzido a quatro países: US$ 1,16. Aqui se trata de valores brutos das
exportações, sem considerar sua composição, o que certamente redundaria numa
participação ainda mais irrelevante no caso do Mercosul em termos de bens de
maior valor agregado, ou seja, de mais elevada elasticidade-preço (o Mercosul,
na verdade, não vende muito ao mundo, apenas é requisitado em termos de oferta
de commodities e matérias-primas energéticas).
Pois bem,
independentemente de quais possam ser os desdobramentos regionais e
internacionais do acordo TPP e de sua incidência nos grandes fluxos mundiais de
comércio de bens e serviços, caberia registrar, ainda que brevemente, seus impactos
para o Mercosul e do ponto de vista dos interesses brasileiros. Em primeiro
lugar, é evidente que, no plano estrito das competitividades setoriais, as
preferências intercambiadas entre os membros do TPP reduzem a – já bastante
diminuída – penetração de produtos brasileiros e dos demais países do Mercosul na
região coberta pelo novo acordo, com a possível exceção, ainda que parcial, das
commodities (que possuem seus próprios canais e mecanismos de fixação de
preços) e dos parceiros sul-americanos. Um outro aspecto de alta relevância é o
de que, mesmo sendo um acordo “regional”, é evidente que o TPP vai influenciar
o formato, o escopo e a abrangência de outros acordos do gênero, além dos
próprios acordos multilaterais, seja um Doha redivivo, ou qualquer outro
esquema substituto ou sucessor, não esquecendo as negociações em curso para um
acordo bi-regional UE-Mercosul. Possivelmente, ou quase certamente, novas
rodadas de negociações, no plano multilateral ou em escala mais limitada
geograficamente, passarão a incorporar demandas por sua ampliação das
tradicionais barganhas por acesso a mercados a aspectos regulatórios já
mencionados.
Em terceiro, e talvez mais
importante lugar, esse acordo, assim como os demais já existentes ou em
negociação – como o “transatlântico”, entre EUA e UE – tendem a conformar o
padrão das trocas internacionais no futuro previsível e já definem, desde
muito, o processo em curso de integração mundial das cadeias produtivas, das
quais o Brasil e seus “sócios” do Mercosul estão em grande medida excluídos.
Depois das decisões tomadas na era Collor de abertura econômica e de
liberalização comercial unilateral – ou seja, uma reforma tarifária feita
essencialmente no interesse do próprio Brasil – e que influenciaram
positivamente os ganhos de produtividade e o aumento da competitividade dos
produtos brasileiros, o país nunca mais experimentou uma redução significativa
de barreiras aduaneiras, tendo, ao contrário, aumentado o seu grau ainda
elevado de protecionismo comercial (sem mencionar a Argentina, que se excedeu
nesse tipo de restrição).
Não estranha, assim, que
todas as avaliações feitas a propósito do TPP no Brasil foram num tom de
lamento conformado com o nosso isolamento mundial (em grande medida atribuído à
“bola de ferro” do Mercosul). Todos os observadores se perguntam se o Brasil
vai continuar na mesma letargia registrada nos últimos anos, apostando todas as
suas fichas num longínquo acordo multilateral ou no sucesso de um pouco
plausível arranjo Mercosul-UE. O país paga o preço, atualmente, pelos muitos
anos de retração comercial e introversão econômica, e quiçá por décadas de
políticas setoriais excessivamente calcadas no mercado interno, sobre as quais
vieram agregar-se a miopia inacreditável que consistiu na preferencia
ideológica por uma tal de diplomacia Sul-Sul, além da tolerância para com os
desmandos argentinos em relação ao livre comércio no Mercosul. Tudo tem um
custo, e o Brasil conhece hoje os danos provocados pelas políticas equivocadas
dos últimos doze ou treze anos.
Hartford, 9 de outubro de 2015, 5 p.
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